AÇÃO PENAL Nº 5083258-29.2014.4.04.7000/PR
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AUTOR: PETRÓLEO BRASILEIRO S/A – PETROBRÁS
RÉU: WALDOMIRO DE OLIVEIRA
ADVOGADO: JEFFREY CHIQUINI DA COSTA
RÉU: RICARDO RIBEIRO PESSOA
ADVOGADO: DANIEL LAUFER
ADVOGADO: CARLA VANESSA TIOZZI HUYBI DE DOMENICO CAPARICA APARICIO
ADVOGADO: ANA LUCIA PENON GONCALVES LADEIRA
ADVOGADO: RENATO TAI
ADVOGADO: ANTONIO AUGUSTO LOPES FIGUEIREDO BASTO
RÉU: PAULO ROBERTO COSTA
ADVOGADO: JOAO MESTIERI
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ADVOGADO: EDUARDO LUIZ DE BALDAQUE DANTON COELHO PORTELLA
ADVOGADO: Cássio Quirino Norberto
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ADVOGADO: MAURICIO SCHAUN JALIL
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ADVOGADO: HENRIQUE FELIPE FERREIRA
ADVOGADO: LUIZ FLAVIO BORGES D URSO
RÉU: JOAO RICARDO AULER
ADVOGADO: LUCIANO QUINTANILHA DE ALMEIDA
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RÉU: JAYME ALVES DE OLIVEIRA FILHO
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SENTENÇA
13.ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE CURITIBA
PROCESSO n.º 5083258-29.2014.404.7000
AÇÃO PENAL
Autor: Ministério Público Federal
Réus:
1) Adarico Negromonte Filho, brasileiro, casado, aposentado, nascido em 27/01/1946, filho de Adarico Negromonte e Natarcia Mendes Negromonte, portador da CIRG nº 6072061/SP, inscrito no CPF sob o n.º 379.832.028-49, com endereço conhecido nos autos;
2) Alberto Youssef, brasileiro, casado, comerciante, nascido em 06/10/1967, portador da CIRG 3.506.470-2/SSPPR, inscrito no CPF sob o nº 532.050.659-72, atualmente preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba/PR;
3) Dalton dos Santos Avancini, brasileiro, casado, administrador de empresas, nascido em 07/11/1966, filho de Sidney Avancini e Maria Carmen Monzoni dos Santos Avancini, portador do CIRG nº 1.750.733-2/SP, inscrito no CPF sob o nº 094.948.488-10;
4) Eduardo Hermelino Leite, brasileiro, casado, administrador de empresas, nascido em 04/05/1966, filho de Edgard Hermelino Leite e Yvonne Seripierro Leite, portador do CIRG nº 10.163.589-8/SP, inscrito no CPF sob o nº 085.968.148-33, com endereço conhecido nos autos;
5) Jayme Alves de Oliveira Filho, brasileiro, casado, agente da Polícia Federal, nascido em 13/07/1962, filho de Jayme Alves de Oliveira e Natarcia Mendes Negromonte, portador da CIRG nº 05.469.913-7/RJ, inscrito no CPF sob o nº 748.527.607-72, com endereço conhecido nos autos;
6) João Ricardo Auler, brasileiro, casado, engenheiro, nascido em 25/01/1952, filho de José Otávio Costa e Maria Conceição Martini Auler, portador do CIRG nº 5.157.850-5/SP, inscrito no CPF sob o nº 742.666.088-53;
7) Márcio Andrade Bonilho, brasileiro, solteiro, empresário, nascido em 17/07/1966, filho de Sebastião José Bonilho e Abigahir Andrade Bonilho, portador da CIRG 13.442.233-8/SP, inscrito no CPF sob o nº 075.655.078-57, com endereço conhecido nos autos;
8) Paulo Roberto Costa, brasileiro, casado, engenheiro, nascido em 01/01/1954, inscrito no CPF sob o nº 302.612.879-15, com endereço conhecido nos autos;
9) Waldomiro Oliveira, brasileiro, casado, aposentado, nascido em 15/11/1960, filho de Pedro Argese e Odeth Fernandes de Carvalho, portador da CIRG 12247411/SP, inscrito no CPF sob o nº 033.756.918-58, com endereço conhecido nos autos.
I. RELATÓRIO
1. Trata-se de denúncia formulada pelo MPF pela prática de crimes de corrupção (art. 317 e 333 do Código Penal), de lavagem de dinheiro (art. 1º, caput, inciso V, da Lei n.º 9.613/1998), de crimes de pertinência a grupo criminoso organizado (art. 2º da Lei nº 12.850/2013) e de uso de documento falso (arts. 299 e 304 do CP) contra os acusados acima nominados.
2. A denúncia tem por base os inquéritos 5049557-14.2013.404.7000 e 5071698-90.2014.404.7000 e processos conexos, especialmente as ações penais 5026212-82.2014.404.7000 e 5047229-77.2014.404.7000, processos de busca e apreensão e outras medidas cautelares 5073475-13.2014.404.7000, 5001446-62.2014.404.7000, 5040280-37.2014.404.7000, processos de interceptação 5026387-13.2013.404.7000 e 5049597-93.2013.404.7000 e processos de quebra de sigilo bancário e fiscal 5027775-48.2013.404.7000, 5023582-53.2014.404.7000, 5007992-36.2014.404.7000, entre outros. Todos esses processos, em decorrência do sistema de processo eletrônico da Quarta Região Federal, estão disponíveis e acessíveis às partes deste feito e estiveram à disposição, pelo sistema eletrônico, para consulta das Defesas desde pelo menos o oferecimento da denúncia, sendo a eles ainda feita ampla referência no curso da ação penal. Todos os documentos neles constantes instruem, portanto, os autos da presente ação penal.
3. Segundo a denúncia substitutiva do evento 5, a empreiteira Camargo Correa, juntamente com outras grandes empreiteiras brasileiras, teriam formado um cartel, através do qual, por ajuste prévio, teriam sistematicamente frustrado as licitações da Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras para a contratação de grandes obras a partir do ano de 2006, entre elas a RNEST, COMPERJ e REPAR.
4. As empreiteiras, reunidas em algo que denominavam de “Clube”, ajustavam previamente entre si qual delas iria sagrar-se vencedora das licitações da Petrobrás, manipulando os preços apresentados no certame, com o que tinham condições de, sem concorrência real, serem contratadas pelo maior preço possível admitido pela Petrobrás.
5. Para permitir o funcionamento do cartel, as empreiteiras corromperam diversos empregados do alto escalão da Petrobras, entre eles o ex-Diretor Paulo Roberto Costa, pagando percentual sobre o contrato.
6. Relata a denúncia que a Camargo Correa teria logrado sair-se vencedora, em consórcio com outras empreiteiras, em obras contratadas pela Petrobrás referentes à Refinaria Getúlio Vargas (REPAR) e à Refinaria Abreu e Lima (RNEST).
7. Em decorrência do esquema criminoso, os dirigentes da Camargo Correa teriam destinado pelo menos cerca de 1% sobre o valor dos contratos e aditivos à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, destes valores sendo destinado parte exclusivamente a Paulo Roberto Costa.
8. Parte dos valores foi paga a Paulo Roberto Costa, enquanto este ainda era Diretor de Abastecimento, e outro montante, mesmo após a saída dele, inclusive pela Camargo Correa, com a simulação de contrato de consultoria com a empresa Costa Global, controlada por Paulo Roberto Costa.
9. Não abrange a denúncia crimes de corrupção consistente no pagamento de vantagem indevidas a outras Diretorias da Petrobrás ou a outros agentes públicos.
10. Os valores provenientes dos crimes de cartel, frustração à licitação e corrupção teriam sido, em parte, lavados através de depósitos em contas de empresas controladas por Alberto Youssef e da simulação de contratos de prestação de serviços.
11. Segundo a denúncia (fls. 63-65), o Consórcio Nacional Camargo Correa e a Construções Camargo Correa S/A simularam contratos de prestação de serviços e incluíram preços superfaturados para fornecimento de mercadorias em contratos com as empresas Sanko Sider e Sanko Serviços, tendo realizado a elas pagamentos, entre 06/2009 a 12/2003, de cerca de R$ 194.081.716,00, com posterior redirecionamento, pelas empresas Sanko, de cerca de R$ 36.876.887,75, às contas controladas por Alberto Youssef, especificamente GFD Investimentos, MO Consultoria e Empreiteira Rigidez, utilizando, para tanto, contratos de prestação de serviços simulados. Waldomiro de Oliveira, controlador das empresas MO Consultoria e Empreiteira Rigidez, teria auxiliado Alberto Youssef na prática dos crimes.
12. Ainda quanto à Camargo Correa, reporta-se a denúncia à celebração, em 10//09/2012, de contrato de consultoria simulado com a empresa Costa Global Consultoria e Participações Ltda., controlada por Paulo Roberto Costa, com pagamentos de R$ 2.875.022,00 até dezembro de 2013 (fl. 43 da denúncia). Segundo o próprio Paulo Roberto Costa, o contrato teria servido para pagamento de propinas que teria ficado pendente, sendo que apenas uma pequena parte seria relativa a serviços efetivamente prestados.
13. A partir das contas controladas por Alberto Youssef, os valores eram usualmente sacados em espécie, como mecanismo de lavagem de dinheiro para evitar o rastreamento, e direcionados a beneficiários diversos. No transporte do dinheiro, atuavam Jayme Alves de Oliveira Filho e Adarico Negromonte Filho, como subordinados de Alberto Youssef.
14. Ainda a denúncia reporta-se à apresentação de documentos falsos pela Camargo Correa, na data de 03/09/2014, ao Ministério Público Federal (fl. 76 da denúncia). Em síntese, intimada a empresa pelo MPF para esclarecer as suas relações com a empresa Costa Global, ela apresentou contratos e notas fiscais fraudulentas, sem fazer qualquer ressalva quanto ao seu caráter fraudulento, mesmo tendo ciência dele (evento 1, out3), o que, segundo a denúncia configuraria crime de uso de documento falso perante o MPF.
15. A Dalton dos Santos Avancini, Diretor Presidente da Camargo Correa Construções e Participações S/A, a João Ricardo Auler, Presidente do Conselho de Administração da Camargo Correa Construções e Participações S/A, e a Eduardo Hermelino Leite, vulgo Leitoso, Diretor Vice-Presidente da Camargo Correa Construções e Participações S/A, são imputados os crimes de corrupção ativa de Paulo Roberto Costa, de lavagem de dinheiro e de uso de documento falso.
16. A Paulo Roberto Costa são imputados os crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro.
17. A Márcio Bonilho, dirigente das empresas Sanko, e a Alberto Youssef, operador dos pagamentos, o crime de corrupção ativa de Paulo Roberto Costa.
18. A Waldomiro de Oliveira, o crime de lavagem de dinheiro envolvendo apenas o repasse de dinheiro de origem criminosa às empresas GFD Investimentos e Empreiteira Rigidez.
19. A Jayme Alves de Oliveira Filho e Adarico Negromonte Filho, o crime de lavagem de dinheiro pela movimentação do dinheiro em espécie a partir das contas controladas por Alberto Youssef.
20. Imputa ainda a todos o crime de associação criminosa ou de pertinência a organização criminosa, salvo a Alberto Youssef, Waldomiro de Oliveira, Márcio Bonilho e Paulo Roberto Costa, uma vez que eles já respondem por essa imputação em ação penal conexa.
21. Também não imputa a Alberto Youssef e a Márcio Bonilho os crimes de lavagem de dinheiro uma vez que já condenados, em primeiro grau de jurisdição, por eles na ação penal 5026212-82.2014.404.7000.
22. Originariamente, a denúncia também abrangia crimes imputados ao acusado originário Ricardo Ribeiro Fonseca e relacionados à obras da UTC Engenharia no Consórcio TUC junto à Petrobrás. Entretanto, houve desmembramento posterior da ação penal quanto a este fato, como exposto adiante.
23. A denúncia foi recebida em 16/12/2014 (evento 9). Rejeitada, na ocasião e por falta de justa causa, a imputação do crime de lavagem a Waldomiro de Oliveira no que se refere aos repasses de dinheiro de origem criminosa à empresa GFD Investimento.
