Lúcio Lambranho
Primeiro enredo: crise na segurança pública com potencial para gerar estragos na imagem do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), tanto – segundo alguns – quanto o massacre do Carandiru trouxe à biografia do ex-governador paulista Fleury Filho. Segundo enredo: o contra-ataque do presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), à revista Veja, mirando na venda à Telefônica da TVA, empresa de TV por assinatura do grupo Abril. Terceiro: investigação sobre supostos grampos telefônicos nos gabinetes dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Quarto: uma há muito prometida, mas jamais realizada, devassa nos repasses federais para organizações não-governamentais (ONGs).
Os quatro explosivos temas deverão elevar a temperatura política nos próximos dias, quando três outros assuntos de impacto permanecerão ecoando em Brasília: o prosseguimento da primeira fase do julgamento da denúncia do mensalão no STF; os trabalhos das CPIs da crise aérea da Câmara e do Senado; e os desdobramentos do processo que pode levar Renan à cassação (uma das CPIs que se anunciam é, aliás, uma decorrência desse episódio).
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No caso das ONGs, a CPI será criada pelo Senado para apurar os repasses federais para essas entidades. Os governistas conseguiram, só na semana passada, adiar por duas vezes a instalação da comissão. A CPI do Sistema Carcerário, instalada na última quarta-feira (22) pela Câmara dos Deputados, já começou a trabalhar, tendo como preocupação prioritária a recente morte de 25 presos na cadeia pública de Ponte Nova (MG). Mesmo considerando que o setor tem problemas semelhantes em todo o país, o caso parece ter acionado o sinal de alerta no governador mineiro e sua bancada no Congresso.
Um dos integrantes da comissão disse ao Congresso em Foco que Aécio já conversou pessoalmente com todos os deputados da CPI. Argumenta que o problema é localizado e de fácil apuração, mas demonstra nas conversas uma preocupação evidente sobre possíveis estilhaços na sua imagem e suas possibilidades de candidatura à Presidência da República em 2010. De acordo com esse mesmo parlamentar, o governador tucano teme criar contra si uma marca difícil de apagar. As outras duas CPIs, ambas propostas na Câmara, dispõem de número legal para funcionar, mas ainda não foram instaladas.
Renan X Abril
A briga entre o presidente do Congresso e a revista Veja ganha novos contornos políticos. Renan colocou seus aliados em campo na Câmara e conseguiu assinaturas suficientes para abrir uma CPI destinada a investigar a venda da TVA, do grupo Abril, que edita a Veja.
Numa rápida articulação, o deputado Wladimir Costa (PMDB-PA), próximo a Renan e ao ex-presidente do Congresso e atual deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA), protocolou na Câmara requerimento para abertura de CPI com 182 assinaturas, 11 a mais que as 171 exigidas. A Secretaria Geral da Mesa analisará se foram preenchidos todos os pré-requisitos constitucionais e regimentais para a abertura de mais uma comissão parlamentar de inquérito.
O PT foi o partido que mais contribuiu com assinaturas, 59 no total, segundo o jornal Folha de S.Paulo. Ao mesmo tempo, um parlamentar do PT, o senador João Pedro (AM) promete entregar até a final desta semana seu relatório sobre o caso Schincariol. João Pedro aguarda uma resposta do próprio Renan para "formar um juízo" sobre o caso, junto com o presidente do Conselho de Ética do Senado, Leomar Quintanilha (PMDB-TO).
A Editora Abril reagiu divulgando texto em que afirma: “É uma tentativa espúria de alguns poucos, dentro e fora do Parlamento, para manipular a Câmara dos Deputados de modo a atingir a Abril pelos fatos que Veja tem revelado sobre o senador Renan Calheiros”. Em matéria sobre a criação da nova comissão, na edição desta semana, Veja diz que "o negócio, aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) depois de minuciosa análise, não fere a lei e é igual a outros fechados recentemente no país".
