Ana Paula Santos *
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta quinta-feira (19) o julgamento sobre a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 3239, referente ao Decreto 4887/2003. A votação desse decreto decidirá o rumo das políticas implantadas no Brasil para comunidades quilombolas, conforme asseguram os artigos 31 e 34 do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288, de 20 de julho de 2010).
O Decreto 4887/2003 foi promulgado pelo ex-presidente Lula e tem por objetivo regulamentar o procedimento para identificação e titulação das terras ocupadas por remanescentes quilombolas.
Segundo a chefe da Procuradoria Federal junto à Fundação Palmares, Dora Lúcia Lima, que acompanha o trâmite do processo no STF, a ação direta de inconstitucionalidade é mais um posicionamento ideológico do que uma ação jurídica. Sua expectativa é que os ministros do Supremo tenham a percepção de que a titulação das terras quilombolas é um ato de Estado que está garantido na Constituição.
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Constam do Decreto 4887/2003, entre outras disposições, a definição de competência, ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), para identificar, reconhecer, delimitar, demarcar e titular terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente a estados, Distrito Federal e municípios. O decreto também define que é a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR) o órgão que tem por responsabilidade fazer o acompanhamento das ações de regularização fundiária.
Publicidade“Espero que seja julgada ação improcedente. Porém, aconselho a presidenta Dilma Rousseff a fazer uma republicação do decreto com algumas correções, pois é preciso que ele seja aperfeiçoado”, afirmou o ativista e advogado Humberto Adami, membro da Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil.
Motivação do julgamento
A ação direita de inconstitucionalidade foi movida pelo antigo Partido da Frente Liberal (PFL), atualmente denominado Democratas (DEM). Como consta no site do STF (confira), a tramitação da ação contestando a constitucionalidade desse decreto teve início em junho de 2012, com relatoria entregue ao ministro Antonio Cezar Peluso. O magistrado deixou a corte justamente naquele mês.
À época, a ministra Rosa Weber pediu vista do processo durante o julgamento. A matéria está pronta para ser novamente incluída na pauta do plenário. O advogado Fabrício Medeiros, que integra o departamento jurídico do DEM, informou que o partido não é contra as comunidades quilombolas. Porém, questiona o procedimento utilizado pelo decreto para reconhecer como definitiva as propriedades dessas comunidades.
Atuação dos movimentos sociais
A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) tem realizado mobilização em todo o país em torno do assunto. A entidade publicou um documento em uma rede social intitulado “Por que defendemos o Decreto 4887/2003”. No texto, questiona a motivação de considerar o decreto como inconstitucional, lembrando que as comunidades quilombolas lutam há 11 anos por seus direitos. A Conaq destaca ainda que o Estatuto da Igualdade Racial legitima o direito da etnia à posse da região.
“Este decreto beneficia a comunidade quilombola, pois é uma conquista. Caso seja votado que o decreto 4887/2003 é inconstitucional, será um impacto negativo para as comunidades, e iremos ficar mais distantes da realidade do nosso povo, que é ter as nossas terras de volta”, disse Carlos Eduardo, quilombola do Morro do São João, em Santa Rosa do Tocantis (TO).
Apesar da atuação da Fundação Palmares em reconhecer e certificar mais de 2.400 comunidades, as políticas públicas para o assunto ainda não atendem à quantidade significativa de quilombolas no Brasil, segundo reportagem publicada na revista Carta Capital.
Questionado sobre o julgamento da ADI 3239, o membro da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas José Antonio Ventura informou que “a morosidade da titulação e demarcação das terras gera conflitos entre as comunidades e os fazendeiros, que o decreto só tem valor se forem colocadas em prática as ações para o fortalecimento dos quilombolas e que a posição do DEM é de um partido racista”.
* Especial para o Congresso em Foco.