24. Os acusados foram citados e apresentaram respostas preliminares por defensores constituídos, Eduardo Hermelino Leite, evento 82; Adarico Negromonte Filho, evento 110; João Ricardo Auler, evento 182; Dalton dos Santos Avancini, evento 183; Ricardo Ribeiro Pessoa, evento 185; Alberto Youssef, evento 188; Jayme Alves de Oliveira Filho, evento 190; Waldomiro de Oliveira, evento 212; Márcio Bonilho, evento 226; e Paulo Roberto Costa, evento 253.
25. As respostas preliminares foram examinadas pela decisão de 30/01/2015 (evento 192), de 02/02/2015 (eventos 219 e 228) e de 20/02/2015 (evento 353).
26. Foram ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa (eventos 236, 288, 327, 350, 431, 439, 459, 470, 503, 529, 548, 588, 593, 595, 672, 683, 699, 709, 711, 720, 734, 769, 788, 791, 804 e 871).
27. Os acusados foram interrogados (eventos 796, 800, 807, 808 , 876, 877 e 878).
28. Os requerimentos das partes na fase do art. 402 do CPP foram apreciados nos termos da decisão de 05/05//2015 (evento 811) e de 07/05/2015 (evento 836).
29. O MPF, em alegações finais (evento 894), argumentou: a) que não há ilicitude a ser reconhecida em relação à interceptação telemática do Blackberry Messenger; b) que as decisões que autorizaram as interceptações estão longamente fundamentadas; c) que não houve inversão no procedimento; d) que é inviável reunir todos os acusados em um único processo; e) que a denúncia não é inepta; e) que restou provada a autoria e materialidade dos crimes de corrupção, lavagem, uso de documento falso e pertinência à organização criminosa. Pleiteou a condenação dos acusados, salvo em relação a Márcio Bonilho por todas as imputações. Pleiteou ainda a fixação de indenização e como pena acessória a interdição do exercício de cargo ou função na Administração Pública ou das empresas previstas no art. 9º da Lei nº 9.613/1998.
30. A Petrobrás, que ingressou no feito como assistente de acusação, apresentou alegações finais, ratificando as razões do Ministério Público Federal (evento 895).
31. A Defesa de Márcio Andrade Bonilho, em alegações finais, argumenta (evento 963): a) que houve cerceamento de defesa porque a prova resultante das interceptações telefônicas e telemáticas não foi toda disponibilizada nos autos; b) que houve violação do princípio da obrigatoriedade e da indivisibilidade da ação penal, pelo desmembramento das imputações em várias ações penais; c) que a Justiça Federal de Curitiba seria incompetente para o julgamento do processo; d) que as decisões de interceptação telefônica e telemática não foram suficientemente fundamentadas, com a demonstração da imprescindibilidade da medida; e) que a Sanko Sider e a Sanko Serviços pagaram valores a Alberto Youssef a título de comissionamento; f) que o acusado Márcio Bonilho e Paulo Roberto Costa não mantinham relacioamento; e g) que o próprio MPF pleiteou a absolvição de Márcio Bonilho quanto aos crimes de corrupção.
32. A Defesa de João Ricardo Auler, em alegações finais, argumenta (eventos 974 e 1.007): a) que não há prova de autoria em relação ao acusado João Auler; b) que após a deflagração da operação, João Auler tomou medidas efetivas na Camargo Correa para apurar os fatos; c) que os depoimentos dos colaboradores não confirmam a autoria de João Auler acerca dos crimes; d) que João Auler não estava envolvido em funções executivas quando da contratação das obras da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima – RNEST e da Refinaria Presidente Getúlio Vargas – REPAR; e) que não há prova de que João Auter tenha integrado alguma organização criminosa; f) que os fatos não podem ser enquadrados no crime do art. 2º da Lei nº 12.850/2013 pois não há conduta imputável a João Auler que tenha ocorrido após a vigência da lei; g) que não há prova de que João Auler fosse responsável pela apresentação de documentos falsos ao Ministério Público Federal; h) que a Justiça Federal de Curitiba é incompetente para julgar o feito; i) que houve cerceamento de defesa pois nem todos os documentos citados pela denúncia a instruiam; j) que não foram juntados aos autos todos os depoimentos prestados no inquérito pelo coacusado Jayme Alves; k) que não foram disponibilizadas até hoje os dados cadastrais telefônicos das pesquisas realizadas pela autoridade policial na fase de investigação; l) que os arquivos originais recebidos pela autoridade policial da interceptação telemática do Blackberry não foram juntadas aos autos; m) que o Ministério Público juntou documentos extemporaneamente na fase do art. 402 do CPP; n) que as decisões de interceptação telefônica e telemática não foram suficientemente fundamentadas, tendo sido decretadas para prospecção de crimes e sem objeto definido; o) que a interceptação do Blackberry feriu o tratado de cooperação entre o Brasil e Canadá; p) que a autoridade policial deveria, na interceptação telefônica e telemática, ter identificado todos as pessoas contatadas pelos terminais interceptados; q) que houve ilicitude por ter sido autorizado à autoridade policial identificar os dados cadastrais de todos os terminais que tivessem contatado com os interceptados; e r) que a denúncia é inepta por falta de justa causa pois não poderia ser proposta apenas com base na palavra do colaborador.
33. A Defesa de Waldomiro de Oliveira, em alegações finais, argumenta (evento 956): a) que o Juízo de Curitiba é incompetente para julgamento do feito; b) que houve nulidade da interceptação telemática via Blackberry; c) que a denúncia é inepta; d) que o acusado não agiu com dolo pois desconhecia que os valores que foram depositados nas contas da MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e RCI Software eram ilícitos ou que tinham por destinatários agentes públicos; e) que o próprio Alberto Youssef declarou que Waldomiro não tinha esse conhecimento; f) que o acusado é pessoa de idade e que nunca se envolveu em atividade criminosa; g) que Antônio Almeida Silva, contador, era quem emitia as notas solicitadas por Alberto Youssef; h) que Waldomiro era um mero office-boy de Alberto Youssef; i) que Waldomiro deve ser absolvido ou deve lhe ser concedida a pena mínima.
34. A Defesa de Paulo Roberto Costa, em alegações finais (eventos 975 e 997), realiza histórico da carreira profissional do acusado e o contexto de sua nomeação. Argumenta ainda: a) que o acusado celebrou acordo de colaboração com o MPF e revelou os seu crimes; b) que o acusado sucumbiu às vontades e exigências partidárias que lhe foram impostas; c) que o acusado arrependeu-se de seus crimes; d) que o acusado revelou fatos e provas relevantes para a Justiça criminal; e) que, considerando o nível de colaboração, o acusado faz jus ao perdão judicial ou à aplicação da pena mínima prevista no acordo.
35. A Defesa de Alberto Youssef, em alegações finais, argumenta (eventos 999): a) que o acusado celebrou acordo de colaboração com o MPF e revelou os seu crimes; b) que o acusado revelou fatos e provas relevantes para a Justiça criminal; c) que o acusado era um dos operadores de lavagem no esquema criminoso, mas não era o chefe ou principal responsável; d) que o esquema criminoso servia ao financiamento político e a um projeto de poder; e) que o acusado não praticou o crime de corrupção ativa; f) que não pode ser punido pela corrupção e pela lavagem sob pena de bis in idem; e g) que, considerando o nível de colaboração, o acusado faz jus ao perdão judicial ou à aplicação da pena mínima prevista no acordo.
36. A Defesa de Dalton Avancini, em alegações finais, argumenta (evento 973): a) que o acusado celebrou acordo de colaboração com o MPF e revelou os seu crimes; b) que o acusado revelou fatos e provas relevantes para a Justiça criminal; c) que, considerando o nível de colaboração, o acusado faz jus ao perdão judicial ou à aplicação da pena mínima prevista no acordo.
37. A Defesa de Eduardo Leite, em alegações finais, argumenta (evento 971): a) que não é possível a condenação pelo crime de pertinência à organização criminosa, art. 2º da Lei nº 12.850/2013, pois os fatos imputados ocorreram antes; b) que o acusado não foi o responsável pelo acerto do pagamento das propinas, tendo herdado os compromissos; c) que o acusado não foi responsável pelo crime de lavagem de dinheiro na Sanko Sider; d) que o acusado não praticou o crime de uso de documento falso; e) que o acusado agiu sob a excludente de inegixibilidade de conduta diversa, pois a única forma de não participar dos crimes seria se desligando da empresa; f) que o acusado celebrou acordo de colaboração com o MPF e revelou os seu crimes; g) que o acusado revelou fatos e provas relevantes para a Justiça criminal; e h) que, considerando o nível de colaboração, o acusado faz jus ao perdão judicial ou à aplicação da pena mínima prevista no acordo.
38. A Defesa de Jayme Alves, em alegações finais, argumenta (evento 977): a) que a Justiça Federal é incompetente para o julgamento da causa; b) que houve violação do princípio da indivisibilidade da ação penal; c) que não há prova de corroboração do depoimento dos colaboradores; d) que o acusado eventualmente entregava envelopes para Alberto Youssef, desconhecendo o conteúdo; e) que a Lei nº 12.850/2013 não pode retroagir; f) que não há prova do elemento subjetivo; g) que que não há prova de que o acusado tenha usado sua função policial para facilitar o embarque de pessoas portando dinheiro.
39. A Defesa de Adarico Negromonte, em alegações finais, argumenta (evento 972): a) que a Justiça Federal é incompetente para o julgamento da causa; b) que a denúncia é inepta por falta de individualização das condutas; c) que o acusado era mero motorista de Alberto Youssef; d) que não foi disponibilizado o arquivo original recebido da Blackberry; e) que o acusado não agiu com dolo; e f) que não há provas de corroboração suficientes do depoimento dos colaboradores.
40. Ainda na fase de investigação, foi decretada, a pedido da autoridade policial e do Ministério Público Federal, a prisão preventiva dos acusados Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa (evento 22 do processo 5001446-62.2014.404.7000 e evento 58 do processo 5014901-94.2014.404.7000). A prisão cautelar de Alberto e Paulo foi implementada em 17/03/2014. Por força de liminar concedida na Reclamação 17.623, Paulo colocado em liberdade no dia 19/05/2014. Com a devolução do feito, foi restabelecida a prisão cautelar em 11/06/2014 (5040280-37.2014.404.7000). Em 01/10/2014, após a homologação do acordo de colaboração premiada de Paulo Roberto Costa pelo Supremo Tribunal Federal foi concedido a ele o benefício da prisão domiciliar. Alberto Youssef ainda remanesce preso na carceragem da Polícia Federal.
41. Ainda na fase de investigação, foi decretada, a pedido da autoridade policial e do Ministério Público Federal, a prisão preventiva dos acusados Dalton dos Santos Avancini, João Ricardo Auler e Eduardo Hermelino Leite (evento 10 do processo 5073475-13.2014.404.7000). A prisão cautelar deles foi implementada em 14/11/2014. Após acordo de colaboração premiada, Eduardo Hermelino Leite teve a prisão preventiva convertida em domiciliar, isso em 24/03/2015. Após acordo de colaboração premiada, Dalton Avancini teve a prisão preventiva convertida em domiciliar, isso em 30/03/2015. Em 28/04/2015, o Supremo Tribunal Federal, por decisão no HC 127.186, converteu a prisão preventiva de João Ricardo Auler em prisão domiciliar, impondo também medidas cautelares alternativas.
42. Os acusados Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef celebraram acordo de colaboração premiada com a Procuradoria Geral da República que foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal. Cópias dos acordos foram disponibilizados nos autos (eventos 775, 925 e 926 do inquérito 5049557-14.2013.404.7000, com cópia do acordo de Paulo Costa no evento 1, out18).
43. No decorrer da ação penal, antes dos interrogatórios, os acusados Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite celebraram acordo de colaboração premiada com o MPF que foi homologado por este Juízo. Cópias dos depoimentos e acordos foram disponibilizados nos autos (eventos 764, 940 e 942).
