As investigações do assassinato do juiz Alexandre Martins Filho têm mais um episódio desconhecido, dessa vez envolvendo o Tribunal de Justiça do Espírito Santo. A personal trainer Julia Eugênia Fontoura conta que sofreu uma tentativa de constrangimento para mudar suas declarações às autoridades policiais.
Julia, que testemunhou o assassinato de Alexandre, disse que ele manifestava o temor de ser morto pelo atual governador capixaba, Paulo Hartung (PMDB) – leia a íntegra do depoimento. A hipótese de envolvimento de Hartung na morte de Alexandre foi descartada no curso das investigações do crime, realizadas pela Polícia Civil, pelo Ministério Público Estadual e pelo próprio Judiciário capixaba.
Mas a afirmação de Julia de que ouvira de Alexandre, à época integrante da missão especial criada para combater o crime organizado, referência a um vídeo com provas sobre as ligações de autoridades estaduais com a criminalidade é consistente com outro depoimento, prestado pelo puxador de samba Wanderley da Silva Ferreira, o Thor do Império, condenado e preso por ter matado em junho de 1993 o segurança José Carlos Preciosa (confira). As declarações foram tomadas pelo juiz Alexandre e outras autoridades, 13 dias antes de o magistrado ser morto, há quatro anos, na porta de uma academia de ginástica em Vila Velha.
Leia também
Como publicou o Congresso em Foco ontem (terça, 3), a delegada Fabiana Maioral Foresto, responsável pelo inquérito sobre a morte do juiz Alexandre, confirmou que o ex-vereador de Vitória José Coimbra (PSDB) participou do assassinato de Preciosa – leia mais.
Coimbra, como é conhecido, é irmão do deputado federal Lelo Coimbra (PMDB-ES), ex-vice-governador do Espírito Santo e também acusado por Thor do Império de envolvimento na morte de Preciosa. O homicídio, segundo ele, foi encomendado com a intenção de evitar que Preciosa fornecesse ao delegado Francisco Badenes Júnior informações sobre a conexão entre irregularidades praticadas na Prefeitura de Vitória, que governador Hartung administrou entre 1993 e 1996, e o crime organizado capixaba.
Julia denunciou pressões
Feito esse preâmbulo, fundamental para os não iniciados entenderem a seqüência de fatos relacionada com a morte do juiz Alexandre (leia nossa primeira reportagem sobre o assunto), entramos no relatório da delegada Fabiana. No texto, a policial revela que Julia Eugênia denunciou uma tentativa de constrangimento para mudar suas declarações, principalmente sobre a denúncia feita por Thor do Império.
O material foi enviado ao Congresso em Foco pelo deputado Lelo Coimbra, junto com uma carta encaminhada pela delegada ao encarregado do inquérito, juiz Sérgio Ricardo de Souza. Sérgio Ricardo assumiu a responsabilidade da investigação porque o juiz Antônio Leopoldo Teixeira, acusado de cometer diversas irregularidades na 5ª Vara de Execuções, foi apontado como o principal mandante da morte do juiz Alexandre.
O relatório é datado de 23 de março de 2005. Leia o que diz a delegada Fabiana sobre as pressões denunciadas por Julia, incluindo mais dois personagens no caso:
“Consta dos autos que durante o seu depoimento a citada testemunha teria sido constrangida e até pressionada para mudar o teor das declarações, e que estranhamente tal fato teria partido de um Juiz de Direito de nome Dr. Pinheiro, que alegou para os policiais que ali estaria por determinação do então presidente do Tribunal DR. ALEMET MOULIN, fato negado veementemente por este”.
O juiz em questão, segundo apurou este site, é o diretor de comunicação da Associação dos Magistrados do Espírito Santo, José Rodrigues Pinheiro. A associação informou que não poderia repassar os contatos do juiz Pinheiro e pediu para o repórter entrar em contato com a assessoria de comunicação do Tribunal de Justiça. Embora já não seja mais o presidente do tribunal, Alemet Moulin ainda atua como desembargador.
A assessoria do tribunal informou que os fatos citados pelo relatório da delegada foram objeto de apuração em processo administrativo, instaurado logo após a denúncia, mas já concluído. Segundo o comunicado, o processo tramitou em segredo de justiça. Questionada sobre as conclusões do caso e se a reportagem poderia falar com o desembargador Moulin ou o juiz Pinheiro, a assessoria respondeu o seguinte:
“O Tribunal de Justiça não tem mais nada a informar sobre o assunto. Não houve processo na corregedoria. Foi o próprio Tribunal que instaurou um processo administrativo sobre o assunto, que já foi concluído”.
O inquérito policial
O relatório da delegada Fabiana dedica ao todo seis parágrafos aos depoimentos de Thor e da personal trainer, sob o título “Fato 06 – Fitas citadas pela testemunha Júlia Eugênia dizem respeito a declarações prestadas por THOR do Império”.
O texto diz que Leopoldo é apontado como acusado, “o que vem sendo corroborado por notícias divulgadas pela mídia”. A conclusão do inquérito foi recebida, segundo o documento, no dia 28 de março de 2005, pelo desembargador Pedro Valls Feu Rosa.
