Lúcio Lambranho
O relator da CPI do Apagão Aéreo, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), dá grande importância à missão de investigar o trágico acidente com o avião da TAM em Congonhas. Mas está determinado a impedir que as preocupações com o assunto coloquem em plano secundário outro tema que ele considera fundamental: a corrupção na Infraero. Demóstenes pretende ouvir 12 procuradores da República, nesta semana, para retomar a investigação sobre a estatal que administra os aeroportos brasileiros.
"Tirando o presidente, que é uma pessoa honrada e não existe nada contra ele, os demais são todos malandros", avalia o senador goiano ao se referir ao brigadeiro José Carlos Pereira, recém-afastado do cargo de presidente da Infraero, e aos diretores que ainda permanecem na empresa. E completa: "O TCU deixou claro que em todos esses processos há corrupção. Direcionamento, pré-qualificação criminosa, sobrepreço, superfaturamento. Toda a espécie de crime se praticou dentro da Infraero".
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Nesta entrevista ao Congresso em Foco, o relator da CPI bota ainda mais lenha na briga com a comissão de inquérito da Câmara que também investiga a crise aérea. Na semana passada, Demóstenes chegou a sugerir que os deputados perdessem o mandato por terem autorizado a divulgação da transcrição dos diálogos dos pilotos do avião da TAM, gravados pela caixa-preta minutos antes do acidente.
Os dados, segundo ele, poderiam ser usados para levantar as responsabilidades e causas do maior acidente aéreo da aviação brasileira, mas a divulgação da transcrição dos diálogos é vedada por convenções internacionais assinadas pelo Brasil. Os deputados rebateram afirmando que a CPI da Câmara tinha, sim, prerrogativas para divulgá-la. Mas Demóstenes voltou ao ataque: "Isso é analfabetismo puro. O Brasil é signatário de uma convenção que é clara. A transcrição dos diálogos dos pilotos não pode ser divulgada".
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – O senhor disse que as conclusões sobre as causas do acidente da TAM devem sair em no máximo um mês. O senhor descartaria alguma hipótese, como têm feito alguns parlamentares com relação à pista de Congonhas?
Demóstenes Torres – Não. A pista pode não ter contribuído para o acidente, mas se ela tivesse uma área de escape as conseqüências poderiam ter sido minimizadas. Eu acho que aquela idéia do ministro Jobim de usar para vôos regionais ou aviões menores, fazer uma ampliação e construir um novo aeroporto, ampliar Guarulhos… aquelas idéias são boas. Não são ruins, não. Eu não descarto de forma nenhuma a questão da pista. Então neste momento é muito difícil determinar as causas.
Não lhe parece que a influência ou não da pista entre as causas do acidente foi usada politicamente?
Não vou dizer que foi usada politicamente, mas ninguém em sã consciência, neste momento, pode dizer que a causa foi A ou B ou descartar qualquer hipótese. Seria prematuro. Daqui a um mês, mais ou menos, nós vamos ter uma idéia precisa do que aconteceu. Antes disso, nós vamos ficar chutando.
Quais são os principais passos da CPI daqui pra frente?
Nós vamos ouvir a caixa-preta e ter acesso a esses dados, são mais ou menos 60 dados que foram retirados. Ouvir o sistema de voz também em relação ao avião e os dados de altitude, velocidade, posição do manete e outros. Tudo isso é interessante. É perícia. E nós vamos prosseguir também em outra vertente apurando a corrupção na Infraero.
O senhor acha que é possível trabalhar com esses dois temas ao mesmo tempo?
Perfeitamente, sem problema nenhum. Vamos ouvir os procuradores da República… já ouvimos os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU)… são 12 procuradores da República acerca desses temas.
Pelo que o senhor ouviu dos auditores da TCU, dá para ter um rumo nessa questão?
Claro. O TCU deixou claro que em todos esses processos há corrupção. Direcionamento, pré-qualificação criminosa, sobrepreço, superfaturamento. Toda espécie de crime se praticou dentro da Infraero.
O senhor não acha que, apesar de o TCU ter encontrado todos esses indícios, o Ministério Público e o próprio governo demoraram demais para tomar uma atitude?
O governo ainda está demorando em relação à Infraero, porque todos os diretores envolvidos estão lá. Tirando o presidente, que é uma pessoa honrada e não existe nada contra ele, os demais são todos malandros.
O senhor ficou satisfeito com as explicações do presidente da TAM com relação à manutenção dos aviões da companhia e o acidente em Congonhas?
Não. Nós temos que analisar. Com relação a esse avião especificamente, muitas outras explicações podem ter que ser dadas no futuro. Vamos cruzar essas explicações com as análises técnicas, com oitivas de especialistas para depois ver e chegar à conclusão se o presidente da TAM falou a verdade ou não.