44. No decorrer do processo, foram interpostas as exceções de incompetência de n.os 5003530-02.2015.4.04.7000, 5004462-87.2015.4.04.7000, 5086130-17.2014.4.04.7000 e 5004118-09.2015.4.04.7000 e que foram rejeitadas, constando cópia da decisão no evento 527.
45. Foram também interpostas exceções de suspeição que não foram acolhidas.
46. No transcorrer do feito, foram impetrados diversos habeas corpus sobre as mais diversas questões processuais e que foram denegados pelas instâncias recursais.
47. O feito, ao final, foi desmembrado nos termos da decisão de 10/06/2015 (evento 899), em relação às imputações realizadas contra Ricardo Ribeiro Pessoa, uma vez que ele teria feito acordo de colaboração premiada junto à Procuradoria Geral da República. Também desmembrada a ação penal em relação a Alberto Youssef, Márcio Bonilho e Paulo Roberto Costa quanto às imputações de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo o Consórcio TUC na obra do Comperj, já que associados estes fatos também a Ricardo Pessoa. A nova ação penal tomou o número 5027422-37.2015.404.7000.
48. Os autos vieram conclusos para sentença.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1
49. Questionaram as Defesas a competência territorial deste Juízo.
50. Entretanto, as mesmas questões foram veiculadas em exceções de incompetência (exceções de incompetência de n.os 5003530-02.2015.4.04.7000, 5004462-87.2015.4.04.7000, 5086130-17.2014.4.04.7000 e 5004118-09.2015.4.04.7000) e que foram rejeitadas, constando cópia da decisão no evento 527.
51. Remeto ao conteúdo daquelas decisões, desnecessário aqui reiterar todos os argumentos. Transcrevo apenas a parte conclusiva:
“81. Então, pode-se se sintetizar que, no conjunto de crimes que compõem a Operação Lavajato, alguns já objeto de ações penais, outros em investigação:
a) a competência é da Justiça Federal pois há diversos crimes federais, atraindo os de competência da Justiça Estadual;
b) a competência é da Justiça Federal de Curitiba pois há diversos crimes consumados no âmbito territorial de Curitiba e de lavagem no âmbito territorial da Seção Judiciária do Paraná;
c) a competência é da 13ª Vara Federal de Curitiba pela conexão e continência óbvia entre todos os crimes e porque este Juízo tornou-se prevento em vista da origem da investigação, lavagem consumada em Londrina/PR, e nos termos do art. 71 do CPP;
d) a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para os crimes apurados na assim denominada Operação Lavajato já foi reconhecida não só pela instância recursal como pelo Superior Tribunal de Justiça e, incidentemente, pelo Supremo Tribunal Federal.
82. Não há qualquer violação do princípio do juiz natural, se as regras de definição e prorrogação da competência determinam este Juízo como o competente para as ações penais, tendo os diversos fatos criminosos surgido em um desdobramento natural das investigações.”
52. No desdobramento posterior das investigações a competência da Justiça Federal ficou ainda mais evidente, já que o esquema criminoso da Petrobrás serviu também para pagamento de propinas a Diretores da Petrobrás em contas no exterior, como se imputa na ação penal conexa 5012331-04.2015.4.04.7000, caracterizando corrupção e lavagem transnacional. Embora a Petrobrás seja sociedade de economia mista, a corrupção e a lavagem, com depósitos no exterior, de caráter transnacional, ou seja iniciou-se no Brasil e consumou-se no exterior, atrai a competência da Justiça Federal. O Brasil assumiu o compromisso de prevenir ou reprimir os crimes de corrupção e de lavagem transnacional, conforme Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de 2003 e que foi promulgada no Brasil pelo Decreto 5.687/2006. Havendo previsão em tratado e sendo o crime de lavagem transnacional, incide o art. 109, V, da Constituição Federal, que estabelece o foro federal como competente. Também ficou ainda mais evidente em vista dos crimes conexos de pagamento de vantagem indevida de valores decorrentes do esquema criminoso a ex-parlamentares federais, como os ex-Deputados Federais Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto e João Luiz Correia Argolo dos Santos (processos 5014455-57.2015.4.04.7000 e 5014474-63.2015.4.04.7000)
53. Supervenientemente, ficou ainda mais evidente a prevenção deste Juízo, com a prolação da sentença na ação penal 5047229-77.2014.404.7000 (evento 837), na qual constatado que a referida operação de lavagem dinheiro consumada em Londrina teve também como origem recursos desviados de contratos da Petrobrás (itens 169-172 daquela sentença).
54. O fato é que a dispersão das ações penais, como pretende parte das Defesas, para vários órgãos espalhados do Judiciário no território nacional (foram sugeridos, nas diversas ações penais conexas, destinos como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Brasília), não serve à causa da Justiça, tendo por propósito pulverizar o conjunto probatório e dificultar o julgamento.
55. A manutenção das ações penais em trâmite perante um único Juízo não é fruto de arbitrariedade judicial, nem do desejo do julgador de estender indevidamente a sua competência. Há um conjunto de fatos conexos e um mesmo conjunto probatório que demanda apreciação por um único Juízo, no caso prevento.
56. Enfim a competência é da Justiça Federal de Curitiba/PR.
II.2
57. Parte das Defesas alega violação do princípio da obrigatoriedade e da indivisibilidade pois haveria outros envolvidos no crime que não foram denunciados em conjunto.
58. O esquema criminoso de propinas e lavagem de dinheiro que acometeu a Petrobras é, pelo que as provas até o momento indicam, gigantesco, com dezenas ou centenas de fatos delitivos conexos e com o envolvimento de dezenas de envolvidos.
59. Há ações penais que já foram julgadas relativamente ao esquema criminoso, ações penais 5047229-77.2014.404.7000 e 5026212-82.2014.404.7000 (sentenças nos eventos 818 e 837), e várias outras em trâmite, como, por exemplo, as ações penais 5083351-89.2014.404.7000 (Engevix), 5083360-51.2014.404.7000 (Galvão Engenharia), 5083401-18.2014.404.7000 (Mendes Júnior e UTC) , 5083376-05.2014.404.7000 (OAS) e 5012331-04.2015.4.04.7000 (Setal, Mendes Júnior e OAS). Outras possivelmente virão, já que há investigações em andamento.
60. No contexto, inviável reunir todos em um único processo, já que haveria dificuldades para processamento em tempo razoável, máxime quando há acusados presos.
61. Justificado, portanto, o desmembramento das ações penais, o que é expressamente autorizado no art. 80 do CPP e sem prejuízo da competência do Juízo prevento (arts. 80, 81 e 82 do CPP).
62. Se há pessoas ainda a serem denunciadas, poderá o MPF fazê-lo. Se eventualmente tiver deixado de denunciar quem deveria, a resposta processual cabível à violação da lei, é exigir a propositura da ação, instaurando se for o caso o procedimento do art. 28 do CPP. Em qualquer hipótese, a eventual omissão do MPF não tem como beneficiar aqueles que foram efetivamente denunciados.
63. Não há, portanto, omissão que gere nulidade a ser reconhecida em favor dos ora acusados.
II.3.
64. Alega parte das Defesas que a denúncia seria inepta ou que faltaria justa causa.
65. As questões já foram superadas nas decisões de recebimento da denúncia e na decisão de apreciação das respostas preliminadas, em 16/12/2014 e 30/01/2015, respectivamente (eventos 9 e 192).
66. Apesar de extensa, é a denúncia, aliás, bastante simples e discrimina as razões de imputação em relação de cada um dos denunciados.
67. O cerne consiste na transferência de valores vultosos pela Camargo Correa, dirigida pelos acusados, para contas controladas por Alberto Youssef e que consistiriam em vantagem indevida direcionada a Paulo Roberto Costa, em contraprestação ao favorecimento das empreiteiras em contratos com a Petrobras. Os valores, produto ainda de crimes de formação de cartel e de fraude à licitação, teriam sido lavados por este estratagema. Os acusados teriam praticado os crimes em associação criminosa, caracterizada pelo MPF como organização criminosa. Os fatos, evidentemente, estão melhor detalhados na denúncia, conforme síntese constante na decisão de recebimento.
68. Não há falar em falta de justa causa. A presença desta foi cumpridamente analisada e reconhecida na decisão citada. Não cabe maior aprofundamento sob pena de ingressar no mérito, o que é viável apenas quando do julgamento após a instrução.
69. Outra questão diz respeito à presença de provas suficientes para condenação, mas isso é próprio do julgamento e não diz respeito aos requisitos da denúncia.
70. Então não reconheço vícios de validade na denúncia.
II.4
71. Reclama parte das Defesas cerceamento de defesa, pois o MPF teria juntado documentos ao curso do processo quando deveria tê-los juntado todos na denúncia.
A pretensão não tem cabimento e é inconsistente com a letra expressa do art. 231 do CPP:
“Art. 231. Salvo os casos expressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo.”
72. As partes podem, portanto, juntar documentos no curso da ação penal, tendo elas, o MPF e as Defesas, procedido dessa forma em concreto neste feito.
73. Juntado documento novo, tem a parte contrária a possibilidade de se manifestar e de produzir prova.
74. Esse direito não foi cerceado, de maneira nenhuma, no curso da ação penal, sendo inconsistente qualquer afirmação de que teria havido cerceamento.
75. Em um único ponto, a reclamação detém alguma pertinência. Na denúncia, o MPF reportou-se a documentos que teriam sido apresentados pelo colaborador Augusto Mendonça, mas, certamente por lapso, deixou de anexá-los ao feito.
76. Diante de reclamação a respeito das Defesas acerca da ausência desse documento, esse material foi disponibilizado diretamente por este Juízo ainda em 02/02/2015 (conforme evento 229 e itens 240 e 241, adiante).
77. Como se verifica no item 3 do termo de audiência de 02/02/2015 (evento 236), este Juízo, a partir da juntada, concedeu expressamente às partes oportunidade para manifestarem e requererem outras provas.
78. O único requerimento apresentado foi de nova oitiva de Augusto Mendonça, que teria produzido os documentos, pois ele já teria sido ouvido no próprio dia 02/02.
79. Pois bem, sensível à questão, Augusto Mendonça foi novamente ouvido em Juízo, isso em 02/03/2009, (eventos 439 e 529), quando as Defesas, tendo tido tempo mais do que suficiente para examinar os documentos, puderam fazer perguntas complementares.
80. No contexto, não há cabimento em persistir reclamando de cerceamento de defesa pelo ocorrido.
81. Não há, em realidade, nenhum episódio concreto do qual se possa reclamar no feito, tendo sido garantido a todos os acusados a mais ampla defesa e, inclusive, até mesmo a produção de provas de duvidosa relevância.
II.5
82. Parte das Defesas alega invalidade na interceptação telefônica ou telemática porque as decisões não estariam devidamente fundamentadas.
83. A questão, rigorosamente, é puro diversionismo, já que, como ver-se-á adiante, o conjunto probatório relevante é formado praticamente por depoimentos, perícia e prova documental colhida em quebras de sigilo bancário e fiscal e buscas e apreensões.
84. Como ver-se-á abaixo (item 349), cito, na fundamentação desta sentença, um único diálogo telefônico interceptado, em 21/10/2013, 09:40, entre Alberto Youssef e Márcio Bonilho, que tem alguma relevância probatória, sendo, porém, de se ressalvar que o resultado do julgamento seria o mesmo sem ele.
85. Cito também mensagens trocadas entre Alberto Youssef e Jayme Alves de Oliveira Filho, mas elas não foram interceptadas, mas sim recuperadas do aparelho celular apreendido de Alberto Youssef (item 475).
86. É certo que, adiante (item 493), cito mais uma mensagem, esta sim interceptada entre Alberto Youssef e José Ricardo Nogueira Breghirolli, empregado da OAS, e na qual se referem a “Adarico”, ou seja, o acusado Adarico Negromonte Filho, esta sim resultado da interceptação telemática. A mensagem só tem relevância neste feito para o acusado Adarico Negromonte. Entretanto, adianto que, em relação a Adarico Negromonte o julgamento é de absolvição por insuficiência de provas, com o que a prova referida perde sua relevância.
