Antônio Augusto de Queiroz*
A Câmara dos Deputados pretende votar, até o recesso que se inicia em 17 de julho, o substitutivo ao Projeto de Lei Complementar (PLP) 123/2004, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, disciplinando em único diploma legal as obrigações tributárias, trabalhistas e previdenciárias, o acesso a créditos e ao mercado das microempresas, aquelas com faturamento até R$ 240 mil, e das empresas de pequeno porte, cujo faturamento não poderá ultrapassar R$ 2,4 milhões.
O objetivo da lei complementar, segundo o parágrafo único do art. 146 da Constituição, seria instituir regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mas o texto proposto vai muito além, como ficou evidente no enunciado do parágrafo anterior. Entre os pontos que extrapolam o comando constitucional estão as alterações na legislação previdenciária e, principalmente, a simplificação das relações de trabalho para as microempresas e empresas de pequeno porte.
No campo das relações de trabalho, o projeto traz inovações perigosas para os trabalhadores da maioria das empresas brasileiras, como a flexibilização da fiscalização do trabalho, a solução dos conflitos por meio de conciliação prévia, mediação e arbitragem, com reconhecimento de pleno direito dos acordos celebrados no âmbito das comissões de conciliação prévia, a redução dos depósitos prévios para interposição de recursos na Justiça do Trabalho, além de dispensar essas empresas: i) da afixação de quadro de trabalho em suas dependências; ii) de anotar férias dos empregados nos livros e fichas de registro; iii) da posse de livro de "inspeção do trabalho", e iv) de comunicar ao Ministério do Trabalho a concessão de férias coletivas.
Em relação à fiscalização, que abrange os aspectos sanitários, ambiental, de segurança, metrológico (pesos e medidas), e, principalmente, trabalhistas, a lei determina que sua natureza seja prioritariamente orientadora, observando o critério de dupla visita para lavratura de atos de infração. Assim, caso seja constatada alguma irregularidade na primeira visita, o agente público deverá formalizar Notificação de Orientação para Cumprimento de Dispositivo Legal.
Para as empresas com receita bruta anual de até R$ 36 mil reais, além das garantias asseguradas às micro e às empresas de pequeno porte, será concedido um tratamento especial, como a dispensa, por três anos, de pagar: a) a contribuição sindical, b) a contribuição para o sistema "S", e c) o adicional de 10% sobre o FGTS destinado ao financiamento do acordo judicial para pagamento da URP.
Na questão previdenciária, o texto faz inúmeras modificações, entre as quais merece destaque a inclusão previdenciária. É fixada uma alíquota de 11% sobre o salário mínimo para o segurado individual, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparada, e para o segurado facultativo que optar pela exclusão do direito ao benefício por tempo de contribuição.
O projeto de lei complementar, cuja redação ficou a cargo do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR), relator designado para a comissão especial que cuidou da matéria, merece uma melhor análise nos aspectos que extrapolam o propósito inicial, talvez até sua supressão, especialmente na parte que diz respeito às relações de trabalho. A flexibilização da fiscalização pode ser o primeiro passo para a flexibilização do próprio Direito do Trabalho. O texto, segundo o relator, foi negociado com as autoridades da equipe econômica do governo. A última versão do substitutivo pode ser encontrada no portal do deputado na internet, no endereço eletrônico www.hauly.com.br, no item discussão da semana, bem embaixo, no lado direito da página.
*Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
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