José Rodrigues Filho *
A criação de um registro contendo dados biométricos, em alguns países, surgiu definindo leis que viessem a determinar quando, como e quem deveria ser acessado, armazenado, copiado e destruído nestes registros. Assim sendo, à medida que os sistemas de identificação cresceram, as preocupações com a privacidade e invasão dos direitos humanos aumentaram, principalmente na área do Direito.
Mesmo assim, ainda têm surgido outras preocupações, entre os defensores da privacidade, de que tais leis são muito gerais e insuficientes para proteger as pessoas de ameaças específicas, em relação ao registro de dados biométricos.
É preciso entender o interesse de alguns países desenvolvidos em incentivar a criação de banco de dados biométricos em países pobres da África e das Américas, como aconteceu mais recentemente no Haiti, que adotou esta prática para o cadastramento de eleitores. São inegáveis os interesses das corporações de tecnologia de informação em vender e implementar estas tecnologias em países carentes de um arcabouço legal adequado, já que nem sempre é possível implementá-las nos países mais desenvolvidos.
A Holanda, por exemplo, aboliu o voto eletrônico há cerca de três anos, depois de perceber a sua fragilidade para as fraudes. Mais recentemente, os holandeses suspenderam o armazenamento de dados biométricos, inerentes às impressões digitais para documentos de viagem, depois de questionamentos sobre a confiabilidade da tecnologia biométrica e do elevado percentual de falhas.
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No início de março de 2012, a Assembleia Nacional da França aprovou uma lei que propunha a criação de um novo cartão de identificação biométrica, contendo impressões digitais, fotos e outras informações sócio-demográficas dos cidadãos franceses. De imediato, o senador francês François Pillet considerou a iniciativa uma bomba relógio para as liberdades civis. Imediatamente, mais de 200 membros do Parlamento francês encaminharam a lei, recém-aprovada, para o Conselho Constitucional Francês, como a maior autoridade da Constituição daquele país. Em pouco tempo o Conselho Constitucional considerou a lei inconstitucional, uma vez que o cartão biométrico feria a constituição francesa.
Membros do Parlamento da Índia e diversas organizações nacionais e internacionais estão questionando o projeto de cadastramento biométrico do governo indiano. Na África e na América Latina existe quase que uma mudez em relação às iniciativas de implementação da tecnologia biométrica, razão pela qual essa indústria está crescendo assustadoramente em países como Brasil, Argentina e México.
No Brasil, a Justiça Eleitoral iniciou o cadastramento de eleitores para a criação, talvez, do maior banco de dados biométrico da América Latina. Além de não existir uma justificativa adequada para a criação deste banco de dados, qual a legislação específica existente que oferece proteção aos eleitores e cidadãos brasileiros? Esta legislação está em sintonia com os riscos da Era Biométrica? O cadastramento de eleitores é um ato compulsório ou voluntário? Se for compulsório, está baseado em que lei? Qual a posição do nosso Parlamento? Espera-se que não seja a da mudez.
A coleta e o uso de dados sem o consentimento pessoal podem representar a violação das liberdades civis; e decisões técnicas tomadas na ignorância podem ameaçá-las cada vez mais. Os poderes constituídos deste país tem de dar garantias aos eleitores, a partir do artigo 17 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a saber:
1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.
2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.
Vale lembrar, ainda, os comentários do artigo acima citado nos seguintes termos:
A coleta e manutenção de informações pessoais em computadores, bases de dados e outros dispositivos, quer por parte de autoridades públicas, indivíduos ou organismos privados, têm de ser reguladas nos termos da lei. Os estados têm de adotar medidas eficazes para assegurar que a informação que diz respeito à vida privada de um indivíduo não chegue às mãos de pessoas que não estejam autorizadas nos termos da lei, a receber, processar e utilizar essa mesma informação, e que nunca seja utilizada para fins incompatíveis com o Pacto acima citado.
A sociedade brasileira não pode permanecer inerte diante de uma ferramenta draconiana, até porque não conhecemos se as políticas biométricas deste país respeitam os direitos fundamentais de cada brasileiro. A criação de banco de dados biométricos centralizado está sendo bastante criticada, no mundo inteiro, por violentar as liberdades civis.
* Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas universidades de Harvard e Johns Hopkins (EUA): http://jrodriguesfilho.blogspot.com.br/
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