Lúcio Lambranho
Desbanditizar. A palavra nem existe no dicionário, mas esse verbo complicado de se pronunciar já começou a ser conjugado pelo governo para mostrar a vontade do presidente Lula de legalizar os bingos e outros jogos de azar, como até mesmo o popular jogo do bicho.
Sob o comando do ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, criador do verbo no Planalto, e do deputado Paulinho da Força (PDT-SP) na Câmara, o governo trabalha em duas frentes para regularizar a jogatina. São elas: mandar um projeto em regime de urgência, antes do final primeiro semestre, para o Congresso ou aproveitar duas propostas sobre o tema em tramitação avançada na Comissão de Tributação e Finanças da Câmara para criar um substitutivo que convença o presidente da República sobre a segurança de se liberar a atividade no Brasil.
No caso dessa segunda alternativa, o Congresso em Foco teve acesso com exclusividade (leia os principais pontos do projeto) a uma proposta de substitutivo preparada pela Consultoria Legislativa da Câmara a pedido do relator da matéria na comissão, deputado Vignatti (PT-SC).
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Tendo como base proposição semelhante apresentada pelo presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), ex-relator da CPI dos Bingos, o projeto (leia a íntegra) passa a exploração dos bingos diretamente para os estados, mas sob uma legislação federal.
Tempo real
O projeto prevê o controle em tempo real dos bingos, que só poderão funcionar se estiverem conectados com os órgãos “fazendários federais, estaduais e municipais” e com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf)”.
Além disso, para tentar evitar o uso de “laranjas” e “empresas de fachada”, uma das propostas exige capital mínimo integralizado de R$ 500 mil, controle social de brasileiros, apresentação da declaração de rendimentos dos sócios relativa aos últimos cinco anos e realização de auditoria externa permanente.
Para valer o argumento de que podem gerar até 100 mil postos de trabalho, segundo as estimativas incluídas no relatório, os bingos serão obrigados a oferecer, no mínimo, 20 empregos diretos cada com a carteira assinada.
No plano social, a proposta de legislação destina 13% do valor das apostas para programas dos estados nas áreas de segurança pública, educação, esporte e cultura. Deste total, metade do arrecadado deverá ser transferido para a manutenção de presídios e o aparelhamento dos órgãos de segurança.
O deputado Vignatti, segundo apurou o site, recebeu o documento ainda em outubro de 2007 e, desde então, aguarda um sinal verde do Palácio do Planalto para apresentar seu parecer na comissão sobre os dois projetos apensados sobre o tema. Um deles (PL3145/04) é de autoria do deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), e o outro (PL 3262/04) foi proposto pelo ex-deputado Júlio Redecker (PSDB-RS), morto em julho do ano passado no acidente do vôo 3054, da TAM, em São Paulo.
Procurado pelo site, o deputado do PT de Santa Catarina preferiu manter o silêncio sobre as propostas apresentadas a ele pela consultoria da Câmara. Reafirmou apenas, por meio de sua assessoria, que aguarda uma posição do governo para apresentar o seu parecer na Comissão de Tributação e Finanças.
Temeridade
Vignatti foi designado relator da matéria ainda em 25 de outubro de 2007, após a proposta ser desarquivada na Câmara, a pedido de Redecker, ainda no primeiro semestre do ano passado. Em março de 2005, parecer do deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA) rejeitou os dois projetos de lei.
Para o deputado do PCdoB, o projeto de Pompeu de Matos não tem sustentação, pois anula todos os marcos legais, inclusive do sistema de loterias, sem propor outras maneiras de regulação.
“Propõe a revogação de todo o ordenamento jurídico e respectivo marco regulatório da atividade lotérica no Brasil sem, contudo, oferecer substrato legal que o substitua de forma segura, suficiente e alinhada com os interesses maiores da nação brasileira, o que se configura uma temeridade”, diz o parecer de Almeida.
Na frente executiva pela legalização dos jogos, as discussões vão parar em um grupo de trabalho dentro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES).
“A idéia é fazer uma discussão nesse grupo de trabalho no Conselho e criar um projeto sobre jogos de azar. Também concordo que até o jogo do bicho pode ser legalizado, mas precisamos convencer, aos poucos, o presidente de que haverá certeza no controle. Hoje o presidente não está querendo nem saber dos caça-níqueis”, explica o deputado Paulinho da Força, principal articulador do governo sobre o tema no Congresso.
Cenário favorável
Segundo o deputado e presidente da Força Sindical, existe realmente um ambiente favorável no governo para a legalização dos bingos no país. Por isso, ele já trabalha com a possibilidade de o Congresso aprovar um texto definitivo sobre o tema até o final deste ano.
Sobre o substitutivo que está nas mãos do deputado Vignatti, Paulinho tem apenas uma grande divergência. Ele não concorda que o controle dos bingos seja feito com autonomia pelos estados. Segundo ele, muitos governadores não querem nem ouvir falar de bingos em seus estados.
