Álvaro Sólon de França *
A edição da Medida Provisória nº 609, de 8 de março de 2013, com zeragem dos tributos federais sobre a cesta básica, foi uma importante medida de justiça fiscal, porque reduz a tributação indireta, profundamente regressiva.
A regressividade é resultado da elevada participação dos tributos indiretos, que são os que não dependem da condição econômica do contribuinte. Em modelos regressivos como o nosso, são os pobres que, proporcionalmente, mais pagam tributos, exatamente porque comprometem a quase totalidade de sua renda ou salário com o consumo de produtos básicos, sobre os quais há a maior incidência de tributos indiretos.
A Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) sempre denunciou a injustiça de nosso modelo tributário, que tributa o consumo e não o patrimônio e a renda, com fazem os países desenvolvidos. O modelo brasileiro é profundamente injusto, porque onera os pobres e os trabalhadores assalariados, privilegiando a não cobrança ou a baixa carga de tributo sobre os rendimentos e patrimônio dos mais ricos, numa completa inversão de valores.
Para caracterizar a regressividade e a injustiça fiscal, basta dizer que o sócio ou o proprietário de empresa não paga imposto sobre lucros ou dividendos, enquanto o assalariado, que vive exclusivamente de seu salário, paga até 27,5% a título de Imposto de Renda.
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Frente a esse quadro, a medida de desoneração da cesta básica foi duplamente importante. Em primeiro lugar, porque alivia a pressão sobre a inflação, o verdadeiro propósito da desoneração, e, em segundo, porque reduz a carga tributária sobre os produtos mais consumidos pelos assalariados de baixa renda no país, diminuindo a regressividade dos tributos.
É uma pena que ainda continuem incidindo sobre os produtos da cesta básica os impostos estaduais, especialmente o ICMS, talvez o de maior impacto sobre as mercadorias que o governo federal isentou.
De qualquer modo, foi dado um primeiro passo para a completa desoneração desses produtos e para avançar sobre outros de consumo popular, dentro da lógica de substituir uma tributação regressiva por outra progressiva, em que aqueles que ganham mais paguem mais, um princípio de justiça fiscal.
Não temos a ilusão de que tributos sobre o patrimônio (terras e outros bens imóveis), sobre herança e sobre grandes fortunas venham a merecer uma atenção especial do atual governo, mas se ao menos levar em conta a capacidade econômica do contribuinte, como tem feito em relação à participação especial nas concessões públicas, já terá sido um passo importante na direção da justiça tributária.
Outra medida importante da presidente Dilma foi a sanção da lei que obriga a detalhar nas notas fiscais o valor de cada tributo incidente sobre os produtos ou serviços adquiridos pelo consumidor, porque permite ao cidadão contribuinte ter clareza do quanto paga de tributos, contribuindo para a transparência tributária.
Essa medida de cidadania ou de educação fiscal jogará luzes sobre a injustiça do nosso modelo, deixando evidente que mais de metade da carga tributária incide sobre bens e serviços consumidos ou utilizados pelos remediados.
Geralmente, os que mais reclamam da carga tributária são aqueles que, proporcionalmente, menos pagam impostos. Esperamos e torcemos para que os verdadeiros injustiçados pela carga tributária, aqueles que vivem dos salários, que comprometem metade de sua renda com pagamento de impostos, a maioria dos quais indiretos, possam tomar consciência dessa injustiça e cobrar dos governantes um tratamento isonômico.
Vamos aproveitar esses dois exemplos – a desoneração da cesta básica e a lei que obriga a divulgação dos tributos – para promover uma grande campanha pela justiça fiscal, que consiste em tributar mais quem ganha mais, além de pressionar pela regulamentação dos impostos sobre herança e grandes fortunas.
Queremos chegar a um estágio de educação fiscal no qual o cidadão tenha clareza do quanto paga de impostos e possa comparar entre o que paga efetivamente e o que recebe de retorno em termos de política pública, especialmente na área das políticas sociais. A justiça fiscal tem dupla dimensão: na arrecadação, cobrando mais de quem ganha mais ou tem mais renda, e nas políticas públicas, dando mais a quem mais necessita.
Enquanto não atingirmos esse estágio ideal, cumprimentamos e elogiamos as duas iniciativas de presidente Dilma, que sinalizam na direção correta da transparência tributária e da justiça fiscal, com a diminuição dos tributos indiretos, especialmente aqueles que incidem sobre produtos, bens e serviços majoritariamente consumidos ou utilizados pelos pobres ou pessoas de baixa renda.
* É auditor-fiscal e presidente da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).
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