Paulo Castelo Branco*
O advogado e ex-líder estudantil José Dirceu voltou a tratar da questão da criminalidade e da violência em artigo publicado no Jornal do Brasil sob o título “De volta ao futuro”. É um dos mais objetivos textos já publicados sobre o assunto e, se houvesse sido escrito por um dos membros do governo do presidente Lula, talvez pudesse influir no destino dos brasileiros.
José Dirceu, fora do poder, tenta resgatar as bandeiras que levantava quando jovem e idealista. Naqueles tempos, a nossa geração sonhava com um governo democrático e um povo livre da corrupção, dos políticos safados e dos cabos eleitorais que arrebanham milhares de votos nos cantões miseráveis do País em troca de comida e submissão. O tempo passou, e o que conseguimos foi a vergonha de vermos os nossos líderes, que demoraram tanto a assumir o poder, serem carregados no lamaçal que arrasou a nação brasileira.
É evidente que José Dirceu conhece os dois lados da moeda e, fora do poder, pode se arrogar no direito de ensinar como se faz: “Com o nosso atual sistema penitenciário, falar em agravar penas e em prisão perpétua soa quase ridículo. Não há como combater o agravamento da violência e o crescimento do crime organizado sem reformar ou reorganizar o sistema penitenciário, com trabalho e educação, com execução penal que justifique esse nome, com condições mínimas de segurança e ressocialização. Em segundo lugar, é necessário prosseguir com o processo de reorganização do sistema judiciário, particularmente o processo penal, o júri popular e os tribunais, para que se possa, de fato, punir o crime e os criminosos. Estes precisam saber que não haverá impunidade, que cumprirão pena, mas que serão tratados com dignidade e terão chance de reabilitação”.
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Desta parte do texto, quase ninguém estará contrário ao que diz o analista; no entanto, José Dirceu, no poder, não conseguiu sensibilizar seus companheiros com os argumentos que hoje desenvolve. Eram essas as ações que a “nossa geração”, como afirma Dirceu, desejava e lutava para implantar. Não foi o que aconteceu; no poder, o agora velho líder embaraçou-se nos caminhos da política menor e enveredou pelos mesmos caminhos percorridos pelos mentores do “troca-troca” rasteiro. A Justiça ainda não se pronunciou sobre os escândalos que retiraram Dirceu do poder, mas, politicamente, os ideais que ele defendia sucumbiram na dura denúncia do procurador-geral da República.
Por fim, Dirceu toma a liberdade de falar em nome da geração dele: “Tomo a liberdade de falar em nome de minha geração e de todos aqueles que lutaram e sonharam com o governo Lula, para dizer que essa deve ser nossa maior e única prioridade nos próximos anos. Sem construir um futuro para os jovens de nosso Brasil não valerá a pena ter enfrentado a ditadura, travado tantas batalhas e chegado ao governo”.
Não, José Dirceu, você não fala mais em nome da nossa geração. Não, José Dirceu, você não pode mais subir nos bustos da praça pública para nos levar ao confronto com a polícia da ditadura e a suportarmos as pancadas desferidas sem dó. Não, José Dirceu, sua geração não quer ouvir a sua voz, pois, no poder, soou como o cocoricó dos galos donos do terreiro.
Os brasileiros não estão em busca de uma volta ao futuro, queremos mesmo é a volta aos velhos tempos de sinceridade, honestidade e luta para melhorar. A nossa geração passou por uma guerra mundial, ditaduras e governo democráticos, e, mesmo com as dificuldades até a chegada do nosso tempo, as escolas, os hospitais, o serviços públicos funcionavam e, dentre eles as Febems, as penitenciárias e as várias instituições policiais. No nosso tempo de meninos, podíamos sair às ruas, ir às escolas, freqüentar as praias e os estádios de futebol; podíamos trabalhar e ir aos bancos. Nossos pais e avós eram respeitados e o governo não os deixava ao relento em busca de suas aposentadorias.
Ora, Zé Dirceu, passamos anos sob uma ditadura e não sucumbimos a ela. Não iremos, agora, sucumbir. Vamos lutar. Só queremos poder sair para trabalhar e voltar em segurança. Não queremos dividir a culpa com nenhum governante, como pregou Lula no seu último discurso: “A questão da segurança é uma questão que hoje não tem um culpado, não tem dono, nem tem um inocente. Acho que todos nós, governantes e não-governantes, temos uma parcela de culpa”. Era só o que faltava, o governante da hora querer colocar todos os brasileiros na mesma vala em que se meteu, e na qual prometia resolver os problemas nacionais. Os problemas são de todos nós, mas a culpa é dos governantes. O povo brasileiro é inocente e não vai pedir anistia ou perdão pela opção que fez. O povo não será julgado e se manifestará, ai sim, no futuro.
*Paulo Castelo Branco é advogado, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e autor dos livros “Brasília 2030 – A reconstrução”; “A morte de JK” e “A poeira dos dias”.