Dessa forma, avalia Paulinho, a geração de empregos, o principal argumento dos sindicalistas para propor a legalização, estaria comprometida. “Tem governador aí que não quer nem ouvir falar de bingo. Posso citar os governadores do Paraná, de São Paulo e do Distrito Federal. Não sei por que eles não querem saber de mais emprego”, alfineta o parlamentar do PDT.
Mesmo divergindo da proposta em poder de Vignatti, Paulinho diz que está em contato permanente com o deputado catarinense e que esse debate pode abreviar a tramitação do projeto para legalizar a jogatina.
Jogo do bicho
O líder do PT na Câmara, deputado Maurício Rands (PE), acredita que a decisão sobre a liberação e a regulamentação de jogos de maneira geral deveria ser de responsabilidade dos estados, assim como propôs a consultoria legislativa da Câmara.
O deputado pernambucano afirmou ao Congresso em Foco que prefere ver o jogo do bicho legalizado antes mesmo das casas de bingos. “O jogo do bicho está mais enraizado na cultura popular e menos ligado ao crime organizado”, avalia Rands.
Opinião semelhante sobre o jogo do bicho tem o também petista Vicentinho (SP). O deputado, ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), defende a legalização da prática em nome da geração de empregos.
“Nunca joguei bingo, sei do apelo pela geração de empregos, mas só joguei no bicho e queria ver a atividade legalizada também”, afirma. O petista sugere que, a exemplo do que ocorre na venda de cigarros, por determinação do Ministério da Saúde, que também haja uma campanha de esclarecimento sobre os riscos do vício da jogatina.
Dossiê
Ao contrário do que afirma o líder do PT na Câmara, o jogo do bicho já foi pivô de escândalos políticos e policiais. O último deles foi em outubro de 2006, quando a Polícia Federal (PF) descobriu que R$ 5.000 dos R$ 1,7 milhão do chamado Dossiê Vedoin tinham origem em bancas de bicho do Rio de Janeiro.
O dinheiro, supostamente usado por petistas para comprar o dossiê que vincularia políticos do PSDB à máfia das ambulâncias, passou por bancas de Antonio Petrus Kalil, conhecido como Turcão, um dos principais donos do jogo do bicho no Rio de Janeiro.
Mais fiscalização
O ex-presidente da CPI dos Bingos Efraim Moraes (DEM-PB) acredita que o governo federal também tem que estabelecer mecanismos de fiscalização e não deixar o tema apenas sob responsabilidade dos estados. “Quanto mais fiscalização, melhor. Deveríamos ter a participação dos ministérios da Justiça ou do Esporte e das prefeituras”, diz Efraim.
Por enquanto, o senador do Democratas diz apenas que aguarda a posição do governo sobre a regulamentação do setor. “Sou a favor da legalização, mas desde que se criem empregos com carteira assinada e se tenha a fiscalização mais rígida possível”, pondera.
No Senado, o projeto de lei (PLS 359/2007) com tramitação mais avançada é o de autoria do presidente da Casa, Garibaldi Alves. A proposta aguarda, desde agosto de 2007, parecer do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O site entrou em contato com o senador do PTB, mas ele não retornou os pedidos de entrevista até o fechamento desta edição.
Mudança na tributação
Atualmente tramitam no Congresso cerca de 80 propostas sobre o assunto, a maioria delas propondo a regulamentação dos bingos. Para o presidente da Associação Brasileira de Bingos (Abrabin), Olavo Sales da Silveira, a legislação precisa ser rígida, mas não restritiva sobre as atividades das casas de bingo. O principal ajuste pretendido pelo setor, segundo Sales, é garantir que a tributação de impostos respeite a maneira de funcionar dos bingos.
A idéia, diz o presidente da Abrabin, é taxar a compra de cartelas ou o número de apostas e não os prêmios ganhos pelos apostadores. Ou taxar apenas a diferença entre o valor apostado e os prêmios ganhos num único dia pelos jogadores. Além disso, os bingos pagariam um percentual fixo sobre o que eles chamam de giro de apostas.
Nesse caso, os bingos se comprometeriam a pagar até 80% do valor apostado. “Isso faz parte de uma estudo feito para a Abrabin pelo ex-secretário da Receita Federal Osiris Lopes Filho e precisa ser emendado no projeto que for realmente para a votação no Congresso”, argumenta Sales.
Sobre a transferência da responsabilidade da fiscalização, o presidente da Abrabin diz que, para o setor, isso não faz diferença. “O importante é regulamentar e não importa se vai ser federal ou estadual”, afirma. Sales vê com ressalvas a possibilidade de legalização do jogo do bicho. “Acho que o controle é mais do que desejável, mas como o governo vai fiscalizar o jogo do bicho? Como eles vão ser interligados com as secretarias de Fazenda ou a Receita Federal?”, questiona.
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