87. Consigno esses esclarecimentos, não porque a interceptação telefônica ou telemática tenha algum vício, mas para evitar, caso os questionamentos sejam ressuscitados nas instâncias recursais, discussões desnecessárias.
88. De passagem, esclareço que houve autorização de interceptação telefônica e telemática, no que tem relevância para a presente ação penal, nos processos 5026387-13.2013.404.7000 (Carlos Habib Chater) e 5049597-93.2013.404.7000 (Alberto Youssef).
89. A primeira interceptação foi autorizada por decisão de 11/07/2013 e sucessivamente prorrogada até 17/03/2014, sempre por decisões cumpridamente fundamentadas e fulcradas principalmente na constatação da prática de crimes permanentes, continuados e reiterados durante a interceptação (v.g. eventos 9, 22, 39, 53, 71, 102, 125, 138, 154, 175, 190 e 214 do processo 5026387-13.2013.404.7000 e eventos 3, 10, 22, 36, 47, 56 e 78 do processo 5049597-93.2013.404.7000).
90. Ao contrário do alegado, as decisões, iniciais ou prorrogações, sempre foram cumpridamente fundamentadas, apontando a causa provável e a necessidade da medida de investigação.
91. Basta lê-las (todas acima identificadas) para verificar que foram cumpridamente fundamentadas, com referência aos fatos, provas, direito aplicável, e, quanto às prorrogações, os fatos e provas descobertos nos períodos anteriores de interceptação.
92. Não há, por outro lado, que se exigir, como aparentemente se pretende, que nessas decisões houvesse exame exaustivo dos fatos e provas, mais próprio de uma sentença do que de um decisão interlocutória. O cotidiano de uma Vara criminal não permite que juiz faça de cada decisão interlocutória uma sentença.
93. O próprio resultado das interceptações, revelando, em cognição sumária, uma gama ampla de atividades criminais, que já resultaram em mais de uma dezena de ações penais, já é suficiente para afastar a alegação das Defesas de que se promoveu “bisbilhotice” ou “prospecção” ou de que as medidas investigatórias foram excessivas.
94. Isso é verdadeiro mesmo que a interceptação não seja exatamente relevante para o presente feito, não devendo ser olvidado que esta não é a única ação penal no âmbito da assim denominada Operação Lavajato.
95. É certo que, apesar do início restrito, buscando elucidar a atividade criminosa de Carlos Habib Chater, houve ampliação do foco da investigação em decorrência do resultados alcançados, primeiramente a relação dele com Alberto Youssef e outros supostos doleiros, depois a relação de Alberto Youssef com Paulo Roberto Costa e outros, tudo em desdobramento natural das investigações.
96. Tratando-se de atividade criminal que se estendeu no tempo, mostrou-se igualmente necessária a prorrogação das interceptações, sob pena de permitir-se a continuidade delitiva sem qualquer controle ou possibilidade de interrupção pela polícia, como admite a jurisprudência dos Tribunais Superiores (v.g.: Decisão de recebimento da denúncia no Inquérito 2.424/RJ – Pleno do STF – Rel. Min. Cezar Peluso – j. 26/11/2008, DJE de 26/03/2010; e HC 99.619/RJ – Rel. para o acórdão Ministra Rosa Weber – 1ª Turma, por maioria, j. 14/02/2012).
97. De todo modo, como adiantei, não se justifica alongar sobre o tema, já que o conjunto probatório relevante para o presente feito não foi resultado de interceptação telefônica ou telemática.
98. Então não reconheço invalidade na interceptação telefônica e telemática e, ainda que fosse para reconhecê-la, não teria qualquer resultado prático no feito, pela inexistência de prova decorrente a ser excluída.
II.6
99. Questionou parte das Defesas a validade da interceptação telemática através do Blackberry Messenger, argumentando que deveria ter sido expedido pedido de cooperação jurídica internacional já que a empresa responsável, a RIM Canadá, estaria sediada no Canadá.
100. Já demonstrei cumpridamente a validade da interceptação do Blackberry Messenger no item 3 da decisão de 30/01/2015 (evento 192), argumentando, por exemplo, que os crimes investigados ocorreram no Brasil, que os investigados residiam no Brasil, que os aparelhos de comunicação encontravam-se no Brasil e, portanto, a comunicação aqui circulava, que a empresa tinha correspondente no Brasil que se encarrega de providenciar a execução da ordem, e que a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Superior Tribunal de Justiça, em casos análogos envolvendo a Google, afirmaram a jurisdição brasileira e a desnecessidade de pedido de cooperação internacional (v.g. Mandado de Segurança nº 5030054-55.2013.404.0000/PR – Rel. Des. Federal João Pedro Gebran Neto – 8ª Turma do TRF4 – un. – j. 26/02/2014; e Questão de Ordem no Inquérito 784/DF, Corte Especial, Relatora Ministra Laurita Vaz – por maioria – j. 17/04/2013).
101. Remeto aos argumentos mais amplos ali expendidos, não sendo o caso de reiterá-los.
102. Causa surpresa a este Juízo a insistência de parte das Defesas neste argumento, de que teria havido violação de tratado internacional de cooperação bilateral entre Brasil e Canadá, quando os próprios países membros, que teriam legitimidade para reclamar, não apresentaram qualquer protesto.
103. De todo modo, no presente caso, a questão é também puro diversionismo, pois não há uma única mensagem telemática interceptada do Blackberry Messenger de alguma relevância para o presente feito, aquela já mencionada no item 493, mas que tem pertinência somente ao acusado Adarico Negromento, que estou absolvendo.
104. Então não reconheço invalidade na interceptação telemática do Blackberry Messenger e, ainda que fosse para reconhecê-la, não teria qualquer resultado prático no feito, pela inexistência de prova decorrente a ser excluída.
II.7
105. Reclama parte das Defesas, especialmente a de João Auler, que houve cerceamento de defesa por não terem sido disponibilizados às partes a integralidade dos processos de interceptação telefônica ou o arquivo original da interceptação do Blackberry.
106. Os processos relativos às interceptações, 5026387-13.2013.404.7000 e 5049597-93.2013.404.7000, são conexos a estes autos e estão totalmente acessíveis às partes, tendo sido disponibilizados mesmo antes do oferecimento da denúncia.
107. Os requerimentos da autoridade policial, os pareceres ministeriais, as decisões judiciais, os ofícios expedidos, os relatórios de interceptação, o resultado da prova, inclusive os áudios, tudo está lá e já foi disponibilizado à Defesa.
108. Para facilitar a análise, este Juízo recebeu da autoridade policial HD contendo a íntegra dos áudios das interceptações e das mensagens eletrônicas interceptadas.
109. Para facilitar o trabalho da Defesa, foi disponibilizado às Defesas que extraíssem cópia do mesmo HD utilizado pelo Juízo.
110. Os áudios e mensagens ali se encontram organizadas em pastas que fazem referências aos eventos dos processos eletrônicos respectivos.
111. Não há falar, nesse contexto, em ocultação de qualquer elemento da interceptação telefônica e telemática. Tais alegações não refletem a realidade dos fatos.
112. Não haviam sido juntados, pois não é praxe, os ofícios enviados pela autoridade policial encaminhando os ofícios judiciais de interceptação e os ofícios e todas as pesquisas efetuadas pela autoridade policial dos dados cadastrais dos terminais telefônicos interceptados ou dos terminais que tivessem sido contatados com os interceptados. Isso sem prejuízo da identificação dos titulares dos terminais nos próprios relatórios de interceptação, quando efetuada a pesquisa cadastral.
113. Mesmo sendo de duvidosa relevância probatória para o presente feito a interceptação telefônica e telemática, este Juízo determinou à autoridade policial que apresentasse esse material adicional e ainda oficiei às operadoras solicitando as informações disponíveis a respeito das pesquisas cadastrais efetuadas pela autoridade policial (por exemplo, decisão na audiência de 02/02/2015, eventos 236 e 327, decisão no termo de audiência a decisão de 20/02/2015, evento 353, e a de 05/05/2015, evento 811).
114. Em decorrência, esse material adicional foi juntado, como consta no evento 348 deste feito, sendo ainda apresentadas diversas respostas pelas operadoras de telefonia (eventos 833, 860, 867 e 891).
115. Inclusive também o arquivo original com as mensagens interceptadas da Blackberry foi disponibilizado aos autos (evento 349).
116. Então falar em cerceamento de defesa é absolutamente destoante da realidade dos auto, causando até surpresa a insistência.
117. Apesar de todo esse trabalho para trazer aos autos esse material adicional, as Defesas que o reclamaram não apresentaram, em qualquer momento processual, qualquer argumento minimamente substancial a respeito dessa prova.
118. Como se depreende com facilidade da argumentação de parte das Defesas, a solicitação dessas provas tem objetivos bem definidos.
119. A tese sugerida por parte das Defesas é a de que Polícia Federal teria investigado indevidamente André Luís Vargas Ilário e João Luiz Correia Argôlo dos Santos, então Deputados Federais, no decorrer do ano de 2013, em suposta usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal.
120. Como já consignei e como pode ser verificado nos autos do processo, não houve investigação contra os então referidos deputados.
121. Fortuitamente, na interceptação de Alberto Youssef, foram coletadas mensagens de Blackberry Messenger com seu interlocutor LA (que posteriormente foi identificado como sendo João Luiz Correia Argôlo dos Santos) e André Vargas (que posteriormente foi confirmado como sendo André Luís Vargas Ilário).
122. Em nenhum momento, pelo que consta nos autos, houve qualquer ato investigatório direto contra LA ou contra André Vargas, mesmo não tendo então a Polícia Federal a confirmação de suas reais identidades.
123. Tão logo identificado que tais mensagens poderiam ter conteúdo criminoso e confirmado que envolveriam os referidos deputados, os elementos pertinentes foram encaminhados por este Juízo ao Egrégio Supremo Tribunal Federal (processos 5031223-92.2014.404.7000 e 5026037-88.2014.404.7000).
124. Mais recentemente, como ambos não mais exercem mandato parlamentar, o Supremo Tribunal Federal devolveu os processos em relação a João Luiz Correia Argôlo dos Santos e a André Luís Vargas Ilário que atualmente respondem a ações penais perante este Juízo (evento 818, cópia das decisões nas quais foi decretada a preventiva deles).
125. Também o Supremo Tribunal Federal promoveu o desmembramento processual da colaboração premiada de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, remetendo a este Juízo cópia de depoimentos atinentes aos referidos ex-deputados (Petições 5.210 e 5.245 do Supremo Tribunal Federal).
126. Não se vislumbra com facilidade como haveria margem para questionamentos de validade quanto ao procedimento tomado.
127. Como, ademais, retornaram do Supremo Tribunal Federal, eventuais vícios de competência restaria atualmente superado.
128. Ainda que assim não fosse, eventuais questionamentos fariam algum sentido em ações penais ou inquéritos sobre crimes praticados por Luiz Argolo e André Vargas, sendo despropositado, levantá-los em ações penais contra pessoas que nunca detiveram foro privilegiado, como os ora acusados.
129. Em outras palavras, se tivesse havido eventual vício de competência no encontro fortuito de provas, a nulidade recairia sobre as mensagens trocadas por Alberto Youssef com Luiz Argolo e André Vargas, sendo fantástico pretender a invalidade de tudo.
130. Enfim todos os elementos da interceptação telefônica e telemática estão nos autos, não há ou houve ocultação de qualquer prova, inclusive tendo sido determinadas diversas diligências apenas para satisfazer especulações sem base probatória e sem que, do resultado, tenha sido produzido qualquer argumento substantivo ou relevante para este feito. E isso tudo ainda em um contexto no qual a interceptação telefônica e telemática não produziu como visto nos tópicos II.5 e II.6 resultado probatório relevante para o julgamento específico da presente ação penal.
131. Então não há como se reconhecer qualquer nulidade ou cerceamento de defesa no tópico.
II.8
132. Reclama a Defesa de João Auler que houve cerceamento de defesa pois o coacusado Jayme Alves de Oliveira Filho teria prestado depoimentos na fase de investigação que não foram disponibilizados aos autos.