Grampos no STF
Uma reportagem da revista Veja pode dar origem a outra CPI, a dos grampos telefônicos no STF. O deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ) conseguiu 191 assinaturas para criar a comissão na Câmara. "Quando a mais alta corte do país se sente ameaçada e intimidada, isso é uma coisa muita séria, que precisa de uma resposta urgente", diz o deputado.
Além de tratar dos supostos grampos, a comissão poderia discutir a adoção de nova legislação sobre a nomeação dos ministros do STF. O assunto também despertou o interesse de uma comissão permanente da Câmara, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. Ela decidiu convidar ministros do Supremo a prestarem depoimento para confirmar se de fato se vêem como possíveis vítimas de escutas clandestinas.
Segundo Veja, três ministros confirmaram os grampos e os atribuem à “banda podre da Polícia Federal”. A comissão aprovou requerimento do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), propondo que o convite para depor seja feito aos ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Carlos Ayres Brito, Celso de Melo e ao ex-ministro Sepúlveda Pertence (que se aposentou este mês).
Jungmann, também membro da CPI do Sistema Carcerário, não vê com bons olhos, porém, a proliferação de CPIs: "Há uma politização das CPIs, não há dúvida. Isso tende a enfraquecer o Legislativo e transforma o Congresso em delegacia de polícia", acredita ele. Segundo o deputado, governo e oposição brigam pelo fato novo nas CPIs, já que as "boas novas" têm ficado restritas à aprovação em grande número, no Congresso, de medidas provisórias (MPs).
Sistema carcerário
No próximo dia 1º de outubro, completará 15 anos um episódio de triste memória: a briga de presos no Pavilhão 9, do presídio de Carandiru, em São Paulo, que resultou em intervenção policial e execução de 111 detentos.
No caso das mortes ocorridas agora em Ponte Nova (MG), não há dúvidas, também, de que ocorreu uma briga entre presos. O que não se sabe ainda determinar é a responsabilidade das autoridades pelo desfecho do conflito.
A CPI da Câmara e o próprio governo mineiro apuram a suspeita de que policiais tenham facilitado a ocorrência de uma chacina e, ainda, se foi usado combustível no incêndio das celas. Ontem (25), os deputados da CPI do Sistema Carcerário estiveram em Belo Horizonte para ouvir os legistas responsáveis pelo trabalho de investigação sobre o incêndio na cadeia de Ponte Nova.
O presidente da comissão, deputado Neucimar Fraga (PR-ES), afirmou que agentes penitenciários e delegados já ouvidos omitiram a informação de que dois presos encontrados amarrados foram soltos antes do motim e conseguiram se salvar. Esses detentos, segundo Neucimar, foram transferidos para Juiz de Fora e ainda serão interrogados.
ONGs
Em outra trincheira política, governo e oposição medem forças no Senado em torno da CPI das ONGs. A oposição foi capaz de criá-la no papel, mas não de garantir sua instalação. Enquanto não entra de fato na rotina dos senadores, a comissão ainda é atropelada pela disputa entre DEM e PSDB na Câmara pela liderança da minoria da Casa.
O conflito provocou racha nas bancadas de oposição no Senado. Como mostrou o Congresso em Foco na semana passada, o DEM exige a preferência da presidência ou da relatoria da comissão. Entretanto, os tucanos indicaram o nome da senadora Lúcia Vânia (GO) para o cargo de presidente da futura comissão.
No Senado, o DEM quer a preferência do cargo por ter sido o partido do primeiro signatário do pedido de criação da CPI, senador Heráclito Fortes (PI). Mas, na Câmara, o Democratas quer tomar o lugar do PSDB na liderança da minoria, antes ocupada pelo deputado tucano Júlio Redecker (RS), falecido no mês passado.
Do outro lado, lideranças do PT e PMDB no Senado mantinham impasse pelos cargos de presidente e relator da CPI das ONGs. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem aplicado punições pesadas contra ONGs em atuação no Brasil. “Não sei por que tanta demora na instalação dessa CPI”, reclamou o senador Mário Couto (PSDB-PA) no plenário da Casa na última semana. “Por que esse medo? Aqueles que erraram devem ser punidos”, provocou o tucano.