Tarciso Nascimento
Arrastado pelo vendaval de denúncias contra o governo, o presidente Lula reduziu à metade a edição de medidas provisórias e leis sancionadas este ano, em comparação com 2004, e, por tabela, amenizou o desequilíbrio entre o Executivo e o Congresso na produção legislativa.
Das 139 leis federais que entraram em vigor em 2005, 37 (26,6% delas) foram propostas por deputados ou senadores, revela levantamento feito pelo Congresso em Foco. No ano passado, apenas 17 (6,7%) das 275 normas jurídicas elaboradas partiram da iniciativa de parlamentares (leia mais). De lá pra cá, a balança pendeu menos para o Palácio do Planalto.
Em 2004, 90,9% das leis sancionadas por Lula haviam sido propostas pelo próprio Executivo. Com a base aliada fragilizada e sob o fogo cruzado das CPIs, o governo viu esse predomínio cair para 70,5%. A edição de MPs caiu de 73 unidades, no ano passado, para 36, de janeiro até ontem.
Mesmo assim, a contribuição dos parlamentares não deve interferir significativamente na vida da população. Das 37 leis que entraram em vigor este ano por iniciativa dos congressistas, 23 prestam homenagem a personalidades, dando nome a pontes, portos e rodovias ou estabelecem datas comemorativas (veja a relação).
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Interesse público em baixa
Para o cientista político Octaciano Nogueira, quem legisla no Brasil é o Executivo. Na avaliação do professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), o Congresso aprova muita lei para o interesse de pouca gente. “Mais de 60% das leis são aberturas de crédito especial extraordinário. São coisas que só interessam ao governo parar suprir a burocracia. São assuntos da administração. Eles só pegam os aspectos formais. O que é de interesse público não chega a 5% das leis aprovadas”, diz.
A diferença entre o número de propostas originárias do Planalto e do Legislativo convertidas em lei está associada, em parte, às prerrogativas constitucionais. Deputados e senadores não podem, por exemplo, apresentar matérias de natureza tributária e orçamentária. A iniciativa, nesses casos, é reservada ao Executivo.
Isso explica por que a maioria das leis sancionadas pelo presidente Lula diz respeito à liberação de crédito extraordinário para órgãos da administração federal. Mas não justifica o porcentual de aproveitamento de propostas do governo.
Atrás das CPIs
Para o cientista político Fernando Abrucio, a produção legislativa deste ano foi pequena por causa da predominância das comissões parlamentares de inquérito (CPIs), da fragilidade da base governista e da incapacidade das lideranças de apresentar uma agenda legislativa.“O sucesso da carreira dos congressistas depende da capacidade de mostrar à opinião pública o que foi feito. Para a opinião pública, faz mais sucesso aprovar reformas legislativas do que formar CPIs. De crise em crise, perde-se a capacidade de ter uma agenda estável, e quem perde mais são os congressistas”, avalia o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).
MP no caminho
Nesse cenário, nem mesmo a queda na edição de medidas provisórias, tradicional ponto de atrito entre parlamentares e governo, conseguiu amenizar a distorção legislativa. O presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB-AL), já declarou reiteradas vezes que o excesso de medidas provisórias editadas pelo Executivo impede o Congresso de exercer o papel de legislar. "Estamos exigindo o direito de legislar. Ninguém pode substituir o Congresso nesse papel".
Das 26 MPs encaminhadas pelo governo ao Congresso em 2005, três foram rejeitadas, uma foi revogada e outras quatro foram declaradas prejudicadas ou perderam a eficácia. A MP 242/05, que alterava as regras de cálculo dos benefícios previdenciários, e as MPs 245 e 246, que tratavam da extinção da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), foram rejeitadas.
Para Fernando Abrucio, culpar apenas o governo pelo excesso de medidas provisórias não é justo. Por um lado, diz ele, o Executivo erra quando não negocia com os congressistas e tenta impor uma nova lei por meio de MP. Por outro, ressalta o professor da FGV, o Executivo acaba aproveitando o vácuo deixado pelo Congresso, que não consegue criar uma agenda legislativa estável e contínua.
Contrabando legal
Único país presidencialista a utilizar as medidas provisórias, o Brasil também inova na prática do contrabando das MPs. A Constituição restringe a um único assunto a abrangência de uma medida provisória. Mas, na prática, o governo acaba introduzindo diversos temas em um mesmo texto. Algumas vezes, em artigos aparentemente inofensivos. “Neste ano, tivemos mais de 20 medidas que tratavam de diversos assuntos, criando cargos, abrindo prazos, créditos. Isso é dramático, terrível. Isso esculhamba a instituição”, observa Octaciano Nogueira.
As perspectivas para 2006, no entanto, não são nada animadoras. Abrucio avalia que a Câmara virou um “bicho sem cabeça” e que deve se contorcer para vencer um ano eleitoral, no qual estarão em jogo não apenas o mandato do presidente Lula, mas dos parlamentares também. “Há um grau de desarticulação muito grande. Ela está sem uma coordenação política. O cenário é parecido com o final do governo Sarney, em que a desarticulação era grande. O Executivo é mais forte, quando legisla mais”, diz o cientista político.
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