Ele já viveu o adolescente rebelde sem causa que deu nome ao filme Marcelo Zona Sul, sucesso de bilheteria do cinema nacional em 1970. E pode ser visto atualmente à tarde na telinha na reprise da novela Mulheres de Areia, de 1993, na pele do delegado Rodrigo. Em quatro décadas de carreira, Stepan Nercessian acumula participações em 36 filmes, dezenas de peças de teatro e mais de 40 produções na TV. Quase sempre dando vida a tipos populares. Desde fevereiro, o ator de 58 anos encarna o papel mais sério de sua carreira, conquistado graças aos 84 mil votos recebidos em outubro de 2010: o de deputado federal, pelo PPS do Rio de Janeiro.
Ao contrário das demais “celebridades” que chegaram à Câmara este ano – Romário (PSB-RJ), Popó (PRB-BA), Danrlei (PSD-RS), Jean Wyllys (Psol-RJ) e Tiririca (PR-SP) –, Stepan tem uma trajetória de vida ligada à política. Começou no movimento estudantil em Goiás, sua terra natal, presidiu o Sindicato dos Artistas e foi vereador no Rio por seis anos. Nesse período, conciliou a atuação política com a artística. É curioso, portanto, que ao contrário de alguns de seus colegas da “bancada das celebridades”, como Jean e Romário, Stepan tenha tido uma atuação – ele mesmo reconhece – bem mais apagada. “Foi um ano de observação”, justifica, ao se dar “nota 5” após o primeiro ano de mandato.
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No papel de observador, Stepan revela-se também um franco atirador, como mostra nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco. Sem papas na língua, dispara contra o Congresso, o governo, a oposição – da qual faz parte – e sua própria categoria profissional. Para ele, os artistas perderam a importância política que tinham sobre a sociedade e têm se reduzido à condição de “celebridade” e “garoto-propaganda”.
“Houve um momento em que a sociedade brasileira tinha uma aproximação cultural muito grande, ela parava para ouvir o que o artista dizia, hoje não para mais”, lamenta o deputado e ator. “Há uma inversão muito grande da coisa na sociedade. Hoje é considerado grande artista o bem-sucedido. O cara pode ser um horror. Mas se está ganhando dinheiro, fazendo propaganda e sucesso, ah, esse cara é maravilhoso”, reclama.
Stepan também não perdoa a falta de coerência de artistas que ora adotam um discurso político engajado, ora estrelam campanhas publicitárias de grandes empresas na TV. “Olho para a nossa última geração de atores maravilhosos e só vejo garoto-propaganda. Não fazem outra coisa na vida a não ser comercial. Será que a opinião desses caras me interessa? Aí, ele vende celular e depois vai opinar sobre Belo Monte, sobre Código Florestal. Ah, não quero saber a opinião desse cara. Vejo que ele está trabalhando para quem destroi floresta e agora vem cagar regra. Houve também essa coisa de o artista ser o marketing, a celebridade, parou de pensar, estudar e trabalhar, de ver as coisas com seriedade”, critica.
“Raiva de estar fora”
O deputado observa que a falta de coerência não é exclusividade de artistas. Revela-se com toda força no Congresso. “Não existe coerência de uma pessoa aqui com ela própria. As pessoas não são coerentes sequer com suas histórias de vida pessoal, tanto no governo como na oposição. Não posso ver esses caras de extrema-direita que sustentaram a ditadura, o DEM e o caramba, virem com discurso como se fossem de esquerda ou oposição. Oposição a quê? Oposição é raiva de estar fora do poder. Não quero o poder”, critica o deputado do PPS.
Segundo Stepan, a aliança de seu partido com o PSDB e o DEM é pontual e tem motivações distintas. Na entrevista a seguir, ele prega o desatrelamento do PPS das outras duas legendas oposicionistas.
Congresso em Foco – Diferentemente de outras “celebridades”, o senhor chegou à Câmara já com a experiência política de quem foi vereador no Rio. Qual a sua avaliação sobre este primeiro ano como deputado federal?
