Um cenário de elevados gastos, produtividade questionável e investigações policiais leva ao descrédito do parlamento local. O julgamento popular é audível e se dá por meio de frases como “melhor fechar essa Câmara Legislativa”. Seria essa a solução? Por mais que a popularidade – e, com ela, a legitimidade – da Câmara Legislativa sofra uma queda constante, não parece razoável questionar sua missão.
É necessário visualizar a instituição que existe além dos diversos escândalos que envolvem parte de seus integrantes. Porém, para gerar alguma satisfação na população do Distrito Federal, o desempenho dos parlamentares deve aumentar, e seus custos, diminuir. As críticas à atuação da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) não são vagas. Relatório do Observatório Social de Brasília apontou que a criação de datas comemorativas foi o tipo de matéria legislativa mais aprovado pelos deputados em 2016.
Acrescente-se que apesar de gastar R$ 26 milhões com a própria divulgação, a Câmara Legislativa do Distrito Federal não conseguiu conquistar os corações brasilienses. O gasto com publicidade da Casa é superior ao da Câmara dos Deputados, que informa não gastar nada em publicidade institucional. Além disso, os deputados locais aparecem com frequência em investigações policiais com nomes pitorescos, como Caixa de Pandora e Operação Drácon. Parece claro que uma avalanche de banners e placas não conseguirá alterar essa imagem negativa.
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Todavia, a criação e a manutenção de uma Câmara Legislativa não são um luxo para os deputados distritais. É um direito básico que reflete o caráter federativo brasileiro e é a base da democracia representativa. O propósito do parlamento é insubstituível: manter o poder executivo “em cheque”, fiscalizando seus atos, e aprovar legislação que atenda aos anseios da sociedade.
Cabe ao Poder Legislativo local a representação mais fiel dos interesses da sociedade: da maioria e das minorias; das elites e das massas; dos cidadãos e das organizações. Um superpoder executivo, sem contrapesos nem monitoramento, é um risco desproporcional a qualquer benefício que possa advir da diminuição da CLDF. Portanto, cumpre discutir o resgate da CLDF, e não sua abolição.
Ainda este ano, provamos um aperitivo do que seria um parlamento autônomo e atuante. Em janeiro, a CLDF aprovou um projeto que suspendeu o reajuste tarifário do transporte coletivo, promovido pelo Poder Executivo. Ainda que posteriormente o reajuste tenha prevalecido, inclusive porque o projeto utilizado era juridicamente inadequado, o posicionamento da CLDF demonstrou que a sociedade pode se beneficiar de um debate constante sobre as políticas públicas implementadas na capital.
O parlamento tem especial autoridade para questionar as ações, os custos e os projetos do governo, fornecendo sugestões e críticas úteis. Outro caso promissor do nosso parlamento foi a criação de um laboratório de inovação dentro da CLDF, o Labhinova, que busca promover novas tecnologias, metodologias e debates sobre o controle social e a participação popular no Distrito Federal.
É preciso considerar ainda que a CLDF não é bem a “ovelha negra” do Distrito Federal. O Poder Executivo, apesar de não sofrer um ataque constante com propostas de dissolvimento, também se afasta do ideal. Basta considerar que investigações sobre as obras do Mané Garrincha, obra capitaneada pelo GDF, indicam superfaturamento de R$ 900 milhões.
Aliás, graças a essas investigações, os ex-governadores do Distrito Federal Agnelo Queiroz (PT) e José Roberto Arruda (PR), além do ex-vice governador Tadeu Filippelli (PMDB), foram presos. Quando quase toda a cúpula do Poder Executivo nos últimos dez anos é encarcerada, podemos afirmar que este poder não serve de modelo para o Legislativo. Demonstra ainda a precariedade da política no Distrito Federal, e não somente do parlamento.
Ainda que a fiscalização do Executivo seja praticamente simbólica e que a legislação produzida seja criticável, é preciso ajustar a mira. As críticas não devem ser dirigidas à CLDF enquanto conceito e instituição. Deve-se responsabilizar em primeiro lugar os deputados eleitos pela má utilização desse importante mecanismo de representação social. Afinal, quando há insatisfação com a presidência de uma empresa não se cogita o fim do cargo, e sim a troca do ocupante.
Desse contexto emerge também a necessidade de reformas. Cabe avaliar, por exemplo, se os deputados distritais realmente precisam de R$ 230 mil de verba mensal, a maior do país, para a contratação de servidores comissionados.
É bastante improvável que o fechamento da Câmara Legislativa traga benefícios para a população do Distrito Federal. Os alicates e as chaves de fenda do Poder Legislativo são imprescindíveis para a manutenção da democracia e para a promoção do desenvolvimento social. Os representantes eleitos que enferrujam essas ferramentas devem ser constrangidos a desempenhar seu papel constitucional.
A construção de uma sociedade livre, justa e solidária, objetivo fundamental da Constituição brasileira, reclama a manutenção dos parlamentos locais. Para cumprir sua missão republicana, é preciso abrir a CLDF, não fechá-la.
<< Do mesmo autor: A estática e a estética CLDF