O senhor é a favor de mudanças na legislação das agências reguladoras em função desses problemas encontrados na Anac?
Para destituição do presidente e da diretora é preciso que haja alteração. E talvez outras alterações que a prática demonstrou serem necessárias para resolver esses problemas. Tem muita coisa que vai ser discutida a partir da semana que vem. Eu acho é que a partir dai que nós vamos ter que acertar.
O senhor acha que a Anac foi omissa desde o início dessa crise?
Totalmente omissa. E muito antes da crise. Essa concessão de linhas de forma exacerbada para a TAM e para Gol… Tudo isso complicou muito Congonhas, especificamente, e São Paulo de forma geral. Tanto é que agora, com essa redivisão de que vai ter que haver do espaço aéreo brasileiro e a definição de novos hubs [aeroportos que concentram grande número de vôos], justamente naqueles locais de distribuição de vôos, pode levar a uma carestia e a uma desaceleração do crescimento da nossa malha aérea. Mas, em prol da segurança. Então nós podemos dizer que a Anac priorizou o crescimento e beneficiou algumas empresas em detrimento da segurança de vôo dos brasileiros. Tem que abrir o mercado. É importante ainda que encareça os vôos. É importante para a segurança.
Esse pode ser então o primeiro passo para acabar com a concentração de empresas nesse setor no país?
Eu acho que é importante, mas o ministro Jobim vai suar e sofrer muito. Mas se ele for aquele velho Jobim, aquele que tem capacidade e disposição para resolver os problemas, ele pode chegar lá.
A subordinação dos militares, e neste caso específico da Aeronáutica, ao Ministério da Defesa, não é uma das causas da crise aérea? O senhor não acha que os militares estão incomodados? Existe uma insatisfação evidente dos militares?
Olha, se os militares estiverem incomodados, eles vão ter que se acostumar. Porque o ministro da Defesa serve justamente para que os militares se subordinem a ele. Se tinha uma bagunça, uma degeneração, digamos assim, das atividades do Ministério da Defesa, isso tem que entrar no eixo. Ou o Ministério da Defesa entra para mandar ou perde sua razão de ser e tem que ser extinto.
O senhor acha que o problema com os controladores de vôo está resolvido?
Não. A questão salarial dos controladores é muito grave. E enquanto não se resolver, o sistema como um tudo sofrerá boicotes. O problema é só salarial. Claro que tem problemas de recrutamento, formação, capacitação e supervisão, mas o problema hoje é salarial.
Como o senhor avalia a postura do presidente Lula e as últimas declarações dele sobre a crise dizendo que há metástase e que o setor aéreo é um cachorro sem dono?
É verdade. Tanto que o presidente é o principal dono.
Como o Congresso, além das CPIs, pode ajudar o governo a acabar com essa crise aérea?
Agora é ver tudo em relação à legislação, investigação e apurar corrupção. É saber o que pode ser aperfeiçoado legislativamente, mas que também amplie a capacidade de fiscalização do setor.
O senhor pretende pedir a cassação do mandato dos deputados da CPI do Apagão Aéreo da Câmara pela divulgação dos dados do acidente da TAM?
Eu não tenho atribuição para isso. Eu só disse que quando se viola um tratado, se viola a Constituição. Quando se viola uma convenção, também se viola a Constituição. E quem viola a Constituição, no caso de parlamentar, quebra o decoro. E a penalidade para quebra de decoro é a perda de mandato. Eu só fiz uma alerta, acho que ninguém vai tomar essa iniciativa. É que isso não é uma brincadeira. Há uma gravidade imensa nesse ato.
O argumento dos deputados é que CPI tem instrumento jurídico para fazer essa divulgação. O que o senhor acha disso?
Isso é analfabetismo puro. O Brasil é signatário de uma convenção que é clara. A transcrição dos diálogos dos pilotos não pode ser divulgada. A transcrição não, mas pode até se dizer o que aconteceu. Mas a transcrição aí não dá.
E como ficou a imagem da Aeronáutica depois desse episódio?
O sistema aéreo brasileiro está muito ruim. Então todo mundo que está envolvido está com a imagem depreciada. E precisa ser recobrada a imagem porque o setor e a Aeronáutica são essenciais para o país.
O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) e o PSDB na Câmara vão tentar aprovar uma indicação na CPI ao ministro da Defesa para abertura de processo administrativo contra a diretoria da Anac. O senhor acha que isso pode surtir efeito?
É uma atitude política, mas mostra o descontentamento do Congresso com os representantes da Anac, especialmente com o seu presidente. A Anac contribuiu muito para este caos. Com a ausência de fiscalização, autorizações impensadas e com o beneficiamento de duas empresas. E aí tudo isso aconteceu.