Aumento da frota dos ônibus que atendem ao Distrito Federal; fiscalização do cumprimento dos horários do transporte público; transparência absoluta na divulgação das planilhas de custos das empresas; e participação da população na gestão do sistema. Essas foram algumas das 20 propostas consensuais que saíram do debate Transporte coletivo em Brasília. Tem solução?”, promovido pelo Congresso em Foco, no último sábado (20), em Santa Maria (DF).
Entre as recomendações, medidas para melhoria de todo o transporte coletivo e iniciativas para atender de maneira mais imediata os moradores da região de Santa Maria, cidade de quase 150 mil habitantes localizada a 30 km de Brasília. As sugestões foram sintetizadas em um documento que será entregue às principais autoridades do setor no Distrito Federal.
Os problemas apontados pelos debatedores foram desde as elevadas tarifas até o descaso com os horários e itinerários das linhas de ônibus, passando pela urgência de se aumentar o tamanho da frota. A necessidade de ampliar o alcance do metrô foi outra demanda apresentada.
Mas as reclamações não pararam por aí. Todas desembarcaram em dois problemas centrais: a falta de transparência e de participação popular nas decisões sobre o transporte público na capital do país. Sem reverter esse cenário, concluíram os debatedores, nada mudará pra valer.
Cerca de 40 pessoas, entre representantes de diversos setores da sociedade civil, participaram das discussões, que integram a série Diálogos Congresso em Foco. A iniciativa partiu de um morador local, inconformado com os problemas que enfrenta como usuário de transporte público. O objetivo do projeto é estimular a sociedade a discutir questões fundamentais para o país, de forma democrática e plural, sempre priorizando a busca de soluções consensuais.
Cada participante expôs sua visão sobre o problema – muitos deles, contando suas experiências como usuários do transporte coletivo – e apresentou sugestões para melhorar o serviço. As dificuldades apontadas pelos debatedores fazem parte da triste realidade enfrentadas por milhões de brasileiros que moram em outras unidades da federação.
PublicidadeVeja abaixo um resumo do que falou cada debatedor, por ordem de participação:
Sylvio Costa, fundador do Congresso em Foco
“Estamos aqui para fazer o que qualquer jornalista tem de fazer, que é ouvir. Não cabe à imprensa exclusivamente discutir problemas. Torna-se tedioso, porque os problemas se repetem. Temos de ir além. É papel da imprensa apartidária, sobretudo em um país polarizado, com dificuldade em juntar os diferentes, reunir pessoas em busca de soluções.”
Rubens Lima, morador de Santa Maria e autor da sugestão do tema do debate
“Temos dois lados, os felizardos que nasceram tranquilos financeiramente, e o humilde que é o nosso lado. Você não vê deputado às 4h da manhã na parada de ônibus. Mas nós estamos. Porque se você não estiver às 7h, chegar às 7h15, o encarregado diz que você levou falta. Minha indignação é essa.”
Antonio Cardoso, presidente da Sociedade Beneficente Luiz Divina
“Vivemos o abandono, o descaramento do gestor público e do representante político de sequer comparecer à discussão. Não sei sequer quem é o administrador da cidade onde moro. A questão do transporte é tão absurda que as pessoas às vezes saem às 3h para chegar ao trabalho. Fizeram o BRT para atender a quem? ‘Ah, 40 minutos até o Plano Piloto.’ Mas, até chegar ao BRT, leva até 1 hora. Nos atender não é favor. Estamos pagando por isso.”
Chico Sant’Anna, jornalista
“Das quatro estações previstas para o Park Way só duas foram implantadas. Não existe capilaridade no sistema. Gerou-se desemprego porque muita gente que trabalhava no Park Way não queria pagar várias passagens para os seus funcionários. Nem todos os destinos finais têm ônibus servindo. Temos um sistema implantado pela metade, inacabado. Devemos trabalhar pela retomada do metrô. O BRT não vai trazer os passageiros que vão de carro.”
