“A falta de acessibilidade nos torna dependentes de outras pessoas”, relata a cadeirante Michelle Silva, 31 anos. Para ela, o desrespeito do Distrito Federal para com os portadores de necessidades especiais os tornam reféns de ajudas — que nem sempre concedidas. A realidade de Michele, voluntária na Associação dos Portadores de Deficiência do Distrito Federal (APDDF) é a mesma de 573.805 habitantes do DF — ou seja, quase uma a cada quatro pessoas, segundo o último censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em auditoria, o Tribunal de Contas do Distito Federal (TCDF) constatou-se o que Michele e todos os portadores de necessidades especiais já sabiam: 100% dos prédios públicos têm problemas de acessibilidade. Ao todo, o levantamento analisou a situação de 104 unidades de prestação de serviço público, entre hospitais, estações do Metrô, terminais rodoviários, delegacias de polícia e postos de atendimento ao cidadã em órgãos como o Detran-DF, a Companhia de Habitação (Codhab), o Na Hora e a Secretaria de Fazenda. Além de 108 vias de acesso a estes pontos.
Leia também
A situação mais estarrecedora, porém, de acordo com o Tribunal, foi com relação aos hospitais e Centros de Ensino Especial — lê-se, escolas especializadas no atendimento de pessoas com necessidades especiais. No caso das escolas, as 13 unidades visitadas estão em condições que “põe em risco a segurança das crianças, ocorrência incompatível com o que se espera de um ambiente escolar”, diz o relatório.
Valas e grelhas no piso foram apontadas como causa de vários acidentes envolvendo crianças com deficiência. Além disso, a inadequação do mobiliário (como mesas sem altura para o encaixe da cadeira de rodas ou carteiras sem apoio para coluna) também dificulta o cotidiano dos alunos e, muitas vezes, implica a exclusão de alguns deles de determinadas atividades, descaracterizando o ambiente inclusivo que esses centros deveriam ter.PublicidadeOutro exemplo clássico da falta de acessibilidade no DF são as calçadas de acesso a prédios onde há oferta de serviços públicos: 99,07% dos trajetos analisados possuem falhas. Esse número sobe para 100% quando avaliada a área ao redor do trajeto. Os principais problemas encontrados foram passeio com piso irregular (70,83%), seja pela presença de buracos, ressaltos ou calçada quebrada, seja pela existência de obstáculos impedindo ou dificultando o trajeto (98,15%).
Em relação às rampas nas calçadas para acesso de cadeirantes, verificou-se que somente 2,22% das vias avaliadas estavam adequadas. “É um desrespeito conosco a altura das rampas da cidade. A impressão é que fazem de qualquer jeito, sem a mínima verificação real de acessibilidade para nós cadeirantes”, afirma Michele. Segundo o relatório, em 77,78% dos casos a rampa sequer existe, o que torna inviável a mobilidade autônoma de cadeirantes nesses locais. Em outros 20% da amostra, as rampas existem, mas são inadequadas.
Utilizar o transporte público é outra dificuldade, que começa antes mesmo de subir nos coletivos. “Os elevadores dos ônibus raramente funcionam. E quando estão funcionando, dificilmente o funcionário sabe controlar”, relata a cadeirante. A auditoria do TCDF constatou que 93,52% dos pontos de parada de ônibus e terminais rodoviários não atendem aos requisitos mínimos de acessibilidade. Além disso, a auditoria constatou que uma em cada cinco dessas áreas não cumpre absolutamente nenhum dos itens avaliados.
Prazo
Ao analisar o relatório final da auditoria, o TCDF determinou uma série de medidas aos órgãos responsáveis. O Governo do DF tem 90 dias para apresentar plano de ação e cronograma para solucionar as falhas encontradas. Em nota, a Secretaria de Mobilidade informou que irá apresentar as ações a serem adotadas no prazo previsto. Portanto, esclareceu que “o Programa de Mobilidade Urbana, o Circula Brasília, lançado em maio deste ano, trata a questão da melhoria da acessibilidade como uma das prioridades”. O investimento total deverá ser de R$ 54 milhões.
Já faz parte do planejamento do governo a construção de 17 terminais de ônibus, que serão entregues até o primeiro semestre de 2017, já dentro das normas de acessibilidade, banheiros adaptados e piso tátil. Serão licitados, ainda, execução de obras prioritárias e urgentes em diversas Regiões Administrativas do Distrito Federal.
Veja a íntegra da nota da Secretaria de Mobilidade:
“A Secretaria de Mobilidade está ciente da decisão do Tribunal de Contas do DF e no prazo estabelecido irá apresentar as ações que serão adotadas. No entanto, esclarece, que o Programa de Mobilidade Urbana, o Circula Brasília, lançado em maio deste ano, trata a questão da melhoria da acessibilidade como uma das prioridades. Em relação aos terminais de ônibus citados na auditoria, vale ressaltar que os 17 terminais que serão entregues pelo governo até o primeiro semestre de 2017 já estão dentro das normas de acessibilidade, com banheiros adaptados e piso tátil.
A Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos do DF (Sinesp) e a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) informam que há um processo licitatório em curso para a manutenção e a construção de novas calçadas em todo o Distrito Federal. Essas calçadas contemplarão as regras de acessibilidade, com a instalação de pisos táteis junto às rampas de acessibilidade para indicar às pessoas com necessidades especiais que estão se aproximando de uma via rodoviária.
Atualmente, o processo está em fase de correção e será encaminhado ao TCDF. Assim que tiver autorização do Tribunal, a Novacap poderá dar prosseguimento ao certame. O investimento total deverá ser de R$ 54 milhões, a serem aplicados durante esta gestão, conforme as prioridades e a disponibilidade de recursos. A assinatura dos contratos dos 14 lotes constantes da licitação vai garantir, em um primeiro momento, a execução de obras prioritárias e urgentes em diversas Regiões Administrativas do Distrito Federal.
O estabelecimento das prioridades no atendimento das demandas é feito por intermédio das Administrações Regionais, que recebem os pedidos da comunidade via ouvidorias, conselhos comunitários ou presencialmente, e os direcionam à Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sinesp) ou à Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap).
Também está em curso um processo licitatório para construção de rotas acessíveis a diversos hospitais do Distrito Federal, que permitirá aos portadores de necessidades especiais mais conforto no acesso a essas unidades de saúde.
O Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans) informa que está em fase final processo licitatório para implantação de abrigos em todo o Distrito Federal. Esses equipamentos serão dotados de itens de acessibilidade, como pisos táteis e rampas para cadeirantes.”