Amadeu Garrido de Paula *
As crises sociais e políticas são solucionadas nesta etapa civilizatória alcançada pelo homem, por meio de regramentos adequados à solução dos problemas postos, ou por uma norma jurídica-síntese das teses e das antíteses, produto do consenso de uma nação, que encontra canais para se autodisciplinar e mudar rumos fundamentais, quando necessárias as transformações, para, no terreno da ordem delineada por um novo marco jurídico, reunir as condições de caminhar em direção ao futuro.
Momentos atípicos como este em que se encontra o Brasil correspondem a uma problemática complexa e não se verá a planície do direito por onde deva viajar nossa diligência histórica por meio de medidas tópicas e reducionistas. Todos sabem que os movimentos que estremecem nosso país e nossas instituições – o clamor das ruas, acompanhado das inevitáveis derrapagens para as violências inaceitáveis – não se resumem ao anseio por solução de impasses tópicos ou urbanos. Os inconformismos são múltiplos e variados, interpenetrados por vínculos etiológicos que formam algo comum – “tudo isso que está aí, diria o lulopetismo”, a ponto de exigir a convergência de todas as forças vivas da sociedade na busca desse regramento ordenador. Estamos a viver um momento de pico constitucional.
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Em outras palavras, uma carta constitucional andrajosa, remendada na maioria de seus artigos, que veio a lume como um documento altamente significativo em 1988 – a Constituição cidadã – hoje não mais cumpre a elevada função jurídica de uma lei fundamental, determinante da unidade política. Aliás, o que falta em nosso país neste momento é unidade política e institucional. O clima tangencia perigosamente a desordem, que não interessa a ninguém.
Sob tal conjuntura, mais importante é encontrar um método de encaminhamento das sínteses do que propor soluções “geniais “para o mérito das questões ventiladas. E esse método é a instauração de um processo congressual constituinte, denominado pelos constitucionalistas de “poder constituinte originário”. O que dele resultar será a base da harmonia que todos desejamos para a nação, salvo se preferir deixar o caos criativo ser sufocado pela jurisprudência da polícia, para renascer amanhã de modo ainda mais devastador.
Uma Constituição bem elaborada pelos brasileiros, em substituição à atual, que já cumpriu seu relevante papel, como as boas Constituições dos povos, falará por si. Se respeitada por todos, a partir dos poderes do Estado, só precisará de um guardião – o Supremo Tribunal Federal – nos casos extremos. E um povo esperançoso só tem a alternativa de guiar-se voluntariamente segundo os cânones de sua bíblia política. Assim como um acordo ou um contrato harmoniza relações privadas, as Constituições reconciliam as nações em torno de seus propósitos mais sensíveis. Estabelecem limites às ações dos poderes públicos, positiva as normas de determinação dos poderes do Estado, fixa a orientação política global e orienta as decisões das questões pendentes; e ainda os procedimentos com que hão de ser superados os conflitos que surjam dentro da comunidade.
Essa nova carta política caberá firmar os traços gerais orientadores da vida dos brasileiros deste primeiro quartel do século XXI. As concreções posteriores – sobretudo leis severas de combate à corrupção e a todos os crimes contra o erário – deles emanados permitirão a nova existência pela qual está a clamar uma parte substancial da coletividade; segundo levantamentos, os que estão nas ruas têm o apoio da maioria da nação. O fato é que o povo tem a justa e nítida percepção de que, submetido a um populismo grotesco, hoje não vive sob um Estado de administração proba e de “cuidado existencial”, como é rigor aos Estados contemporâneos. Logo, as múltiplas reivindicações expostas devem ser trabalhadas por essa sintetização construtiva da concórdia, da paz e do desenvolvimento com justiça, com as quais não só os jovens, mas todas as gerações que ainda habitam esta terra, sempre sonharam – e acabaram em frustrações, nesta altura já insuportáveis.
* Amadeu Garrido de Paula é advogado.