No final de março de 2005, a deputada e então presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Iriny Lopes (PT-ES) pediu por duas vezes a federalização do caso ao então procurador-geral da República, Cláudio Fontelles. A deputada capixaba alegava que o desembargador Pedro Valls Feu Rosa não tinha isenção para conduzir o inquérito contra Antônio Leopoldo, que até hoje não foi julgado.
Leia a íntegra do trecho relacionado com as fitas gravadas por Thor do Império e a avaliação da delegada Fabiana Maioral Foresto sobre as denúncias do preso (a reprodução é fiel até a eventuais erros de digitação e português):
“Fato 06 – Fitas citadas pela testemunha Júlia Eugênia dizem respeito a declarações prestadas por THOR do Império.
Muito se falou entorno das declarações prestadas por Júlia Eugênia, professora da Academia Belle Forme, freqüentada por Alexandre Martins, inclusive seu depoimento foi tido como principal durante muito tempo. Diz à professora que Alexandre tinha em seu poder fitas que envolviam pessoas de projeção do Governo Estadual e por esse motivo corria riscos de sofrer um atentado.
Consta dos autos que durante o seu depoimento a citada testemunha teria sido constrangida e até pressionada para mudar o teor das declarações, e que estranhamente tal fato teria partido de um Juiz de Direito de nome Dr. Pinheiro, que alegou para os policiais que ali estaria por determinação do então presidente do Tribunal DR. ALEMET MOULIN, fato negado veementemente por este.
Dentre as hipóteses levantadas para os suposto envolvimento da máquina governamental, suscitou-se um depoimento prestado por um detento conhecido pela alcunha de Thor do Império que descrevia o modo que ocorrera o homicídio de um popular de alcunha PRECIOSA e que tal homicídio teria sido encontrado a THOR pelo ex-vereador de Vitória JOSÉ COIMBRA, irmão do atual vice-governador do Estado.
Após as investigações apurou-se que as fitas citadas por Júlia Eugênia realmente existiam e conforme já era de conhecimento, dizia respeito a um depoimento dado por um presidiário conhecido por “THOR DO IMPÉRIO” que narrava detalhadamente todo o caminho percorrido para a execução do crime em que teve como vítima a pessoa conhecida com “PRECIOSA”, inclusive o nível de envolvimento de políticos e pessoas influente do Estado do Espírito Santo.
A partir desses levantamentos, fizemos alguma incursões que frutufucaram com a quebra de sigilo bancário de alguma pessoas e ainda com interceptações telefônicas, onde recentemente pudemos comprovar o nível de envolvimento de algumas pessoas citada como atores dessa trágica seleção de acontecimentos.
Mas tal fato corresponde a outro Inquérito Policial já em fase de conclusão, onde carreamos as novas provas levantadas e esperamos pelo desfecho do final do processo. Portanto torna-se relevante que tal deslindamento não seja divulgado visto que, além de em princípio em nada contribuir para o desfecho do presente Inquérito, ainda poderá causar prejuízo na finalização do outro”.
Defesa do deputado Lelo Coimbra (PMDB-ES), acusado de envolvimento com o crime organizado no seu estado, se baseia no relatório final do inquérito sobre a morte do Juiz Alexandre Martins Filho. Mas o mesmo documento revela que uma das testemunhas dessa acusação, que também envolve o governador Paulo Hartung, foi pressionada por um juiz de Direito apontado no inquérito apenas com “Dr. Pinheiro”.”
O que diz o tribunal
Seguem, também na íntegra, os esclarecimentos prestados pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, por meio de sua Assessoria de Comunicação Social, em resposta a questionário enviado pelo Congresso em Foco.
“1) Quais são os últimos movimentos do processo nesse tribunal [sobre o caso da morte do juiz Alexandre]?
No Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo, o processo criminal relativo à morte do juiz Alexandre Martins de Castro Filho teve tramitação normal, faltando apenas o Tribunal de Justiça julgar os acusados de serem os mandantes do crime. Esse julgamento ainda não aconteceu por força de liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal. O TJES aguarda, há cinco meses, o julgamento final do recurso para definir a data de julgamento do Juiz Antônio Leopoldo Teixeira.
Os outros dois acusados de serem os mandantes do crime, o coronel da reserva da polícia militar Walter Gomes Ferreira e o ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Baptista, o Calú, serão julgados pela 4ª Vara Criminal de Vila Velha. Os intermediários e executores do crime, sete homens, já foram julgados e condenados.
O processo contra o Juiz Antônio Leopoldo, o Tribunal de Justiça fez toda a instrução, concluiu as apurações e marcou o julgamento, inicialmente para abril do ano passado. Por ser um magistrado, Leopoldo será julgado pelos 21 desembargadores que integram o Pleno do TJES, que está pronto para concluir esse trabalho. Mas o julgamento foi adiado por duas vezes por força de liminares dos Tribunais Superiores.
