Embora tenha utilizado palavras fortes e frases de efeito para se defender e rejeitar a hipótese de deixar o cargo, o presidente Michel Temer (PMDB) ainda não esclareceu pontos importantes da conversa que teve com o empresário Joesley Batista, da JBS. No pronunciamento deste sábado (20), o segundo em dois dias para tratar do assunto, Temer preferiu desqualificar os delatores e os investigadores em vez de explicar o grau de intimidade e a ascendência do empresário sobre ele, conforme mostram a gravação e a transcrição do diálogo ocorrido no Palácio do Jaburu, na noite de 7 de março. A estratégia pode ter efeitos jurídicos, mas está longe de elucidar o episódio.
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Mesmo alegando que a gravação foi “clandestina”, “editada”, “fraudulenta” e “manipulada”, o presidente não especificou que tipo de declaração, dele ou do empresário, sofreu distorções ou omissões. Em sua defesa, Temer se escorou no que “não disse” a Joesley, executivo alvo de diversos processos na Justiça e na Comissão de Valores Imobiliários (CVM), e confirmou outra vez mais que não repreendeu nem tomou qualquer atitude diante da confissão de crimes, em plena residência oficial da Vice-Presidência. Na conversa, o visitante admitiu obstruir a Justiça e corromper ao revelar que havia infiltrado um procurador na Lava Jato e “segurado” dois juízes, além de “zerar pendências” com um ex-deputado preso e condenado a mais de 15 anos de prisão.
Em seu pronunciamento, o presidente deixou de explicar por que recebeu no Palácio do Jaburu um empresário que, segundo o peemedebista, utilizou recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para “enganar os brasileiros” e “prejudicar” o país no período em que ele era o vice-presidente da República. “Esse senhor, nos dois últimos governos, teve empréstimo bilionário do BNDES para fazer avançar os seus negócios, prejudicou o Brasil, enganou os brasileiros e agora mora nos Estados Unidos”, discursou.
Joesley contou ao presidente que entrou no palácio sem se identificar nominalmente, bastou passar a placa do carro: “Eu passei a placa do carro. Fui chegando, eles abriram, nem dei meu nome”. “Não te viram?”, questiona o presidente. “Não, fui chegando, eles viram a placa do carro, abriram, eu entrei”, reafirmou. “Melhor, então”, disse Temer. “Funcionou super bem”, comemora o empresário goiano. Durante o tempo em que estão juntos, o dono da JBS monopoliza a conversa e trata o presidente da República da maneira mais informal possível, por “você”.
Em sua defesa neste sábado, Temer desqualificou Joesley e o chamou de “falastrão” para justificar seu silêncio e sua falta de atitude diante das declarações do empresário. “É um conhecido falastrão, exagerado. Aliás, depois, em depoimento, ele disse que havia inventado essa história (da compra de juízes). Não era verdadeira, era fanfarronice que ele utilizava naquele momento.” Professor universitário, autor de livros jurídicos e político com 76 anos de idade, o presidente parece ter ignorado, na ocasião, o histórico “criminoso” de seu visitante.
Ainda em sua defesa, Temer alegou que indicou outra pessoa – o deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) – para se desvencilhar das demandas de Joesley. Mas nada falou sobre a gravação do vídeo em que o parlamentar é flagrado recebendo uma mala com R$ 500 mil de um executivo da JBS, nem das conversas em que o paranaense trata de indicações de cargos com o empresário. O presidente evitou citar o nome de Rocha Loures, não o defendeu das acusações nem demonstrou se sentir traído pelo amigo, afastado das funções parlamentares esta semana por determinação do Supremo.
PublicidadePara comprovar sua inocência, Temer disse que Joesley fracassou em suas reivindicações no governo. E citou exemplos de tentativas malsucedidas, segundo ele, do empresário em sua gestão. A declaração dele, no entanto, contraria o sinal verde dado pelo presidente para Joesley tratar de vários assuntos com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Em um dos trechos, o peemedebista autoriza o dono da JBS a conversar com Meirelles e, se necessário, utilizar o seu nome para superar eventuais resistências.
Veja pontos do diálogo que Temer ainda não esclareceu:
Joesley diz ao presidente que está “segurando” dois juízes em processos nos quais é investigado. “Ótimo, ótimo”, afirma Temer. Em seu pronunciamento o peemedebista afirma que não acreditou na versão do empresário.
Joesley – Também. Eu tô segurando as pontas, tô indo. Meus processos, eu tô meio enrolado aqui, né [Brasília]. No processo [inaudível]…
Joesley – Isso, é, investigado. Não tenho ainda a denúncia. Aqui eu dei conta, de um lado, do juiz, dar uma segurada, do outro lado, do juiz substituto, que é um cara que fica…
Temer – Tá segurando os dois…
Joesley – Tô segurando os dois.
Temer – Ótimo, ótimo.
Por duas vezes, Joesley conta que tem informante dentro do Ministério Público. Embora não tenha revelado o nome na conversa, o acusado é o procurador da República Ângelo Goulart Villela, preso esta semana.
Joesley – Consegui um procurador dentro da força-tarefa que tá lá… que também tá me dando informação.
Joesley – Tô fazendo R$ 50 mil por mês pro rapaz (…) me dar informação.
