Lucas Ferraz
Passada a ressaca da última quarta-feira (27), quando a Câmara derrubou a proposta que mudava o sistema de votação, com a instituição da lista fechada (e sua variável, a chamada lista flexível), os deputados se movimentam agora para evitar o naufrágio da reforma política, considerada ambiciosa demais pela maioria dos parlamentares.
Se entre os defensores do texto derrotado prevalece a sensação de que a reforma foi sepultada, para os demais, a discussão está apenas começando. Na lista de itens a serem votados estão, por exemplo, a fidelidade partidária e o fim das coligações em eleições proporcionais. Ganha peso ainda a idéia de se elaborar uma proposta para que seja possível o financiamento público exclusivo em eleições majoritárias.
Mas, por enquanto, as cartas ainda não estão sobre a mesa. O dia de ontem foi vazio na Câmara, com a presença de parlamentares apenas na parte da manhã. À tarde, a grande maioria já tinha viajado para os seus estados. Na próxima terça-feira (3), o futuro da reforma política deverá ser decidido na reunião do Colégio de Líderes.
Leia também
Três pontos, no entanto, só devem ser apreciados pelo Plenário depois da votação do projeto de lei (PL 1210/07) relatado pelo deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO). São eles: a fidelidade partidária, a cláusula de barreira e o voto distrital. O primeiro item tramita na forma de projeto de lei complementar, enquanto os outros dois últimos serão votados como proposta de emenda constitucional (PEC), proposições que exigem maior apoio para serem aprovadas.
Caiado voltará a discutir com assessores da secretaria-geral da Câmara o seu texto, principalmente no que diz respeito ao financiamento público de campanha. A proposta de alguns deputados é instituir a medida nas eleições majoritárias – prefeito, senador, governador e presidente da República. Nesse caso, o primeiro teste ocorreria já nas eleições municipais do ano que vem, quando seria possível avaliar a eficácia da proibição de doações privadas para as campanhas.
Um dos vice-líderes do governo, Henrique Fontana (PT-RS) vê “boa visibilidade” no horizonte do financiamento público exclusivo para eleições majoritárias. Segundo ele, em conversas iniciais com líderes partidários, ficou claro que projeto pode se tornar viável. “Parte do PMDB que votou contra a lista é favorável ao financiamento público”, diz Fontana.
O líder do Democratas na Câmara, Onyx Lorenzoni (RS), também acredita ser possível salvar alguns pontos da reforma, principalmente o financiamento público – da mesma maneira que defende o petista Henrique Fontana.
Já o líder do PDT, Miro Teixeira (RJ), um dos principais articuladores da queda do voto em lista, defende a implantação de um modelo adotado nos Estados Unidos. “Cada partido decide se terá financiamento público ou privado. Não deve ser uma imposição por lei, a legenda tem que fazer sua escolha e se responsabilizar por isso”.
Fatiada
O projeto relatado inicialmente por Caiado há quase quatro anos foi divido. O voto em lista, ponto mais polêmico, foi colocado primeiro em votação para que o restante da reforma fosse baseado nesse primeiro item. Como ele caiu, há outros que o relator considera importante. Um deles é a proibição da transferência do domicílio eleitoral, prática muito utilizada por prefeitos de pequenas cidades, chamados de “prefeitos itinerantes”. O expediente tem sido adotado por alguns políticos para exercerem mais de dois mandatos consecutivos no Executivo municipal. Um artigo do projeto de lei proíbe que o prefeito de qualquer cidade, durante o seu mandato, transfira o domicílio eleitoral para outro município.
Há ainda uma proposta de revisão do horário eleitoral gratuito. Discute-se a possibilidade de se destinar 20% do tempo reservado no rádio e na TV para difundir e incentivar a participação das mulheres na política. O ponto é uma das reivindicações da bancada feminina na Câmara. Também ganha força a definição de um teto para gastos em campanhas eleitorais. A minirreforma eleitoral, aprovada no ano passado, prevê que uma lei futura defina esse teto. Até hoje, no entanto, essa norma não foi criada.
Por fim, os deputados querem também proibir a coligação partidária em eleições proporcionais (de deputados estaduais e federais e vereadores) e instituir a federação, quando dois ou mais partidos se reúnem, por no mínimo três anos, e atuam como uma legenda. Mas a resistência a ela é grande, como diz Miro Teixeira. “Dessa forma, os partidos políticos não vão se fortalecer”, afirma.
Pós-reforma
Muitos deputados querem terminar logo a votação da reforma para que o Plenário vote até o final de setembro a proposta de emenda constitucional que institui o voto distrital misto. Só assim, a mudança poderá valer já para as eleições do próximo ano.
O voto distrital é uma antiga reivindicação do PSDB. A legenda foi uma das principais responsáveis pela queda do voto em lista, depois que a bancada decidiu rejeitar a medida e insistir no voto distrital. Na última quarta-feira, depois que a lista foi derrubada, o deputado José Aníbal (PSDB-SP) clamava: “Agora vamos ao voto distrital!”. Nesse modelo, serão definidos distritos em cada estado, baseados na densidade populacional, que vão eleger os seus representantes.
Com o voto distrital misto, a circunscrição eleitoral é dividida em distritos, em número equivalente à metade das vagas a que o estado tem direito na Câmara. A metade dos candidatos será eleita nos distritos uninominais e a outra, pelo sistema de listas elaboradas pelos partidos. Nesse caso, o eleitor poderá votar duas vezes: no candidato (voto distrital) e no partido (voto de legenda) (leia mais).
A proposta, no entanto, esbarra na resistência de lideranças do PT e de outros partidos. Antes dela, deve ser votada a fidelidade partidária, prevista em projeto do deputado Luciano Castro (RR), líder do PR na Câmara. O texto torna inelegível o candidato que mudar de partido nos quatro anos seguintes a contar da data de sua diplomação.
Outro ponto polêmico é a cláusula de barreira, que também encontra forte resistência, principalmente entre os pequenos partidos. Esses se baseiam principalmente na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou a medida no final de 2006 por considerá-la restritiva e inconstitucional. A cláusula de barreira (ou de desempenho) determina que os partidos políticos que não receberem um percentual de votos durante a eleição (antes o índice estipulado era de 2%, alguns defendem até 5%) não terão direito ao funcionamento parlamentar.
Com ela, o partido que não atingir o percentual mínimo de votos não poderá formar bancada, nem ter líder. Além disso, ficará impedido de ter acesso ao fundo partidário, à propaganda gratuita no rádio e na televisão e de participar das diversas instâncias da Câmara. Henrique Fontana, contudo, descarta discutir a cláusula de barreira. “A medida causa muita tensão, e esse momento já passou. Temos agora que buscar um ponto de convergência”, explica.
Leia também:
A reforma política ameaçada – 28jun2007
Maioria é contra o financiamento público de campanha – 26jun2007