Mesmo fiel ao seu estilo cauteloso, o novo presidente do Senado, Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN), promete “um tempo novo” para o Congresso. Maior transparência na divulgação dos gastos dos senadores, análise dos vetos presidenciais, regimento definitivo para o Conselho de Ética e mudança na tramitação das medidas provisórias (MPs). Esses serão os principais projetos a serem conduzidos a “médio prazo” durante a gestão de Garibaldi, que deve ser concluída em fevereiro de 2009.
Como fazer isso? Ele admite que ainda não sabe. Mas idéias não faltam. A mais ousada delas: transferir a tramitação das MPs para as sessões conjuntas do Congresso. Hoje deputados e senadores se reúnem, basicamente, para analisar matérias orçamentárias.
“Mas, para isso, o Congresso precisa de outra dinâmica. Porque hoje ele não se reúne. Só faz sessão quando tem créditos extraordinários, orçamento ou PPA para aprovar”, diz o senador, na primeira entrevista exclusiva publicada após a sua posse.
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Nessas mesmas sessões, Garibaldi quer atender à reivindicação do PSDB e zerar a apreciação dos vetos presidenciais a proposições aprovadas pelo Congresso. “Vamos trabalhar em projetos que permitam que o poder Legislativo tenha sua agenda, fazer as modificações de que o regimento necessita”, afirma.
Sem pressa
Mas que ninguém espere do ex-governador do Rio Grande do Norte iniciativas radicais durante seu mandato tampão. “Eu fui governador e tomei determinadas medidas. Algumas foram positivas, mas outras nem tanto. Eu já entrei enxugando demais a máquina do Estado. E o que é certo que a gente não pode se precipitar”, avisa.
O senador admite que ainda ignora o tamanho e o peso da máquina administrativa que vai comandar, mas reconhece que a Câmara avançou mais na transparência de suas ações, ao divulgar na internet, por exemplo, informações sobre gastos e assiduidade dos deputados nas sessões.
“Eu não conheço por dentro a realidade do Legislativo. Vou conhecer agora e, inclusive, vou lidar com ela. Também não prometo que vou tomar medidas do dia para a noite, porque eu sei o impacto disso”, ressalta.
Lembrança amarga
Na entrevista a seguir, o novo presidente do Senado evita fazer críticas diretas ao governo Lula, mas não deixa de atribuir ao PT a única derrota que colecionou em dez disputas eleitorais – a eleição para o governo do Rio Grande do Norte no ano passado.
Relembrou, inclusive, que o ex-deputado José Dirceu, quando comandava a Casa Civil, foi a Natal declarar apoio à reeleição da governadora Wilma Faria (PSB). “Eu já era candidato e, evidentemente, não gostei daquilo. Tive uma execução de emendas muito baixa depois da CPI dos Bingos e a minha situação não era nada animadora”, reclama.
A memória do gosto amargo da derrota de Garibaldi também inclui o presidente da República. “Além disso, o presidente Lula foi aos estados visitar os candidatos da base. Lá, éramos dois candidatos da base, e ele fez a opção pela candidata do PSB. E o PMDB era um aliado dele, e ainda tínhamos a coligação com PP, também da base”, relembra.
Deslizes
No seu primeiro dia no comando do Senado, o peemedebista observou a derrota na votação da CPMF como mais um dos “deslizes” do governo Lula no Congresso. “Eu sou um retrato desse desencontro. Eu sou da base aliada, mas durante a maior parte do tempo neste meu segundo mandato eu passei divergindo do governo”, analisa.
De personagem incômodo para o governo, Garibaldi acabou ganhando a preferência do Planalto depois que o senador Pedro Simon (PMDB-RS) lançou sua candidatura à presidência do Senado. Indicado pelo PMDB, o potiguar não enfrentou qualquer restrição dos senadores oposicionistas.
Recesso providencial
Mas o clima depois da derrota governista na Casa não é de paz, reconhece. “Acho que essa briga da CPMF acirrou muito o debate. Mas, sob esse ponto de vista, nós vamos ser beneficiados por uma pausa, realmente providencial, que é a do recesso parlamentar. O governo agora é que vai sentir na carne e na pele o que é não arrecadar aquele dinheiro todo santo mês.”
Mesmo alvejado de críticas por colegas dissidentes, como Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) e Pedro Simon (PMDB-RS), Garibaldi rejeita a idéia de continuísmo e submissão ao Palácio do Planalto e ao grupo do senador José Sarney (PMDB-AP), a quem agradeceu, em sua posse, pelo apoio à sua eleição.
