Ao discursar da tribuna do plenário na tarde desta quarta-feira (12), o senador Roberto Requião (PMDB-PR) leu trechos de uma reportagem do Congresso em Foco que, publicada em 14 de maio de 2009, mostra que não é inédito o fato de a Mesa Diretora, ontem (quarta, 12), ter sido ocupada por senadoras da oposição para tentar barrar, em vão, a reforma trabalhista. Intitulada “Sem emplacar CPI, tucanos invadem Mesa em plenário”, a matéria detalhou o episódio em que, contrariados pelo comando da Casa naquela ocasião, senadores do PSDB tomaram o posto principal do plenário. Mas, ao contrário do que houve nesta terça-feira (11), eles não tentavam interromper votações – até em razão do dia do episódio, uma sexta-feira, quando quase nunca há votações – e sequer chegaram perto das sete horas de interrupção dos trabalhos impostas pelas senadoras.
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Sem emplacar CPI, tucanos invadem Mesa em plenário
Em um momento totalmente diferente do país (impeachment de uma ainda pré-candidata Dilma Rousseff era algo sequer cogitável, por exemplo), no penúltimo ano do segundo mandato da gestão Lula, a “invasão” tucana era ação exclusiva de homens, ao contrário da ocupação de ontem (terça, 11) – protagonizaram o levante oposicionista de então o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), o presidente nacional do partido, Sérgio Guerra (PE), morto em março de 2014, e o atual comandante da legenda, Tasso Jereissati (CE). Mas ambos os acontecimentos guardam semelhanças, entre elas o fato de terem decorrido de contrariedade de grupos minoritários acerca de pautas legislativas – no caso dos tucanos, a burocracia regimental a atrasar a instalação de uma das primeiras CPI’s da Petrobras.
“O plenário do Senado foi palco de algo inédito na história da instituição. Inconformados com a decisão da Mesa Diretora de não ler o pedido de instalação da CPI da Petrobrás, senadores do PSDB subiram à Mesa e, em uma quebra de protocolo, assumiram a presidência para tentar dar continuidade à sessão não deliberativa do início da noite desta quinta-feira (14). Segundos antes, a 2ª vice-presidente da Mesa, Serys Slhessarenko (PT-MT), assumira o posto para, com uma frase, instalar a confusão: ‘Não havendo mais oradores inscritos, declaro encerrada esta sessão’”, diz trecho do texto.
Com a reportagem em mãos, Requião leu alguns trechos e aproveitou para fazer críticas a quem apontou o caráter inédito desse tipo de rompante parlamentar. “Senadores censuraram com dureza as senadoras que ocuparam a Mesa interrompendo o encaminhamento da terrível e escravocrata reforma trabalhista aprovada. Mais do que isso: 14 senadores encaminharam uma representação ao Conselho de Ética contra as senadoras, acusando-as de quebra de decoro parlamentar. Todos os senadores, além do batalhão de jornalistas – da Globo, da GloboNews, da CBN, da Folha, do Estadão e do Grupo RBS – que cobriu a sessão torcendo o nariz e distorcendo as notícias sobre o episódio, disseram que se tratava de um fato inédito, jamais visto na história do Senado da República. […] Para esses que assim pensam quero lembrar um fato, afinal o Senado tem memória”, destacou o peemedebista, defendendo o papel das oposições.
“A tentativa de tomada da Mesa desta Casa, no dia 31 de março de 1964, quando Moura Andrade declara vaga a Presidência, com Jango ainda no Brasil, que arrancou de Tancredo Neves o antológico ‘Canalha! Canalha! Canalha!’, foi mais uma repetição da indignação de minorias, agindo de uma forma clara para marcar sua posição. E este é um outro exemplo da insurgência da minoria no Senado”, acrescentou.
Era Sarney
No episódio descrito pela reportagem em primeira mão, e oito anos depois lido no mesmo plenário, o Senado realizava uma sessão não deliberativa, na ausência de quase toda a Mesa Diretora. Naquela sexta-feira sem votações, sequer estavam nas dependências do Congresso o então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-MA), ou seus companheiros de Comissão Diretora – o 1º vice-presidente, Marconi Perillo (PSDB-GO), e 2ª vice-presidente, Serys Slhessarenko, que voltaria ao plenário por força da ocasião. Atual prefeito de Parnaíba, Mão Santa (PMDB-PI) presidia a sessão. À reportagem, a assessoria de Serys garantiu que, naquele dia, a senadora já estava no caminho de volta para casa quando, dentro do carro, ouviu a transmissão da sessão pela Rádio Senado – e, valendo-se de sua posição na hierarquia, foi ao plenário determinar o encerramento da reunião plenária.
