A mão espalmada usada como símbolo de campanha nas duas vezes em que o PSDB ocupou a presidência da República começa a ser mostrada novamente pelas principais lideranças do partido. Por enquanto, não para explicitar as cinco prioridades do governo federal, como ocorreu nas eleições de 1994 e 1998, mas para lembrar ao Planalto o nome de cinco tucanos que olham com indisfarçável desejo para a cadeira do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O recado foi dado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), aliado do governador Aécio Neves, figura política das mais próximas do presidente Lula. Com a voz mansa e o jeito matreiro que caracterizam os políticos mineiros, Azeredo diz que o período de tolerância com os petistas acabou e que, a cada desgaste do atual governo, cresce o nome do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como o eventual candidato do partido à sucessão de Lula.
Para o senador, a experiência acumulada em dois mandatos presidenciais seria o diferencial em favor do sociólogo, que em 2006 terá 75 anos de idade, numa eventual disputa com os demais pré-candidatos tucanos: o atual presidente do partido, José Serra, o senador Tasso Jereissati (CE) e os governadores Aécio Neves e Geraldo Alckmin (SP).
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o ex-governador de Minas afirma que uma eventual aliança entre o PT e o PSDB só é possível em caso de ameaça de crise institucional. “Isso se justifica numa situação de união nacional, caso a situação econômica continue piorando”, pondera.
O senador admite que o PSDB enfrenta dificuldades na renovação de seus quadros, o que estaria gerando uma situação desconfortável para as lideranças do partido: ver seus nomes lançados, ainda que a contragosto, nas próximas eleições municipais. É o que pode acontecer com ele, em Belo Horizonte, cidade da qual foi prefeito entre 1990 a 1992, e com o ex-ministro José Serra, em São Paulo.
Mais do que no surgimento de novas lideranças, a esperança dos tucanos está na artilharia disparada pela própria base aliada contra o Planalto, o chamado “fogo amigo”.
Na avaliação de Azeredo, Lula corre sério risco de perder as rédeas do poder. "Os maiores problemas que o Planalto tem enfrentado são oriundos da sua própria base de apoio. Está faltando voz de comando ao governo", afirma.
Congresso em Foco – O PSDB tem feito, até agora, uma oposição bem mais branda do que aquela feita pelo PT ao governo Fernando Henrique Cardoso. Neste ano de eleição a postura do partido vai mudar?
Eduardo Azeredo – Nós não estamos acostumados no Brasil com uma oposição madura. Tivemos o tempo todo uma oposição do tipo “quanto pior, melhor”, feita pelo PT. Não precisamos ficar contra tudo o que vem do Planalto, até porque alguns pontos deste governo nós já defendíamos antes. Um ou outro membro do PSDB entende que nós deveríamos fazer o mesmo que o PT fazia, mas não sinto que essa seja a expressão da maioria. A maior parte defende a oposição madura, que é mais difícil de ser entendida pela opinião pública. Com a vitória do Lula, encerramos o ciclo de alternância dos partidos no poder, não teremos mais eleições com salvadores da pátria nem a população vai se iludir mais que basta mudar o partido que todos os problemas serão resolvidos.
"Não precisamos ficar contra tudo o que vem do Planalto, até porque alguns pontos deste governo nós já defendíamos antes"
Fala-se em uma união entre PSDB e PT para depois das eleições deste ano. Na opinião do senhor, isso é possível?
Isso se justifica numa situação de união nacional caso a situação econômica continue piorando. Na realidade de uma democracia de alternância de poder, acho que devemos continuar com o que estamos fazendo. O PSDB não tem feito a oposição do contra, mas a de país desenvolvido. Espero que as próximas eleições presidenciais se baseiem mais nas propostas e no debate de quem tem condições de cumpri-las. Os fatos mostraram que o PT não tem condições de resolver tudo.
A oposição feita pelo PFL segue o mesmo estilo?
Sim, da mesma maneira. O PFL tem diferenças internas que ficaram claras no posicionamento em relação à CPI. Alguns assinaram; outros não. No caso do PSDB, a bancada toda assinou. O PFL tem feito uma oposição junto conosco. Em um episódio ou outro fica evidenciada uma diferença de postura, mas não no sentido de não fazer oposição.