“Para me eleger, claro, tive que procurar o apoio do presidente Sarney. E ele nem pôde me dar um apoio muito explícito porque havia muitos candidatos. Ele tem a maioria. Se ele tivesse sido candidato, quem estaria aqui seria ele e não eu”, rebate.
Leia a íntegra da entrevista concedida pelo presidente do Senado ao Congresso em Foco:
Congresso em Foco – No seu discurso de posse, o senhor disse que é preciso dar mais transparência ao Senado. Existe uma caixa-preta no Senado? O que precisa ser exposto para a sociedade?
Garibaldi Alves – Eu não disse que há uma caixa-preta. O que eu digo é que o Senado tem que viver um tempo novo, como todos nós estamos vivendo na sociedade de hoje. As instituições precisam se afirmar e o Senado está precisando reafirmar sua credibilidade. E uma das maneiras de fazer isso é prestando contas à sociedade do que o Senado realmente faz, do que ele investe. Eu acho que isso é uma cobrança legítima.
Diferentemente do Senado, a Câmara publica na internet a lista de freqüência e a relação dos gastos de cada deputado. Essa é uma saída, considerando que nem as faltas e a presença dos senadores estão disponíveis para o cidadão na internet?
Eu acho possível e vou ter o apoio dos líderes, porque vocês sabem que tudo aqui se faz em consenso com as lideranças. Eu creio que vou contar com o apoio dos líderes para essa abertura. É uma vontade minha. Uma prestação de contas. Eu não sei exatamente como, porque eu não tratava muito da questão administrativa de perto, pois sempre me dediquei à atividade parlamentar do ponto de vista das comissões e do plenário. Claro que tenho que olhar para isso, mas não olhava tão detidamente como fazia com os outros aspectos da minha atividade.
O senhor então considera que a Câmara é mais transparente nessas ações do que o Senado?
Vocês é que estão me informando sobre isso, e confesso que não sabia que a Câmara disponibilizava isso. O Senado, então, fica muito atrás disso. Sabendo disso, reconheço que, de fato, a Câmara já avançou nesse processo mais que o Senado.
Que outros pontos o senhor destaca para recuperar a credibilidade do Senado?
Aqui neste ano, claro, só temos mais uma semana para cuidar do emergencial, porque vamos entrar em recesso. Durante o recesso, vamos trabalhar em cima até mesmo da carta que o PSDB nos entregou de sugestões. Vamos trabalhar em projetos que permitam que o poder legislativo tenha sua agenda, fazer as modificações que o regimento necessita.
O senhor falou em começar a zerar a votação dos vetos presidenciais, uma das propostas do PSDB. Isso vai ser mesmo prioridade?
Vamos ver como é que fazemos isso. Também vamos nos voltar para a questão do funcionamento das comissões, incluindo nisso o próprio funcionamento do Conselho de Ética, para dar uma certa dinâmica.
O senhor acha que o Conselho de Ética deve ter poderes de CPI, como sugeriu, em seu projeto, a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO)?
Eu não posso me comprometer muito com o mérito dos projetos, porque evidentemente eu não conheço as propostas. Na carta do PSDB, que é mais uma carta de intenções, não há projetos prontos e acabados. A gente se compromete com aquelas intenções, que são também intenções nossas. E não vemos dificuldades, depois de tudo o que o Senado passou, em executar muitas dessas idéias.
Independentemente do teor do projeto, o senhor vê com bons olhos a possibilidade de o Conselho de Ética ter poderes de CPI?
Eu não sei. Vocês agora estão colocando isso e, sinceramente, não conheço o mérito dessa proposição. Fica difícil dizer se, do jeito que está colocado lá, vai ter meu total apoio. Por que isso, seria uma precipitação. Sei que a intenção deve ser a melhor possível e inclusive fruto da lição que todos nós devemos recolher do que se passou aqui.
Que lições o senhor acha que o Congresso pode tirar do episódio Renan?
Eu acho que o Congresso não deve permitir que isso possa se repetir. Tem que se criar determinadas salva-guardas. Já andaram criando, facilitando que qualquer denúncia possa ser imediatamente examinada e possa realmente haver uma decisão mais rápida. Porque aqui, quanto mais os processo demoraram, mais fragilizam o parlamento. E vamos ter mecanismos para separar o joio do trigo. Porque também não vamos ficar à mercê de um denuncismo irresponsável, que mire um parlamentar e isso possa deixá-lo inteiramente vulnerável. Isso também não deve acontecer. Temos que procurar que se faça Justiça nesses órgãos de apuração. Essa é a minha intenção realmente.