O ineditismo daquela situação foi tal que regimentalistas do Senado afirmam não existir no regimento interno norma definindo se um líder de bancada, julgando-se desrespeitado em suas prerrogativas parlamentares, poderia tomar o comando da sessão com o objetivo de prorrogá-la. O ato, ainda mais da forma como foi praticado, custaria caro a Arthur Virgílio, que poderia enfrentar um processo por quebra de decoro. Mas também isso não tem normatização na Casa, segundo os mesmos regimentalistas ouvidos pelo site.
Minutos depois da confusão, cerca de 20 policiais legislativos ocupavam a tribuna da imprensa de um plenário vazio. Em tom de brincadeira, um deles disse ao Congresso em Foco que “nada é inédito ao Senado”, mas que de fato aquilo nunca havia ocorrido. Para o agente, os tucanos poderiam fazer até reunião de bancada, madrugada adentro, em plenário, desde que com as portas fechadas, sem microfones, iluminação ou transmissão da TV Senado: a sessão estava formalmente encerrada.
Leia a íntegra do discurso do senador Requião:
“Na sessão de ontem, repetidamente, a começar pelo Presidente Eunício, Senadores censuraram com dureza as Senadoras que ocuparam a Mesa da Casa interrompendo o encaminhamento da terrível e escravocrata reforma trabalhista aprovada. Mais do que isso: 14 Senadores encaminharam uma representação ao Conselho de Ética contra as Senadoras, acusando-as de quebra de decoro parlamentar. Todos os Senadores, além do batalhão de jornalistas – da Globo, da GloboNews, da CBN, da Folha, do Estadão e do Grupo RBS – que cobriu a sessão torcendo o nariz e distorcendo as notícias sobre o episódio, disseram que se tratava, Senador Cidinho, de um fato inédito, jamais visto na história do Senado da República.
Pois bem, acusam Gleisi Hoffmann, Fátima Bezerra, Vanessa Grazziotin, Ângela Portela, Regina Sousa e Lídice da Mata de terem envergonhado e manchado a história do Senado, como se a história desta Casa fosse impoluta – ainda mais depois da aprovação da hedionda reforma.
Para esses que assim pensam quero lembrar um fato, afinal o Senado tem memória. Prestem atenção ao que noticiou, no dia 14 de maio de 2009, o blogue Congresso em Foco. A manchete, abro aspas: ‘Sem emplacar CPI, tucanos invadem Mesa em plenário’. A matéria diz, abro aspas de novo: ‘O plenário do Senado foi palco de algo inédito na história da instituição. Inconformados com a decisão da Mesa Diretora de não ler o pedido de instalação da CPI da Petrobras, senadores do PSDB subiram à Mesa e, em uma quebra de protocolo, assumiram a presidência para tentar dar continuidade à sessão […].’ Segundo o blogue, Senador Otto, a então segunda Vice-Presidente da Casa, Serys Slhessarenko, havia encerrado a sessão sem ler o requerimento pedindo a CPI.
Citando o Congresso em Foco, eu continuo: ‘Foi o que bastou para que o Líder do PSDB, Senador Arthur Virgílio […], sem alternativas, subisse à Mesa, ocupasse a cadeira da Presidência e, aos gritos e batendo na mesa, anunciasse: ‘Quero ver quem me tira daqui’.’ Um encanto o Virgílio na mesa dando esse grito, que, aliás, não foi dado pelas Senadoras ontem.
Na Presidência, Virgílio passou a palavra ao Senador Tasso Jereissati. Oh, o nosso Tasso Jereissati participando também desse assalto à Mesa do Senado da República! No entanto, o então 1º Secretário do Senado, Heráclito Fortes, cortou os microfones, mas não apagou as luzes, registre-se, impedindo o pronunciamento de Tasso, que protestou fortemente contra a mudez do som.
A reportagem do Congresso em Foco dizia ainda que o ato, da forma com o fora praticado, custaria caro a Arthur Virgílio, que poderia enfrentar um terrível processo por quebra de decoro parlamentar.
Logo depois da confusão, policiais legislativos ocuparam a tribuna de imprensa e um dos agentes disse que os tucanos poderiam continuar no plenário pelo tempo que quisessem, mas com as portas fechadas, sem microfone e sem transmissão pela TV Senado e, agora sim, também com as luzes apagadas.
Nessa época, eu era, Senador Cidinho, Governador do Paraná. Se eu fosse Senador e aqui estivesse, estaria ao lado de Arthur Virgílio e Tasso Jereissati, porque sempre me alinhei às iniciativas de instalação de CPIs, uma arma sagrada da minoria para investigar os governos. Não vi, no rompante de Arthur Virgílio e na indignação de Tasso Jereissati, qualquer ofensa ao decoro parlamentar. Então minoria, o PSDB foi ao extremo para marcar sua posição e denunciar ao Brasil o rolo compressor governista.
