O avanço das novas tecnologias de telecomunicações criou um verdadeiro impasse legal. A transmissão de sons e imagens, antes restrita às televisões e rádios, se espalha cada vez mais rápido pelos mais diversos veículos, desde a internet até os celulares. O problema é que o capítulo V da Constituição Federal, que dispõe sobre comunicação social, não deixa claro se a lei que se aplica aos radiodifusores deve ser estendida às empresas de telecomunicações.
Para resolver esse impasse, foram propostos dois projetos de lei que têm como objetivo dar um marco regulatório às novas tecnologias de produção e distribuição de conteúdo. As propostas, no entanto, seguem por caminhos opostos.
O PL 70/2007, do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), prevê que a legislação atual seja estendida às empresas de telecomunicações, enquanto na proposta do deputado Paulo Bornhausen (PFL-SC), o PL 29/2007, é feita uma nova lei para contemplar especificamente as novas tecnologias, liberando o mercado de distribuição para as teles, independentemente da participação de capital estrangeiro nessas empresas. Atualmente, a lei permite que as empresas que fazem a produção, escolha editorial e distribuição de conteúdo podem ter no máximo 30% de participação de ações estrangeiras entre os sócios votantes.
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Viés nacionalista
De acordo com o texto do projeto de Marquezelli, “a produção e a programação e provimento de conteúdo nacional a ser distribuído por qualquer meio eletrônico e independentemente das tecnologias de que faça uso, somente poderão ser explorados por brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras, nas quais ao menos 70% do capital total e do capital votante deverão pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos”.
Como grande parte das telefônicas têm mais de 30% de capital estrangeiro, elas seriam proibidas de atuar como produtoras e distribuidoras de conteúdo. Apenas a Telemar e a CTBC Telecom seriam beneficiadas com a medida, por terem maior proporção de capital nacional.
Os que defendem o projeto, originalmente proposto pelo ex-deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE), usam o argumento da necessidade da defesa do conteúdo nacional. “Tem que ter controle, senão daqui a um tempo só vamos conseguir assistir a enlatados estrangeiros. A gente tem que criar mecanismos para preservar a cultura nacional”, defende Marquezelli. Segundo o deputado, ele fez a proposta justamente para “incitar o debate sobre o tema”, sem esperar, no entanto, que o texto proposto seja aprovado sem modificações.
Liberdade ampla
Na contramão do protecionismo, a proposta de Paulo Bornhausen prevê que “a participação de capital estrangeiro nas empresas de telecomunicações não restringirá, em nenhuma medida, o direito assegurado às empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações de, no todo ou em parte, produzir, programar, prover e distribuir conteúdo eletrônico”.
Ele admite, por outro lado, que “o Poder Executivo, levando em conta os interesses do País, poderá estabelecer limites à participação estrangeira no capital de prestadora do serviço de telecomunicações”.
“Eu diria que meu projeto é digital e pós-digital, enquanto o outro é analógico”, diz Bornhausen. “Enquanto o meu acelera, o outro freia. Temos que discutir quem ganha e quem perde com isso”, provoca.
Além de liberar a participação das empresas com capital estrangeiro para os serviços de internet e transmissão de dados para os celulares, o projeto de Bornhausen tira a restrição do capital estrangeiro para a TV a Cabo, que hoje é limitado a 49%.
“Concordo que tenha que incentivar a produção nacional, mas não acho que proibir a concorrência seja o caminho para isso”, argumentou o deputado, acrescentando que sua lei não altera as normas vigentes para a radiodifusão.
Os dois projetos tramitarão em conjunto na Câmara. Como foi proposto depois, o PL 70/2007, do deputado Nelson Marquezelli, foi apensado ao projeto de Paulo Bornhausen.
Pontos de conflito
Na opinião de especialistas da área, nenhuma das duas propostas deverá ser aprovada sem que sejam feitas modificações. O mais provável é que o governo faça um outro projeto que englobaria o dos dois deputados e regulamentaria de uma forma mais abrangente a questão da produção e da distribuição.
“Não tem que ter briga entre teles e radiodifusores, tem que ter união para transformar o Estado em um Estado digital. Levar a inclusão para o Brasil inteiro. A radiodifusão transmite o conteúdo. As teles dão os meios. Nós não vemos com bons olhos uma briga entre esses dois setores. O debate entre os projetos convergirá para um entendimento entre as duas partes”, argumenta César Rômulo Silveira Neto, superintendente executivo da Telebrasil, entidade civil que congrega os setores estatal e privado das telecomunicações brasileiras, visando a defesa de seus interesses e o seu desenvolvimento.
Ele explica que a grande dificuldade de entendimento do setor vem justamente da falta de clareza dos conceitos usados na legislação. Na opinião das teles, a limitação para a participação de capital estrangeiro deve servir apenas para regular as empresas que são responsáveis pela produção e pela edição dos conteúdos.
As empresas de telecomunicações, nesse caso, seriam vistas apenas como um meio para ligar o emissor da mensagem ao receptor, e seriam submetidas apenas à Lei Geral de Telecomunicações, sem serem incluídas no capítulo sobre a Comunicação Social.
O problema, contudo, é que muitas vezes as teles não são apenas meios, elas funcionam como emissores das mensagens. Esse é o caso, por exemplo, dos vídeos que as operadoras de celular colocam como opções para a visualização dos usuários.
Se os vídeos estão ali, é porque a operadora fez uma pré-seleção de conteúdos. Com isso, ela poderia ser considerada responsável pela edição do conteúdo. Ao mesmo tempo, os celulares, assim como as TVs por assinatura, podem não ser considerados como comunicação de massa, já que compõem um serviço contratado por um usuário identificado.
No caso da internet, há uma discussão ainda maior sobre quem poderia ser responsabilizado pelas informações veiculadas. Como nem sempre é possível identificar o produtor do conteúdo, em geral a responsabilidade editorial é atribuída aos sites que permitem o acesso.
O caso Cicarelli
A falta de uma legislação especifica, dificulta a punição de infratores. Entre os crimes da internet estão casos de pedofilia, de divulgação de informações caluniosas, de invasão de privacidade e até mesmo de crimes contra o patrimônio.
Recentemente, o processo aberto pela apresentadora da MTV Daniella Cicarelli contra a divulgação pelo You-Tube do vídeo em que ela e o namorado aparecem em cena cálida em uma praia da Espanha acabou por envolver as companhias de telecomunicações. Durante alguns dias, os usuários da Telefônica e da Brasil Telecom foram proibidos, por solicitação judicial, de acessar o You-Tube.
A grande discussão aqui é se o meio usado para a conexão (telefone, ADSL, cabo) também tem responsabilidade pelo conteúdo fornecido por um site e acessado por um usuário. As teles entendem que não. Os radiodifusores defendem que sim. E os usuários não estão participando do debate que determinará os novos rumos do desenvolvimento digital brasileiro.
“A responsabilidade das empresas de telecomunicações é ligar um assinante a outro com qualidade. As informações que eles trocam, é responsabilidade deles. O dono de uma banca de revistas não pode ser responsabilizado pelo conteúdo do jornal. Assim como os Correios não são responsáveis pelo conteúdo das cartas que transporta”, argumenta César Rômulo.
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