Em apenas uma semana, o caseiro Francenildo dos Santos Costa, de 24 anos, deixou o anonimato para se tornar pivô de uma crise que já estremece a relação entre os três Poderes da República. O Supremo Tribunal Federal (STF) negou ontem pedido do Senado para retomar o depoimento do caseiro, suspenso por liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso na última quinta-feira, em que Nildo, como é mais conhecido, contradisse o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
Na sexta-feira, seu extrato bancário foi vazado e publicado, sem autorização legal, numa revista – o que desencadeou mais uma forte reação da oposição durante o fim de semana. O vazamento serviu para mostrar, além do saldo em conta, um drama familiar: o caseiro alega que recebeu R$ 38 mil em troca do silêncio sobre sua paternidade.
A Polícia Federal e a Caixa Econômica Federal, onde ele tem conta, anunciaram a abertura de investigações para apurar o vazamento da informação – que só poderia ser dada com autorização judicial. Ontem, o presidente do Supremo, Nelson Jobim, considerou a quebra de sigilo de Nildo “uma afronta à Constituição” e disse que atitudes como essa devem ser evitadas a qualquer custo. “Não podemos conviver com esse tipo de situação, porque senão isso não pára”, alertou.
Leia também
Ainda ontem, o senador Tião Viana (PT-AC) – o mesmo que foi ao STF silenciar o caseiro – apresentou requerimento para quebrar o sigilo bancário de Nildo. “O caseiro não está sendo investigado por ninguém”, reagiu o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), no plenário do Senado. “Nenhuma argumentação jurídica sustentaria um pedido desses.”
A reação dos oposicionistas, que acusam o governo de estar por trás da violação da privacidade do caseiro, foi imediata, pedindo a divulgação dos dados bancários do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto, suspeito de ter usado dinheiro de origem desconhecida para pagar dívidas do presidente Lula, de quem é amigo. O senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) pediu ainda a quebra do sigilo bancário de Fábio Luiz da Silva, filho de Lula, sob o argumento de que há suspeitas sob os negócios da empresa dele. Os governistas reagiram e classificaram as iniciativas como afronta. Tudo isso numa segunda-feira, dia tradicionalmente vazio no Congresso.
Os requerimentos serão discutidos hoje pela comissão, numa reunião em que o caseiro que mexeu com os três Poderes será o principal assunto e o calor da disputa deve chegar a níveis insuportáveis.
Veja os principais desdobramentos políticos no Executivo, no Legislativo e no Judiciário do caso Nildo:
Ação e reação
1) Tião Viana pede quebra de sigilo de caseiro
O senador Tião Viana (PT-AC) encaminhou à Mesa Diretora do Senado um requerimento em que solicita a quebra total do sigilo bancário do caseiro, de janeiro até agora. O petista disse que, além da conta poupança – cujo sigilo foi divulgado pela revista Época na semana passada sem autorização da Justiça –, quer eventuais informações sobre cartões de créditos e contas correntes de Francenildo.
Viana argumentou que só assim se encerrarão as críticas de que o governo operou a divulgação de dados da conta poupança de Nildo na Caixa Econômica Federal para a revista Época na última sexta-feira. “É preciso que a verdade mostre que ele (Francenildo) é um homem de bem, que não recebeu dinheiro de ninguém (para fazer as denúncias)”, disse.
Ao Congresso em Foco, o advogado de Nildo, Wlício Chaveiro do Nascimento, disse ter estranhado a atitude do senador, pois o sigilo do caseiro já foi aberto. “Querem abrir a porta depois que o ladrão entrou”, declarou. Ele afirmou que o caseiro não possui outras contas além da poupança, cuja movimentação bancária já foi divulgada na semana passada ilegalmente. Também não opera cartões de crédito ou cheques.
Ele afirmou, porém, que não contesta a iniciativa de Viana e disse que seu cliente está seguro para abrir os dados aos parlamentares. Ontem à noite, Nildo chegou até a ligar, a cobrar, para o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) para dizer que coloca seu sigilo à disposição da CPI.
2) Oposição pede quebra de sigilos de Lulinha e, novamente, de Okamotto
O pedido de quebra de sigilo do caseiro deixou a oposição visivelmente irritada. O senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) apresentou requerimento pedindo a quebra de sigilo bancário de Fábio Lula da Silva, filho do presidente Lula.