Ilço Firmino, presidente da Associação Nacional dos Líderes Comunitários e morador de Santa Maria
“Nós que sentimos na pele precisamos denunciar. Enquanto não denunciarmos, a realidade só vai piorar. Nossos líderes parecem ter outros interesses. Enquanto não unirmos comunidade, liderança e governo, não chegaremos a lugar algum. Os culpados somos nós, que engolimos o que eles mandam de lá para cá. Temos de trabalhar em conjunto. O governo não está nem aí.”
Daniel Oliveira, criador do projeto Radar Santa Maria e morador da cidade
“Estamos tratando de concessão do transporte público, que não é propriedade. Empresas têm obrigação de cumprir o que está no contrato. Se não oferecem serviço de qualidade, o governo tem de cassar a concessão delas. O tratamento é desumano. O conceito de BRT é muito bacana. Agora gastar R$ 700 milhões com um sistema feito nas coxas e superfaturamento não vai funcionar. Falta sensibilidade ao governo para ouvir a sociedade. Santa Maria tem quase 150 mil habitantes, trabalhadores que saem daqui para trabalhar no Plano Piloto e em Taguatinga. Não tem terminal rodoviário, temos um curralzinho que é uma vergonha.
Não existe fila, não existe organização. Cabe ao órgão fiscalizador e a empresa dar a linha, organizar a fila. Tem culpa dos usuários também, falta educação. Depois do BRT tiraram linhas de Santa Maria. Esse sistema que está aqui não serve para a comunidade. Se chego às 22 horas na rodoviária e estou só com dinheiro, preciso mendigar para outra pessoa para poder chegar em casa, porque só passa cartão e não há pontos de venda e recarga.
O transporte de Brasília é excelente só para os donos das empresas. Tão bom que eles viram donos de companhias aéreas. Só em Brasília acontece isso. As empresas são aconchavadas com os governos. Ficar só atrás de rede social e criticar não vai funcionar. Precisamos organizar a sociedade.”
Marlenor Alves, fundador da Associação do Usuário de Transporte Público e Mobilidade do DF e do Entorno
“Quem está se dando bem é o empresário. Vivíamos monopólio do transporte público. Agora piorou. Temos o monopólio do monopólio do transporte público. Antigamente havia concorrência. Hoje um empresário é dono da Piracicabana, da Pioneira, da Marechal, que é o grupo Nenê Constantino. Não tem concorrência para ele. Estão ganhando milhões às custas do sofrimento de cada usuário do DF. Tem de mudar o sistema de transporte público no DF com licitações sérias. Licitações por bacias foram a maior furada. Sabemos o que aconteceu. Os grandes têm a tática de quebrar os pequenos e ficarem só eles. O BRT acabou com o transporte do Gama e de Santa Maria. Beneficiou só 2% da população das duas cidades. A frota era 3,5 mil ônibus no DF. Hoje não rodam 2 mil ônibus no DF. Tarifa subiu, população cresceu, transporte diminuiu.”
Paíque Lima, do movimento Passe Livre no DF.
“O trajeto piorou muito com o BRT. Ficou muito foda de pegar ônibus em vários lugares. Os horários pioraram, os ônibus demoram a passar, ao contrário do que prometiam. No transporte do DF, usuário e trabalhador sempre tiveram muito pouco poder. Temos várias opiniões, que nunca têm impacto. Inventaram que o técnico entende melhor o transporte do que a população. Criaram conselho de transporte como se fosse resolver. Quem tem de mandar no transporte é o usuário, é o trabalhador. Precisamos criar organizações para atender, senão vira luta política, outra coisa. O comitê pode decidir e intervir. A sociedade está dividida. Vamos ter de enfrentar eles. Não foi sentando em mesa com governador e outras autoridades que houve solução no Brasil. Agora nos ensinem como enfrentar os poderosos sem o confronto com os poderosos… No nosso jeito de entender, discordando de alguns, quando teve concorrência de empresas ou uma sabotava a outra, ou uma se juntava a outra. Nunca vi trabalharem para melhorar. Ou eles se articulam, ou eles se matam. A opinião do empresário é sempre lucrar. Para lucrar, tem de piorar nossos serviços, tem de baixar salário do motorista, não trocar os pneus, é assim que ele lucra hoje. Temos de tirar o controle do empresário sobre o sistema. Muita gente não anda de ônibus porque não tem dinheiro. O transporte precisa ser pago pela população mais rica, que não anda de ônibus.”