O juiz alega que está aposentado e que, por isso, não pode ser julgado pelo Tribunal Pleno. Leopoldo Teixeira pede, nos recursos feitos em Brasília, que seja julgado pela 4ª Vara Criminal de Vila Velha, conforme os demais acusados. Realmente Antônio Leopoldo chegou a ser aposentado pelo Tribunal Pleno, mas o Ministério Público Estadual recorreu da decisão e os próprios desembargadores entenderam que deveriam suspender a aposentadoria, até que se conclua o processo criminal contra o magistrado.
No Superior Tribunal de Justiça, o voto do ministro Arnaldo Esteves Lima, que foi acompanhado na íntegra pelos demais integrantes da quinta turma de julgamento, datado de 8 de agosto de 2006, é bem claro, do qual, transcrevo trechos da páginas 3 e 4:
“A aposentadoria sendo um fato jurídico-administrativo precisa se formalizar por meio de um ato administrativo. No caso, além de não ter sido publicado e existir recurso pendente de julgamento, o ato está sujeito à análise do Tribunal de Contas – a quem incumbe verificar a sua legalidade diante da efetiva consumação do suporte fático do benefício, ex vi do art. 71, inciso III, da Constituição Federal.
Destarte, o paciente não está aposentado – como afirmado na exordial do writ. O ato da aposentadoria compulsória não se perfez: não foi publicado e dele pende recurso do Ministério Público Estadual a ser apreciado pelo Tribunal de Justiça, no qual se questiona exatamente as circunstâncias de sua aposentadoria.
Pelo exposto, denego a ordem impetrada, cassando a liminar. Pedido de reconsideração da decisão concessiva de liminar julgado prejudicado. É como voto.”
O juiz Antônio Leopoldo havia obtido, inicialmente, uma liminar no STJ cancelando o julgamento. Mas o próprio relator reviu a decisão dele, e concluiu no voto final que o juiz não está aposentado.
O juiz Leopoldo então, recorreu ao Supremo Tribunal Federal, que tem como relator o ministro Marco Aurélio de Mello. No final de outubro de 2006, o STF concedeu uma liminar no habeas corpus impetrado pelo magistrado, cancelando mais uma vez o julgamento que estava marcado para novembro do ano passado. Agora, para o Tribunal de Justiça realizar o julgamento, depende de votação final no Supremo.
Mesmo alegando para os Tribunais Superiores que está aposentado, o juiz Antônio Leopoldo requereu e recebeu do Poder Judiciário Estadual férias relativas aos anos de 2006 e 2007. Além disso, o nome dele figura na lista de antigüidade dos magistrados do Poder Judiciário Estadual (vide Diário da Justiça de 31/1/2007 – www.tj.es.gov.br). O relator do processo criminal no TJES, desembargador Sérgio Luiz Teixeira Gama, já encaminhou os documentos, que comprovam o pagamento de férias e a lista de antigüidade, para o relator do habeas corpus no Supremo Tribunal Federal – ministro Marco Aurélio.
Quanto aos outros dois acusados de serem os mandantes do crime, Cel. Ferreira e Calú, eles já receberam a sentença de pronúncia, o que significa que o juiz da 4ª Vara Criminal de Vila Velha decidiu que eles vão à Júri Popular. Os dois perderam o recurso no Tribunal de Justiça Estadual e agora estão recorrendo ao Superior Tribunal de Justiça – STJ. Ferreira continua preso, pois é acusados de outros crimes no Estado. Calú está em liberdade, após obter um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, em janeiro deste ano.
Todos os cidadãos acusados de intermediar e executar o juiz Alexandre Martins de Castro Filho já foram julgados e condenados pela Justiça Estadual. Foram à Júri Popular e cumprem pena. Os processos tramitaram pela 4ª Vara Criminal de Vila Velha. São eles: Odessi da Silva Júnior, o Lumbrigão, e Giliardi Ferreira (executores do crime); André Luiz Barbosa Tavares, o Yoxito, e Leandro Celestino dos Santo, o Pardal (intermediários que forneceram a moto e as armas do crime); Fernandes de Oliveira Reis, o Cabeção (intermediário do crime) e os sargentos da Polícia Militar, Ranilson Alves da Silva e Heber Valêncio (intermediários dos mandantes). Os processos agora estão sob a responsabilidade da Vara de Execuções Penais.
2) O desembargador Alemer Moulin identifica o juiz de direito apontado no relatório como Dr. Pinheiro?
3) Quais foram as providências tomadas pela Corregedoria do Tribunal sobre a citação no relatório e pela testemunha sobre a acusação de constrangimento de depoimentos?
Quanto a essas duas perguntas, a Assessoria esclarece que os fatos foram objetos de apuração em processo administrativo, instaurado pelo Tribunal de Justiça. O processo já foi concluído e tramitou em segredo de Justiça.
O Tribunal de Justiça não tem mais nada a informar sobre o assunto.
Não houve processo na corregedoria, foi o próprio Tribunal que instaurou um processo administrativo sobre o assunto, que já foi concluído.
Atenciosamente,
ANDRÉA RESENDE
Assessora de Comunicação do TJES
Vitória, 3 de abril de 2007”