Nesta parte da entrevista ao Congresso em Foco, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) destaca a transformação em lei de seu projeto da Renda Básica de Cidadania como o momento mais feliz de sua passagem pelo Senado e a sua derrota na última eleição como o instante mais triste. Derrota esta que ele atribui, em grande parte, ao “tsunami” antipetista – palavras dele – no estado de São Paulo. Suplicy também relata outras dificuldades, como o fato de não ter recebido qualquer recurso financeiro do partido. Razão pela qual acumulou uma dívida de mais de R$ 400 mil ao final da campanha, valor a ser assumido pelo partido.
Quais os momentos que o senhor destacaria como o mais feliz e o mais triste em sua história no Senado?
O momento mais feliz foi quando foi aprovado o Projeto de Lei 10.835, que institui a Renda Básica de Cidadania. Foi aprovado por consenso, em caráter terminativo, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e depois na comissão correspondente, a de Finanças e Tributação, na Câmara, respectivamente, em dezembro de 2002 e dezembro de 2003. Foi para o presidente Lula sancionar ou não. Em 8 de janeiro de 2004, houve a cerimônia de sanção da lei, presentes inclusive o professor Philippe Van Parjs, maior autoridade sobre esse tema, da Universidade Católica de Louvain. Uma cerimônia tão bonita… minha mãe, que faleceu aos 105 anos em 2013, foi a última vez que ela veio a Brasília para assistir. Foi aprovada com um parágrafo muito interessante do ponto de vista do relacionamento entre senadores de diferentes partidos. Em abril de 2002, entreguei meu livro, Renda de cidadania, a saída é pela porta, para o senador designado relator, Francelino Pereira. Ele me disse que estava com 81 anos e não seria candidato outra vez. Era um político do PFL, muito experiente, havia sido presidente da Arena e governador de Minas Gerais, um dia conhecido pela frase que “país é este?”. Ele estudou a matéria. Falei que, se ele tivesse sugestão, eu estava aberto para receber. Ele falou que era uma boa ideia, mas disse que tinha de torná-la compatível com a Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo a qual, para cada despesa é necessário haver a receita correspondente. ‘Que tal aceitar um parágrafo que diga que o programa será instituído por etapas a critério do Executivo, começando pelos mais necessitados – como hoje faz o Programa Bolsa Família?’ O Bolsa Família atende hoje quase 14,1 milhões de famílias. Se multiplicarmos por 3,5 pessoas por família, isso significa algo próximo de 50 milhões, quase um quarto dos 203 milhões de brasileiros e brasileiras que somos hoje.
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Quais as vantagens da Renda Básica?
Mas a Renda Básica de Cidadania significa um grande salto, porque significará o direito de toda e qualquer pessoa, não importa sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou socioeconômica, de participar da riqueza em comum de nossa nação. Como assim, até os que temos mais, os mais ricos? Sim, só que os que temos mais vamos contribuir para que nós próprios e os demais venham a receber.
Quais as vantagens da Renda Básica em relação ao Bolsa Família?
Primeiro, bem mais fácil de compreender, vou explicar como funciona o programa Bolsa Família. Toda família, se a sua renda familiar per capita não alcançar R$ 154 por mês, tem o direito de receber o benefício do Bolsa Família, que começa com R$ 77 para a família. Isso para todas as famílias que não recebem até R$ 154 per capita, mais R$ 35, R$ 70, R$ 105, R$ 140 ou R$ 175 se na família houver uma, duas, três, quatro, cinco ou mais crianças, até 15 anos e 11 meses, e mais R$ 42 e R$ 42 se houver um ou mais adolescentes entre 16 e 18 anos. Há condicionalidades: se tiver grávida, a mãe tem de fazer atendimento na rede pública de saúde até que nasça o bebê; os pais têm de levar a criança até os seis anos de idade na rede pública de saúde para realizar as vacinas de acordo com o calendário do Ministério da Saúde. As crianças de 7 a 15 anos e 11 meses precisam frequentar pelo menos 85% das aulas nas escolas, e os adolescentes, pelo menos 75% das aulas.
Como ocorreria isso?