Marivaldo de Castro Pereira, servidor da Câmara, ex-secretário nacional da reforma do Judiciário
“O transporte coletivo funciona como um muro em Brasília. Gera dificuldade de ter acesso a cultura, educação, serviços públicos centrais na vida das pessoas. Uma coisa que impacta quem chega a Brasília é a má qualidade e, sobretudo, o preço, que é muito alto. É preciso abrir os contratos e os gastos, explicar para população por que esse custo está exagerado.
O cidadão precisa ser ator na discussão do transporte público. A discussão não pode ser só entre empresas e governo. O cidadão precisa ser ouvido se está satisfeito com o serviço. A opinião do cidadão precisa ser considerada para a gestão do sistema. Tem de aumentar o número de ônibus e de linhas.
Em várias cidades o cidadão já sabe por um aplicativo onde está o ônibus, a que hora ele vai passar. A tecnologia deve servir o cidadão e ajudar na fiscalização do serviço. Se não ouvir o interessado no sistema, nada muda. Temos de adotar tecnologia, transparência e participação popular na gestão. Ele é caro e a qualidade é péssima. Pelo valor cobrado, dava para ter um sistema de transporte público muito melhor.”
Welton Santos, pastor em Santa Maria
“O BRT foi uma frustração geral. Mas, se começar a destruí-lo e começar outro projeto, vai intensificar o problema. Temos de trabalhar em cima do que temos. A solução é criar possibilidade de aumentar número de linhas, facilitar a chegada do BRT e estendê-lo até outros terminais. Se sempre começarmos tudo de novo, vamos cometer o mesmo erro novamente. Precisamos da continuidade. Trabalho a cinco minutos da minha casa a pé, não preciso do transporte, presto serviço de segurança pública no Hospital de Santa Maria, e acabo sentindo o sofrimento dos outros, pessoas que chegam de madrugada que não encontram ônibus. Como seria bom se tivéssemos o metrô. Mas vamos criar outro problema? Precisamos de transparência.”
Rodrigo Chia, do Observatório Social de Brasília
“Nossa tentativa de obter as planilhas de custos das empresas de ônibus foi uma aventura quase surreal. Chegamos ao ponto de ouvir servidores do DFTrans dizerem que não poderiam nos passar dados porque tinham arquivos e não compreendiam o que estava escrito nesses arquivos. Não estou aqui para fazer juízo do governo. Nossa associação é apartidária. Mas é inacreditável que alguém de um órgão que deve fiscalizar o transporte público se veja obrigado a dar essa resposta. A quem interessa que esses dados sejam tão difíceis de serem vistos com clareza?
Nos contratos há exigência do serviço de GPS, para que as pessoas saibam o horário em que o ônibus vai passar. Entrei no site do DFTrans e não consegui achar essa informação. Esse dado não só deveria estar disponível, como em destaque na página. Quais são os seus direitos? Assim o DFTrans teria contingente grande de fiscais.
É muito importante que nós cobremos todos os dias que o Estado esteja presente fiscalizando e dando condições para que também possamos fiscalizar. É importante a sociedade participar.”
Moisés da Silva Santos, morador de Santa Maria e funcionário da administração regional da cidade
“Nos sentimos pequenos em relação às empresas. Hoje (sábado, 20), saí do Gama às 10h10, cheguei ao aeroporto ao meio-dia. Há um abandono. O BRT só sai de 30 em 30 minutos. O bilhete único veio para ajudar, permite que com uma passagem o usuário circule por até três horas. Mas é muito pouco. As linhas do Entorno também sobrecarregam o transporte de Santa Maria.”
