Em votação apertada (seis votos a cinco), com voto de Minerva (de desempate) da ministra Cármen Lúcia, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que cabe à corte, mas com palavra final conferida ao Congresso, a aplicação de restrições cautelares contra deputados e senadores, como recolhimento domiciliar noturno e proibição de viagem ao exterior. A exceção apontada por Cármen é a medida considerada extrema pela maioria dos ministros, a suspensão de mandato parlamentar. Nesse ponto, que levou a uma longa e confusa discussão ao final da sessão plenária, ficou decidido que cabe ao Parlamento efetuar afastamento de congressistas.
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Por seis votos a cinco, o Supremo na prática mantém a suspensão do mandato do senador Aécio Neves (PSDB-MG), acusado de pedir e receber propina de R$ 2 milhões, que teve seu afastamento e recolhimento domiciliar noturno determinados pela Primeira Turma do tribunal em 26 de setembro. E, por outro lado, permite que o Senado possa reverter esse resultado.
PublicidadeRetirado providencialmente da gaveta, o julgamento da ação serviu justamente para definir a situação de Aécio, indefinição que mantém uma grave crise institucional entre Legislativo e Judiciário. No Senado, assim que o colegiado determinou as medidas, os parlamentares logo se articularam para tentar reverter a decisão do Supremo, mas adiaram uma decisão sobre o caso Aécio para aguardar o julgamento de hoje (quarta-feira, 11). Transcorridas mais de 12 horas de julgamento, que teve início pouco depois das 9h desta quarta-feira (11).
Em resumo, Cármen diz que medidas cautelares contra deputado ou senador são aplicáveis pelo STF, mas a suspensão de mandato requer o aval da Casa Legislativa em questão. “Contra a decisão cabem recursos, mas não cabem desacatos”, declarou Cármen Lúcia, durante comentário sobre seu voto, em estocada em um Senado revoltoso com o afastamento de Aécio. Um dos principais alvos da Operação Lava Jato, o tucano responde a nove inquéritos no Supremo, situação que atinge pelo menos seis em cada dez senadores.
Primeiro a votar após o relator, o ministro Alexandre de Moraes disse que a Constituição deve ser interpretada, mas salientou que ela “tem seu valor intrínseco, tem regras expressas, normas claras, de sentidos que impossibilitam transformar um sim em um não, ou um não em um talvez”. De acordo com ele, diante do gravíssimo momento em que vive o Parlamento brasileiro, com inúmeros senadores e deputados sendo investigados, é ainda mais importante que a Corte se preocupe com a importância de um Congresso forte. O ministro foi contra a tese do relator e votou pela necessidade de aval do Congresso para afastar parlamentares.
O ministro Luís Roberto Barroso começou seu voto afirmando que, se dependesse dele, nada disso estaria acontecendo. O magistrado ressaltou seu posicionamento contrário ao foro privilegiado. “De longa data sou contrário à existência do foro privilegiado, porque ele investe o Supremo em um papel de juiz criminal de primeiro grau, que não é um papel próprio para nenhuma corte, não é assim em nenhum lugar do mundo, nem deveria ser”, ponderou. Barroso ressaltou ainda que, “em uma democracia, política é gênero de primeira necessidade. Não há alternativa legítima a ela, e demonizar ou criminalizar a política constituiria um grave equívoco”.
Competência
O ministro acompanhou o voto de Fachin e ressaltou que a competência para julgar parlamentares é do STF. “A casa Legislativa tem competência para decidir a respeito da prisão de seus membros, sustar andamento de processo e deliberar a respeito de perda de mandato”, disse o ministro, que ponderou que a interpretação constitucional não está sujeita às exigências do presidente da República, em crítica ao parecer da Advocacia-Geral da União julgando precedente a ADI. A mudança nos pareceres da AGU, da Câmara e do Senado também foi criticada pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Os ministros Marco Aurélio Mello e Dias Toffoli fizeram comentários durante o voto de Barroso, dando indícios de posição divergente, que se confirmaram mais tarde. Em suas considerações finais, Barroso afirmou que seria uma injustiça manter “peixes pequenos presos e o peixe grande solto”, em referência ao caso de Aécio. Toffoli provocou, afirmando que tinha conhecimento de habeas corpus por extensão, mas não de prisão. Barroso rebateu que não participava da “tradição de proteger peixes grandes”.