133. Como adiantei na decisão de 30/01/2015 (evento 192), foi juntada, aos autos, cópia do depoimento de Jayme no evento 154.
134. Quanto aos demais depoimentos, dois, por envolverem autoridades com foro privilegiado, foram eles remetidos ao Supremo Tribunal Federal, a quem cabe levantar, se for o caso o sigilo. Não havia como este Juízo disponibilizá-los à Defesa.
135. Pelo mesmo motivo, aliás, trechos do depoimento do evento 154 foram riscados, ou seja por dizerem respeito a autoridades com foro, tendo o Juízo com a medida buscado resguardar o sigilo imposto pelo Supremo Tribunal Federal às investigações de sua competência.
136. Apesar disso, não há falar em cerceamento de defesa, pois o depoimento juntado supre satisfatoriamente a necessidade das Defesas nesse feito, já que nestes autos não há imputação de corrupção de agentes com foro privilegiado.
137. Agregue-se que o acusado Jayme Alves foi interrogado em Juízo (evento 877), com a presença dos defensores dele e dos demais, que não ocasião puderam fazer as perguntas que desejavam. Aliás, a Defesa de João Auler, na ocasião, sequer fez perguntas, o que demonstra desinteresse nas declarações do coacusado Jayme, ficando sem sentido a reclamação da falta de juntada dos depoimentos por ele prestados na investigação.
138. Então não há nulidade ou cerceamento de defesa a ser reconhecido.
II.9
139. Ao receber a denúncia (decisão no evento 9), designei, desde logo, audiência para oitiva de testemunhas de acusação, a fim de agilizar o feito, mesmo antes da apresentação das respostas preliminares. A medida visou acelerar a instrução a bem dos acusados presos, que têm direito a um julgamento em prazo razoável, não se vislumbrando qualquer prejuízo na medida.
140. Ainda assim, as respostas preliminares foram apreciadas antes da realização da primeira audiência (eventos 192, 219 e 228). Uma única, a Defesa de Paulo Roberto Costa, porque apresentada intempestivamente foi apreciada depois, mas ainda se houvesse nulidade nisto, somente a Defesa dele teria legitimidade para arguir. Ainda assim foi analisada depois no evento 353.
141. Deste procedimento, tomado em benefício dos acusados presos, não se depreende qualquer prejuízo para eles ou para os demais acusados.
142. Então, ainda que houvesse nulidade, não haveria prejuízo que justificasse o reconhecimento, considerando o princípio maior que rege a matéria (art. 563 do CPP).
II.10
143. Os acordos de colaboração premiada celebrados entre a Procuradoria Geral da República e os acusados Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, estes assistidos por seus defensores, foram homologados pelo eminente Ministro Teori Zavascki do Egrégio Supremo Tribunal Federal (evento 1, out18, desta ação penal, e evento 775 do inquérito 5049557-14.2013.404.7000), e foram os depoimentos não sujeitos a sigilo disponibilizados às partes logo depois de terem sido recebidos por este Juízo (eventos 926 e 925 do processo conexo 5073475-13.2014.4.04.7000).
144. Outros acordos de colaboração, como entre Augusto Ribeiro de Mendonça, Julio Gerin de Almeida Camargo, Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite, estes assistidos por seus defensores, foram celebrados com o Ministério Publico Federal e homologados por este Juízo (evento 1, out14, out15, out16, out17, eventos 764, 940 e 942).
145. Todos eles foram ouvidos em Juízo como testemunhas ou como acusados, com o compromisso de dizer a verdade, garantindo-se aos defensores dos coacusados o contraditório pleno.
146. Nenhum deles foi coagido ilegalmente a colaborar, por evidente. A colaboração sempre é voluntária ainda que não espontânea.
147. Nunca houve qualquer coação ilegal contra quem quer que seja da parte deste Juízo, do Ministério Público ou da Polícia Federal na assim denominada Operação Lavajato. As prisões cautelares foram requeridas e decretadas porque presentes os seus pressupostos e fundamentos, boa prova dos crimes e principalmente riscos de reiteração delitiva dados os indícios de atividade criminal grave reiterada, habitual e profissional. Jamais se prendeu qualquer pessoa buscando confissão e colaboração.
148. As prisões preventivas decretadas no presente caso e nos conexos devem ser compreendidas em seu contexto. Embora excepcionais, as prisões cautelares foram impostas em um quadro de criminalidade complexa, habitual e profissional, servindo para interromper a prática sistemática de crimes contra a Administração Pública, além de preservar a investigação e a instrução da ação penal.
149. A ilustrar a falta de correlação entre prisão e colaboração, vários dos colaboradores celebraram o acordo quando estavam em liberdade, como, no caso, Júlio Camargo ou Augusto Mendonça.
150. E, mais recentemente, há o exemplo de Ricardo Ribeiro Pessoa, coacusado originário, que celebrou acordo de colaboração com o Procurador Geral da República e foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal, somente após a conversão da prisão preventiva em prisão domiliciar.
151. Argumentos recorrentes por parte das Defesas, neste e nas conexas, de que teria havido coação, além de inconsistente com a realidade do ocorrido, é ofensivo ao Supremo Tribunal Federal que homologou os acordos de colaboração mais relevantes, certificando-se previamente da validade e voluntariedade.
152. A única ameaça contra os colaboradores foi o devido processo legal e a regular aplicação da lei penal. Não se trata, por evidente, de coação ilegal.
153. De todo modo, a palavra do criminoso colaborador deve ser corroborada por outras provas e não há qualquer óbice para que os delatados questionem a credibilidade do depoimento do colaborador e a corroboração dela por outras provas.
154. Em qualquer hipótese, não podem ser confundidas questões de validade com questões de valoração da prova.
155. Argumentar, por exemplo, que o colaborador é um criminoso profissional ou que descumpriu acordo anterior é um questionamento da credibilidade do depoimento do colaborador, não tendo qualquer relação com a validade do acordo ou da prova.
156. Questões relativas à credibilidade do depoimento resolvem-se pela valoração da prova, com análise da qualidade dos depoimentos, considerando, por exemplo, densidade, consistência interna e externa, e, principalmente, com a existência ou não de prova de corroboração.
157. Ainda que o colaborador seja um criminoso profissional e mesmo que tenha descumprido acordo anterior, como é o caso de Alberto Youssef, se as declarações que prestou soarem verazes e encontrarem corroboração em provas independentes, é evidente que remanesce o valor probatório do conjunto.
158. Como ver-se-á adiante, a presente ação penal sustenta-se em prova independente, resultante principalmente das quebras de sigilo bancário e fiscal e das buscas e apreensões. Rigorosamente, foi o conjunto probatório robusto que deu causa às colaborações e não estas que propiciaram o restante das provas. Há, portanto, robusta prova de corroboração que preexistia, no mais das vezes, à própria contribuição dos colaboradores.
159. Não desconhece este julgador as polêmicas em volta da colaboração premiada.
160. Entretanto, mesmo vista com reservas, não se pode descartar o valor probatório da colaboração premiada. É instrumento de investigação e de prova válido e eficaz, especialmente para crimes complexos, como crimes de colarinho branco ou praticados por grupos criminosos, devendo apenas serem observadas regras para a sua utilização, como a exigência de prova de corroboração.
161. Sem o recurso à colaboração premiada, vários crimes complexos permaneceriam sem elucidação e prova possível. A respeito de todas as críticas contra o instituto da colaboração premiada, toma-se a liberdade de transcrever os seguintes comentários do Juiz da Corte Federal de Apelações do Nono Circuito dos Estados Unidos, Stephen S. Trott:
“Apesar disso e a despeito de todos os problemas que acompanham a utilização de criminosos como testemunhas, o fato que importa é que policiais e promotores não podem agir sem eles, periodicamente. Usualmente, eles dizem a pura verdade e ocasionalmente eles devem ser usados na Corte. Se fosse adotada uma política de nunca lidar com criminosos como testemunhas de acusação, muitos processos importantes – especialmente na área de crime organizado ou de conspiração – nunca poderiam ser levados às Cortes. Nas palavras do Juiz Learned Hand em United States v. Dennis, 183 F.2d 201 (2d Cir. 1950) aff´d, 341 U.S. 494 (1951): ‘As Cortes têm apoiado o uso de informantes desde tempos imemoriais; em casos de conspiração ou em casos nos quais o crime consiste em preparar para outro crime, é usualmente necessário confiar neles ou em cúmplices porque os criminosos irão quase certamente agir às escondidas.’ Como estabelecido pela Suprema Corte: ‘A sociedade não pode dar-se ao luxo de jogar fora a prova produzida pelos decaídos, ciumentos e dissidentes daqueles que vivem da violação da lei’ (On Lee v. United States, 343 U.S. 747, 756 1952).
Nosso sistema de justiça requer que uma pessoa que vai testemunhar na Corte tenha conhecimento do caso. É um fato singelo que, freqüentemente, as únicas pessoas que se qualificam como testemunhas para crimes sérios são os próprios criminosos. Células de terroristas e de clãs são difíceis de penetrar. Líderes da Máfia usam subordinados para fazer seu trabalho sujo. Eles permanecem em seus luxuosos quartos e enviam seus soldados para matar, mutilar, extorquir, vender drogas e corromper agentes públicos. Para dar um fim nisso, para pegar os chefes e arruinar suas organizações, é necessário fazer com que os subordinados virem-se contra os do topo. Sem isso, o grande peixe permanece livre e só o que você consegue são bagrinhos. Há bagrinhos criminosos com certeza, mas uma de suas funções é assistir os grandes tubarões para evitar processos. Delatores, informantes, co-conspiradores e cúmplices são, então, armas indispensáveis na batalha do promotor em proteger a comunidade contra criminosos. Para cada fracasso como aqueles acima mencionados, há marcas de trunfos sensacionais em casos nos quais a pior escória foi chamada a depor pela Acusação. Os processos do famoso Estrangulador de Hillside, a Vovó da Máfia, o grupo de espionagem de Walker-Whitworth, o último processo contra John Gotti, o primeiro caso de bomba do World Trade Center, e o caso da bomba do Prédio Federal da cidade de Oklahoma, são alguns poucos dos milhares de exemplos de casos nos quais esse tipo de testemunha foi efetivamente utilizada e com surpreendente sucesso.” (TROTT, Stephen S. O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial. Revista dos Tribunais. São Paulo, ano 96, vo. 866, dezembro de 2007, p. 413-414.)
162. Em outras palavras, crimes não são cometidos no céu e, em muitos casos, as únicas pessoas que podem servir como testemunhas são igualmente criminosos.
163. Quem, em geral, vem criticando a colaboração premiada é, aparentemente, favorável à regra do silêncio, a omertà das organizações criminosas, isso sim reprovável. Piercamilo Davigo, um dos membros da equipe milanesa da famosa Operação Mani Pulite, disse, com muita propriedade: “A corrupção envolve quem paga e quem recebe. Se eles se calarem, não vamos descobrir jamais” (SIMON, Pedro coord. Operação: Mãos Limpas: Audiência pública com magistrados italianos. Brasília: Senado Federal, 1998, p. 27).
164. É certo que a colaboração premiada não se faz sem regras e cautelas, sendo uma das principais a de que a palavra do criminoso colaborador deve ser sempre confirmada por provas independentes e, ademais, caso descoberto que faltou com a verdade, perde os benefícios do acordo, respondendo integralmente pela sanção penal cabível, e pode incorrer em novo crime, a modalidade especial de denunciação caluniosa prevista no art. 19 da Lei n.º 12.850/2013.
165. No caso presente, agregue-se que, como condição dos acordos, o MPF exigiu o pagamento pelos criminosos colaboradores de valores milionários, na casa de dezenas de milhões de reais.
166. Ainda muitas das declarações prestadas por acusados colaboradores precisam ser profundamente checadas, a fim de verificar se encontram ou não prova de corroboração.
167. Mas isso diz respeito especificamente a casos em investigação, já que quanto à presente ação penal as provas de corroboração são abundantes.
II.11
168. Tramitam por este Juízo diversos inquéritos, ações penais e processos incidentes relacionados à assim denominada Operação Lavajato.
