Fábio Góis
O petista Eduardo Suplicy (SP) chegou ao Senado em 1991 depois de presidir a Câmara Municipal de São Paulo, onde aplicou um bem sucedido choque de moralização. Em Brasília, no papel de fiscalizador dos gastos públicos, o senador paulista esteve à frente de grandes investigações , como as Comissões Parlamentares de Inquérito que derrubaram Fernando Collor de Mello da Presidência da República, e desmantelaram a máfia dos “anões do orçamento”.
Quase duas décadas depois, Suplicy cumpre o terceiro mandato e o Senado atravessa uma crise sem precedentes, com envolvimento direto da cúpula Administrativa e de integrantes Mesa Diretora em sucessivos escândalos revelados pela imprensa. Obstinado na defesa de suas posições, o parlamentar do PT mais uma vez usa a tribuna para cobrar respeito com o uso do dinheiro público.
Suplicy foi um dos primeiros a pedir o afastamento de José Sarney (PMDB-AP) do cargo quando surgiram as ligações do presidente do Senado e de aliados com desmandos administrativos tornados públicos desde o início do ano. “O presidente Sarney deveria se licenciar por 30 dias, numa demonstração de isenção, uma vez que há fatos que estão para ser apurados que se referem à pessoa dele”, afirmou o senador petista em entrevista exclusiva concedida ao Congresso em Foco.
Com a autoridade de quem recebeu 8.986.803 votos nas eleições de 2006 (47,82% dos votos válidos no estado), Suplicy diz que uma eventual licença de Sarney não colocaria em risco os projetos do governo Lula no Senado. Na hipótese de Sarney se afastar, sustenta, poderia ser substituído por outro parlamentar da base de apoio do Palácio do Planalto.
Na busca de soluções para a crise, o experiente petista formulou uma série de propostas. Algumas batem de frente com os interesses de muito dos atuais senadores. Para começar, Suplicy defende a eleição também dos suplentes, para evitar os numerosos casos de senador sem voto.
Ainda mais radical, depois de ouvir sugestões de eleitores, o senador petista se interessou pela idéia de reduzir o número de senadores de três para dois por estado. A mudança reduziria as cadeiras do Senado de 81 para 54. “Precisamos melhorar a qualidade de nossa representação”, explica Suplicy.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, concedida na terça-feira (7) e atualizada na sexta (10).
Congresso em Foco – A crise que persiste há meses no Senado prejudica a produtividade legislativa da Casa, com o presidente no foco das denúncias. Qual a saída?
Eduardo Suplicy – O presidente Sarney deveria se licenciar, numa demonstração de isenção, uma vez que há fatos que estão para ser apurados que se referem à pessoa dele. Que ele possa se licenciar por 30 dias para poder colaborar no sentido de estes episódios possam ser apreciados, apurados. Nós dialogamos com o presidente Lula, que nos ponderou: ‘Puxa, mas se para cada ato que acontecer de irregularidade constatada no governo e eu tiver de me licenciar vai prejudicar a governabilidade’. Nós pensamos bastante a respeito desse argumento. Em verdade, quando houve alguns problemas em alguns dos ministérios, durante o governo do presidente Lula, os ministros se afastaram, e nem por isso houve quebra da governabilidade. O Legislativo é diferente. No caso, há fatos que foram inclusive objetos de uma representação por parte do Psol que dizem respeito ao presidente José Sarney. Claro que nós compreendemos que as irregularidades administrativas constatadas no Senado Federal são de responsabilidade de muitos senadores, ou de todos nós –
alguns que tiveram responsabilidade na Mesa [Diretora] e, por decisões tomadas que muitos de nós não conhecíamos.
Mas o próprio presidente Lula, do alto de sua popularidade, apoia Sarney…
Avalio que será melhor para o presidente Sarney, e mesmo tendo ouvido as observações do presidente Lula, continuo achar que será uma atitude positiva e benéfica de sua parte para a instituição que ele preside. Com respeito à preocupação de que o Senado ficará sob a presidência de um senador da oposição [Marconi Perillo, PSDB-GO] que tantas vezes foi tão crítico, e até agressivo, em relação ao presidente Lula, eu acho que, numa circunstância como essa, de apenas 30 dias, soaria até estranho se o presidente Marconi Perillo aproveitasse essa oportunidade para realizar atos que claramente viessem a confrontar o Senado Federal com o Poder Executivo. Acredito que se pode construir uma relação de respeito suficiente para que esse período se dê com razoável traquilidade.
Mesmo diante da hipótese de o presidente Sarney não voltar ao posto?