Everardo de Aguiar Lopes, do DF em Movimento
“Sou usuário do transporte público há 28 anos por opção. Moro no Lago Sul e pego ônibus no Paranoá. Levanto mais cedo, às vezes tenho dificuldade, mas faço muita coisa de ônibus. Além disso, passei a praticar a carona solidária. Não é fácil andar de ônibus em lugar algum. O transporte coletivo não pode estar desvinculado das cidades. Brasília cresce assustadoramente, muitas vezes sem planejamento.
Qual cidade nós estamos fazendo? Não é só esse governo. Não é isso. Qual a trajetória nossa nesses anos todos? Morei e trabalhei em Ceilândia na década de 70. Começou com 100 mil, hoje tem 600 mil pessoas. Transporte coletivo é concessão sim, mas é um setor empresarial, temos de enfrentar o debate político com o setor empresarial.
Vemos o Entorno com pouquíssimas responsabilidades sobre os seus serviços. A fiscalização é fundamental para saber que às 7h10 a pessoa sai de casa para às 7h12 pegar seu ônibus. Em todos os países da Europa o cartão (para o pagamento da passagem) é importante. Pode ter problema, mas é isolado. É preciso mudar hábitos também na relação do servidor com o usuário. Dê bom dia a um motorista ou um cobrador, ou a quem vende bilhete no metrô.
Temos de discutir a qualidade, o horário, a fiscalização, os aplicativos, mas o problema é mais embaixo. É a concepção de cidade que nós temos. A população cresceu. Se não olharmos do ponto de vista sistêmico, vamos falar da cidade fragmentada, Ceilândia, Sobradinho, Santa Maria. Quanto mais olharmos essas cidades, achando que somos 31, menos teremos soluções corretas. Devemos continuar a discutir a Brasília que vivemos, as dificuldades. O transporte é uma delas. Tem coisas pequenas que têm solução. Motorista dar bom dia é uma solução, saber os horários… queremos conversar mais, não ideologizar o problema dos transportes.”
Nazareno Stanislau Affonso, urbanista, Instituto MDT
“Brasília foi planejada para o automóvel. Não há solução para automóvel. Nem Brasília que era a meca do automóvel hoje não é. Temos a cidade dos piores problemas dos sistemas estruturais.
O metrô de Brasília carrega de 150 mil a 180 mil passageiros por dia. Em São Paulo carrega 4 milhões e tantos. Se comparar o preço do metrô, o km construído de Brasília foi bem mais barato que o km de São Paulo. Mas, por passageiro, o nosso custou 7 vezes mais. São apenas quatro vagões. Não tem como se mexer.
Nossos principais problemas são estruturais. Na licitação o empresário dizia que teria condição de informar à sociedade e ao próprio poder público o que o usuário estava pagando. Todos os carros têm de ter GPS. Esse sistema deveria estar implantado desde lá atrás. Era o duopólio privado (Wagner Canhedo e Nenê Constantino) que mandava. Canhedo saiu. Temos outros hoje. Foi trocada toda a frota. O Canhedo quebrava 80 carros por dia.
Mas não dá para melhorar o sistema sem que haja espaço de controle social. Tentaram alguns, agora não existe um sequer. Nem para as pessoas irem lá dizer alguma coisa. Tem de pegar no pé do governo. Não dá para esperar que uma hora isso vai acontecer. Eles não andam de ônibus, não sabem como é o dia a dia.”
André Rafael, Brasília Cidade Aberta e Projeto Brasil 2030
“Tem muito imposto em ônibus, em combustível, isso afeta toda a cesta básica da população. A própria população está pagando caro pelo serviço que usa. São discussões sistêmicas. Precisamos juntar forças. Vamos puxar essa discussão para aspectos estruturantes, como a questão tributária.
Em Santa Maria há fronteira de estados, um aglomerado urbano. Em pouco tempo vai juntar tudo, Gama, Santa Maria, Valparaíso, Cidade Ocidental e, quem sabe, Luziânia. Cada cidade tem seu modelo. Falta gestão junto com as cidades de Goiás. Isso precisa ser olhado para além do DF, para ter escala e facilitar a locomoção das pessoas.