Quando o senhor se refere à criação de salva-guardas está falando de outras medidas, além do Conselho de Ética?
Estou me referindo ao Conselho de Ética. Aqui não havia um código de ética. Foi elaborado há pouco tempo e votado. Havia o Conselho, mas não havia um regimento. Você tinha aquele tipo de instituição que atende a um formalismo de apuração das coisas, mas que, na prática, não lhe dá a agilidade necessária. Já houve avanço, mas vamos construir novos avanços de modo que não possamos ter uma situação de desestabilização como essa. Por mais que a gente queira dizer o contrário, o Congresso não funcionou bem nem poderia funcionar num momento como esse.
Uma crítica que se faz é de que o Congresso vive a reboque do Executivo. Como é possível construir uma pauta própria do Legislativo? O que o senhor está pensando a respeito disso?
A pauta é esta. Uma pauta a médio prazo, que não é aquela pauta do dia-a-dia que é examinada exatamente nesta sala, onde os líderes se reúnem para discutir as votações com o presidente. A minha pauta é outra. É de medidas que, claro, passarão por votações, mas essa questão é regimental. É a questão das medidas provisórias, dos vetos, do bom funcionamento do Conselho de Ética.
O que o senhor pensa sobre o processo de votação de medidas provisórias? Existe alguma forma de fugir do excesso de MPs e da obstrução da pauta?
Eu não tenho uma idéia consolidada a respeito. Mas, inclusive, existe um projeto do senador Antonio Carlos Magalhães (morto em julho) que foi aprovado aqui, mas na câmara ainda não. Uma das propostas é que os vetos seriam aprovados pelo Congresso. Mas eu não me aprofundei muito, não. Não queiram de mim detalhes. Tem uma proposta de dividir o prazo entre a Câmara e o Senado. E outra de que as MPs não bloqueiem a pauta das duas Casas, mas só a do Congresso. Nesse caso, elas seriam votadas só pelo Congresso. Mas, para isso, o Congresso precisa de outra dinâmica. Porque hoje ele não se reúne. Só faz sessão quando tem créditos extraordinários, orçamento ou PPA para aprovar.
Outra crítica que o Congresso sofre, principalmente em tempos de crise ou paralisia legislativa, é a de que se gasta muito com funcionários, que os parlamentares ganham muito. O senhor concorda com essas críticas? O senhor está assumindo uma máquina pesada?
Eu confesso que não conheço bem o orçamento do Senado. Eu não estou ainda com essas informações. A gente precisa ter cuidado diante disso. Porque, às vezes, somos levados a crer que uma determinada instituição tem vulnerabilidades, mas não tem tanto caráter negativo e perdulário. As pessoas costumam muito atingir o Legislativo, não compreender, nem acompanhar suas atividades. Às vezes, condena-se muito o Legislativo por coisas de que efetivamente ele não tem culpa. Eu não conheço por dentro a realidade do Legislativo. Vou conhecer agora e, inclusive, vou lidar com ela. Também não prometo que vou tomar medidas do dia para a noite, porque eu sei o impacto disso. Eu fui governador e tomei determinadas medidas. Algumas foram positivas, mas outras nem tanto. Eu já entrei enxugando demais a máquina do Estado. E o que é certo que a gente não pode se precipitar. Eu ainda não tenho um diagnóstico do custo benefício do funcionamento do Congresso do ponto de vista material. Do ponto institucional, vocês sabem que o Congresso, para usar um chavão, é o pulmão da democracia. E a democracia é o melhor dos regimes.
Depois da batalha da CPMF, como o senhor se prepara para mediar esta briga entre governo e oposição aqui no Senado?
Acho que essa briga da CPMF acirrou muito o debate. Mas, sob esse ponto de vista, nós vamos ser beneficiados por uma pausa, realmente providencial, que é a do recesso parlamentar. O governo agora é que vai sentir na carne e na pele o que é não arrecadar aquele dinheiro todo santo mês.
O governo foi incompetente nessa articulação? A oposição afirma que houve arrogância. O senhor concorda com essa avaliação?
O próprio ministro José Múcio [das Relações Institucionais] fala que o governo deveria ter uma relação melhor com o Senado e com a sua base. A maioria do governo não é confortável. A base aliada tem 52 senadores. Para aprovar uma emenda constitucional não tem nada de confortável. Mas vocês viram que só 45 votaram. O governo precisa cuidar melhor da sua base para não ficar tão dependente da oposição. É necessário que governo e oposição dialoguem. Mas que não haja uma relação de dependência e até uma coisa contraditória. Até porque, geralmente, é a oposição que fica numa situação de dependência do governo, com medo de perder seus parlamentares. Não foi o que aconteceu agora. Quem perdeu foi o governo.
