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Temer, dois anos de gestão: denúncias de corrupção, crises institucionais e aposta na economia

 

O emedebista Michel Temer já entrou para a história como um dos presidentes da República mais rejeitados pela população, em níveis semelhantes à impopularidade alcançada, em 1992, pelo então presidente Fernando Collor, hoje senador pelo PTC de Alagoas. Com índices de aprovação de seu governo nunca superiores a 5% em diversas pesquisas, Temer completa exatos dois anos de gestão neste 12 de maio e jamais teve vida fácil desde aquele maio de 2016, quando o Senado afastou Dilma Rousseff (PT) em um controverso e turbulento processo de impeachment. De lá para cá, o professor de Direito Constitucional acumulou denúncias de corrupção, patrocina medidas impopulares e protagonizou cenas de crise institucional que quase o derrubaram da cadeira principal do Planalto.

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Hoje cheio de cicatrizes e alvo da Operação Lava Jato, Temer conseguiu barrar duas denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) com a ajuda da Câmara, sob acusação de comprar o voto de deputados por meio de emendas parlamentares e distribuição de cargos, projetos, medidas e demais benesses. Acusado de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa, o presidente ainda enfrenta outros dois inquéritos por suspeita de participação em malfeitos.

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Em um deles, Temer é acusado de receber propina para favorecer a empresa Rodrimar S/A, concessionário do Porto de Santos, ao editar o Decreto dos Portos (Decreto 9.048/2017) em maio do ano passado. No inquérito, o presidente volta a ser apontado como suspeito de cometer os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Embora a Rodrimar atue no Porto de Santos, base de diversas operações do setor petrolífero, o caso não guarda relação com a Operação Lava Jato.

 

Temer acompanha votação do impeachment com Padilha (à esq. do presidente), Henrique Alves, que deixou a cadeia há uma semana, e Jucá, homem forte do governo no Senado: todos investigados por corrupção

 

O Ministério Público Federal (MPF) diz que o decreto de Temer – atrelado à edição de uma medida provisória editada em 2013, quando Temer era vice-presidente – serviu como contrapartida ao recebimento de propina paga pela Rodrimar. A negociata da chamada “MP dos Portos”, segundo as investigações, foi intermediada pelo ex-assessor especial da Presidência da República Rodrigo Rocha Loures (PMDB), suplente de deputado pelo Paraná que passou a ser chamado de “deputado da mala”.

Em 29 de abril, Loures foi filmado pela PF fugindo por uma rua de São Paulo com uma mala com R$ 500 mil em espécie e virou réu devido ao episódio, a exemplo do presidente. Blindado pela base aliada em duas votações de plenário, Temer, a quem foi atribuído o dinheiro, foi beneficiado pela legislação vigente e só pode ser investigado por ato cometido no exercício do mandato, e mesmo assim com autorização da Câmara. Com a negativa dos deputados, a continuidade do processo contra o presidente só terá curso quando ele deixar o mandato.

Quadrilhão

O outro inquérito ativo contra Temer é referente ao que o MPF definiu como “quadrilhão do PMDB”. A investigação apura pagamento de propinas da Odebrecht, uma das empreiteiras-pivô da Lava Jato, aos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Minas e Enegia) – a propina, segundo as investigações, seriam contrapartida pelo tratamento especial dispensado à empresa na Secretaria de Aviação Civil, que foi comandada pelos dois ministros entre 2013 e 2015. Em 2 de março, a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o ministro Edson Fachin, relator do petrolão no Supremo Tribunal Federal (STF), incluiu o presidente entre os beneficiários do esquema de corrupção.

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Para a Polícia Federal, Temer tinha poder decisório no “quadrilhão” e recebeu mais de R$ 30 milhões em propina. No pedido de inclusão de Temer nesse inquérito, Raquel Dodge citou a delação de Claudio Melo Filho, ex-executivo da Odebrecht, que afirmou ao Ministério Público que um jantar foi oferecido no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência da República, para negociar o repasse e a divisão de R$ 10 milhões pagos pela empreiteira como ajuda de campanha ao MDB, partido de Temer.

Raquel Dodge citou, no relato sobre a destinação do dinheiro ilícito, a declaração do ex-diretor da Odebrecht segundo a qual “Eliseu Padilha seria encarregado de entabular tratativas com agentes privados e decentralizar as arrecadações financeiras da Odebrecht; que ele teria deixado claro que falava em nome do vice-presidente [àquela época, Michel Temer] e que utilizaria o peso político dele para obter êxito em suas solicitações”.

Os áudios ensurdecedores de Joesley

Mas foi em maio do ano passado que Temer se viu a um passo do desfiladeiro. Em 18 daquele mês, Fachin divulgou uma das gravações realizadas pelo empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, e apresentadas à PGR como parte da sua devastadora delação premiada – que, aliás, violou a lei pertinente e o levou à cadeia. Recebida como uma bomba que alterou irreversivelmente a cena política do país, a ponto de até aliados jogarem a toalha sobre a situação do governo, o diálogo mostra Temer assentindo o pagamento de uma espécie de propina para comprar o silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso e condenado a 15 anos e quatro meses de prisão por envolvimento no petrolão.