Precisamos resgatar a ideia de que Brasília é o Distrito Federal. Deveria ser ente mais neutro da federação, que serve para juntar os estados brasileiros. Hoje a população do país tem incômodo com a gente ao associar a cidade com os políticos.
Discussões sobre mobilidade urbana têm de entrar no currículo escolar. Temos de ter visão de futuro, que tem a ver com o serviço público, usar bem a nossa vocação, que pode ser estratégica ainda mais.”
Luiz Carlos Silva (Faísca), Transparência Hacker
“Está faltando controle social. Precisamos usar a Lei de Acesso à Informação para obter mais dados. Essa última licitação não foi das melhores em vários aspectos. Mas acho que nada foi feito de errado ou malfeito nela, foi tudo feito com a pretensão de favorecer alguém. A tecnologia poderia nos proporcionar certo conforto, com as informações sobre os itinerários e horário de parada dos ônibus. Mas não será apenas a tecnologia que vai nos salvar. Os órgãos públicos têm CNPJ, não têm CPF. Então as pessoas ficam muito tranquilas para não assumir sua responsabilidade. Precisamos fazer o controle social, cobrar, ver os estudos técnicos e fazer o governo levá-los adiante.”
Sheylane Brandão, movimento Passe Livre DF e Entorno, moradora do Paranoá
“No final do primeiro semestre de 2016, DFTrans cortou o passe livre de vários estudantes. Vários alunos perderam, com isso, o semestre na UnB. Fomos ao DFTrans pedir o retorno do acesso. Só conseguimos dialogar com o secretário depois de planejar a ocupação do espaço. Disseram que precisavam fazer cortes porque estavam mudando sistema. Diziam que tinha uso indevido do cartão. O funcionamento do transporte acaba sendo ideológico. Ele não só é arbitrário, como não é um transporte público. A gente chama de coletivo; público ele não é. Ele afasta as pessoas de outros serviços, da universidade, do hospital. Tem gente que não tem cinco contos para pagar uma passagem. A tarifa como funciona hoje é tosca, ela cerceia outros direitos. As possibilidades de solução para o transporte só são viáveis se passarem pela fiscalização, pela gestão da população. É uma escolha, uma estratégia política, manter as empresas que operam o setor e quem pode e quem não pode pagar. Aí os serviços vão para um público mais específico. Quem é da periferia que quiser assistir a um show no museu, não vai. O transporte funciona na lógica capitalista. Só vai funcionar mesmo, se passar pela fiscalização e pela gestão popular.”
Maria Rosa, Movimento Brasil Verde e professora da UnB
“O transporte faz um apartheid na cidade, não só no Brasil. Segrega o pobre do rico. Isso é injusto. É a primeira coisa que está errada no modelo de transporte público. Não é democrático. Em lugares mais avançados, na Europa, na Ásia, andam no transporte público o senhor de gravata, a senhora de chapéu na cabeça, o estudante, o trabalhador de macacão azul, porque lá tem frequência, pontualidade, segurança, tarifa decente. A nossa não é decente. Está dentro de um modelo que é o de dar lucro. O transporte não é público, é coletivo, porque é um sistema empresarial. Não é culpa do empresário, ele se beneficia porque o governo permite isso.
Como é pago o transporte escolar? Paga-se por linha, por viagem. Se tenho transporte familiar escolar, levo as crianças do Rodeador até Sobradinho, eu ganho para levar aquelas crianças, não tenho lucro. É assim na França, na Inglaterra, onde o transporte público é público. Nesses lugares, o operador ganha para operar a linha e não para ficar bilionário. Quem quer ficar bilionário vai vender outras coisas.
O transporte público tem distorção no modelo porque visa a altos lucros. Para maximizar o lucro, colocam ônibus em cima de chassis de caminhão, motor na frente, não limpam, só passam na hora que tiver muita gente. Tem esquema de pessoas no governo, em algum lugar que não sabemos onde, que ajuda que isso não mude.