Lulinha, como é conhecido, foi incluído nas investigações da CPI dos Correios por ter recebido um aporte de capital de R$ 5 milhões da Telemar e uma verba anual de publicidade no mesmo valor. Os oposicionistas que integram a comissão desconfiavam que fundos de pensão pudessem ter desviado recursos para a empresa de jogos de Fábio Luiz. Mas o caso não foi investigado pelas CPIs.
“Esse procedimento é um afronta de forma inequívoca a esta Casa”, afirmou a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC). A senadora disse que a atitude de Antero foi uma provocação clara ao governo. “Como vamos entender isso? Mexer com o filho do Lula?”, declarou.
Pouco antes, os oposicionistas pediram também a quebra de sigilo bancário do presidente do Sebrae, Paulo Okamotto. “Não vamos inverter os fatos. Quem está sendo acusado é o Paulo Okamotto”, disparou o líder do PFL no Senado, José Agripino Maia (RN).
Okamotto é suspeito de ter pago dívidas de Lula, de quem é amigo, e familiares com dinheiro ilegal. “Temos que quebrar o sigilo da mais virgem das virgens”, disparou o líder tucano do Senado, Arthur Virgílio (AM), no plenário da Casa. Há quatro meses a CPI dos Bingos tenta, sem sucesso, quebrar o sigilo do presidente do Sebrae.
3) PF abre investigação para apurar quebra de sigilo
Após a quebra ilegal da conta bancária do caseiro, a Polícia Federal foi apontada como uma das possíveis “vazadoras” da informação para a imprensa. A hipótese ganhou corpo logo após a revelação de que o extrato da conta de Francenildo foi acessado às 20h58 de quinta-feira, no momento em que ele estava sob proteção da PF.
Antes, o caseiro disse ter repassado para o delegado de plantão, além da sua identidade e do seu CPF, o cartão de sua conta bancária na Caixa. A PF diz que é um procedimento padrão.
Mesmo com essas suspeitas, ontem, o ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, determinou a abertura de investigação para apurar os responsáveis pelo vazamento. “Essa quebra de sigilo é séria, precisa ser apurada e vai ser apurada. O governo é o maior interessado nesta apuração” afirmou Bastos.
Bastos disse que o vazamento de informações é “uma praga” no Brasil. “É uma coisa terrível que precisa ser combatida e coibida”, afirmou, referindo-se às acusações da oposição de que o governo teria tentado desacreditar o depoimento do caseiro.
O coordenador de Defesa Institucional da PF, Wilson Damásio, disse que a instituição vai abrir uma investigação formal para apurar a quebra do sigilo. “Este fato será apurado pela PF e vamos levar às últimas conseqüências. Podem ter certeza, quem tirou esse extrato vai ser punido”, afirmou Damásio, em entrevista coletiva.
Segundo ele, a polícia não terá grande dificuldade para chegar ao responsável pelo vazamento das informações bancárias do caseiro. O coordenador também negou com veemência o eventual envolvimento de algum policial federal no episódio.
O advogado do caseiro solicitou à PF detalhes dos procedimentos adotados pela instituição para incluir testemunhas sob proteção. O advogado do caseiro, porém, enfatizou que não acusa a PF de ter repassado dados da conta bancária do seu cliente. “Acho que houve um mal-entendido na declaração do Nildo na sexta-feira”, disse ele sobre as declarações dadas pelo caseiro logo depois de seus dados bancários virem à tona.
4) Caixa investiga violação de sigilo de caseiro
A Caixa Econômica Federal afirmou ontem que já começaram as investigações sobre a violação do sigilo bancário do caseiro. Em nota oficial, a instituição informou que vai investigar, no “âmbito interno”, os responsáveis pelo vazamento para a imprensa do extrato da conta poupança de Nildo, que é correntista da CEF.
“A Caixa Econômica Federal informa que instaurou procedimento de investigação visando apurar, no âmbito interno, eventuais responsabilidades pela divulgação de informações a respeito da conta poupança do cliente Francenildo dos Santos Costa”, diz o comunicado oficial da instituição.