Stepan Nercessian – Tive um mandato e meio de vereador. Este primeiro ano na Câmara foi um pouco diferente. Em momento algum fui colocado entre as celebridades, não dei entrevista. Eu me dou nota 5 ou 6. Não eu que tenha sido omisso ou não tenha tentado trabalhar. Mas foi um ano para fazer reconhecimento concreto das coisas, saber o funcionamento da Casa, ver as pessoas, aprender a me colocar, ver as dificuldades. Aprendi muito. Aproveitei um pouco como se fosse um estudante bolsista para aprender bastante coisa. Foi um ano de observação.
Foi um primeiro ano de atuação discreta?
Um trabalho discreto na medida em que é possível trabalhar. Eu me senti bem. Mas sinto muita falta da tribuna, o acesso aqui é dificílimo. Só pude falar agora no dia 13 de dezembro e em audiências públicas e solenidades. Não sou aquele caxias nota 10, mas também não sou reprovado. É como fui como estudante: ia passando de ano e melhorando no ano seguinte. Tenho perspectiva de que no próximo ano terei um desempenho melhor.
O que o surpreendeu negativamente na Câmara?
Foi a subserviência do Congresso em relação ao Executivo. Isso não é positivo para a democracia nem para o país. As pessoas confundem a questão partidária com o poder Legislativo. O Congresso não pode ficar à mercê se o governo acha que determinado projeto deve ser votado ou não. O presidente Marco Maia [PT-RS] às vezes diz que é melhor não botar pra votar determinada matéria porque há o risco de ela não ser aprovada. Ou seja, aqui não se vota nada que já não tenha acordo para ser votado. Se tiver chance de não ser aprovado, não se vota. A sociedade fica sem saber a opinião dos parlamentares. Quem pauta o Congresso é o governo, que só pauta aquilo que lhe interessa. Há um apequenamento total do Congresso. A Casa não dá vazão para projetos dos deputados. Virou um cartório homologador do Executivo.
E o que o surpreendeu positivamente?
O aspecto positivo que me surpreendeu foi o corpo técnico da Câmara. Conheci vários servidores de carreira muito competentes e dedicados ao trabalho. Percebi que, querendo trabalhar, a estrutura é muito boa. Além disso, as audiências públicas também são muito interessantes. Vindo pra cá, você tem de ser clínico geral, legislar, opinar e votar sobre todos os assuntos, ninguém consegue ser especialista em tudo.
O senhor vem da Câmara de Vereadores do Rio, onde há denúncias de envolvimento de parlamentares com o crime organizado. Muda muito o perfil dos colegas na Câmara?
Você circula no Congresso com pessoas condenadas, com gente que enriqueceu ilicitamente e está aí com mandato. Só muda um pouco o tipo de criminoso com que você convive.
O senhor preside o Retiro dos Artistas e presidiu o Sindicato dos Artistas do Rio. Que interesse o Congresso demonstra em relação a esse tipo de tema?
Um bom aferidor do interesse dos partidos e do Congresso é o orçamento. As pessoas se interessam muito mais por ministérios com orçamento grande. A Cultura ainda consegue sobressair entre esses ministérios com baixíssimo orçamento pelo fato de envolver a sociedade. A sociedade se interessa muito mais pela cultura do que pelo Ministério da Pesca. Por isso, tem visibilidade grande. Foi um ano difícil, com uma campanha violenta contra a ministra Ana de Hollanda, feita pela própria base do governo.
O que estava por trás dessa “campanha”?
É aquela briga eterna de poder dentro do próprio partido. Tanto que, mesmo sendo de oposição, saí em defesa dela. Quando você começa a atacar politicamente uma figura, você está enfraquecendo o ministério como um todo. Esse ministério não é do governo, é nosso, lutamos pela criação dele. Você pode cobrar a ação da ministra, mas não fazer o que estavam fazendo com ela. Durante meses, foi uma ‘porradaria’ enorme, sem ninguém dizer concretamente o que estava acontecendo. Até porque várias mazelas ali – como pontos de cultura sem receber e contas a pagar – vieram de herança do Juca Ferreira e do Gilberto Gil [ministros anteriores da Cultura] e estouraram no colo dela. Cobrei da própria Comissão de Educação e Cultura que se pronunciasse e socorresse a ministra. Ela veio várias vezes aqui.
É positivo o trabalho da ministra da Cultura até aqui?