Fizemos um documento pedindo informações sobre o custo da tarifa. O transporte público é injusto. Caro e ruim, temos os dois piores mundos.
Em Paris, a atual prefeita está fazendo uma revolução no transporte, com uma visão integral. Fazendo linha de metrô de 300 km ligando as cidades em volta de Paris. Esse metrô vai sair quase de graça porque, em cima das estações, tem lanchonete, farmácia, restaurante… com esse dinheiro se subsidiou a construção. Esse metrô é de ultima tecnologia, é automático, cada estação foi feita por meio de concurso internacional. Ganharam os grandes arquitetos. Ainda por cima vão ter uma joia na cidade. Ela assumiu em sua campanha uma proposta que deveríamos levar para candidatos a governador: a tarifa única do lugar mais distante até o centro da cidade. Quem mora mais longe tem menos renda. Eram oito zonas de tarifa. Ela fez isso em outubro passado. Você compra um cartão único que custa 70 euros, anda até a última linha, anda o mês inteiro, anda de ônibus. Estão botando ônibus elétrico. Tem modal para todo mundo.
Nosso trabalhador tem de levantar às 4h, fazer marmita, pegar ônibus. Como ele vai ter tempo de falar com o doutor da Câmara Legislativa, do Ministério Público? Ele não pode. Nós, classe média, nos viramos nos nossos carros, cada um no seu. Eles chamam de tarifa solidariedade a gratuidade assegurada para o idoso, o deficiente e as famílias que estão no apoio social, imigrante, desempregado. Com toda a qualidade do transporte, é menos que o custo do nosso transporte. Lá o financiamento se divide da seguinte maneira: um terço paga o usuário, um terço o governo, que dá apoio, e outro terço é o empregador. Aqui o dinheiro do trabalhador e do empresário vai direto para o empresário. Temos saídas, sim. Basta estudar as boas práticas.”
Leonor Bertone
“Há uma insuficiência de frotas. O BRT já se mostrou insuficiente. Há uma insuficiência do metrô. De concreto temos o sofrimento diário das pessoas. Chega de discursos vazios. Metrô custa mais que frota de ônibus. Os ônibus estão modernos e vazios porque não chegam na hora, não têm regularidade. Isso é revoltante. Há uma irresponsabilidade dos órgãos públicos. Se tem o DFTrans como órgão responsável, os funcionários têm de responder pelo seu serviço. No GDF, muitos se investem da aura de autoridade para realizar corrupção e insubordinação. Brasília foi criada para ser exemplo nacional, virou vergonha nacional por irresponsabilidade.
Há um anacronismo. Nossos políticos não são porta-vozes. Quais são os bons políticos? Não há controle social sobre o transporte urbano. Cada um fala sozinho. Governo não é ente abstrato, existe na figura do governador, dos deputados e senadores, eles têm de ser chamados à responsabilidade. Não aguento mais ouvir discurso. Não tem ônibus, não passa na hora, não tem controle. Tudo isso é uma vergonha.”
Vinicius Gomes, estudante de Geografia da UnB
“A universidade deveria ser mais conectada com a sociedade. O transporte da cidade é essencial para o desenvolvimento da sociedade, não só local, mas nacional. Se tivermos bom transporte, com fluxo de pessoas, com boa qualidade, traremos mais capacidade de desenvolvimento para toda região. Por que não fazer transporte de qualidade e eficiente para desenvolver essas regiões? Não é só para dar acesso, mas também para mudar o fluxo de capital e de pessoas, proporcionando melhorias gradativas entre o transporte e o acesso aos serviços públicos.”
Nery da Silva, ex-administrador de Santa Maria
“Há uma distância entre o usuário, o governo e as empresas. É preciso trabalhar isso. Em Santa Maria tínhamos um porto seco que não tinha ônibus. Era mais fácil ir para o Plano Piloto do que trabalhar no centro da cidade. Os governantes têm de vir e ouvir a comunidade. Mas esse pessoal anda de carro, não conhece as dificuldades.”
Veja aqui as propostas aprovadas em Santa Maria para melhoria do transporte em Brasília