Se depender dos próximos passos planejados pela Subcomissão de Radiodifusão da Câmara, deputados e senadores não poderão mais ser donos ou sócios de rádios e TVs em todo o país. A presidente da subcomissão, deputada Luiza Erundina (PSB-SP), confirmou ao Congresso em Foco que vai propor uma emenda constitucional ou até mesmo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) para fazer valer o que prevê a Constituição de 1988.
De acordo com o artigo 54 da Constituição Federal, deputados e senadores não podem ter participação nesse tipo de empresa, concessionária da administração pública. Na prática, até mesmo colegas da deputada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), à qual a Subcomissão de Radiodifusão está subordinada, descumprem a Constituição.
Como revelou este site em março deste ano (leia mais), um em cada cinco deputados da CCTCI tem ligações com emissoras de rádio ou TV. Dos 76 membros (titulares e suplentes) do colegiado, que tem o poder de analisar e aprovar projetos de outorga e renovação das concessões dos serviços de radiodifusão, 16 mantêm relações diretas ou indiretas com veículos de comunicação.
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Junto com a relatora da subcomissão, deputada Maria do Carmo Lara (PT-MG), Erundina quer acabar com as discussões sobre a legalidade das concessões dos parlamentares e as interpretações sobre o artigo 54. Para conseguir organizar as mais de 100 propostas sobre a regulação do setor que tramitam na Câmara, a deputada também já decidiu pedir nova prorrogação dos trabalhos até o fim do ano legislativo.
Margem para desvio
“Há dúvidas na interpretação do artigo. E é isso que dá margem a esses desvios. Temos que criar essa vontade política. E essa vontade política precisa ser criada de fora para dentro e não aqui dentro”, avalia a deputada do PSB ao ser questionada sobre a viabilidade da proposta diante do corporativismo e do interesse direto de seus colegas concessionários. “Eu acho que o artigo precisa ser cumprido. Esse será um ponto muito importante do meu relatório”, avisa Maria do Carmo Lara.
E enquanto não dão a cartada final sobre o fim do apadrinhamento político na radiodifusão nacional, as deputadas pretendem tomar duas medidas nunca antes vistas na Câmara. A primeira delas é um pedido de auditoria, que deve ser entregue nos próximos dias ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o processo de concessão e renovação de outorgas de rádios e TVs na própria Câmara.
“Já estivemos com os auditores que devem mapear a rede de rádios comunitárias, todas as denúncias de irregularidades, ilegalidades e apadrinhamento político. O Tribunal já disse que vai acolher nosso pedido e dentro dos limites do prazo para ser aproveitado no relatório final da subcomissão”, explica Erundina.
Em junho deste ano, a CCTCI aprovou o Ato Normativo nº 1, que promete reformular o processo de concessão na Câmara. Segundo a presidente da subcomissão, a medida ainda não mudou o modo como o Ministério das Comunicações envia os processos ao Legislativo. O artigo 7º da norma interna prevê que essa auditoria do TCU seja realizada anualmente.
“O poder Executivo não incorporou as sugestões do ato normativo, mas nós fizemos indicações claras do que dever ser feito. Talvez o tempo ainda seja curto e vamos dar um voto de confiança. Mas vai depender também de se fazer uma pressão para que essas inovações, que não são tão grandes, comecem a engrenar e dar maior transparência ao processo”, afirma Erundina.
Controle social
Para aumentar o controle social sobre o processo, o artigo 8º do ato normativo prevê a criação de um sistema público de informações. Segundo o texto, o mecanismo deve permitir “acesso facilitado a dados sobre processos de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão, permissão ou autorização submetidos à apreciação da Câmara dos Deputados”.
De acordo com a presidente da Subcomissão de Radiodifusão, o departamento de informática da Câmara está na fase final de criação de um software para dar transparência na tramitação dos processos e instalar a consulta na página da CCTCI na internet.
O Ministério das Comunicações retirou de seu site a base de dados que possibilitava a consulta ao Relatório de Sócios e Dirigentes das Entidades de Radiodifusão. Oficialmente o ministério informa que a busca deverá “ser realizada através do link ANATEL (http://sistemas.anatel.gov.br/siacco/), onde os dados são atualizados periodicamente”.
O novo sistema, segundo entidades do setor ouvidas pelo site, diminuiu a transparência, pois a pesquisa só pode ser feita a partir do nome da emissora ou do seu número de cadastro na Receita Federal. O Congresso em Foco entrou em contato com o Ministério das Comunicações, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição sobre a mudança no processo de consulta na internet e as declarações da deputada Luiza Erundina.
Mas, mesmo com um longo caminho pela frente e a resistência dos parlamentares concessionários de rádio e TV, há quem acredite na viabilidade das mudanças propostas pela subcomissão. “A eficiência das medidas têm sido supreendentemente positivas do ponto de vista político, o que era inimaginável antes da criação da subcomissão”, acredita Venício A. de Lima, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília (UnB).
Estudo realizado por Venício no Projor, a entidade mantenedora do Observatório da Imprensa, mostrou que na legislatura passada integrantes da CCTCI donos de emissoras de rádio votaram na renovação das suas próprias concessões. O caso gerou, recentemente, uma representação ao Ministério Público Federal que ajuizou cinco ações civis públicas contra quatro ex-parlamentares e um deputado licenciado.
Suspeita de favorecimento
O Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF/DF), que propôs as ações no último dia 23 de julho, argumenta que “houve favorecimento pessoal nas concessões, uma vez que os parlamentares – sócios das empresas – participaram das votações em que foram analisados e deferidos os pedidos de concessão e renovação dessas outorgas”.
Os processos tramitam na Justiça Federal no Distrito Federal. Os procuradores da República pedem, em caráter liminar, a suspensão imediata das concessões. No mérito, o pedido pretende anular definitivamente as outorgas. As empresas, segundo o MPF, podem ser condenadas a pagar multa por dano moral e os ex-parlamentares podem ainda ser processados por improbidade administrativa.
Os ex-deputados denunciados são: João Mendes de Jesus (sem partido-AL), apontado como sócio-diretor da Alagoas Rádio e Televisão (Maceió); Wanderval Santos (PL-SP), identificado como sócio da Rádio Continental FM (Campinas), Corauci Sobrinho (PFL-SP), sócio da Rádio Renascença (Ribeirão Preto), e João Batista (PP-SP), associado à Sociedade Rádio Atalaia de Londrina. A denúncia também se estende ao deputado licenciado Nelson Proença (PPS-RS). O atual Secretário de Desenvolvimento e Assuntos Internacionais do Estado do Rio do Grande do Sul é relacionado pelo MPF como sócio da Emissoras Reunidas, de Caxias do Sul.
O levantamento feito pelo professor Venício A. de Lima, publicado pelo Congresso em Foco (leia mais ) ainda em 2005, também mostrou que 49 deputados da legislatura passada eram concessionários diretos de emissoras de rádio e TV, conforme dados oficiais do Ministério das Comunicações. Dos 81