169. A investigação, com origem nos inquéritos 2009.7000003250-0 e 2006.7000018662-8, iniciou-se com a apuração de crime de lavagem consumado em Londrina/PR, sujeito, portanto, à jurisdição desta Vara, tendo o fato originado a ação penal 5047229-77.2014.404.7000 recentemente julgada (cópia da sentença no evento 837).
170. Em grande síntese, na evolução das apurações, foram colhidas provas de um grande esquema criminoso de cartel, fraude, corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da empresa Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras cujo acionista majoritário e controlador é a União Federal.
171. Grandes empreiteiras do Brasil, entre elas a Camargo Correa, formaram um cartel, através do qual teriam sistematicamente frustrado as licitações da Petrobras para a contratação de grandes obras.
172. Em síntese, as empresas, em reuniões prévias às licitações, definiram, por ajuste, a empresa vencedora dos certames relativos aos maiores contratos. Às demais cabia dar cobertura à vencedora previamente definida, deixando de apresentar proposta na licitação ou apresentando deliberadamente proposta com valor superior aquela da empresa definida como vencedora.
173. O ajuste propiciava que a empresa definida como vencedora apresentasse proposta de preço sem concorrência real.
174. Esclareça-se que a Petrobrás tem como padrão admitir a contratação por preço no máximo 20% superior a sua estimativa e no mínimo 15% inferior a ela. Acima de 20% o preço é considerado excessivo, abaixo de 15% a proposta é considerada inexequível. Esses parâmetros de contratação foram descritos cumpridamente em Juízo por várias testemunhas. Também consta em relatório de comissão interna constituída na Petrobrás para apurar desconformidades nas licitações e contratos no âmbito da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima – RNEST (evento 5, out3 e out4, item 5.4.20)
175. O ajuste prévio entre as empreiteiras propiciava a apresentação de proposta, sem concorrência real, de preço próximo ao limite aceitável pela Petrobrás, frustrando o propósito da licitação de, através de concorrência, obter o menor preço.
176. Isso foi constatado, por exemplo, nas obras contratadas da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST), como declarado pela testemunha Gerson Luiz Gonçalves que presidiu comissão interna constituída pela Petrobrás para apurar desconformidades nas licitações e contratos da RNEST (relatório da comissão no evento 5, out3 e out4):
“Ministério Público Federal:-Só pra que fique claro, quais são os valores que a Petrobras aceita em termos de limites acima e a baixo do valor de estimativa?
Gerson:-Menos 15 mais 20.
Ministério Público Federal:-Mais 20. A comissão percebeu se os preços praticados na RNEST aproximavam-se sempre do limite superior? Havia um padrão nesse sentido?
Gerson:-Sim. Nenhum BID, ou REBID ou TRIBID foi apresentado propostas abaixo da estimativa. Sempre foram no topo da estimativa superior.
Ministério Público Federal:-Certo. Nesse caso da construtora Camargo Correa, da UCR, o senhor mencionou que ela apresentou uma proposta de 18.6. As demais concorrentes, que no caso em segundo lugar apresentou a ODEBRECHT e a OAS, consorciadas. Em terceiro lugar a UTC, também denunciada aqui nessa ação, e Engevix. E no quarto e último lugar a construtora MPE. Alguma das outras, as concorrentes apresentaram valores abaixo dos vinte por cento?
Gerson:-Não.
Ministério Público Federal:-Nenhuma?
Gerson:-Não. Não que eu recorde.
(…)
Juiz Federal:-Acho que foi essa a compreensão. O senhor mencionou, também não ficou tão claro pra mim, foi observado se nessas contratações as propostas no final contratadas, o preço contratado, as propostas, vamos dizer, vencedoras, elas em geral tinham o percentual próximo ao percentual limite da Petrobras? Foi isso que o senhor disse?
Gerson:-A Petrobras só fecha o contrato se estiver abaixo de vinte por cento da estimativa. Abaixo não, acima. Ou seja, tem a estimativa, a proposta tem que tá…
Juiz Federal:-Não pode ser superior a 20% da estimativa.
Gerson:-20% acima da estimativa.
Juiz Federal:-E a maioria das, vamos dizer, dos contratos, as propostas no final contratadas, os preços chegavam perto desse limite? Ou era uma minoria? Ou eram todas?
Gerson:-Todos os preços chegavam no limite superior da estimativa. Dezoito e meio, dezesseis e meio. Nessa faixa.” (evento 350)
177. Coerentemente, consta, em relação aos contratos e licitações da Refinaria Abreu e Lima – RNEST, a seguinte conclusão no relatório da comissão interna de apuração (evento 5, out3 e out4):
“7.9. Os processos para contratação dos serviços de construção e montagem de unidades foram “relicitados” (UDA, UCR, UHDT/UGH e Tubovias de interligações), e os contratos assinados no “topo” da estimativa. Tais contratos totalizaram R$ 10,8 bilhões (valores originais). A Comissão identificou, analisando o comportamento dos resultados destes processos licitatórios (primeira e segunda rodadas de licitação), que o valor das propostas aproximou-se do “teto” (valor de referência mais 20%) das estimativas elaboradas pela ENGENHARIA/SL/SCP – vide 6.6.”
178. Além disso, as empresas componentes do cartel, pagariam sistematicamente propinas a dirigentes da empresa estatal calculadas em percentual, de um a três por cento em média, sobre os grandes contrato obtidos e seus aditivos.
179. A prática, de tão comum e sistematizada, foi descrita por alguns dos envolvidos como constituindo a “regra do jogo”, como, por exemplo, a testemunha Júlio Gerin de Almeida Camargo que teria trabalhado como operador do pagamento de propinas em certas obras (“Então, era uma regra do jogo, onde pra você obter o contrato você tinha que pagar esse percentual”, evento 327).
180. Receberiam propinas dirigentes da Diretoria de Abastecimento, da Diretoria de Engenharia ou Serviços e da Diretoria Internacional, especialmente Paulo Roberto Costa, Renato de Souza Duque e Nestor Cuñat Cerveró.
181. Surgiram, porém, elementos probatórios de que o caso transcende à corrupção – e lavagem decorrente – de agentes da Petrobrás, servindo o esquema criminoso para também corromper agentes políticos e financiar, com recursos provenientes do crime, partidos políticos.
182. Aos agentes políticos cabia dar sustentação à nomeação e à permanência nos cargos da Petrobrás dos referidos Diretores. Para tanto, recebiam remuneração periódica.
183. Entre as empreiteiras, os Diretores da Petrobrás e os agentes políticos, atuavam terceiros encarregados do repasse das vantagens indevidas e da lavagem de dinheiro, os chamados operadores.
184. Em decorrência desses crimes de cartel, corrupção e lavagem, já foram processados dirigentes da Petrobrás e de algumas das empreiteiras envolvidas, especificamente na presente ação penal, de n.º 5083258-29.2014.404.7000 (Camargo Correa e UTC), e nas ações penais 5083351-89.2014.404.7000 (Engevix), 5083360-51.2014.404.7000 (Galvão Engenharia), 5083401-18.2014.404.7000 (Mendes Júnior e UTC), 5083376-05.2014.404.7000 (OAS) e 5012331-04.2015.4.04.7000 (Setal, Mendes Júnior e OAS).
185. Relativamente aos agentes políticos, as investigações tramitam perante o Egrégio Supremo Tribunal Federal que desmembrou as provas resultantes da colaboração premiada de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, remetendo a este Juízo o material probatório relativo aos crimes praticados por pessoas destituídas de foro privilegiado (Petições 5.210 e 5.245 do Supremo Tribunal Federal).
186. A presente ação ação penal abrange somente uma fração desses fatos.
187. Segundo a denúncia, em grande síntese, a Camargo Corrrea participaria do cartel, teria ganho, mediante ajuste do cartel, obras contratadas pela Petrobrás referentes à Refinaria Getúlio Vargas (REPAR) e à Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST) e teria pago propina de 1% sobre o valor dos contratos e dos aditivos à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás comandada por Paulo Roberto Costa. Para efetuar o pagamento, teria utilizado os recursos provenientes dos próprios contratos, submetendo-o a prévias condutas de ocultação e dissimulação executadas por Alberto Youssef, antes do pagamento. Além disso, imputa a denúncia aos acusados o crime de pertinência à organização criminosa.
188. Examina-se, inicialmente, as obras ganhas pela Camargo Correa junto à Petrobrás através do cartel.
189. Relativamente às obras na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima – RNEST, a denúncia reporta-se apenas à contratação da Camargo Correa pela Petrobrás para construção da Unidade de Coqueamento Retardado-UCR (U-21 e U-22) e Unidades de Tratamento Cáustico Regenerativo (TCR).
190. A documentação relativa à essa contratação foi enviada a este Juízo pela Petrobrás e, pela extensão, encontra-se em mídia eletrônica arquivada em Juízo e que foi disponibilizada às partes.
191. Parte da documentação relativa à essa contratação foi juntada no evento 430, out 190 e seguintes.
192. Resumo em tabelas disponibilizadas pela Petrobrás foi juntada aos autos pelo MPF no evento 863, out18.
193. A Gerência de Estimativa de Custos e Prazo da Petrobrás estimou os custos da contratação em cerca de R$ 3.427.935.233,63, admitindo variação entre o mínimo de R$ 2.913.744.948,58 e R$ 4.113.522.280,35 (conforme síntese constante na nota à autoridade superior datada de 09/01/2009 da Comissão de Licitação).
194. Oportuno lembrar que a Petrobrás tem como padrão admitir a contratação por preço no máximo 20% superior a sua estimativa e no mínimo 15% inferior a ela. Acima de 20% o preço é considerado excessivo, abaixo de 15% a proposta é considerada inexequível.
195. A menor proposta, do Consórcio Nacional Camargo Correa – CNCC, foi de R$ 5.937.544.758,80. Em seguida, nessa ordem, as propostas do Consórcio CONEST (formado pela UTC Engenharia e pela Engevix Engenharia), MPE – Montagens e Projetos Especiais S/A, e Consórcio RNEST – CONEST – UCR (formado pela Odebrecht – Plantas Industrias e Participações S/A e a Construtora OAS Ltda). Como todas as propostas apresentadas, em primeira licitação, foram superiores ao valor máximo admitido, a licitação foi cancelada.
196. Esclareça-se, por oportuno, que o Consórcio Nacional Camargo Correa – CNCC é composto pelas empresas Construções e Comércio Camargo Correa e a CNEC Engenharia S/A, sendo liderado pela primeira.
197. Foi renovada a licitação.
198. A estimativa de custos da Petrobras foi revista para baixo em relação à primeira licitação, atingindo, para a segunda licitação, R$ 2.876.069.382,78 (conforme valor no documento “Estimativa de Custos” da Petrobrás e ainda no documento de título “Documento Interno do Sistema Petrobrás – DIP, de 10/09/2009”, nas mídias arquivadas em Secretaria e disponibilizadas às partes).
199. Como consta no Relatório da Comissão de Licitação datado de 10/09/2009 (Convite 0629131.09-8), foram convidadas quinze empresas, mas apresentaram propostas somente o Consórcio Nacional Camargo Correa – CNCC, a empreiteira MPE – Montagens e Projetos Especiais S/A, o Consórcio CONEST (formado pela UTC Engenharia e pela Engevix Engenharia) e o Consórcio RNEST – CONEST – UCR (formado pela Odebrecht – Plantas Industrias e Participações S/A e a Construtora OAS Ltda).
200. O Consórcio Nacional Camargo Correa – CNCC novamente apresentou a menor proposta, de R$ 3.446.149.572,61. Em um padrão que se verificou em outras obras do RNEST, repetiu-se, na segunda licitação, a ordem de classificação da primeira licitação, com o Consórcio CONEST (UTC e Engevix) apresentando a segunda melhor proposta, a MPE, a terceira, e o Consórcio RNEST/CONEST (Odebrecht e OAS), a quarta.
201. Conforme o relatório da comissão de licitação, todas as demais propostas foram desclassificadas, por apresentarem preços acima do valor máximo admitido pela Petrobrás.
