Acompanhei praticamente todo o julgamento realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em relação à chapa Dilma/Temer (e suas peripécias nas eleições presidenciais de 2014). Aspectos jurídicos e políticos atraíram a minha atenção para o importante julgamento.
Na ressaca do deprimente espetáculo produzido pela Corte eleitoral não tive como evitar a releitura dos seguintes dispositivos da Constituição (parágrafos do artigo 14):
“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (Redação dada pela
Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994).
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A Constituição afirma o óbvio para um Estado Democrático de Direito fundado na soberania popular. Os pleitos eleitorais não podem ser deturpados pela influência indevida do poder econômico, pela corrupção ou pela fraude.
Evidentemente, é preciso um extremo cuidado para não afastar o resultado emergente das urnas (manifestação específica da soberania popular) em razão de problemas ou vícios menores. Também não parece admissível desfazer o resultado de um certame eleitoral sem demonstração clara e suficiente de um comprometimento sério e grave de sua normalidade e legitimidade.
No caso particular do julgamento da regularidade da campanha realizada pela chapa Dilma/Temer, sem prejuízo de análise e conclusão semelhante para outras chapas do pleito presidencial de 2014, restou amplamente demonstrado um festival inacreditável de influência ilícita do poder econômico, de corrupção e de fraude.
Em cerca de 14 horas, o ministro Herman Benjamin, relator, apresentou, para espanto e náuseas da Nação, com riqueza de detalhes e variedade de elementos (testemunhos, perícias, documentos, etc), um sofisticado e milionário esquema ilegal e inconstitucional voltado para obtenção da vitória eleitoral.
Aliás, a atuação do ministro Benjamin merece um registro elogioso em função do conhecimento jurídico, da inteligência argumentativa e da coragem cívica.
Tomando o caso Dilma/Temer como parâmetro, uma instigante pergunta pode ser posta. Qual esquema de malversação da normalidade e legitimidade dos pleitos eleitorais seria mais evidente e mais significativo? Afinal, centenas de milhões de reais, oriundos dos cofres públicos, foram utilizados, via caixas 1, 2 e 3, nas mais diversas ações lícitas e ilícitas relacionadas com o certame, inclusive compra de apoios partidários e pagamentos dos mais diversos bens e serviços. Entre as muitas conclusões extraídas desse triste episódio da vida nacional (o malsinado julgamento “absolutório”) destaco estas três:
a) temos indivíduos, em vistosos postos na estrutura do Estado, dispostos a chafurdar, até os cabelos, na indignidade e na imoralidade, indiferentes ao julgamento público e da história, que se mostram completamente insensíveis ao desafio de refundar a sociedade brasileira em bases completamente distintas das vivenciadas atualmente;
b) o tamanho do buraco ético e institucional em que estamos metidos é enorme (e só aumenta, para espanto geral). A afirmação de uma sociedade livre, justa e solidária, onde os interesses populares e democráticos da imensa maioria sejam preponderantes é algo ainda muito distante;
c) o direito não é uma técnica neutra que segue métodos e caminhos claramente definidos para chegar a um resultado correto para toda e qualquer controvérsia. Pelo contrário, a amplitude de instrumentos e elementos na seara jurídica fornece as ferramentas necessárias para chancelar praticamente todos os interesses em disputa numa sociedade plural e complexa como a brasileira.
Aguardemos os próximos capítulos da novela Brasil…
Quem participou do velório, quem carregou o caixão e quem foi coveiro de prova viva no TSE