Como tenho sugerido à presidenta Dilma, que possa constituir um grupo de trabalho com os melhores estudiosos do tema para analisar as etapas da transição do Bolsa Família até que institua a Renda Básica. Não será possível fazer ano que vem ou a curto prazo. Mas quando será? Em três ou quatro anos? Como iremos preparar a fórmula de financiar uma Renda Básica que será, na medida do possível, suficiente para atender as necessidades vitais de cada um? Se o Bolsa Família paga pelo menos R$ 77 per capita para os beneficiários, para começar um pouco melhor, a Renda Básica seria de pronto R$ 80 para todos. Mas um dia será R$ 100, R$ 200, R$ 1 mil, mais e mais, conforme o progresso da nação. A ninguém será negado, inclusive aos estrangeiros aqui residentes por cinco anos ou mais.
E qual foi o momento mais triste?
Foi aquele em que fiquei triste, infelizmente, porque não fui reeleito.
Por que o senhor não foi reeleito?
Não foi fácil para os candidatos do Partido dos Trabalhadores serem bem sucedidos, em especial no estado de São Paulo e outros estados do Sudeste e Sul brasileiros. Notem que tive votações crescentes. Em 1990, pela primeira vez fui eleito o único senador do PT, que fui por quatro anos, tive 4,2 milhões de votos, 30% dos válidos contra candidatos fortes, como Ferreira Neto, que chegou em segundo lugar com apoio do Fernando Collor, André Franco Motoro, Francisco Rossi, João Cunha, Guilherme Afif Domingos, nove ou dez candidatos. Em 1998, meu principal adversário foi o campeão de basquete Oscar Schmidt que teve boa votação. Tive 6,7 milhões de votos, correspondendo a 43% dos votos no estado. Em 2006, fui pela terceira vez eleito pelo Partido dos Trabalhadores, com 8.896.803 votos, correspondendo a 48% dos votos válidos no estado, 51,35% na capital. Ora, desta vez, o nosso candidato a governador no estado de São Paulo, Alexandre Padilha, que havia sido excelente ministro das Relações Institucionais, do presidente Lula, e da Saúde, da presidente Dilma Rousseff, responsável por programas positivos de expansão da rede pública de saúde, inclusive o Mais Médicos, um excelente candidato, obteve 18% dos votos no estado no primeiro turno. A presidente Dilma teve 25% dos votos no estado. E eu tive 32,5%, correspondendo a 6.176.499 votos. José Serra chegou a quase 11 milhões de votos (51% dos votos válidos) e virou senador agora.
Mas por que cresceu essa rejeição ao PT na última eleição?
Houve no estado de São Paulo um verdadeiro tsunami atingindo o Partido dos Trabalhadores. Tenho consciência de ter realizado um trabalho sério e muito bem avaliado pela população. Permita-me recordar. Sou um dos cinco parlamentares que, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), em todos os 21 anos sempre esteve entre os mais influentes no Congresso Nacional. No Congresso em Foco, pelo qual vocês são responsáveis, jornalistas votam naqueles parlamentares que tiveram melhor desempenho como representantes do povo. De 2006 a 2013, em todos os anos, fui escolhido dentre os melhores senadores. Em dois anos, segundo lugar entre os melhores senadores. Em 2012, o melhor senador. Em 2010, fui considerado o que mais defendeu a democracia. Fiquei muito feliz por isso. Outra classificação que atesta a decisão do Congresso em Foco, cuja votação ainda foi confirmada por 200 mil internautas da última vez, é o chamado Atlas Político. Dois pesquisadores PhD de Harvard criaram uma sistemática baseada em cinco motivos, como atividade parlamentar, fidelidade partidária, legitimidade de sua eleição, levando em conta quanto gastou por voto obtido, iniciativas parlamentares. Enfim, cinco categorias que fazem com que deem nota de zero a cinco aos parlamentares de todo o Congresso Nacional. Na Câmara, a maior votação (4,8) foi do Chico Alencar, também um dos escolhidos sempre entre os melhores deputados federais, o que mostra a consistência da indicação feita pelo Congresso em Foco. No Senado e no Congresso, tive a maior nota, 4,9. Ou seja, consistente com a votação que o Congresso em Foco fez. Tenho a consciência de bem ter cumprido com o meu dever aqui.
O que foi esse tsunami em São Paulo? Por que o PT ficou com essa imagem tão negativa, essa rejeição tão grande?