Se, por acaso, houver o afastamento definitivo, em breve haveria nova eleição para a presidência da Casa. Obviamente, segundo o regimento interno, o partido maior e as forças da base de governo que deverão eleger o novo senador. Com respeito à preocupação de alguns em relação à alternativa de algum senador que pudesse ter as qualidades do presidente José Sarney de também ser uma pessoa que colaborasse junto ao governo presidente Lula, eu acho que esse argumento não é válido. Acho que há diversos senadores que poderiam perfeitamente estar preenchendo os requisitos de respeito e aceitação pela maioria, com uma postura de colaboração com o governo do presidente Lula.
Ao chegar ao Congresso, em 1991, o senhor trouxe a experiência de presidente da Câmara Municipal de São Paulo, com postura moralizadora. Como é seu sentimento agora, diante da grave crise ética do Senado?
Eu acho que o presidente José Sarney tem a responsabilidade de colaborar em muito para que todos estes fatos sejam completamente apurados. E que o Senado Federal tome as providências necessárias para conter despesas e desperdícios que, infelizmente, têm acontecido, e dos quais todos nós agora somos mais conscientes do que em qualquer situação anterior. Estamos inclusive recebendo o diagnóstico da Fundação Getúlio Vargas, solicitado pelo presidente José Sarney, com uma série de proposições sobre como enxugar despesas. Ademais, em uma proposição que aqui apresentamos, o colégio de líderes poderá ter a responsabilidade de apresentar sugestões sobre como vamos diminuir despesas consideravelmente.
Mas boa parte da sociedade não tem acesso às providências em curso…
Nós podemos realizar uma sequência de debates no plenário do Senado com juristas, especialistas – inclusive, conforme a senadora Marina Silva [PT-AC] hoje propõe – sobre a instituição, ouvindo da sociedade civil que recomendações tem para que o Senado esteja mais à altura daquilo que é a expectativa do povo. E que inclusive ouçamos as recomendações e sejamos mais expeditos no que diz respeito à votação da reforma política, que envolva medidas que melhorem na qualidade da representação do Senado. Por exemplo: extinção dos senadores suplentes, da forma como é hoje. Eu apresentei um projeto de lei e, depois, uma proposta de emenda à Constituição, segundo os quais só podem ser senadores os que são eleitos diretamente pelo povo. E propunha que, durante a eleição do senador, cada partido apresentasse até três possíveis nomes – e, ao povo, ao eleitor, caberia a escolha do primeiro e do segundo suplente, dentre aquelas três alternativas.
O senhor pode dar mais exemplos?
Há outras proposições referentes à extinção ou limitação do mandato dos senadores suplentes. Isso é algo que precisamos logo apreciar e votar. Há proposições que estão sendo objetos de reflexão. Diversas entidades me transmitiram a proposição de que seria bom se houvesse – tal como era anteriormente à existência dos chamados senadores biônicos – apenas dois senadores por unidade da federação. Essa também poderia ser considerada uma medida para o Senado Federal, diante do desejo do povo brasileiro de que venhamos a conter as nossas despesas. E, sobretudo, que o Senado se torne uma Casa efetivamente representante de pessoas que sejam eleitas em seus respectivos estados, representando o povo de fato. E não – como muitos analistas consideram – que nesta Casa ainda haja representantes da oligarquia, tal como aconteceu no início da História, ao tempo do Império, em que os escolhidos para o Senado precisavam ter, pelo menos, 800 mil reais de patrimônio, o que era muito significativo.
Sua gestão na Câmara Municipal de São Paulo, quando o senhor pediu a publicidade, guarda semelhanças com o que acontece agora no Senado…
Foi instituída uma comissão especial de inquérito para averiguar os problemas. O diretor-geral pediu para ser afastado. Outro diretor também o foi. Ambos tiveram, por iniciativa do Ministério Público, a prisão preventiva, e foram ao distrito policial. Eu, como presidente, fui visitá-los, para saber se estavam sendo tratados com dignidade e respeito.
Ou seja, como no Senado, houve investigação externa…
Em alguns casos, aqui também foi pedida averiguação pelo Tribunal de Contas da [União] e do Ministério Público. Ali [em São Paulo], foi essa a atitude. Como havia surgido notícias de que servidores da Casa estavam trabalhando não para a Câmara Municipal – alguns, por exemplo, em escritórios de advocacia de vereadores, outros em consultórios de dentista e coisas dessa natureza – propus, e a Mesa [Diretora] aceitou, que passássemos a publicar a relação completa dos servidores, a sua respectiva função, lotação e remuneração. Foi então que os servidores, sobretudo os mais antigos, pediram uma reunião e, em um auditório na Câmara Municipal, conversaram comigo e disseram: “Mas presidente, você vai divulgar até a nossa remuneração? Alguns de nós fomos casados, e as ex-mulheres vão saber”. Eu falei: “Bom, mas isso é direito delas”.