O governo adotou a estratégia de negociar com os governadores as reformas da Previdência e tributária, antes de encaminhá-la ao Congresso. Isso dificultou o trabalho da oposição?
Foi uma posição correta e democrática do governo, porque os estados têm uma força muito grande. Muitos dos governadores têm uma ascensão sobre suas bancadas. Os governadores, administrativamente, têm de estar conversando sempre com o governo federal. Errado é o governador que radicaliza e não trata das questões do seu estado com o Planalto.
Mudou o governo, mas os tucanos continuam com a fama de ficar em cima do muro. O partido pretende mudar essa posição nas próximas eleições municipais?
Nós temos oito governadores, o que ajuda o partido a crescer e compensar a perda que tivemos no governo federal. Deixamos de ter a presidência da República, mas passamos a ter o maior número de governadores. Essa questão de tucano ficar em cima do muro é porque o PSDB não é radicalmente contra, nem radicalmente a favor de uma coisa, porque a vida é assim, não comporta radicalismos.
Mas como o eleitor vai identificar qual é, de fato, a posição do PSDB?
É difícil mesmo, mas o grande desafio que temos hoje é de conseguir elevar o nível do debate político brasileiro. Tenho certeza de que o PSDB estará preparado para isso. Que partido tem condições hoje de ter uma mão cheia de candidatos à Presidência da República? Só o PSDB. Isso é fruto dos quadros do partido, que conhecem a postura racional e que têm bom-senso em relação às coisas. O povo demora a entender essa posição. É por isso que o maior apoio ao partido vem das classes média e alta, porque são as pessoas que acompanham mais de perto a postura do PSDB e sabem discernir que não adotamos uma postura demagógica. São as mesmas pessoas que vêem tanta gente que defendia o governo Fernando Henrique defender agora o governo Lula.
"Que partido tem condições hoje de ter uma mão cheia de candidatos à Presidência da República? Só o PSDB"
O senhor foi governador e sabe como é difícil colocar a casa em ordem. Qual sua posição em relação a esse momento difícil pelo qual o presidente Lula está passando?
O período de tolerância e observação já terminou. Agora começa um ano de cobranças. O governo mostrou responsabilidade, num primeiro momento, e conseguiu transmitir credibilidade para o mercado e a população, não fazendo aquilo que o PT antes pregava, como romper com o FMI ou promover o congelamento de preços. Ao não cumprir o que o PT propunha, o governo conseguiu ter credibilidade. A inflação, por isso, passou daquele susto e voltou a patamares razoáveis para o Brasil. Isso era válido apenas para os primeiros seis meses. Já estamos no décimo-quinto mês, o nosso juro real ainda é o mais alto do mundo, sem que um quadro econômico justifique isso. Há uma série de providências que o governo precisa tomar para a retomada do crescimento, porque o país está parado mesmo.
Quando o senhor disse que o PSDB possui cinco candidatos a presidente da República, referia-se a quem?
Referia-me ao Aécio, ao Alckmin, ao Serra, ao Tasso e ao Fernando Henrique. A cada dia que o Lula se desgasta, o maior beneficiário é o Fernando Henrique, porque é feita uma comparação, especialmente com o primeiro governo, em que ele foi muito bem. Agora o PT começa a ver que não é tão simples governar o Brasil, coisa que o presidente Fernando Henrique dizia. Numa comparação, o nome dele cresce mais do que o dos outros tucanos, porque ele já foi presidente. O Fernando Henrique tem a favor dele o fato de ter sido presidente por duas vezes e ter sido ministro antes (no governo Itamar), mas, por outro lado, o fator renovação pesa em favor de outros nomes.
"Numa comparação, o nome dele (FHC) cresce mais do que o dos outros tucanos, porque ele já foi presidente"
Há espaço para uma nova tentativa de José Serra?
É muito cedo para analisarmos isso. O projeto do Serra hoje passa mais pelo governo de São Paulo, mas é um nome de presidenciável sim. Ele conseguiu chegar ao segundo turno com um número de votos muito expressivo em 2002.
Para conquistar as grandes cidades, os partidos de oposição estão anunciando nomes que estão hoje no Senado, como o seu (Belo Horizonte) e de César Borges (PFL-BA), lançado como candidato a prefeito de Salvador. Isso é um sinal de que está faltando renovação nos quadros do PSDB e do PFL?