A sessão foi interrompida por meia hora para o intervalo da tarde, por volta das 16h15, com oito votos dos ministros da Corte pendentes. Na volta do intervalo, quem votou foi Rosa Weber. Em seu voto, a ministra afirmou que a “prerrogativa funcional não se confunde com privilégios” . Ela também considerou que a prisão é o encarceramento, o que é diferente do disposto no artigo 319 do CPP. Logo, não caberia recorrer ao artigo da Constituição que garante a inviolabilidade do mandato parlamentar, uma vez que a medida cautelar diversa da prisão não significa substituição da prisão. “É possível uma determinada situação reúna condições para medida cautelar diversa da prisão, ainda que não admitida no mesmo caso a prisão preventiva”, afirmou a ministra.
Fux, que ao lado de Rosa e de Barroso foram os votos que determinaram as medidas adotadas para Aécio, também acompanhou Fachin. Para Fux, a jurisprudência sempre foi para garantir a “imunidade absoluta das palavras e opiniões” dos legisladores, mas que não é mais possível que o Judiciário assista a isso passivamente, já que hoje há o entendimento de que não há direito absoluto frente a situações de abusos. “O que se garante é a imunidade e não a impunidade”, afirmou Fux.
“A Constituição não diferencia o parlamentar para privilegiá-lo. Distingue-o e torna-o imune ao processo judicial e até mesmo a prisão para que os princípios do Estado Democrático sejam cumpridos, jamais para que eles sejam desvirtuados”, disse o ministro. Ele defendeu que as “medidas cautelares são necessárias para o exercício do poder dever de jurisdição”.
Terceira via
Dias Toffoli votou em seguida e acompanhou entendimento de Alexandre de Moraes. O ministro entendeu que as medidas cautelares não são apenas substitutivas à prisão, e sim alternativas e que não se pode decretar uma prisão preventiva a um parlamentar e citou outras medidas que considera aplicáveis – como quebra de sigilo, entrega de passaportes, interceptação etc. “Estou aqui fazendo referências a medidas cautelares que interfiram no exercício do mandato que não podem ser aplicadas, a não ser em caso de flagrante de crime inafiançável”, afirmou.
Ao fim do voto de Toffoli, antes que Cármen Lúcia desse a palavra a Ricardo Lewandowski, Barroso afirmou que concorda com Toffoli no caso de superlativa excepcionalidade, e que a suspensão de um mandato parlamentar não é e nem deveria ser uma “coisa banal”.
Atipicamente, a sessão avançou para após as 18h. Com o feriado e a tensão entre Legislativo e Judiciário, Cármen Lúcia optou por não deixar a conclusão do julgamento para a próxima semana. Lewandowski apresentou um voto um pouco mais resumido que o dos colegas, com “resumo do resumo”, uma vez que o relógio se aproximava das 19h. Ele foi o terceiro a votar pela necessidade de aval do Congresso e considerou que “a imunidade parlamentar está ligada ao exercício da própria atividade parlamentar”.
Conflito
O ministro Gilmar Mendes votou em seguida e empatou o julgamento. Ele aproveitou para fazer críticas ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, com quem há tempos trava uma espécie de guerra pessoal. Em meio as críticas ao ex-PGR, Gilmar afirmou que quem deve decretar prisões ou outras medidas são os juízes e considerou que o Supremo corre o risco de “estimular uma escalada de conflito entre Poderes”.
Os últimos ministros a votar tentaram apresentar seus votos de maneira mais rápida. Marco Aurélio Mello deu o voto que virou o placar e avaliou que “não vinga” a tese de que o Supremo “pode tudo”.
Já Celso de Mello voltou a empatar o julgamento e afirmou que a resistência em aceitar o que determinam os atos da Justiça é um ato que fere a separação entre os poderes e que a desobediência de sentenças é um “desprezo da lei fundamental do país”. Ele ainda afirmou que dava uma advertência ao dizer que entre as atribuições do Legislativo “decididamente não está a de proferir esdrúxulas sentenças legislativas”. O decano ainda considerou que ceder ao controle político seria um “inconcebível efeito transgressor” na revisão de sentenças, por perverter e impossibilitar a separação entre os poderes.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5526 foi protocolada pelos partidos PP, PSC e Solidariedade em maio do ano passado. Na ação, as siglas defendiam que o Congresso decidisse, em 24 horas, se é cabível ou não a medida judicial aplicada contra um parlamentar. O objetivo era evitar que o Supremo aplicasse medidas cautelares contra deputados e senadores, exceto a prisão em flagrante por crime inafiançável, já previsto na Constituição Federal.
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