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Doze meses após a decisão do ministro, a própria Câmara acabou com as gratificações vinculadas. Aí, já haviam sido desperdiçados R$ 104,4 milhões. Mais de dois anos depois, o plenário do TCU, seguindo voto de Carreiro, determinou também o corte dos supersalários. Aí, já haviam sido perdidos outros R$ 110,4 milhões, segundo cálculos do Congresso em Foco com base nos valores apurados pelos auditores da Secretaria de Fiscalização de Pessoal (Sefip) do tribunal.
Os rendimentos dos servidores com megacontracheques ultrapassavam os R$ 26,7 mil por mês, o teto da época. O ministro afirmou à reportagem que deixou de suspender os supersalários porque remunerações de servidores têm “caráter alimentar”. “[Houve] avaliação quanto a existência do periculum in mora [perigo da demora] reverso, em razão do caráter alimentar dos referidos valores”, explicou ele, em nota ao Congresso em Foco enviada na tarde de quinta-feira (5).
Carreiro disse não acreditar que suas decisões tenham influenciado, mesmo de forma indireta, em gastos de R$ 215 milhões. “Em qualquer processo, administrativo ou judicial, somente se pode concluir que há, de fato, uma ilegalidade-irregularidade após a fase de contraditório e da ampla defesa, que ocorreu após a auditoria. Isso é disposição constitucional.”
Antes de tomar sua decisão, o ministro recebeu esclarecimentos da Câmara, que defendeu a manutenção dos supersalários e dos rendimentos vinculados aos deputados – argumentos utilizados por Carreiro em seu despacho. Após essa fase inicial, a Câmara enviou novos esclarecimentos ao TCU para embasar sua defesa até o julgamento em plenário.
Ministro diz que decisões são “momentos completamente diferentes”
PublicidadeA decisão de Carreiro foi dada em junho de 2011, três meses depois de a Câmara prestar esclarecimentos. Ao negar o corte nos megacontracheques, ele disse que não havia perigo de uma demora impactar as contas públicas porque os valores poderiam ser ressarcidos pelos servidores. “O eventual dano que se possa configurar (…) não é de difícil reparação uma vez que a lei (…) preveem as formas de reposição ao Erário”, argumentou o ministro. As normas citadas por ele descrevem como fazer descontos nos holerites para repor perdas aos cofres públicos.
Em agosto de 2013, Carreiro produziu um voto, seguido em acórdão pelos ministros do TCU, determinando o corte proposto pelos auditores dois anos antes. Mas, ao contrário do que afirmara em 2011, ele foi o principal defensor da tese de que os supersalários não deveriam ser devolvidos pelos funcionários.
Ex-servidor do Senado, o ministro do TCU disse que os rendimentos foram recebidos de “boa-fé”, ao contrário do que argumentava o ministro Walton Alencar, que exigia a cobrança do dinheiro recebido a mais nos últimos cinco anos.
“Considero não ser cabível a cobrança proposta, em razão da presença da boa-fé dos servidores, da existência de orientação normativa no âmbito do Órgão sobre a matéria, bem como da inegável controvérsia existente na interpretação do teto constitucional no âmbito da Administração Pública”, disse Carreiro em seu voto.
Em nota à reportagem, o ministro informou que a decisão de dois anos atrás e voto condutor do acórdão aconteceram em “dois momentos completamente diferentes”. Ele disse que, em “qualquer caso de análise de folha de pagamentos”, não há perigo da demora em cortar os rendimentos porque as cobranças podem ser feitas posteriormente no contracheque. Aí, considerou-se o perigo da demora de modo inverso, para evitar riscos ao servidor, que teria sua remuneração, considerada de “caráter essencialmente alimentar”, reduzida ao limite do teto constitucional, então em R$ 26,7 mil por mês.
Sem qualquer prejuízo
Ao negar medida cautelar para cortar as gratificações vinculadas, o ministro disse que elas estavam baseadas em normas internas da Câmara com força de lei. E afirmou que essas regras estavam valendo por “longo período” e poderiam ser examinadas depois “sem qualquer prejuízo à decisão de mérito” futura, do plenário. Esses argumentos estavam na defesa apresentada pela Câmara em março de 2011.
No plenário, dois anos depois, Carreiro foi contra a devolução não só dos supersalários, mas também das gratificações vinculadas aos subsídios dos deputados e outras sete irregularidades detectadas na folha de pessoal da Câmara pelos auditores da Sefip. Ele afirmou que os benefícios atrelados aos salários dos parlamentares eram importante parte dos rendimentos dos funcionários que vigoraram por 20 anos. E, para manter a segurança jurídica e a “continuidade do serviço público”, o ministro disse não ser “razoável exigir dos servidores a restituição dos valores que receberam como retribuição pelos serviços prestados à Administração”.
Adiamentos
Um mês depois da decisão de Carreiro, a 9ª Vara da Justiça Federal concedeu três liminares para fazer o que o ministro do TCU negou: cortar os supersalários da Câmara e também do Senado e do Poder Executivo. Meses depois, a medida, do juiz Alaôr Piacini, foi contestada pelo Legislativo e derrubada pelo então desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região Olindo Menezes.
O ministro disse ao site que a decisão da Justiça Comum não causou nenhuma reflexão porque o TCU atua de maneira independente. “No âmbito do próprio Judiciário, houve duas decisões diferentes para o mesmo assunto.”
O julgamento da auditoria foi adiado várias vezes no TCU. Carreiro disse que colocaria o tema em votação no final de 2011, depois, em março de 2012, e por fim, em novembro do ano passado. Na última data, o ministro tirou o tema de pauta para, segundo afirmou sua assessoria, “estudar mais” o caso. O julgamento só ocorreu em agosto passado. Auditoria na folha do Senado foi julgada no mês seguinte. Para Carreiro, suas decisões não foram danosas ao Erário. “Os atos administrativos que determinavam o pagamento dos salários dos servidores foram fundamentados e baseados em normas legais”, disse o ministro à reportagem.