Nem mesmo o Brasil, que detém 12% das reservas mundiais de água doce, está imune a crises no abastecimento. É o que vemos hoje no estado de São Paulo. A redução do sistema Cantareira ao menor nível da história cria um ambiente político que tende a ser comum no futuro: disputas pelo uso de bacias hidrográficas como consequência da insegurança na oferta de água potável.
Essa é uma das previsões do mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, que reforça o consenso científico a respeito do tema. As temperaturas podem subir até 4,8 graus Celsius neste século e o nível dos mares aumentará entre 26 e 82 centímetros, levando-nos à etapa decisiva de uma corrida contra o tempo.
Quando o mundo se debruça sobre os dados do IPCC, percebemos que os governos se dividem entre aqueles que, genuinamente, buscam alternativas para diminuir as emissões de CO2 e aqueles que se escondem atrás da retórica e adiam decisões fundamentais.
Infelizmente, o nosso país parece estar nos segundo grupo. Segundo os pesquisadores do IPCC, ainda somos o país que mais derruba florestas. As próprias instituições brasileiras reconhecem isso. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) informa que o desmatamento da Amazônia cresceu 35% no ano passado. O total de florestas destruídas é maior que duas vezes a área do município do Rio de Janeiro.
Leia também
A completa ausência de uma política de criação de unidades de conservação impede que preservemos nossas florestas. Nesse quesito, o atual governo tem uma atuação pífia. Segundo o Instituto Socioambiental, a presidente Dilma Rousseff criou apenas três novas unidades de conservação. A comparação com os governos anteriores demonstra o desprezo pelo tema. Na administração do ex-presidente Lula foram criadas 77 unidades de conservação, enquanto Fernando Henrique Cardoso criou 81.
O mesmo descompasso entre os dois governos do PT é percebido quando analisamos os dados de homologação de reservas indígenas, outra política fundamental para a preservação do meio ambiente. Na administração do presidente Lula foram homologadas 87 novas reservas. No governo Dilma, até abril de 2013, apenas 11, informa o Instituto Socioambiental.
PublicidadeAlém de descuidar das nossas florestas, o governo demonstra falta de planejamento em outras áreas vitais para o combate às mudanças climáticas, como a geração de energia.
No atual governo, as deficiências na gestão do setor elétrico atingiram níveis preocupantes. Os problemas na administração do sistema deixam o país cada vez mais dependente das usinas termoelétricas, que deveriam ser meras fontes de reserva para os períodos de seca. Desde o início dos anos 2000, o sistema integrado passou a ser dependente do despacho de dois mil MW médios de termoelétricas na base, ou seja, com as usinas permanentemente ligadas.
Nos últimos dois anos, a utilização das termoelétricas se tornou ainda mais intensiva. Desde setembro de 2012, o despacho mensal de termoelétricas convencionais saltou de quatro mil MW médios para 12 mil e se manteve nesse patamar até abril de 2013. A partir de então, chegou a dez mil MW médios, nível em que permaneceu mesmo no período chuvoso que se iniciou em dezembro de 2013.
Há um aumento do protagonismo de termoelétricas no país e isso deixa a nossa matriz de eletricidade inexoravelmente mais suja. Essa falta de capacidade de administração do sistema energético anula esforços que já foram feitos para controle das emissões de gases do efeito estufa.
O descaso com os projetos baseados em fontes alternativas fica evidente quando constatamos que a crise atual tem como uma de suas causas o desperdício de energia eólica já em produção. Desde junho de 2012, 48 usinas eólicas estão instaladas no Rio Grande do Norte e na Bahia, mas não estão fornecendo energia por falta do sistema de transmissão associado.
O nosso setor sucroenergético vive uma crise sem precedentes. O governo praticamente abandonou os produtores de etanol quando escolheu uma política de artificialismo no preço da gasolina. O setor não sabe, de forma clara, qual será o papel estratégico do etanol em nossa matriz energética. Desde 2009, cerca de 40 usinas de etanol fecharam as portas no país, segundo estimativa da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica).
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas reivindica um pacto mundial, até o final de 2015, para limitar os efeitos de uma iminente catástrofe ambiental. Já temos o consenso científico sobre o problema e caminhamos para uma conscientização cada vez maior da sociedade. Falta-nos agora uma ação política e não podemos admitir que o Brasil perca o protagonismo no tema.
Assine a Revista Congresso em Foco em versão digital ou impressa