“Diferentemente do argumentado, os dispositivos do projeto levam em consideração as políticas públicas voltadas à erradicação da pobreza, como o Programa Bolsa Família e o Plano Brasil Sem Miséria, as quais consideram linhas oficiais de pobreza para definir quais serão as famílias beneficiárias”, afirmou.
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Além de apontar o que considera como erros no veto de Dilma, Suplicy também reclamou de não ter sido consultado pelos ministérios e pela própria presidenta. “Estranho que os Ministros responsáveis por este parecer não tenham tido antes a atenção de conversar com o autor do projeto. Ademais, durante a longa tramitação dessa proposição apresentada em 1999, os governos, desde então, tiveram toda a oportunidade de interagir com os congressistas para apresentar sugestões”, disse.
O projeto de Suplicy continha apenas quatro artigos. Ele estabelece que o governo brasileiro deverá estabelecer um valor mínimo para uma pessoa ou uma família viver com dignidade. Pela proposta, as políticas públicas ficariam atreladas à quantia definida pelo governo, que apresentaria metas nacionais e regionais para a redução da pobreza no país.
A proposta foi vetada integralmente por Dilma em 31 de dezembro após tramitar por 15 anos no Congresso. Na justificativa, a presidenta afirmou que o projeto de lei foi “proposto em um contexto jurídico e social diverso do atual”. Para o Palácio do Planalto, a matéria se confude com a política do salário mínimo, podendo resultar em “entrave à sua concretização e desenvolvimento”.
Leia a íntegra da carta:
“Excelentíssima Senhora Presidenta Dilma Rousseff,
Venho expor a Vossa Excelência que os motivos apresentados pelos Ministérios da Fazenda, do Planejamento e do Desenvolvimento Social para que viesse a vetar o Projeto de Lei Nº 66, de 1999, que institui a linha oficial de pobreza e dá outras providências, não condizem com a letra e os objetivos da proposição. Ela é inteiramente consistente com o fim maior de seu governo de erradicar a pobreza extrema e a pobreza absoluta. O objetivo do projeto é também compatível com o inciso III do Artigo 3º da Constituição que explicita: “Constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Portanto, de maneira alguma, o projeto contraria o interesse público, como foi mencionado na Mensagem Nº 467, de 30 de dezembro de 2014.
Diferentemente do argumentado, os dispositivos do projeto levam em consideração as políticas públicas voltadas à erradicação da pobreza, como o Programa Bolsa Família e o Plano Brasil Sem Miséria, as quais consideram linhas oficiais de pobreza para definir quais serão as famílias beneficiárias. Da mesma forma que os limites estabelecidos pelo Programa Bolsa Família não causam confusão com a política do salário mínimo, a linha oficial de pobreza definida pelo Governo não vai se constituir “em entrave” à política do salário mínimo, como argumentaram os que apresentaram as razões do veto.
Cabe assinalar que o Projeto que institui a linha oficial de pobreza não implica qualquer despesa para o Governo. Estabelece o rendimento anual mínimo (que pode ser transformado em mensal ou diário) para a vida digna de uma família ou indivíduo e, o que é mais importante, que o Governo deve determinar metas de erradicação da pobreza ao longo de seu mandato.
Tivessem os que formularam os motivos do veto apresentados à Presidência lido com maior atenção a justificativa do projeto teriam se deparado com as observações do Prêmio Nobel de Economia, James Tobin, que em 1970, escreveu: “A Guerra Federal contra a Pobreza, além de tudo o mais que foi realizado, estabeleceu uma medida oficial de pobreza nos Estados Unidos. A adoção de uma medida quantitativa específica, apesar de arbitrária e questionável, terá consequências políticas duráveis e de longo alcance. As administrações serão julgadas pelo seu sucesso ou falha na redução da prevalência medida oficialmente. Enquanto uma família for encontrada abaixo da linha de pobreza, nenhum político será capaz de anunciar vitória na Guerra contra a Pobreza ou ignorar o conhecimento das obrigações da sociedade para com seus membros mais pobres.” Se os ministros observarem outros países hoje, em especial os desenvolvidos, quase todos definem uma linha oficial de pobreza.
A própria Ministra Tereza Campello, em “Brasil Sem Miséria: superação da extrema pobreza foi acompanhada de maior acesso a serviços e inclusão produtiva”, conforme exposição na 43ª. Reunião ordinária do Pleno do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), em 5 de junho de 2014, menciona que o Brasil Sem Miséria estabeleceu como extremamente pobres as pessoas com renda inferior a R$ 70, o equivalente a um valor de compra diário de US$ 1,25 por pessoa em cada país, seguindo parâmetro internacional definido pelo Banco Mundial, a partir de 2008. Esse valor foi reajustado em junho para R$ 77. Vossa Excelência mesmo tem se referido à linha de pobreza, R$ 154 mensais por pessoa, e de extrema pobreza, R$ 77.
