Notinha interessante do “Painel político” da Folha de S. Paulo do último domingo (9):
“Preso desde agosto de 2015, José Dirceu fez análises sobre o cenário político aos que o visitaram na cadeia recentemente. Sem traço de autopiedade, mais magro, mas com boa aparência, disse a aliados que o PT vem ignorando o risco de o ex-presidente Lula ser preso — cenário que ele considera provável, especialmente agora, com as delações do publicitário João Santana e sua mulher, Mônica Moura. Para Dirceu, Lula e Dilma Rousseff são os principais alvos da colaboração. Dirceu disse a mais de um interlocutor que o PT deveria preparar, desde já, junto a movimentos sociais e grupos da sociedade civil, grandes manifestações de rua para fazer frente a qualquer investida da Justiça contra o ex-presidente.“
Primeiramente, esclareço que nunca se sabe, em jornalismo, se algo assim foi relatado por visitante(s) do político preso ou se foi o político preso que pediu a publicação, condicionada a utilizarem tal formato para ele ficar a salvo de qualquer complicação legal. As duas coisas acontecem amiúde.
Mas, vamos ao que importa: Dirceu quis alertar todo mundo de que vem chumbo grosso por aí. Deve estar certo, pois é um dos mais aptos a aquilatar o potencial de risco das delações em questão.
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Dilma Rousseff bateu na mesma tecla, em palestra na Universidade de Harvard:
“Me preocupa muito que prendam o Lula, me preocupa muito que tirem o Lula da parada. Infelizmente para as oposições (?!), ele tem 38% nas pesquisas, com tudo o que fizeram com ele. Deixa ele concorrer para ver se ele não ganha. Não acho que o Lula tem de ganhar ou perder. Ele tem de concorrer. Se perder, é da regra do jogo.“
Sua confusão mental vai além de não perceber quem é situação e quem é oposição neste exato momento, ou de relativizar na oração seguinte o que afirmara em tom de desafio na oração anterior. Ela defende uma tese das mais problemáticas e inconvenientes em termos políticos: a de que a eleição presidencial de 2018 só será legítima se Lula dela participar, o que, acrescenta, somente vai deixar de ocorrer caso “tirem o Lula da parada”.
Insinua, portanto, que haja uma vasta conspiração, envolvendo as autoridades responsáveis pelas operações Lava Jato, Janus e Zelotes, Ministério Público, juízes federais, o procurador-geral da República, os ministros do Supremo Tribunal Federal e sei lá mais quem, no sentido de direcionar investigações, processos e sentenças para atender às conveniências eleitorais da direita.Algo assim seria possível? Claro que sim! A Justiça das mais diversas nações tem, ao longo da História, se vergado ora ao poder econômico, ora à lei do mais forte militarmente, ora a ambos.
Mas, claro, isto sucede com maior intensidade em ditaduras, o que não é o caso presente.
E são também típicos de fases ditatoriais os périplos de políticos e militantes pelo exterior, denunciando os governantes de seu país e estimulando tomadas de posição e retaliações contra eles, como (às vezes única) forma possível de os pressionar.
Mas, nem vivemos sob um regime repressor que nos impeça de lavarmos a roupa suja em casa, nem os apelos à solidariedade internacional encontram a mesma receptividade de outrora.
Isso porque nosso mundo está cada vez mais insensível às injustiças, tanto que, p. ex., há meio século consente com a brutal ocupação militar de territórios palestinos por parte de Israel e nada de consistente faz para deter o massacre do povo sírio, cujo balanço trágico já atinge 470 mil mortes, 5 milhões de refugiados no exterior e 6,3 milhões de refugiados internos.
Assim como as reuniões de emergência da ONU, as palestras para públicos chiques em universidades idem não passam atualmente de muros de lamentações: fornecem catarse e não soluções concretas.
O xis da questão, contudo, é outro: se o Brasil for mesmo uma ditadura, fruto de um golpe e com a Justiça totalmente prostrada aos interesses da burguesia, compete à esquerda convocar o povo para a revolução, não ficar choramingando que a prisão de Lula macularia o processo eleitoral.
O PT está pronto para dar este passo? Dilma quer mesmo partir pras cabeças? É óbvio que não! Então, deveria baixar a bola, convencendo-se de uma vez por todas que os danos por ela causados à esquerda e aos trabalhadores brasileiros são irreparáveis e que tentar consertá-los com a mesma incompetência evidenciada em cada dia dos seus 5 anos e 4 meses de governo só fará aumentar o estrago.
Quanto ao Zé Dirceu, este sim sabe raciocinar estrategicamente, mas a situação de prisioneiro e consequente isolamento deve estar comprometendo sua avaliação. Grandes manifestações de rua fizeram imensa falta quando se tratava de salvar o mandato da Dilma e nada indica que ocorrerão agora, caso a Justiça ordene a prisão de Lula e o Jornal Nacional passe no mínimo meia hora por edição trombeteando e repisando as acusações contra ele. Continuamos não levando em conta o imenso poder de fogo da indústria cultural, infelizmente.
E, ainda que elas existissem, cairíamos no xis da questão apontado acima: jogar as ruas contra o Poder Judiciário equivaleria ao início de uma revolução.
Não é cartada a ser tentada apenas para evitar a prisão do Lula, mas sim uma decisão a ser tomada quando se resolver realmente fazer a revolução. Caso contrário, não vai passar de uma leviandade que poderá ter péssimas consequências (como a tomada do poder pela ultra-direita e a instauração de uma ditadura sanguinária).
O PT, com sua política de conciliação de classes e seus erros crassos, já pavimentou o caminho para a retomada burguesa em curso. E está há um ano nos devendo a rigorosa autocrítica que agrupamentos de esquerda devem fazer após fracassos tão retumbantes. [Walter Pomar – vide aqui – é um dirigente do PT que a ela se dispõe. Que seu exemplo frutifique!]
Será terrível se, na sua obsessão de recuperar a Presidência da República a qualquer preço (pois já não sabe atuar de outra maneira que não seja disputando nacos de poder na política convencional), começar agora a brincar com fogo. Acabará nos queimando a todos.