Foi um pouco dos efeitos que se somaram gradualmente mais das críticas formuladas pelos meios de comunicação que geraram esse ambiente adverso para o PT, tendo em conta os episódios havidos no julgamento da Ação Penal 470, denominada de mensalão, e também pelo fato de o Supremo Tribunal Federal ter condenado diversos dirigentes e parlamentares do PT que tiveram grande destaque, como o ministro José Dirceu, o tesoureiro Delúbio Soares, os deputados federais José Genoino e João Paulo Cunha, Foi um processo desgastante para o PT. Mas nos últimos meses os episódios relativos ao desvendar da Operação Lava Jato, sobre o que ocorreu na Petrobras e a comprovação, ainda não inteiramente desvendada, de que houve ali malfeitos, enriquecimento ilícito da parte de dois dos indiciados que resolveram confessar seus crimes, utilizando-se da delação premiada. Isso tudo representou um movimento de desgaste muito forte para o Partido dos Trabalhadores. Felizmente, no segundo turno, a presidente Dilma teve crescimento de votação em São Paulo de mais de 35% no segundo turno, que contribuiu, mais a soma da boa diferença que ela obteve no restante do país, para ser reeleita.
Mas também como fator para dificultar minha reeleição eu consegui obter recursos para a campanha numa soma de quase R$ 3 milhões que eu próprio fui em busca, seja de contribuição de pessoas jurídicas ou físicas. Fiz um dia um jantar para que os que apoiavam minha candidatura pudessem contribuir com R$ 100, R$ 200, R$ 500 ou R$ 1 mil. Foi uma contribuição positiva, mas também dependi de contribuições jurídicas.
O senhor não teve apoio financeiro do partido?
A direção estadual do partido, o presidente Emídio de Souza, disse que na avaliação dele eu tinha mais facilidade pra obter recursos do que o partido. Ele me disse: vamos confiar que você vai conseguir recursos. Todas essas contribuições foram fruto do meu esforço pessoal de procurar empresários.
O senhor se sentiu discriminado pelo partido?
Eles estavam em dificuldade, tanto é que acabei em 5 de outubro com uma divida de R$ 470 mil aproximadamente. A responsabilidade dessa dívida é do Partido dos Trabalhadores. Mas ainda não foi paga. Me informa a direção estadual do partido que eles têm uma dívida muito maior na campanha estadual para governador, salvo engano de R$ 25 milhões ou mais. Minha dívida é relativamente pequena. Os meus adversários, como José Serra e Gilberto Kassab, tiveram arrecadação de três a quatro vezes maior que a minha. Isso também contribuiu. Ademais, o tempo que eu dispunha de televisão era relativamente pequeno. Dois minutos e um segundo, três vezes por três dias na semana. O Chico Malfitani, responsável pela minha comunicação, adotou uma sistemática. Ele é muito eficaz, já fez outras campanhas de maneira bem sucedida. Confio muito nele. Mas pra eu mostrar tudo que eu gostaria… Por exemplo, quando fui a inúmeras faculdades, sindicatos e organizações de bairros, as mais diversas, fazer palestra sobre a renda básica de cidadania. Na USP Leste, por exemplo, havia quase 300 alunos e professores há três meses. Gostaram tanto da palestra que, ao terminar, os professores vieram me dizer: será que você não gostaria de vir dar um curso aqui ano que vem? Eu disse vamos pensar. Um mês atrás confirmaram o convite e eu aceitei. Mas toda a ocasião que eu tinha para explicar o que era a renda básica de cidadania, as vantagens deste instrumento em relação ao que temos hoje, que é muito positivo, o Bolsa Família… Da tribuna do Senado fiz pronunciamento destacando a exposição que a ministra Tereza Campelo fez na última quinta-feira sobre o “Brasil sem miséria”. Sempre destaquei os aspectos positivos do Bolsa Família. Mas tenho a disposição sempre de relatar as vantagens de como será quando tivermos a renda básica de cidadania. Explicando os exemplos que têm ocorrido, como depois de 32 anos de experiência, de se pagar um dividendo igual aos hoje 700 mil habitantes do Alasca, ele passou de o mais desigual dos 50 estados norte-americanos, em 1980, para o mais igualitário. Constitui suicídio político lá qualquer liderança propor o fim desse sistema. Para explicar isso precisava de mais de 2 minutos de tempo de televisão. Não pude fazê-lo. Enquanto isso, o programa do Gilberto Kassab criticava a mim dizendo que eu não havia feito nada para São Paulo nesse período, o que é inverdade. Tenho colaborado sempre. Meu gabinete tem sintonia muito grande com a secretaria estadual da Fazenda de São Paulo. O próprio governador Geraldo Alckmin entra em sintonia comigo pra verificarmos os interesses de São Paulo na hora de qualquer modificação aqui sobre ICMS, comércio eletrônico, as questões de guerra fiscal, o fundo de participação dos estados e municípios…
O senhor não acha que o PT sempre o tratou diferente da forma que o senhor tratou o partido? O senhor sempre foi fiel ao partido, quando divergiu, tornou pública sua decisão. Seu filho João disse que o PT ao abandonou. O senhor não tem essa mágoa?