A tentativa de tomada da Mesa desta Casa, no dia 31 de março de 1964, quando Moura Andrade declara vaga a Presidência, com Jango ainda no Brasil, que arrancou de Tancredo Neves o antológico ‘Canalha! Canalha! Canalha!’, foi mais uma repetição da indignação de minorias, agindo de uma forma clara para marcar sua posição. E este é um outro exemplo da insurgência da minoria no Senado.
Com Tancredo, em 1964, com Arthur Virgílio e Tasso Jereissati, em 2009, perfilo e bato continência às bravas Senadoras que ocuparam esta Mesa para impedir que o trator da maioria esmagasse a minoria, ainda mais que essa minoria, como as de 1964 e 2009, representava a esmagadora maioria do povo brasileiro.
E não é preciso recorrer a exegetas, como São Tomás de Aquino, para buscar justificativas ou absolvição para essas insurgências, mesmo porque elas são a prova exultante, luminosa de que ainda pulsa a vida neste Senado, de que ainda há espaço para a indignação, para o amor e para a solidariedade.
O que a maioria queria? Que, diante de monstruosidades como a submissão de grávidas e lactantes ao trabalho insalubre, Gleisi, Regina, Vanessa, Fátima, Ângela e Lídice acreditassem na palavra de Michel Temer e de seu Líder?
Para dar mais razão ainda a elas, não está aí o herdeiro presuntivo de Temer, Rodrigo Maia, a declarar que não vai aceitar qualquer acordo para vetar a hediondez da deformação trabalhista?
O que a maioria queria? Salamaleques, mesuras, bons modos, posturas e comportamento segundo as recomendações, Senador Paulo Rocha, de Marcelino de Carvalho, de Glória Kalil, de Danusa Leão e outros mestres da etiqueta? Que não colocassem os cotovelos na mesa enquanto se refestelavam com as suas quentinhas?
O que a maioria queria? Queria o silêncio e a passividade quando retiravam dos trabalhadores todos – reafirmo –, todos os seus direitos.
Salve a coragem, o desassombro, a firmeza, o atrevimento, a audácia, a grandeza e a generosidade de Gleisi, Ângela, Vanessa, Lídice, Regina, Fátima! Que o exemplo de resistência e de indignidade de vocês, Srªs Senadoras, repercuta, frutifique-se e se espalhe pelo Brasil.
Insurja-se, Brasil, contra a canalhice inominável de uma reforma que institui, 129 anos depois da Lei Áurea, a categoria do escravo voluntário, também chamado de trabalhador intermitente, terceirizado ou trabalhador-empresa, o tal pejotizado! Insurja-se, Brasil!
Que Fátima, Gleisi, Vanessa, Lídice, Regina e Ângela sirvam definitivamente de exemplo para os trabalhadores e o povo indignado do nosso Brasil.
[INTERRUPÇÃO PARA APARTES]
O que eu quis deixar claro é que essa manifestação da Minoria tem precedentes. E é, em função da repetição dos precedentes, uma manobra parlamentar reconhecida e tolerada pelo Parlamento brasileiro. Mas quero deixar claro também que, nesse projeto de reforma da previdência, como ex-advogado trabalhista, não tenho dúvida alguma de que algumas modificações teriam que ser feitas.
Eu conversava agora há pouco com o Senador Cidinho, que me mostrava os dados de um caso de que ele tem conhecimento e de que participou. São absurdos feitos pelo exagero dos advogados. Os advogados abrem uma banca para faturar com os seus clientes. Eles não querem saber se há razão ou não há razão na ação que ajuízam.
Uma das coisas que nós podíamos ter negociado no plenário, eliminando absurdos que escravizam o trabalhador brasileiro, era criar sanções pesadas para ações temerárias na Justiça. De qualquer forma, Presidente, nós perdemos uma oportunidade de fazer o Senado da República discutir, introduzir artigos novos, eliminar os artigos que escravizam o trabalhador brasileiro. E entregamos por um acordo que hoje se verifica, Senador Cidinho, que não houve. A Câmara não tem nada com isso.
Então, nós fomos levados a entrar exatamente naquele artigo do Código Penal que é capitulado sob o número 171. Podíamos ter feito um grande trabalho para os trabalhadores, para os empresários e para o Brasil, mas entramos num jogo patrocinado pelos bancos, pelas federações industriais que não levaram em consideração direito dos trabalhadores.
Presidente, perdemos uma grande oportunidade. Obrigado pela tolerância com o tempo.”
Senado aprova reforma trabalhista e envia texto à sanção de Temer; Mesa foi ocupada por horas