Eduardo Militão
Acusado de ser funcionário fantasma no gabinete do deputado Acélio Casagrande (PMDB-SC), o servidor Valdecir Alves Fróis não soube dizer à comissão de sindicância da Corregedoria da Câmara qual o seu próprio salário. Questionado outra vez, retirou uma folha de papel do bolso para conseguir informar seu ordenado aos cinco deputados que investigam Acélio e o deputado licenciado Paulo Bauer (PSDB-SC). Eles apuram se houve contratação de fantasmas no gabinete e ordem de Bauer para venda de R$ 45 mil em créditos de passagens.
Em seu depoimento na quarta-feira (2), Valdecir afirmou que trabalha fazendo a relação entre o gabinete e os ministérios e que lidava com o Sistema de Convênios (Siconv). Mas não soube dizer aos deputados quem eram os funcionários dos ministérios que trabalham com ele. Também não soube dizer o nome de um único prefeito aliado de Acélio que tem interesse nas emendas do deputado e sequer quais eram as emendas parlamentares acompanhadas por ele.
Valdecir não soube dizer porque seu salário de R$ 8 mil em determinado momento foi reduzido para R$ 4 mil. Disse achar normal a redução salarial.
“É difícil um trabalhador não saber o seu próprio salário. Além disso, ele não sabia com quais servidores se relacionava nos ministérios, a essência do seu trabalho. Se ele não mentiu, é um caso amnésia concentrada. Certamente merecerá um tratamento”, concluiu Antônio Carlos Pannunzio (PSDB-SP).
Os parlamentares consideraram “extremamente lacônicas” as respostas do funcionário. “Foi um desastre. É um mentiroso. Enrolado mais que só”, comentou outro deputado da comissão, que pediu anonimato. Valdecir deixou a sala de depoimento sem falar com a imprensa. O Congresso em Foco tentou contato com ele outras duas vezes, mas não houve retorno. O deputado Acélio Casagrande disse que Valdecir e outros servidores do gabinete conversariam com o site na próxima terça-feira (8).
Em uma gravação feita no gabinete de Acélio (ouça o áudio), Valdecir diz à colega Ana Cássia de Oliveira Marques que não faz trabalho nenhum no gabinete. Na mesma escuta, o chefe de gabinete de Acélio, João José dos Santos, afirma que o trabalho de Valdecir é “fazer ministérios”, ou seja, atuar como representante do parlamentar nos ministérios do governo federal.
Em outro áudio, o ex-servidor José Cláudio Antunes da Silva diz a Acélio que Valdecir não trabalha. O deputado responde: “Imediatamente, eu chamei o Valdecir. O Valdecir começou a fazer os ministérios pra mim e, mesmo assim, eu estou demitindo ele para não dar margem…” (ouça o áudio)
Ontem, Acélio afirmou ao Congresso em Foco algo diferente sobre a conversa: “Trabalhar mais. Isso é o que eu disse na gravação”. Ele explicou que isso significa estar mais no gabinete e não apenas nos ministérios:
Congresso em Foco – Então, o que mudou? Que tipo de trabalho ele está fazendo mais no gabinete?
Acélio – Mais no gabinete fazendo também a parte de Siconv.
Ele então não vai mais em ministérios?
Vai também, claro. Vai no ministério, sim. Ainda hoje, ele foi no Ministério da Saúde duas vezes.
Em determinado ponto das gravações obtidas pelo Congresso em Foco, Acélio reconhece que foi avisado por Cláudio de que havia contratações irregulares no gabinete. Mas afirma que nada fez porque os cargos eram da cota de Paulo Bauer, o titular do mandato, mas licenciado para exercer o cargo de secretário de Educação de Santa Catarina:
CLÁUDIO – É, deputado, eu salientei ao senhor contra as contratações irregulares. E tentei de toda a forma: “Deputado, abra os olhos, está acontecendo isso dentro do gabinete do senhor, né, das contratações. Que o João usou o nome do Paulo Bauer para contratar pessoas ali e estava tirando proveito dentro daquela cota ali”. O senhor entendeu?
ACÉLIO – Entendi.
CLÁUDIO – Eu falei pro senhor quem era a pessoa no dia. “Deputado, está acontecendo isso”
ACÉLIO – Eu lembro que estava na cota do Paulo Bauer, por isso que eu não me envolvi.