Mas houve arrogância no caso da CPMF?
Aquilo que chamam de arrogância talvez tenha até outro nome. Talvez tenha sido um deslize do governo com relação à maneira de como se deve tratar a chamada base aliada.
Mas o senhor, antes de ser presidente do Senado, é um senador da base aliada. O senhor também não foi bem tratado pelo governo?
Eu sou um retrato desse desencontro. Eu sou da base aliada, mas durante a maior parte do tempo, neste meu segundo mandato, eu passei divergindo do governo. E eu não tenho o perfil de um parlamentar radical. Muito pelo contrário. Tenho um perfil de um parlamentar moderado. Mas os desencontros políticos se deram a partir da CPI dos Bingos. Antes disso, o Zé Dirceu foi lá para Natal e protagonizou um episódio que me levou a deixar até a vice-liderança do governo junto ao senador Mercadante [então líder do governo no Congresso].
Que episódio foi esse com o ex-ministro José Dirceu? O senhor pode relembrar?
Zé Dirceu foi a Natal, numa visita informal, quando ainda era o ministro todo poderoso, chegou lá e disse que vinha para o palanque de Wilma Faria [governadora reeleita do Rio Grande do Norte, após derrotar Garibaldi nas eleições de 2006]. Disse que Wilma é que tinha de ser governadora. Eu já era candidato e, evidentemente, eu não gostei daquilo. Tive uma execução de emendas muito baixa depois da CPI dos Bingos e a minha situação não era nada animadora.
E com foi essa reaproximação com o governo?
Além disso, o presidente Lula foi aos estados visitar os candidatos da base. Lá, éramos dois candidatos da base, e ele fez a opção pela candidata do PSB. E o PMDB era um aliado dele, e ainda tínhamos a coligação com PP, também da base. Quando voltei, após minha derrota, eu me alinhei a um grupo de dissidentes, formado por Jarbas Vasconcelos, Mão Santa, Geraldo Mesquita e Pedro Simon. Simon não se integrou tanto. Ele é o mais independente dos independentes (risos). Mas aí Roriz também se alinhou porque o PT hostilizava ele aqui no Senado. Mas aí o tempo se encarregou de mostrar que esse grupo não tinha como atuar, como não tem hoje. Hoje não tem organicidade nenhuma.
Esse grupo não apoiou sua candidatura à presidência do Senado como o senhor esperava. Como o senhor vê isso?
O Jarbas me apoiou, apesar de não ter votado em mim. Comunicou-me que precisava dar seu voto ao Simon porque o Simon estava isolado, mas deu uma declaração que teve uma repercussão danada.
Mas hoje ele já não disse a mesma coisa pelos jornais. Disse que o novo presidente da Casa é um bom sujeito, mas que o Congresso não pode se iludir, pois o senhor já está muito alinhado ao Palácio do Planalto.
Eu acredito que o fato de um ter sido eleito dentro de uma composição que teve à frente o senador José Sarney deve ter levado ele a fazer esse comentário. Eu nem sabia dessa declaração. Deve ter sido isso.
Por que existe essa rejeição tão grande de uma parte do PMDB ao senador Sarney? O senador Simon também chegou a declarar que o senhor representava o continuísmo, pois tinha o apoio de Sarney.
Para me eleger, claro, tive que procurar o apoio do presidente Sarney. E ele nem pôde me dar um apoio muito explícito, porque havia muitos candidatos. Ele tem a maioria. Se ele tivesse sido candidato, quem estaria aqui seria ele, e não eu.
No dia da sua eleição, o presidente do seu partido, Michel Temer, disse que não há grupos no PMDB. Mas a sua eleição prova que existe, como sempre existiu, um racha no PMDB. Como o senhor vê o seu partido com essa falta de unidade?
Eu acho que o PMDB está vivendo um grande momento do ponto de vista de sua unidade. Não existem mais aquelas ilhas, aqueles grupos isolados. Hoje há uma convivência. Essa divisão era muito fomentada pela divisão entre Câmara e Senado. O partido não está totalmente unido porque é até difícil um partido ideal, mas acho que o PMDB avançou. Acho que Michel Temer [presidente nacional do partido], que sofria uma resistência, passou a contar com apoio da parte do grupo de Sarney. Acho que está avançado isso aí.
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