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O presidente até hoje nega qualquer irregularidade e diz que falou sobre repasses a Cunha por “solidariedade”. O presidente ouviu de Joesley que uma mesada estava sendo paga a Eduardo Cunha e ao operador do PMDB no petrolão Lúcio Funaro, para que ambos ficassem calados sobre o esquema de corrupção na Petrobras. Diante da informação, Temer incentivou: “Tem que manter isso, viu?”. Segundo as investigações, o grupo JBS, um dos principais doadores de campanha nas últimas eleições, era o responsável pelos pagamentos ao ex-deputado. Fuzilado por evidências, o presidente convocou uma coletiva de imprensa em caráter extraordinária para dizer, irritadamente, que não renunciaria.

 

Reveja no vídeo:

 

De lá para cá, avolumaram-se as denúncias contra o presidente. Devido aos inquéritos em curso, há quem diga que Temer será alvo de uma terceira denúncia da PGR, o que teria desdobramentos imprevisíveis em ano eleitoral. A pouco mais de sete meses do fim do mandato, o emedebista voltou a falar em aprovação da reforma da Previdência ainda em 2018 para tentar salvar um governo enfraquecido, impopular e em sua reta final, às voltas com o impedimento constitucional acerca de votações de propostas de emenda à Constituição, por imposição da intervenção federal no Rio de Janeiro. Para observadores da cena política em Brasília, e a depender do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trata-se de um jogo perdido para o governo.

Fichas na economia

Por outro lado, Temer se cercou de uma equipe econômica de renome internacional que, a despeito dos últimos resultados, que frustram as projeções oficiais para 2018, conseguiu feitos como manter a inflação dentro da meta e tirar do negativo o desempenho do produto interno bruto (PIB). Com a indicação de Pedro Parente para o comando da Petrobras, o governo também conseguiu tirar da beira do precipício uma estatal que, atolada em dívidas bilionárias e alvejada pelo megaesquema de corrupção desvendado pela Operação Lava Jato, quase teve suas contas insolventes.

O respiro foi breve. Nestes dois anos de gestão, o presidente tentou supervalorizar índices como a alta do PIB em 2017. O resultado foi acanhado, de 1% no ano passado, mas parecia animador depois de dois anos consecutivos de retração da atividade econômica. Ainda mais quando aliado às quedas do resultado inflacionário e da taxa básica de juros (Selic) para 6,5% anuais, o menor nível desde 1986, quando o Banco Central deu início à série histórica de medição da Selic.

A despeito da propaganda oficial e do apoio do Congresso, de parte da imprensa e do empresariado, o governo até que tentou, em um primeiro momento, também faturar em cima de dados relativos ao emprego na esteira da reforma trabalhista. Mas, desde o início da vigência da reforma, em novembro, o mercado de trabalho continua a fraquejar e, ao contrário do que rezava a publicidade governamental, a redução do desemprego não veio.

Sob acusações de que as alterações na legislação precarizaram ainda mais as relações de trabalho e a própria realidade do emprego, o que foi reduzido na gestão Temer foi a quantidade de brasileiros empregados. Dados oficiais do IBGE dão conta de que eram 11,4 milhões os desempregados no país quando o emedebista assumiu. Hoje, o número foi elevado para 13,7 milhões.

Gilmar salvador

Outro momento marcante desses dois anos de gestão Temer foi o julgamento, concluído em 9 de junho de 2017, em que a chapa presidencial Dilma-Temer foi acusada pelo PSDB por abuso de poder econômico nas eleições de 2014. Dilma já estava cassada e o emedebista foi salvo pelo voto de desempate do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, que havia se reunido com o emedebista às vésperas do julgamento. O encontro, não registrado nas respectivas agendas oficiais, foi apontado como negociata de um acordo que já estava em curso para salvar Temer da degola. Ambos negaram a versão.

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O ministro, que antes dizia ver farto conjunto probatório para condenar a chapa quando Dilma era presidente, declarou no julgamento que jamais teve a intenção de cassar o mandato de Dilma ou de Temer. “Nós não devemos brincar de aprendizes de feiticeiros”, afirmou. O caso já havia sido pela ex-ministra do TSE Luciana Lóssio e o próprio Gilmar promoveu o desarquivamento. Mas o presidente passou a ser Temer, e Gilmar passou a dizer que repôs o andamento da ação não para cassar quem quer que seja, mas para que o país tomasse conhecimento de como as campanhas eleitorais são financiadas.

A postura de Gilmar revoltou os partidos de oposição ao governo Temer, PT à frente. “Nunca pensei em cassar Dilma Rousseff”, acrescentou, ressaltando que as “mazelas da política brasileira” não podem ser analisadas pelo TSE. “Não se substitui um presidente da República a toda hora. […] Não é algum fricote processualístico que se quer proteger. Não. É a questão do equilíbrio do mandato”, tergiversou, em discurso de tom teatral que intercalou brados, ironias, juridiquês e longas pausas.

 

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