202. A contratação ainda foi objeto de negociação, sendo finalmente o contrato celebrado, em 22/12/2009, por R$ 3.411.000.000,00, tomando o instrumento o nº 0800.0053457.09.2.
203. O valor final do contrato ficou próximo do preço máximo aceitável pela Petrobras, que, como visto, é de 20% acima da estimativa (R$ 2.876.069.382,78 + 20% = R$ 3.451.283.259,33), especificamente cerca de 18,84% acima da estimativa.
204. Houve ainda nove aditivos ao contrato, que majoraram o seu valor em R$ 361.023.579,96, conforme quadro demonstrativo de contratos e aditivos apresentado pela Petrobrás (evento 1, out4). Esses aditivos não são porém objeto da denúncia, visto que celebrados após a saída de Paulo Roberto Costa do cargo de Diretor de Abastecimento (fl. 50 da denúncia).
205. Observo, por oportuno, que o MPF, na denúncia, apesar de reportar-se a este contrato, apontou alguns números errados relativamente a ele, lapso corrigido, porém, nas alegações finais. Quanto ao ponto vale o disposto no art. 569 do CPP, já que se tratavam de erros materiais.
206. Relativamente às obras na Refinaria Presidente Getúlio Vargas – REPAR, na região metropolitana de Curitiba/PR, a denúncia reporta-se apenas à contratação da Camargo Correa pela Petrobrás para construção da Unidade de Coqueamento Retardado-UCR, Unidade de Manuseio de Coque, Unidade de Recuperação de Enxofre, Unidade de Tratamento de Gás Residual, Unidade de Águas Residuais e Subestações, da carteira de Coque e HDT.
207. A documentação relativa à essa contratação foi juntada no evento 430, out 3 e seguintes.
208. Resumo em tabelas disponibilizadas pela Petrobrás foi juntada aos autos pelo MPF no evento 863, out18.
209. A Gerência de Estimativa de Custos e Prazo da Petrobrás estimou os custos da contratação em cerca de R$ 2.093.988.284,45, admitindo variação entre o mínimo de R$ 1.779.890.041,78 e R$ 2.512.785.941,34.
210. Oportuno lembrar que a Petrobrás tem como padrão admitir a contratação por preço no máximo 20% superior a sua estimativa e no mínimo 15% inferior a ela. Acima de 20% o preço é considerado excessivo, abaixo de 15% a proposta é considerada inexequível.
211. Foram convidadas vinte empresas, mas apresentaram propostas somente o Consórcio CCPR/REPAR, formado pela Camargo Correa e pela Promon Engenharia, o Consórcio COQUE/REPAR, formado pela Queiroz Galvão e Iesa, e o Consórcio Techint/Andrade Gutierrez.
212. A menor proposta, do Consórcio CCPR/REPAR, foi de R$ 2.489.772.835,01. Em seguida, nessa ordem, as propostas do Consórcio formado pela IESA e pela Queiroz Galvão e do Consórcio formado pela Andradre Gutierrez e pela Techint, com preços de R$ 2.681.312.844,40 e R$ 2.709.341.976,33, respectivamente, ambos superiores ao limite máximo admitido.
213. A contratação ainda foi objeto de negociação, sendo finalmente o contrato celebrado, em 07/07/2008, por R$ 2.488.315.505,20, tomando o instrumento o nº 0800.0043403.08.02.
214. O valor final do contrato ficou próximo do preço máximo aceitável pela Petrobras, que como visto é de 20% acima da estimativa (R$ 2.093.988.284,45 + 20% = R$ 2.512.785.941,34), especificamente cerca de 18,83% acima da estimativa.
215. Houve ainda dez aditivos ao contrato, que majoraram o seu valor em R$ 227.772.442,86 , conforme quadro demonstrativo de contratos e aditivos apresentado pela Petrobrás (evento 1, out4). Os aditivos celebrados durante a gestão de Paulo Roberto Costa somam R$ 30.457.685,25.
216. Os crimes de cartel (art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990) e de frustração, por ajuste, de licitações (art. 90 da Lei nº 8.666/1993), não constituem objeto específico da denúncia, mas são invocados pelo Ministério Público Federal como crimes antecedentes à lavagem de dinheiro.
217. Em síntese, os valores obtidos nos contratos obtidos mediante cartel e ajuste fraudulento de licitações teriam sido objeto de condutas de ocultação e dissimulação para posterior pagamento das propinas ao Diretor Paulo Roberto Costa.
218. Devido ao princípio da autonomia do crime de lavagem veiculado no art. 2º, II, da Lei nº 9.613/1998, o processo e o julgamento do crime de lavagem independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes.
219. Não é preciso, portanto, no processo pelo crime de lavagem identificar e provar, com todas as suas circunstâncias, o crime antecedente, pois ele não constitui objeto do processo por crime de lavagem.
220. Basta provar que os valores envolvidos nas condutas de ocultação e dissimulação têm origem e natureza criminosa.
221. A esse respeito, destaco, por oportuno, o seguinte precedente da 5.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator, o eminente Ministro Felix Fischer, quanto à configuração do crime de lavagem, quando do julgamento de recurso especial interposto contra acórdão condenatório por crime de lavagem do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“Para a configuração do crime de lavagem de dinheiro, não é necessária a prova cabal do crime antecedente, mas a demonstração de ‘indícios suficientes da existência do crime antecedente’, conforme o teor do §1.º do art. 2.º da Lei n.º 9.613/98. (Precedentes do STF e desta Corte)” (RESP 1.133.944/PR – Rel. Min. Felix Fischer – 5.ª Turma do STJ – j. 27/04/2010)
222. Mesmo não sendo os crimes de cartel e de ajuste fraudulento de licitações objeto específico do presente processo, forçoso reconhecer a existência de prova significativa de que os dois contratos obtidos pela Camargo Correa na REPAR e na RNEST foram obtidos através deles.
223. Há, inicialmente, provas indiretas no próprio processo de licitação e contratação.
224. Convocadas mais de uma dezenas de empresas, em ambas as licitações foram apresentadas poucas propostas, apenas quatro na RNEST e três na REPAR.
225. Todas as propostas apresentadas nas duas licitações, salvo a da Camargo Correa, continham preços acima do limite aceitável pela Petrobrás (20% acima da estimativa) e, portanto, não eram competitivas.
226. As propostas vencedoras e o valor final do contrato, por sua vez, ficaram muito próximas do valor máximo admitido pela Petrobrás para contratação. Na RNEST, 18,84% acima da estimativa. Na REPAR, 18,83%.
227. Na licitação da RNEST, há prova indireta adicional.
228. Em uma primeira licitação, todas as quatro propostas superaram o limite aceitável pela Petrobrás , o que levou a novo certame.
229. A Petrobrás, ao invés de tomar a medida óbvia e salutar de convidar outras empresas para a licitação, renovou o convite somente para as mesmas que haviam participado do anterior.
230. A falta de inclusão de novas empresas na renovação do certame, além de ser obviamente prejudicial à Petrobrás, também violava o disposto no item 5.6.2 do Regulamento do Procedimento Licitatório Simplificado da Petrobrás que foi aprovado pelo Decreto nº 2.745/1998 (“a cada novo convite, realizado para objeto idêntico ou assemelhado, a convocação será estendida a, pelo menos, mais uma firma, dentre as cadastradas e classificadas no ramo pertinente”). A violação da regra prevista no regulamento foi objeto de apontamento pela comissão interna de apuração da Petrobrás (relatório da comissão no evento 5, out3 e out4, item 6.5.)
231. Como consequência da renovação do certame com as mesmas convidadas, na segunda licitação, novamente apenas quatro propostas foram apresentadas, tendo por proponentes as mesmas empresas anteriores. A ordem de classificação das propostas manteve-se a mesma que do certame anterior, com o Consórcio Nacional Camargo Correa em primeiro, seguido pelo Consórcio CONEST (UTC e Engevix), a MPE e o Consórcio RNEST/CONEST (Odebrecht e OAS).
232. Esse padrão de repetição de resultados das licitações foi verificado em outras licitações da Petrobrás em obras da RNEST, como consta no relatório apresentado pela comissão de apuração instaurada pela Petrobrás (evento 5, out3 e out4).
233. Acerca desse padrão, a testemunha Gerson Luiz Gonçalves, empregado da estatal que presidiu a aludida comissão interna de apuração, declarou o que segue:
“Juiz Federal:-Haviam licitações que foram apresentados preços excessivos, daí foram feitas novas licitações em cima daquela mesma obra?
Gerson:-É pode se chamar de licitação, já que não foram chamadas outras empresas.
Juiz Federal:-É o que o senhor chamou de BID, REBID?
Gerson:-BID, REBID.
Juiz Federal:-E teve até casos de um terceiro certame?
Gerson:-Terceiro.
Juiz Federal:-E pelo que eu entendi, o que o senhor disse é que foi observado alguma, vamos dizer, não foi observado uma variação grande na ordem de classificação das propostas?
Gerson:-Exato. As propostas caíam num mesmo patamar, vamos dizer assim. Não invertiam a posição das empresas.
Juiz Federal:-Primeiro lugar continuava sendo primeiro lugar. Segundo lugar, segundo lugar. Terceiro lugar, terceiro lugar. E assim por diante?
Gerson:-É. Nesse caso de hoje aqui ela foi primeiro e primeiro. No caso que ela concorreu também com a de ontem, era ODEBRECHT?
Juiz Federal:-Ontem era OAS. OAS-ODEBRECHT. É.
Gerson:-Também nas três oportunidades a ODEBRECHT ganhou primeiro e a…
Juiz Federal:-A ordem de classificação se manteve?
Gerson:-Se manteve com a segunda, no caso deles. Porque aqui não ganharam.
Juiz Federal:-Mas isso foi só nesses dois certames? Ou isso foi verificado em várias?
Gerson:-Nas principais contratações. Pelo menos um 4 ou 5 certames que a gente analisou na comissão.
Juiz Federal:-Quatro ou cinco?
Gerson:-É. Pelo menos uns 4. Eu não recordo, quantos gráficos a gente fez aí. Se foram quatro ou cinco situações.
Juiz Federal:-Então fazia uma licitação, tinha uma ordem de classificação.Não aprovava o preço, abria um novo certame, mantinha a ordem de classificação? E até casos de uma terceira abertura do certame, mantinha a ordem de classificação. É isso.
Gerson:-Mantinha a ordem de classificação, exato.”
234. Registre-se que a análise referida pela testemunha e os gráficos encontram-se no item 6.6 do relatório da comissão interna de apuração da Petrobrás (evento 5, out3 e out4)
235. É certo que a repetição do resultado pode ser uma coincidência, mas é improvável que essa repetição tenha se dado apenas por coincidência em pelo menos quatro licitações e contratações, indicando que os certames estavam viciados por ajuste prévio entre as partes.
236. Além da prova indiciária, há provas diretas.
237. Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, dirigente da Setal Oleo e Gas S/A (SOG), uma das empreiteiras envolvidas no esquema criminoso, celebrou acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (processo 5073441-38.2014.4.04.7000, cópia do acordo nos arquivos out16, out17, evento 1). Foi ouvido como testemunha neste feito. Em síntese, no depoimento degravado no evento 327, com reiteração no evento 529, admitiu a existência do cartel, os ajustes para frustrar as licitações e o pagamento de propinas a agentes da Petrobrás. O cartel teria funcionado de forma mais efetiva a partir de 2004 ou 2005, já que teria havido concomitantemente a cooptação dos Diretores da Petrobrás para que não atrapalhassem o seu funcionamento. A partir das licitações das obras do COMPERJ, por volta de 2011, o cartel teria perdido sua eficácia porque a Petrobrás teria começado a convidar outras empresas, dificultando os ajustes.
238. Também confirmou a participação da Camargo Correa no cartel e afirmou que ela seria representada pelo acusado João Ricardo Auler.
239. Transcrevo trechos, especialmente da síntese constante no final do depoimento:
“Juiz Federal:- Mais esclarecimentos do juízo também. Aqui vou pedir desculpas também por eventualmente me repetir, mas pra ficar uma ordem clara aqui. O senhor mencionou que a partir de 2003, 2004, houve um aumento da eficiência do clube?
Augusto:-Sim.