5) Caseiro entra com ação para apurar quebra de sigilo
O caseiro encaminhou ontem uma ação contra a Caixa na Procuradoria da República do Distrito Federal (PR-DF). A queixa foi protocolada pelo seu advogado, que solicitou à Caixa e ao Banco Central que apurem quem repassou dados de extratos bancários do caseiro para imprensa.
6) Ação de reconhecimento de paternidade
O advogado de Francenildo afirmou que deve entrar nos próximos dias com uma ação de reconhecimento de paternidade para obrigar o empresário Eurípedes Soares da Silva, dono de uma empresa de ônibus em Teresina, a registrar Nildo. Ele seria pai biológico do caseiro e confirmou ter depositado os R$ 25 mil na conta dele.
O caseiro disse que procurou Eurípedes para que ele assumisse a paternidade. O empresário teria se negado a se submeter ao exame de reconhecimento e, para evitar que o caso parasse na Justiça, proposto ao caseiro a entrega de um ônibus. Nildo teria recusado a oferta e pedido dinheiro.
7) Tucano quer reconvocar ex-motorista de Buratti
Vice-líder do PSDB no Senado, o senador Álvaro Dias (PR) apresentou à CPI dos Bingos requerimentos relacionados à denúncia de que o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, freqüentava a mansão alugada pela chamada “república de Ribeirão Preto”. Dias quer convocar o motorista Francisco das Chagas Costa para prestar novo depoimento à comissão.
No primeiro depoimento, o motorista disse ter visto o ministro três vezes na casa usada por ex-assessores dele – Rogério Buratti, Vladimir Poleto e Ralf Barquete – para festas e negócios suspeitos. O motorista disse recentemente que levou dinheiro ao estacionamento do Ministério da Fazenda uma encomenda a ser entregue ao chefe de gabinete de Palocci, Ademirson Ariovaldo da Silva.
8) Tucano quer convocar corretor que diz ter visto Palocci
Em outro requerimento, o senador Álvaro Dias pediu a convocação do corretor de imóveis Carlos Magalhães, que intermediou o contrato de aluguel da “mansão do lobby”. O corretor afirmou, em entrevista à Folha de S. Paulo, ter visto o ministro da Fazenda nessa casa. Inimigo e ex-assessor de Palocci, Buratti nega ter fechado negócio com Magalhães.
9) Pedida a abertura de inquérito para apurar responsáveis pelo vazamento
Álvaro Dias pediu ainda à CPI dos Bingos que solicite à Polícia Federal a abertura de inquérito para apurar os responsáveis pela quebra de sigilo do caseiro. O vice-líder do PSDB cobrou também explicações da Caixa para saber como as informações da movimentação bancária do caseiro foram parar na imprensa.
“Isso (o vazamento das informações bancárias do caseiro) revela o aparelhamento partidário da Caixa Econômica e a tentativa do governo de desqualificar o depoimento do caseiro”, disse. Por contra própria, a PF e a Caixa decidiram abrir frentes de investigação.
10) Senado recorre de decisão do STF – e perde novamente
O advogado-geral do Senado, Alberto Cascais, apresentou ontem à tarde ao STF o pedido de suspensão da segurança para tornar sem efeito a liminar que interrompeu o depoimento do caseiro à CPI dos Bingos. O pedido foi julgado pelo presidente do STF, Nelson Jobim, e negado ainda ontem à noite.
11) PSDB ingressa com ação no STF para que PF, Caixa e BC sejam investigados
O líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), afirmou ontem que o partido ingressará com representação no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Banco Central, a Polícia Federal e a Caixa Econômica Federal sejam investigados.
Os oposicionistas cobram a punição dos responsáveis pela quebra de sigilo ilegal do caseiro.
12) PPS entra na Justiça contra quebra de sigilo do caseiro
O PPS anunciou que entrará na Procuradoria da República no Rio com uma representação criminal contra a quebra ilegal do sigilo bancário de Francenildo. A informação é do presidente nacional da sigla, deputado Roberto Freire (PE). “Hoje é o direito do caseiro a ser violado, amanhã pode ser o de qualquer outro cidadão. Basta ser inimigo do governo para se tornar alvo de um Estado cujas instituições estão sendo usadas para perseguir, como ocorre em regimes ditatoriais”, criticou Freire.
Deixe um comentário