Compreendo que o PT não tenha muitos recursos disponíveis. De início, até tinham dito que iriam me ajudar. Mas na hora que começou não.
De inicio, tinham dito que talvez o senhor nem fosse candidato…
Sim, mas isso faz algum tempo. Foi em novembro de 2012 que o presidente nacional do partido, Rui Falcão, disse ao Valor Econômico que, quem sabe, em 2014 venhamos a dar o cargo de candidato ao Senado para um dos partidos coligados. Daí, muito conversei com ele próprio, toda a base do PT, o presidente Lula. Em todos os lugares que eu ia, nas reuniões do partido, na hora de apoiar com toda força a Alexandre Padilha para governador, em todos esses encontros o apoio para que eu fosse candidato pela militância, pela base do partido e opinião pública era muito grande. Então, por consenso, a convenção do partido, por volta de junho, confirmou minha candidatura.
O senhor não tem nenhuma queixa pelo tratamento que recebeu do PT nesses anos todos?
Tenho consciência que o Partido dos Trabalhadores, sua direção, teve por vezes preocupações comigo. O único momento em que, de fato, tomei uma decisão aqui no Senado diferente do que a direção nacional havia recomendado a bancada do PT, foi quando, por volta de abril ou maio de 2005, houve primeiramente a decisão de assinar ou não o requerimento de formação da CPMI dos Correios. Mas foi tal a avalanche de comunicados pela internet, telefonemas, o discurso do senador Pedro Simon aquela tarde, conclamando especialmente a mim que havia tido interação muito forte com ele, seja na CPI do Paulo Cesar Farias, que acabou culminando na queda do presidente Collor, na campanha pela ética na política… Na CPI do PC Farias, eu e Zé Dirceu fomos os primeiros signatários. Logo que aconteceu aquela entrevista pedi pra conversar com Pedro Collor de Mello. Fomos ao hotel Macksoud, convidei Dirceu pra vir comigo. Lá o ouvimos por cinco horas. Daí viemos a minha casa, ficamos tão impressionados que escrevemos o requerimento que veio gerar a CPMI sobre os atos de PC Farias. Em 1993, após a entrevista de José Carlos Alves dos Santos, sobre o que se passava sobre o orçamento da União. Então, naquela tarde, o senador Pedro Simon disse a mim, especialmente, e a todo o PT: olha, Eduardo, depois de tudo o que fizemos juntos em 91, 92 e 93, é de se esperar q você assine o requerimento da CPI. Diante daquilo que aconteceu, resolvi assinar. O partido ficou desgostoso comigo na ocasião. Aconteceu que duas semanas depois veio a entrevista do deputado Roberto Jefferson na Folha de S.Paulo sobre o que viria a ser chamado de mensalão. E aquilo teve um desdobramento, uma repercussão tão forte que a direção nacional do PT resolveu que nós parlamentares deveríamos assinar o requerimento. Tanto que aquele episódio acabou sendo superado. Neste mandato da presidente Dilma Rousseff, não houve qualquer circunstância que eu tenha consciência de que a direção do partido ou os companheiros do Senado tenham achado que tive divergência com eles. Pode ter sido um assunto ou outro. Mas não de decisão. Posso ter diferença de opinião, ênfase em algum aspecto, mas nós trocamos ideias. Respondi a sua pergunta?