Nós vivemos hoje uma certa ditadura das pesquisas e elas vão colocar sempre em primeiro lugar aquelas pessoas que têm maior visibilidade política, que já disputaram eleições majoritárias e ocuparam cargos de relevância. A pesquisa neste momento mostra este retrato. O PSDB tem se renovado, com o surgimento de novas lideranças. Em um primeiro momento, concordo com sua pontuação: onde é que está a renovação se em São Paulo o candidato de maior potencial é o Serra e em Belo Horizonte sou eu? É verdade, mas ainda estamos em março e faltam quatro meses para escolhermos oficialmente os candidatos.
As eleições municipais são consideradas plebiscitárias tanto pelos governistas quanto pela oposição. As situações mais constrangedoras que o PT enfrentou até agora foram criadas pelos próprios aliados e não pelos oposicionistas. A oposição tem condições de reverter esse quadro até a eleição?
O governo tem tempo de tomar medidas que mudem o rumo econômico do país até as eleições, mas, com esse tipo de base de apoio que o governo tem, o chamado fogo amigo permanente, fica difícil. Os maiores problemas que o Planalto tem enfrentado são oriundos da sua própria base de apoio. De repente, o PFL e o PSDB são aqueles partidos que estão chamando ao bom-senso. Está faltando voz de comando ao governo.
"Os maiores problemas que o Planalto tem enfrentado são oriundos da sua própria base de apoio. Está faltando voz de comando ao governo"
Que diferença o senhor vê entre a aliança do atual governo e a de Fernando Henrique, ambas compostas por partidos como PMDB, PTB e PL?
Essa formação heterogênea é fruto do sistema político-partidário que nós temos. O presidente assumiu dizendo que a reforma política era o primeiro ponto, mas até agora não tivemos nada. Com essa facilidade de mudança de partido, com as legendas de aluguel e a quantidade de partidos que nós temos, sempre haverá esse problema. Os partidos que elegem o presidente da República não têm maioria e precisam buscar aliança com outras legendas.
Isso já deu problemas para o governo e para o país anteriormente…
Está acontecendo agora novamente. O episódio do novo ministro dos Transportes (Alfredo Nascimento) reflete isso. O presidente do partido que assume um ministério tão importante quanto esse já chega criticando o governo. É algo inimaginável.
O presidente deveria ter tomado uma ação mais efetiva nesse caso?
Parece que o presidente tem um coração exageradamente grandioso, poderia ser um pouquinho menor. Colocou 18 derrotados na eleição de 2002 no ministério dele. A bondade dele não precisava ser tão abrangente. Poderia haver um pouquinho mais de maldade da parte dele (risos).
"Parece que o presidente tem um coração exageradamente grandioso. Colocou 18 derrotados na eleição de 2002 no ministério"
Como o senhor analisa a ascensão do presidente do Senado, José Sarney, sobre o atual governo, um político que sempre foi duramente criticado pelo PT?
O Sarney vive um momento de muita influência política. Ele tem o domínio da situação e está à altura da presidência do Senado, por causa de toda a sua experiência política. A ele, nesse caso, só tenho elogios. O PT é que tem de se explicar por que mudou de posição, já que o criticava antes de maneira tão ácida.
O senhor acha que o governo vai conseguir modificar a Constituição e garantir a reeleição do presidente Sarney?
Havendo entendimento entre todos, pode ser que sim, é uma possibilidade real. A reeleição dos cargos executivos é que começa a ser questionada. O deputado Jutahy Junior (PSDB-CE) apresentou um projeto proibindo a reeleição a partir de 2010, respeitando o direito de Lula se reeleger.
O PSDB agora é contra a reeleição?
A experiência tem demonstrado que oito anos é muito tempo e que desgasta. Eu fico à vontade porque nunca fui entusiasmado com o estatuto da reeleição. Quando governador de Minas, cheguei a ser criticado pelos grandes jornais porque não defendia com entusiasmo a reeleição. Prefiro um mandato de cinco anos. A experiência de reeleição no Brasil não é tão bem-sucedida assim. Continuo defendendo o Parlamentarismo, que significa que o governo tem maioria. Nós temos um presidencialismo com parlamento forte, que exige essas alianças heterodoxas. Por isso o PT está repetindo as mesmas alianças feitas pelo Fernando Henrique. E os petistas criticavam muito isso.
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