O presidente Michel Temer disse que não sabia que o empresário Joesley Batista, a quem chamou de “criminoso” e de ter “prejudicado” o país nos dois últimos governos, era investigado e alvo de três operações da Polícia Federal quando se encontraram. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Temer afirmou que sua única culpa foi ter sido “ingênuo” ao receber o presidente da J&F e ter se deixado gravar. Contou que está acostumado a ouvir “bobagens”, como a confissão de crimes feita pelo delator, e ignorá-las. Admitiu também que tem o “hábito” de fazer reuniões sem divulgá-las em sua agenda oficial, contrariando o que determina lei.
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O peemedebista declarou, ainda, que o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) – seu ex-assessor flagrado em vídeo recebendo mala de R$ 500 mil em propina – é uma pessoa de “muito boa índole”. O presidente disse ainda que, ao contrário do que prometeu fazer em relação aos seus ministros, não deixará o mandato mesmo que a Procuradoria-Geral da República (PGR) o denuncie, pedindo a abertura de uma ação penal contra ele. Renunciar a qualquer momento, afirmou, seria uma confissão de culpa. “Eu não vou renunciar. Se quiserem, me derrubem, porque, se eu renuncio, é uma declaração de culpa”, declarou.
O presidente adiantou o que dirá se a perícia solicitada por ele à Justiça constatar que não houve adulteração na conversa dele com Joesley: “Se disserem que não tem modificação nenhuma eu direi: a Folha e o Estadão erraram”. Para Temer, os brasileiros estão gostando de sua reação enfática em relação às denúncias. “Olha, acho que eles gostaram desse novo modelito [risos]. As pessoas acharam que ‘enfim, temos presidente'”.
Veja alguns dos principais pontos da entrevista concedida pelo presidente a Daniela Lima, Marina Dias e Fábio Zanini, da Folha:
Prevaricação
O presidente negou ter comprado o silêncio do ex-deputado cassado e preso Eduardo Cunha (PMDB-RJ): “Como eu poderia comprar o silêncio, se naquele processo que ele sofre em Curitiba, fez 42 perguntas, 21 tentando me incriminar?”.
PublicidadeTemer negou ter prevaricado ao não tomar providência após ouvir Joesley confessar crimes: “Você sabe que não? Eu ouço muita gente, e muita gente me diz as maiores bobagens que eu não levo em conta. Confesso que não levei essa bobagem em conta. O objetivo central da conversa não era esse. Ele foi levando a conversa para um ponto, as minhas respostas eram monossilábicas…”
O presidente disse que tem o hábito de receber pessoas fora da agenda, contrariando o que determina a Lei 12.813/13. “Você sabe que muitas vezes eu marco cinco audiências e recebo 15 pessoas. Às vezes à noite, portanto inteiramente fora da agenda. Eu começo recebendo às vezes no café da manhã e vou para casa às 22h, tem alguém que quer conversar comigo. Até pode-se dizer, rigorosamente, deveria constar da agenda. Você tem razão. Foi, digamos, um hábito. Não é ilegal porque não é da minha postura ao longo do tempo [na verdade, está na lei 12.813/13]. Talvez eu tenha de tomar mais cuidado. Bastava ter um detector de metal para saber se ele tinha alguma coisa ou não, e não me gravaria.”
O peemedebista afirmou que não sabia que Joesley, no momento do encontro, era alvo das operações Sepsis, Cui Bono? e Greenfield, da Polícia Federal. “Ele disse na fala comigo que as pessoas estavam tentando apanhá-lo, investigá-lo.”
Com propina e boa índole
Temer minimizou a gravação em vídeo na qual o deputado Rodrigo Rocha Loures, seu assessor à época, foi flagrado recebendo mala com R$ 500 mil em propina:
“[Irritado] Não, peraí, eu vou chegar lá, né, se você me permitir… O que ele [Joesley] fez? A primeira coisa, o orientaram ou ele tomou a deliberação: ‘Grave alguém graúdo’. Depois, como foi mencionado o nome do Rodrigo, certamente disseram: ‘Vá atrás do Rodrigo’. E aí o Rodrigo certamente foi induzido, foi seduzido por ofertas mirabolantes e irreais. Agora, a pergunta que se impõe é a seguinte: a questão do Cade foi resolvida? Não foi. A questão do BNDES foi resolvida? Não foi.”
Para o presidente, Rocha Loures errou, mas não o traiu porque é um homem de “muito boa índole”.
“Não vou dizer isso, porque ele é um homem, coitado, ele é de boa índole, de muito boa índole. Eu o conheci como deputado, depois foi para o meu gabinete na Vice-Presidência, depois me acompanhou na Presidência, mas um homem de muito boa índole.”
O presidente tentou justificar por que avalizou Joesley a tratar de “tudo” com Rocha Loures. Nas palavras dele, não era “tuuudo”.
“Esse tudo são as matérias administrativas. Não é tuuudo [alongando o “u”]. Eu sei a insinuação que fizeram: ‘Se você tiver dinheiro para dar para ele, você entregue para ele’. Evidentemente que não é isso. Seria uma imbecilidade, da minha parte, terrível.”
“Me derrubem”
Temer afirmou que só sairá da Presidência se for “derrubado”. Renunciar, para ele, será uma declaração de culpa: “Não vou renunciar. Se quiserem, me derrubem, porque, se eu renuncio, é uma declaração de culpa”.
Ele voltou a acusar Joelsey de lucrar com a delação: “Ele não teve uma informação privilegiada, ele produziu uma informação privilegiada. Ele sabia, empresário sagaz como é, que no momento em que ele entregasse a gravação, o dólar subiria e as ações de sua empresa cairiam. Ele comprou US$ 1 bilhão e vendeu as ações antes da queda.”
Para o presidente, sua única culpa foi a “ingenuidade”: “Fui ingênuo ao receber uma pessoa naquele momento”.
“Não estou perdido”
Ainda na entrevista à Folha, Temer disse que terá o apoio do PSDB, seu principal aliado, até 31 de dezembro de 2018 e que vai provar que tem força política para aprovar as reformas trabalhista e da Previdência no Congresso. “Eu vou revelar força política precisamente ao longo dessas próximas semanas com a votação de matérias importantes.”
Para Temer, o julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que pode cassar a chapa que o reelegeu, ao lado de Dilma, em 2014, não será influenciado pela nova crise política. “Criou-se um clima que permeia a entrevista do senhor e das senhoras de que vai ser um desastre, de que o Temer está perdido. Eu não estou perdido.”
Imprensa
O presidente negou que sairá enfraquecido se a perícia solicitada por ele ao STF comprovar que não houve edição ou cortes na gravação entregue pelo dono da JBS. “Quem falou que o áudio estava adulterado foram os senhores, foi a Folha [com base em análise de um perito feita a pedido do jornal]. E depois eu verifiquei que o “Estadão” também levantou o mesmo problema. Se disserem que não tem modificação nenhuma eu direi: a Folha e o Estadão erraram.”
Temer reclamou do “bombardeio” no noticiário da TV Globo e defendeu o estilo mais enfático que adotou em sua defesa nos dois últimos pronunciamentos: “Olha, acho que eles gostaram desse novo modelito [risos]. As pessoas acharam que “enfim, temos presidente”.