Segundo a decisão dos magistrados do STF, o enquadramento de candidatos com base na Lei da Ficha Limpa, que prevê inelegibilidade de oito anos, exige que eles tenham sido condenados também pelos órgãos legislativos locais, na maioria dos casos formados por parlamentares aliados à gestão municipal.
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Durante a sessão, o ministro Gilmar Mendes chegou a dizer que a lei “é mal feita” e que “parece ter sido feita por bêbados”. A declaração foi feita durante sessão que analisou decisão sobre contas rejeitadas de prefeitos candidatos às eleições de outubro.
“[A palavra ‘bêbados’ usada pelo ministro Gilmar Mendes] é que nos surpreende, porque pensamos exatamente o contrário. A Lei da Ficha Limpa é cidadã, fruto da iniciativa popular. É uma das leis mais importantes para a República Federativa do Brasil, depois da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse Valdecir Pascoal hoje (18), após encontro com o presidente interino Michel Temer.
“Na nossa opinião, [essa decisão do STF] foi um retrocesso em matéria de controle público no Brasil”, disse o presidente da Atricon, que também é presidente do Tribunal de Contas de Pernambuco. “A causa mais efetiva da Lei da Ficha Limpa, em matéria de impugnação de candidatos, era justamente as contas rejeitada pelos tribunais de contas, já que são contas técnicas. Vamos fazer um movimento nacional, junto com o MCCE [Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral], a OAB, a CNBB e todas entidades de controle, para tentar sensibilizar o STF a rever essa decisão, por meio de embargos declaratórios”, destacou Pascoal.
Revolta
Como este site mostrou mais cedo, as declarações de Gilmar Mendes revoltaram os idealizadores da lei, que também prometem reação. Um deles, o advogado e ex-juiz Márlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), classificou como “desrespeitosa” a fala do presidente do também presidente Tribunal Superior Eleitoral.
“Foi uma frase desrespeitosa à OAB, à CNBB e a muitas organizações que elaboraram o projeto. Também desrespeita o Congresso Nacional, já que o projeto, depois de apresentado, passou por toda a tramitação legislativa. Desrespeita o próprio Supremo Tribunal Federal que ele integra, que declarou essa lei constitucional”, enfatizou o ex-juiz ao Congresso em Foco.
A fala também foi criticada, em nota oficial, pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia. Ao elogiar a Lei da Ficha Limpa, Lamachia declarou que a afirmação feita pelo ministro não condiz com a postura que se espera de um magistrado. O presidente da OAB foi além. Diante das alegações de Gilmar, Lamachia pediu para o magistrado apresentar à sociedade uma proposta capaz de aperfeiçoar a legislação.
“A Lei da Ficha Limpa é amplamente reconhecida pela sociedade como um avanço da democracia e do sistema eleitoral, impedindo a candidatura de quem tem ficha suja. Tanto é assim que foi apresentada como projeto de lei de iniciativa popular. Todas as entidades que apoiaram a Lei da Ficha Limpa, entre elas a OAB, estavam absolutamente conscientes da importância dessa medida”, diz trecho da nota da OAB, para quem “o presidente do TSE deveria reconhecer e apoiar todas as iniciativas que aperfeiçoam o sistema eleitoral”.
Sobriedade
Pascoal destacou que, segundo dados consolidados pela Atricon, “aproximadamente 6 mil candidaturas a prefeitos serão imunizadas por essa decisão do STF, e mais de R$ 4 bilhões que os tribunais de contas determinaram para fins de ressarcimento serão de recuperação duvidosa, já que tira da gente [tribunais de contas] a possibilidade de decidir”.Dizendo não comentar opiniões de colegas do STF, o ministro Luís Roberto Barroso contestou, à sua maneira, as declarações sobre a Lei da Ficha Limpa – e, particularmente, e sem citar o nome de Gilmar Menes, o uso do termo “bêbado” ao dizer que a legislação é “sóbria”. “Eu não comento nem critico opiniões de colegas, embora tenha a minha. Acho que, em uma democracia, é legítimo que haja opiniões diferentes. Eu, adversamente, acho que a lei é boa, importante. E acho que a lei é sóbria, atende algumas demandas importantes da sociedade brasileira por valores como decência política e moralidade administrativa”, opinou o magistrado.
“Acho que a lei é boa e que nós devemos continuar a aplicá-la”, enfatizou.
Reação
Falando em termos institucionais, Pascoal disse ainda que, apesar do respeito às manifestações do STF, ações estão a caminho contra o que considera enfraquecimento da legislação eleitoral. “Então, me parece que é um grande retrocesso. Respeitamos a decisão, mas somos contra e vamos sensibilizar o STF, por meio de ações próprias, com vistas a ele avaliar”, acrescentou o presidente da Atricon.
“Não dá para comparar [com as câmaras legislativas] a estrutura dos tribunais de contas, atualmente com mais de 16 mil auditores e membros especializados em contas públicas. E não dá para passar esse juízo de valores às câmaras de vereadores. Elas não estão estruturadas. São muitos os casos em que essas câmaras já demonstraram que não estão aptas para analisar as contas de governo. É uma decisão que vai na contramão daquilo que o cidadão espera do STF”, complementou Pascoal.
Ainda de acordo com a avaliação da Atricon, não há como a decisão do STF ser aplicada já nas eleições de outubro. “Para essa eleição não tem volta, porque o MPE [Ministério Público Estadual] fez uma recomendação para os promotores não impugnarem [as candidaturas] com base na decisão do acórdão do STF, que ainda não foi publicado. Para essas eleições, portanto, não será aplicada essa regra”.
Entenda
No último dia 10, uma decisão do STF liberou a candidatura de ao menos 80% dos políticos inelegíveis pela Lei da Ficha Limpa a concorrer as eleições de 2016. Em julgamento conjunto de dois recursos extraordinários (REs 848826 e 729744), ministros entenderam que é exclusividade da Câmara Municipal a competência para julgar as contas de governo e da gestão de prefeitos. De acordo com a deliberação do plenário, cabe ao tribunais de contas apenas auxiliar o Poder Legislativo municipal, emitindo parecer prévio e opinativo, mas que poderá ser derrubado por decisão de dois terços dos vereadores.
Em junho deste ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) encaminhou ao TSE cerca de 6.700 nomes de gestores públicos que tiveram as contas rejeitadas pelos tribunais de contas estaduais e municipais. A rejeição, de acordo com a Lei Orgânica do TCU, é aplicada quando são constatadas omissão de dever de prestar contas; gestão ilegal, ilegítima ou antieconômica, ou ainda infração à norma legal de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; dano ao erário, desfalque ou desvio de dinheiro público.
* Com informações da Agência Brasil