Na publicação do MDS, “A Linha de Extrema Pobreza e o Público-Alvo do Plano Brasil Sem Miséria”, Tiago Falcão e Patrícia Vieira da Costa ressaltam que “uma das decisões basilares no desenho do Plano Brasil sem Miséria foi a definição da linha de extrema pobreza que nortearia toda a estratégia, com vários usos”. Nesse trabalho são mencionadas as relevantes contribuições de Sônia Rocha e Ana Fonseca sobre como definir uma linha de pobreza. O bom senso seria que os Ministérios ponderassem que o Governo, através do Brasil sem Miséria, passou a adotar as recomendações do Projeto que institui a Linha Oficial da Pobreza, apresentado desde 1999, e que a definiu em dois níveis: o de pobreza absoluta e o de pobreza extrema. Poderá o seu governo, em sua próxima Mensagem ao Congresso Nacional, informar (1) qual a previsão de famílias e pessoas que terão superado aquelas duas linhas – feitos os devidos reajustes para levar em conta a variação nos índices de preços – (2) qual a previsão de data para que não haja qualquer família ou pessoa abaixo da linha de pobreza absoluta, e (3) quais os instrumentos de política econômica e social que contribuirão para o objetivo de erradicação da pobreza.
Estranho que os Ministros responsáveis por este parecer não tenham tido antes a atenção de conversar com o autor do projeto. Ademais, durante a longa tramitação dessa proposição apresentada em 1999, os governos, desde então, tiveram toda a oportunidade de interagir com os congressistas para apresentar sugestões. Primeiro o projeto foi aprovado por consenso no Senado. Depois, em sua tramitação na Câmara dos Deputados, o Governo teve a oportunidade de sugerir modificações que o tornaram mais simples. Quando finalmente, em 2014, o projeto modificado na forma de um substitutivo, que levou em conta as sugestões do Governo de Vossa Excelência, foi novamente votado no Senado, tendo sido aprovado por consenso nas Comissões de Constituição e Justiça, com parecer favorável do Senador Pedro Simon (PMDB-RS), de Direitos Humanos, com parecer favorável do Senador Anibal Diniz (PT-AC) e, finalmente, no Plenário em dezembro último, sem que a assessoria dos três ministérios tivesse apresentado qualquer objeção à forma mais simples que foi aprovada pela Câmara e que teve a minha concordância.
Por ocasião da sua diplomação, em 18 de dezembro, ao cumprimentá-la por seu extraordinário mérito em conquistar novamente a Presidência, ponderei que acho justo que Vossa Excelência possa conceder-me a audiência que desde 2013 venho solicitando e que isso possa acontecer antes do término de meu mandato em 31 de janeiro próximo. Vossa Excelência disse a mim “é mais do que justo” e assegurou-me que ela vai acontecer. Agora, além de tratar da sugestão para que crie um Grupo de Trabalho para estudar as etapas de como chegaremos um dia à Renda Básica de Cidadania, prevista em Lei, também quero conversar sobre a possibilidade de indicar aos líderes no Congresso a derrubada do veto ao projeto da linha oficial da pobreza.
Lembro que o Prêmio Nobel de Economia James Tobin, da Universidade de Yale, foi o assessor econômico do candidato à Presidente dos Estados Unidos, pelo Partido Democrata, quando disputou, em 1972, com o Presidente Richard Nixon, candidato à reeleição pelos Republicanos. Na ocasião, a principal proposta apresentada por George McGovern (1922-2012), elaborada por Tobin, foi a criação de um “Demogrant” de US$ 1.000 anuais para todos os norte-americanos, na época, 150 milhões. Em 2005, ao visitar os EUA, tive a oportunidade de dizer ao ex-Senador George Mc Govern que o Congresso Nacional Brasileiro havia aprovado, e o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia sancionado, a proposta de uma Renda Básica de Cidadania – a ser instituída gradualmente – para todos os residentes no Brasil, de forma semelhante à que ele havia apresentado ao povo dos EUA em 1972. Ele ficou muito feliz e me disse: “Bem que me falavam que eu era um homem com ideias antes do meu tempo”.
Vossa Excelência tem todas as condições de preparar o Brasil para dar esse notável passo. Estou no aguardo de seu chamado. Os responsáveis pelo Gabinete da Presidência, Beto Albuquerque e Deise Barreta me asseguraram que vai acontecer.
Respeitosamente, desejando-lhe um 2015 muito feliz e cheio de realizações para o bem do povo brasileiro, o abraço amigo,
Senador Eduardo Matarazzo Suplicy“
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