CLÁUDIO – É, mas, não, deputado…
ACÉLIO – Não tava na minha cota ali. (ouça o áudio)
Em uma conversa gravada com a servidor Ana Cássia Marques (ouça o áudio), Acélio diz que só tem gerência sobre R$ 26 mil de sua verba de R$ 60 mil para contratar servidores. O restante era de Paulo Bauer. Na entrevista ontem, o deputado disse que a divisão era baseada em número de servidores.
Estranheza
Ainda na entrevista, Acélio garantiu que Valdecir sempre trabalhou, apesar de precisar de uma folha de papel para informar o seu salário e não saber dizer o nome das pessoas com que se relaciona nos ministérios. “Como não soube dizer? Pelo amor de Deus, se o funcionário não souber o salário dele…”, estranhou.
O deputado se mostrou surpreso também pelo fato de Valdecir não lembrar do nome de ninguém dos ministérios. “Mas há treze anos ele faz isso e não sabe dizer com quais as pessoas ele se relaciona? É estranho”, disse o deputado. O parlamentar afirmou que Valdecir relatou que ficou nervoso e constrangido durante o depoimento.
Na gravação, Acélio diz que fez uma “bobagem” ao postergar o problema dos funcionários. “Eu também tô tranquilo. A única bobagem que eu fiz foi ter postergado isso muito tempo.”
Dinheiro para ex-vereador
Acélio afirmou que nunca contratou funcionários fantasmas e nem permitiu que Bauer o fizesse. Em uma gravação, Bauer afirma que uma mulher foi contratada a pedido dele e que o salário dela era repassado para o ex-vereador de Joinville (SC) Fábio Dalonso. Segundo o ex-servidor José Cláudio Antunes da Silva, essa mulher é Selma Batista, já exonerada do cargo.
Os registros da Câmara mostram que Selma foi admitida para o gabinete de Acélio em 9 de fevereiro de 2009, como secretária parlamentar SP-28, o maior salário da categoria, com salário-base de R$ 4.020 mensais e mais R$ 4 mil de gratificação. Três dias depois, o salário-base cai para R$ 2.400 e, no dia seguinte, para R$ 720. Foi demitida em 7 de maio.
Ontem, Acélio disse que mediu a produtividade da funcionária em poucos dias e resolver reduzir seu ordenado:
Congresso em Foco – Os boletins da Câmara mostram que a Selma foi contratada com SP-28 e, dias depois, teve o salário-base reduzido para R$ 700. Por que essa redução de salário tão rápida?.
Acélio – Faço isso constantemente. Faço readequação, são cargos de confiança, de acordo com o rendimento, reduzo, aumento. É de acordo com a produtividade.
O senhor, então, contratou ela num dia, constatou que o rendimento dela não estava bom e, quatro dias depois, reduziu os salários?
Até porque eu tenho controle da produção. E aí como ela tinha sido indicada eu fui analisar o currículo dela.
Será que não é essa a funcionária que o Paulo Bauer diz que o salário é repassado para o Fábio Dalonso?
Eu não sei dizer.
Demissão
Ana Cássia de Oliveira Marques, outra a depor ontem na comissão, pouco colaborou com os deputados. Segundo eles, a servidora apenas afirmou não saber de nada. “Os esclarecimentos são do Paulo Bauer”, afirmou Ana Cássia ao Congresso em Foco ao deixar a sala. Ela disse que daria mais explicações ao site na tarde de ontem, mas não retornou os recados. Acélio afirmou que Ana Cássia conversará com o site na próxima terça-feira (8), na sua presença.
Ontem, o chefe de gabinete de Acélio, João José dos Santos, afirmou que as reportagens do site resultaram em sua saída do gabinete. Irritado, ele não quis conversar sobre o assunto. Acélio disse ao Congresso em Foco que teve uma conversa com João Santos na terça-feira e que foi o próprio João quem pediu para ser exonerado do cargo.
“Ele disse que estava incomodando demais o andamento dos trabalhos, não estava mais em condições de trabalhar”, narrou o deputado. “Estava estressado pelas pressões na Câmara. Os amigos cobrando, querendo satisfações… Ele quer que isso se esclareça com ele fora do cargo de confiança.”
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