Joesley – O que tá me ajudando tá bom, beleza. Agora, o principal… O que tá me investigando. Eu consegui colar um [procurador] no grupo. Agora eu tô tentando trocar o que tá…
Joesley –Isso! Tamo nessa aí. Então tá meio assim, ele saiu de férias, até essa semana eu fiquei preocupado porque até saiu um burburinho de que iam trocar ele, não sei o quê, fico com medo. Eu tô só contando essa história para dizer que estou me defendendo aí, tô me segurando.
Temer – Que tá lá.
(…)
Joesley – Eu consegui um procurador dentro da força-tarefa.
Joesley – Que também tá me dando informação. E eu lá que tô para dar conta de trocar procurador que tá atrás de mim. Se eu der conta, tem um lado bom e um lado ruim. O lado bom é que dá uma esfriada até o outro chegar e tal. O lado ruim é que se vem um cara com raiva ou com não sei o quê…
Joesley – O que tá me, me…
Temer – Ajudando?
Joesley pede a Temer algum contato para resolver um assunto de interese da JBS no Cade, órgão do Ministério da Fazenda. O presidente indica Rodrigo Rocha Loures, suplente de deputado que atuava como assessor da Presidência na época do encontro. O paranaense foi flagrado, em vídeo, recebendo mala com R$ 500 mil do diretor de Relações Institucionais da JBS, Ricardo Saud, outro delator. Segundo Saud, o dinheiro era uma parcela inicial dos R$ 480 milhões a serem pagos, ao lado de 20 anos, pela empresa em troca de benefício no Cade.
Joesley – Eu queria falar sobre isso. Falar como é que… falar contigo qual é a melhor maneira (…) Geddel… Eu não vou lhe incomodar… é o Rodrigo?
Temer – É o Rodrigo.
Joesley – Então ótimo.
Temer – (inaudível) passar para o Meirelles (inaudível) da mais estrita confiança.
Joesley – Eu prefiro combinar assim. Se for alguma coisa que precisar, eu falo com o Rodrigo. Se for algum assunto desse, eu te encaminho.
Em determinado ponto da conversa, Joesley diz a Temer que quer uma “sintonia” com ele para conversar com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e demonstra preocupação com a definição de dirigentes do Cade e da CVM. O presidente o autoriza a conversar com o ministro e a dizer, em caso de dificuldade, que ele tem o seu aval.
Joesley – Queria ter alguma sintonia contigo, pra quando eu falar com ele, ele não jogar: “Ah não, o presidente não deixa, não quer. ‘Pô, Henrique, mas você é muito banana, você não manda porra nenhuma.”. (Risos) Aí eu falei com… (inaudível) aí era o… o presidente do Cade ia mudar, mudou ou botou alguém aí.
Joesley – Lógico, lógico. Não vou falar nada descabido, nada descabido. Mas agora, eu falei pro Henrique, é importantíssimo ter um presidente do Cade ponta firme.
Temer – Mas não sei, já foi nomeado?
Joesley – Já, já foi nomeado. Foi em janeiro agora, eu falei pra ele…
Temer – Tem certeza? Tenha conversa franca…
Joesley – Tem que ver. Por exemplo, agora tá o presidente da CVM troca não troca, é outro lugar.
Temer – Você devia falar com ele…
Joesley – Se eu falar com ele e ele empurrar pra você…
Temer – Não, pode fazer, pode.
Joesley –É isso que eu queria, ter esse alinhamento, pra não ficar nessa e ele perceber…
Temer – Eu cito, mas não precisa falar de você.
Joesley – Quando falo de ir mais firme no Henrique, é isso, ver se ele vai levar. Queria ter esse alinhamento, quando eu falar um negócio, pelo menos vai e consulta lá.
Temer – Pode fazer isso.
…
Temer – Mas isso aí do Meirelles, pode falar.
Joesley – Isso que quero, se ele escorregar, eu…
Temer – Diga ‘consulte-o’. ‘Consulte o presidente’.
Ao ataque
Ainda no pronunciamento desta tarde, Temer disse que há incoerências entre o áudio e o depoimento de Joesley. “As incoerências entre o áudio e o teor do seu depoimento comprometem a lisura de todo o processo por ele desencadeado. O que ele fala em seu depoimento não está no áudio. O que está no áudio demonstra que ele estava insatisfeito com o meu governo, reclamações contra o ministro da Fazenda, o Cade e o BNDES, essa é a prova cabal que meu governo não estava aberto a ele. No caso central de sua delação fica patente o fracasso de sua atuação. O Cade não decidiu a questão solicitada por ele, o governo não atendeu aos seus pedidos, não se sustenta portanto a acusação pífia de corrupção passiva”, desqualificou.
O presidente também acusou o empresário de ganhar dinheiro e atentar contra a economia do país com sua delação. “A notícia foi vazada pelo grupo empresarial que antes de entregar a gravação comprou US$ 1 bilhão porque sabia que isso provocaria o caos no câmbio. Por outro lado, sabendo que a divulgação da gravação reduziria o valor das ações da empresa, vendeu antes da queda da Bolsa. Esses fatos já estão sendo apurados pela Comissão de Valores Mobiliários. A JBS lucrou milhões e milhões de dólares em menos de 24 horas.”
Veja a íntegra do pronunciamento do presidente:
Temer pede suspensão de inquérito e ataca Joesley, mas admite que nada fez diante de revelações