Ao publicar a lista com os supersalários pagos a servidores do Senado, o Congresso em Foco, bem longe de cometer um delito, prestou um serviço à sociedade. É o que considera a juíza Edi Maria Coutinho Bizzi, do 5º Juizado Especial de Brasília, em sentença que absolve o site em processo movido por Olavo de Souza Ribeiro Filho, funcionário do Senado que em 2009 ganhava R$ 25.923,61 (na época, o teto do funcionalismo, hoje fixado em R$ 26,7 mil, era de R$ 24,5 mil). Para ela, ao publicar a lista, o Congresso em Foco chamou a atenção para uma violação da norma constitucional, que define que nenhum servidor público ganhe vencimento superior ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, e permitiu, assim, que tal distorção pudesse vir a ser corrigida.
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“A lista deu publicidade à violação da norma e abriu oportunidade para que os órgãos oficiais de controle exigissem o cumprimento da regra legal que estabeleceu o valor máximo da remuneração no serviço público federal”, escreve a juíza, em sua sentença. Para ela, existe hoje um “lusco-fusco” legal que auxilia o não cumprimento da norma constitucional. Por conta dele, acontece “a adoção de práticas ‘não ortodoxas’” que permitem o acréscimo salarial”.
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PublicidadeNa audiência, perante à juíza Edi Maria Coutinho Bizzi, o servidor Olavo de Souza Ribeiro Filho admitiu ganhar mais que o teto. “Declarou a parte autora que de fato o seu vencimento supera o teto constitucional”, relata a ata da audiência, realizada no último dia 29 de março. Ribeiro Filho é um dos 46 servidores que processam o Congresso em Foco com ações de danos morais porque consideraram ofensiva reportagem que revelou quem eram e quanto ganhavam os quase 500 servidores do Senado com supersalários.
Durante a audiência, a juíza Edi Maria afirmou que, apesar de existirem normas internas em órgãos do Senado permitindo a extrapolação do limite salarial, isso não deveria acontecer. “O salário que nós ganhamos foi conquistado através das leis que existiam à época”, justificou Ribeiro Filho à magistrada. Mas ela discordou. “Não deveriam existir, porque existe uma norma acima das demais”, afirmou Edi Maria, referindo-se à Constituição.
Argumentos frágeis
Na sentença, a juíza desmonta os argumentos da ação de Olavo, movida com o patrocínio do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis). “Os argumentos são frágeis”, diz ela. A primeira reclamação do servidor era que a publicação de seu salário feria a sua privacidade, alegando um “suposto sigilo” da informação. “É intuitivo que os vencimentos dos servidores em si não são sigilosos”, escreveu Edi Maria Coutinho Bizzi.Ela lembra que o vencimento de um servidor está até no edital do concurso, porta de entrada de um funcionário no serviço público. Da mesma forma, qualquer alteração nesse valor é igualmente publicada no Diário Oficial. “Portanto, não houve quebra de sigilo”, afirmou Edi Maria na sentença. “É certo que conviria ao autor a conveniência e a conivência de um pacto de confidencialidade que mantivesse a transgressão da norma do escuro, mas não se podia esperar da imprensa a mesma indulgência”, observou, ainda, a juíza.
O segundo argumento era de que não haveria interesse público na divulgação dos nomes e dos vencimentos daqueles que recebem supersalários. “Razões de publicidade, transparência transcendem de interesse e justificam a publicação”, considera Edi Maria. E cita esforços feitos pelos governos para dar publicidade às suas despesas, como o Portal da Transparência. “Tudo para viabilizar maior assepsia e melhor controle social dos gastos públicos.”
Para Edi Maria, a imprensa não pode ser conformada pelo Judiciário a interesses particulares. A reportagem tem uma relevante utilidade para a sociedade. “A vigilante fiscalização social e oficial – da qual a mídia é eficiente veículo – traz indiscutíveis proveitos.”
A magistrada ainda destacou que a notícia não extrapolou os limites do direito de informar, observando os fatos, os critérios de proporcionalidade e a ausência de interesses particulares. “Parece-me que sob esse enfoque a lista veiculada passou no exame da proporcionalidade, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade. Não há que se falar, assim, em reparação.”
Em fevereiro, o juiz Ruitemberg Pereira, do 6º Juizado, já havia absolvido o site em um grupo de mais de dez ações. Ao todo, 46 servidores e o Sindilegis abriram 50 ações contra o Congresso em Foco, mas só 20 ações estão tramitando agora.