Agora é que vamos poder fazer a avaliação. Estavam avaliando antes de ela fazer qualquer coisa. Eu não entendia como é que podiam avaliar quem não teve sequer a oportunidade de trabalhar. Era uma ação de grupelhos para derrubá-la. Algumas coisas que já existiam avançaram como o Vale-cultura. Mas você só conhece a opção de governo em função do orçamento que se destina para aquela pasta.
O orçamento continua baixo…
A cultura tem uma possibilidade de atuação muito grande em todos os setores da sociedade que está sendo negada, jogada fora. Se eu fosse presidente ou governador, criaria um núcleo de cultura dentro de todos os ministérios, porque todos eles dependem de cultura. No Ministério da Saúde, por exemplo, poderia haver um núcleo de cultura para fazer teatro educativo, dar aulas de teatro aos seus profissionais. A juventude está gritando que quer ser artista, que quer cultura. Se abrirem um curso técnico de torneio mecânico e outro de DJ, qual vai ter fila maior? Não se leva isso a sério. A cultura tem um poder de transformação. No Rio de Janeiro, o que mais resgatou pessoas do crime foi a arte, mais até que o esporte, que é limitador. Se você tiver limitação física, você não pode praticar esporte. Mas se lhe derem um cavaquinho, mesmo com a perninha puxando, você pode virar um grande músico.
Não há, quase sempre, um predomínio das reivindicações dos artistas renomados em detrimento dessa ótica da cultura como um instrumento de transformação social?
Tem toda razão, deveria ser feito um diferencial. Quer dizer que, se você não for best-seller, não vai poder escrever nada? Tinha de ter fomento do governo para profissionais já estabelecidos, com empresas e produtores, mas também para a cultura popular. Não precisamos criar nada de novo. Bastaria ter um observador atento a tudo o que está acontecendo nas camadas populares e fomentar essas manifestações que só não explodem porque não há recursos. Não precisaria de ONGs e não sei mais o quê. Se pudesse, eu botava teatro como matéria obrigatória na escola. Teatro não tem como fazer mal. Vai obrigar o aluno a ler, a falar, a escrever, a se desinibir. A elite cultural também determina a política cultural. Não é diferente das demais coisas no Brasil. Isso acontece o tempo todo.
Na prática, de que maneira o Congresso pode contribuir para incentivar a cultura?
O fundamental é mexer no orçamento da cultura. Precisava haver incentivo maior para que o Executivo tocasse programas que disseminassem a arte e a cultura como ferramenta de cidadania, de crescimento das pessoas. Isso permitiria levar teatro, música, atividade artística para dentro e para fora das escolas, para as pessoas se aproximarem desse universo. Seria uma mudança extraordinária na vida das pessoas. Tive experiência assim em favelas dessas que não estão cheias de ONGs. Ficamos dois meses lá dentro. A professora chamava a mãe para perguntar o que estava acontecendo porque os meninos tinham mudado da água para o vinho, estavam disciplinados. Elas respondiam: estão fazendo teatro. Aí foram lá para ver. Eu respondia que não há nada que exige mais disciplina que o teatro, o circo. Imagina se você dá um salto mortal e o outro não tem disciplina para te pegar na hora exata. Há uma série de coisas que o circo e o teatro mostram como a necessidade de ouvir o outro. No teatro, você tem de saber ouvir o outro em cena, responder, ter consciência do que fala. Existe um universo enorme que não é aproveitado. Mas chega de lei, de projeto, estou de saco cheio desse tipo de debate.
E como o senhor vê o engajamento dos artistas brasileiros nas discussões políticas hoje?
Tem hora que é bom, tem hora que é equivocado. De vez em quando, entram por alguns caminhos… Resolvem que determinada causa merece apoio, encasquetam naquilo e se negam a ver a realidade daquilo.
Essas ações são impulsionadas mais pelo marketing do que pela essência da causa?
Nem sei se pensam nisso, mas às vezes é por ingenuidade. Agora mesmo teve esse episódio de Belo Monte. É importante você ter preocupação com o meio ambiente e tudo. Mas, de repente, chega alguém com informações desencontradas e você grava. Passaram aquele vexame. Mas, de uma maneira ou outra, nós nunca faltamos na luta pela democracia. Há uma inversão muito grande da coisa na sociedade. Hoje é considerado grande artista o bem-sucedido. O cara pode ser um horror. Mas se está ganhando dinheiro, fazendo propaganda e sucesso, ah, esse cara é maravilhoso. Como há o contrário, artistas maravilhosos que começam com espírito artístico, fazem sucesso e são sugados pelo mundo artístico. Eles viram garotos-propaganda. Olho para a nossa última geração de atores maravilhosos e só vejo garoto-propaganda. Não fazem outra coisa na vida a não ser comercial. Será que a opinião desses caras me interessa? Aí ele vende celular e depois vai opinar sobre Belo Monte, sobre Código Florestal. Ah, não quero saber a opinião desse cara. Vejo que ele está trabalhando para quem destrói floresta e agora vem cagar regra.
Não há uma banalização dos artistas com o excesso de exposição na mídia, com a “cultura de celebridades”?
Tem um negócio que acho insuportável que é a ditadura da informação do que você não quer saber. Não quero saber com quem a fulana casou ou de quem separou. Hoje em dia você tem de limpar o palheiro até achar alguma informação.
O senhor também faz uma autocrítica em relação ao papel da oposição no Congresso hoje?
As oposições não estão no governo, mas comungam da mesma religião. O PPS faz oposição como alternativa de crítica. Mas não há uma observação crítica em relação ao modelo econômico. Não se fala mais na bandeira número 1 do PT, a auditoria da dívida pública. Os caras não têm coerência. Não existe coerência de uma pessoa aqui com ela própria. As pessoas não são coerentes sequer com suas histórias de vida pessoal, tanto no governo como na oposição. Não posso ver esses caras de extrema-direita que sustentaram a ditadura, o DEM e o caramba, virem com discurso como se fossem de esquerda ou oposição. Oposição a quê? Oposição é raiva de estar fora do poder. Não quero o poder. Consegui botar como proposta do PPS na reforma uma proposta que proíbe qualquer pessoa eleita pelo Legislativo de exercer cargo no Executivo. Se quiser ser ministro, tem de renunciar. Eu fui eleito para ser secretário? O nego toma o diploma aqui e vai embora . Tem de mexer nisso aí para criar essa independência de que estou falando.
O PPS tem de se desatrelar do PSDB e do DEM na oposição?
Ele já desatrelou um pouco. Fizemos alianças pontuais em determinados momentos. Coincidiu que, nos últimos tempos, até por uma questão de realidade política, a gente apoiou o Serra. Há afinidades. Não vou negar que há várias pessoas respeitáveis no PT com as quais mantenho só relação pessoal, porque quando vai para o lado político aquilo vira seita messiânica. Você tem aquele grito do Psol, pequeno e importantíssimo, mas que às vezes se encerra em si. Às vezes lembra o PT no começo. Mas sempre que pode, a gente está junto com o Ivan Valente, o Chico Alencar e o Jean Wyllys. Tem muita coisa que a gente comunga.
O PPS terá candidato próprio a presidente em 2014?
A gente deve ter sim. O Roberto Freire, por exemplo, foi um excelente candidato, que foi para o debate. É importante isso. Existe um interesse muito grande do PT, do DEM e do PSDB de não permitir que a história saia do controle deles. Hoje sou eu, amanhã é você. Isso seria muito bom se o Brasil fosse bipartidário. Mas não é. Para que esse pluripartidarismo? Por causa do horário de televisão, do fundo partidário? Precisamos ter essa consciência. Por isso, temos de ter candidatura própria, senão não vamos crescer mais. Mas é difícil, a reforma política não sai. Se tivesse saído o financiamento público de campanha, não tenha dúvida que seria candidato, porque exigiria o debate. Agora, vou entrar em disputa eleitoral contra o poder econômico? Como é que vou arrumar dinheiro?
A candidatura própria reforçaria as diferenças entre PPS, PSDB e DEM?
Por circunstâncias, estamos juntos. Mas não temos esse compromisso. Nosso bloco aqui é com o PV, uma forma que o partido encontrou para ter maior participação. Em determinados momentos, os três partidos (PPS, PSDB e DEM) votam contra uma proposta. Mas, se você olhar as razões, vai ver que elas são diferentes.