Juiz Federal:- Pelo que eu entendi, pela cooptação dos diretores?
Augusto:-Perfeito, exato.
Juiz Federal:- E essa cooptação dos diretores se dava mediante pagamento de propina?
Augusto:-Sim, senhor.
Juiz Federal:- Como funcionava? O clube definia previamente quem iria ganhar a licitação e isso era repassado aos diretores? O senhor pode me esclarecer?
Augusto:-O clube definia quem ganharia uma determinada licitação e a hora que essa licitação estivesse em andamento era entregue uma lista das empresas que deveriam ser convidadas pra participar.
Juiz Federal:- Era entregue uma lista pra quem?
Augusto:-Aos diretores Paulo Roberto e Renato Duque.
Juiz Federal:- Era entregue aos dois ou a um deles apenas? Como isso funcionava?
Augusto:-Eu acredito que aos dois. A lista de convidados é uma coisa bastante sensível e o diretor tem o poder de instruir ao seu pessoal, e colocar ou retirar determinada empresa por determinada razão. Então, eu acredito que era entregue uma lista aos diretores das empresas que deveriam ser convidadas; se não era entregue uma lista, eram pelo menos indicadas quais as empresas que deveriam ser convidadas.
Juiz Federal:- Mas eram passados esses nomes das empresas que deveriam ser convidadas aos diretores da Petrobras?
Augusto:-Isso. Aos diretores da Petrobras.
Juiz Federal:- E quem fazia essa entrega?
Augusto:-O Ricardo Pessoa.
Juiz Federal:- Quem fazia a entrega ou passava os nomes?
Augusto:- Isso, o Ricardo Pessoa, que era quem mantinha o contato mais habitual com eles.
Juiz Federal:- Essa vantagem que era paga, essa propina que era paga aos diretores, então, era necessária pra que fossem convidadas as empresas repassadas?
Augusto:-Sim. Na verdade, o assunto do pagamento das comissões sempre era uma coisa que era discutida com os diretores na fase de assinatura do contrato, um pouco antes ou um pouco depois, mas eles eram quem procuravam as empresas diretamente, pelo menos foi o que aconteceu no nosso caso, mas era uma parte do combinado, pra que determinada empresa fosse assumir o compromisso de fazer determinado pagamento era necessário que ela ganhasse a obra, e pra isso deveriam ser convidadas aquela listagem de empresas.
Juiz Federal:- Então a propina era paga pra que ele respeitasse a indicação das empreiteiras?
Augusto:-Sim, principalmente.
Juiz Federal:- Depois eu não entendi, nos aditivos também tinha mais propina ou era já a mesma propina relacionada ao pagamento anterior?
Augusto:-Sim. Nos aditivos, eles pediam alguma coisa correspondente, proporcional, ao que havia sido discutido no contrato. Em algumas situações, até poderiam pedir mais do que a proporcionalidade, mas basicamente era isso.
Juiz Federal:- Mas essa propina dos aditivos era paga por conta do aditivo ou por conta daquele acordo que eles receberiam um percentual em cima dos contratos?
Augusto:-Não, seria por conta do aditivo.
Juiz Federal:- Do próprio aditivo?
Augusto:-Sim, do próprio aditivo.
Juiz Federal:- Aí não estaria relacionado com aquela questão do convite?
Augusto:-É um aditivo do…
Juiz Federal:- Daquele mesmo contrato.
Augusto:-Daquele contrato. Eu não sei, assim, quando eles discutiam, vamos dizer, sobre um determinado percentual de comissão, aquele percentual valeria também pra eventuais aditivos. Aí então quando havia os aditivos estaria implícito que seria acrescido…
Juiz Federal:- A propina decorrente…
Augusto:- a mesma proporção relativa aos aditivos.
Juiz Federal:- E nessas licitações que abria a Petrobras, aí participavam só as empresas do Clube?
Augusto:-Normalmente, sim. Durante um período isso foi efetivo.
Juiz Federal:- E o senhor mencionou anteriormente, o que era combinado efetivamente é que as empreiteiras que não ganhariam apresentariam propostas pra perderem isso?
Augusto:-Sim.
Juiz Federal:- Então era burlada a licitação da Petrobras, na prática?
Augusto:-Na prática era combinado entre as empresas quem iria ganhar.
Juiz Federal:- O senhor mencionou, salvo engano, dois contratos que a sua empresa ganhou, na Repar e na Replan, é isso?
Augusto:-Sim.
Juiz Federal:- Nessas duas obras houve esse fatiamento que o senhor mencionou, houve essa pré-definição?
Augusto:-Sim, houve.
Juiz Federal:- Nessas duas obras que a sua empresa ganhou houve pagamento da propina aos diretores?
Augusto:-Sim, senhor.
Juiz Federal:- A ambos? Ao Paulo Roberto Costa e ao Renato Duque?
Augusto:-Sim, senhor.
Juiz Federal:- O senhor mencionou que a propina para o senhor Paulo Roberto Costa era paga através de depósitos em empresas controladas pelo Alberto Youssef, é isso?
Augusto:-Sim. Controladas eu digo que ele exercia controle, na verdade eu não sabia de quem era a empresa.
Juiz Federal:- E o senhor mencionou que o senhor foi apresentado a um proprietário dessas empresas, alguém que emitia as notas fiscais?
Augusto:-Sim, senhor, por ele.
Juiz Federal:- E essas notas fiscais eram do que?
Augusto:-Prestação de serviços de consultoria principalmente ou de serviços de engenharia.
Juiz Federal:- E esses serviços foram efetivamente prestados?
Augusto:-Não, senhor.
Juiz Federal:- Essas notas fiscais serviam então pra acobertar os pagamentos?
Augusto:-Sim, senhor.
Juiz Federal:- O senhor não se lembra o nome da pessoa?
Augusto:-Não me recordo, mas é a pessoa que depois apareceu como a proprietária da empresa. Eu não me lembro agora, eu faço uma pequena confusão entre os dois nomes.
Juiz Federal:- Essas obras que a sua empresa ganhou da Repar e Replan, por volta de que ano foram?
Augusto:-2007.
Juiz Federal:- 2007?
Augusto:-Sim.
Juiz Federal:- E essa propina foi paga mais ou menos até quando? Nesse mesmo ano, depois?
Augusto:-Talvez até o ano de 2010 , 2011.
(…)
Juiz Federal:- Essa, vamos dizer, pré-combinação das empreiteiras pra ver quem ganhava o contrato e depois o pagamento da propina, isso acontecia em todos os contratos do clube das empreiteiras com a Petrobras ou em alguns contratos apenas?
Augusto:-Acontecia em todos os contratos que eram discutidos lá no âmbito do clube sim, acontecia.
Juiz Federal:- Na Rnest aconteceu, na refinaria Abreu e Lima?
Augusto:-Que eu tenho conhecimento sim, apesar de não ter participado.
Juiz Federal:- Por que sua empresa não participou?
Augusto:-Porque houve uma combinação entre as empresas do clube de que as obras da Rnest ficariam para um determinado grupo de empresas, dos quais nós não fazíamos parte.
(…)
Juiz Federal:- O senhor mencionou que o senhor, por exemplo, da Camargo Correa encontrou pessoalmente apenas o senhor João Auler, é isso?
Augusto:-Sim.
Juiz Federal:- Nas reuniões?
Augusto:-Sim.
Juiz Federal:- O senhor chegou a tratar desses assuntos pessoalmente ou através de outro meio de comunicação com o senhor João Auler, com o senhor Dalton ou com o senhor Eduardo Leite?
Augusto:-Eu talvez tenha discutido algumas vezes com o João, mas não com os outros não.
Juiz Federal:- Com os outros não?
Augusto:-Não.
Juiz Federal:- E da UTC, o senhor tratava esses assuntos só com o senhor Ricardo Ribeiro ou com outras pessoas também?
Augusto:-Não, só com o Ricardo.
Juiz Federal:- Só nessas reuniões ou o senhor também tratou fora dessas reuniões?
Augusto:-Fora das reuniões também, em alguns encontros.
Juiz Federal:- O senhor… O seu advogado juntou um documento que se encontra nos autos junto com a denúncia, evento 1, out 2, foi mencionado aqui pelo Ministério Público. Eu vou lhe mostrar esse documento, peço para o senhor dar uma olhadinha. O senhor se recorda desse documento?
Augusto:-Sim.
Juiz Federal:- Essas eram as regras do clube das empreiteiras? Campeonato esportivo, definição…
Augusto:-Sim. Essas regras foram escritas de um momento pra frente, pra reduzir a discussão entre as empresas.
Defesa:- Uma última pergunta, também decorrente da inquirição do ilustre juiz presidente dessa audiência, o senhor, segundo eu entendi, disse que Ricardo Pessoa levaria alguma lista para a Petrobras. Eu queria lhe perguntar que lista ele levava pra Petrobras?
Augusto:-Das empresas que deveriam ser consideradas para um determinado certame.
Defesa:- O senhor levou alguma vez este tipo de lista com ele pra lá ou o viu levar?
Augusto:-Não, senhor.
Defesa:- Como o senhor sabe disso pra fazer essa afirmação?
Augusto:-Porque era importante que o convite fosse restrito a uma quantidade de empresas.
Defesa:- Tá, mas eu pergunto, como é que o senhor sabe que ele levava alguma lista?
Augusto:-Porque ele era a pessoa que fazia os contatos com a Petrobras.
Defesa:- Sim, ele fazia os contatos com a Petrobras, isso é inegável, mas a pergunta é como é que o senhor sabe que ele levava essa lista, já que o senhor não levava com ele?
Augusto:-Eu não sei se ele levava uma lista, se ele falava ou como era feita esta comunicação, mas o fato é que…
Defesa:- Havia uma comunicação?
Augusto:-Para uma determinada licitação, era discutida uma lista de empresas que iriam participar e isto era discutido com a Petrobras.
Defesa:- O senhor não sabe se era uma lista ou se ele levava de boca, mas que ele levava, levava. Esse é o seu conhecimento?
Augusto:-Sim.
Defesa:- E como é que o senhor sabe que ele levava, se o senhor não levava com ele e nem participava dessa interlocução?
Augusto:-Porque as empresas convidadas eram as que deveriam ser convidadas.
Defesa:- Ou era a Petrobras que as convidava?
Augusto:-Quem convidava é a Petrobras, porém era dentro das empresas que deveriam ser efetivamente convidadas.
Juiz Federal:- Conferia então com o resultado da prévia definição pelas empreiteiras, é isso?
Augusto:-Sim. Aliás, eu posso deduzir que de alguma forma essa lista chegava à Petrobras. (…)”
240. Além do depoimento, Augusto Mendonça apresentou documentos produzidos nas reuniões de ajuste entre as empreiteiras da distribuição das obras da Petrobrás.
241. Esses documentos foram juntados originariamente no processo 5073441-38.2014.404.7000 (eventos 27, inf1, e 51, apreensão2). Foram disponibilizados às partes no processo 5073475-13.2014.404.7000, como se verifica no despacho juntado por cópia na presente ação penal no evento 229. Encontram-se, portanto, disponíveis às partes no evento 803, arquivo inf1, com cópia no event 804, arquivo apreensão1, do processo 5073475-13.2014.404.7000.
242. Entre eles, pela fácil visualização, destacam-se tabelas relativamente às preferências das empreiteiras na distribuição das obras da Petrobrás e que se encontram por exemplo na fl. 14 do aludido arquirivo apreensão1.
243. Como ali se verifica, na tabela, há apontamento, no lado esquerdo, das obras da Petrobrás a serem distribuídas, no topo, do nome das empreiteiras identificadas por siglas, e nos campos que seguem a anotação das preferências de cada uma (com os números 1 a 3, segundo a prioridade de preferência), como um passo para a negociação dos ajustes.
244. Entre as empreiteiras identificadas, encontra-se a Camargo Correa, identificada pela sigla “C4” (em provável referência a Consórcio Construtora Camargo Correa ou a Construtora Camargo Correa e CNEC).
245. Também entre eles de se destacar outras tabelas similares com distribuição de obras da Petrobrás entre as empreiteiras, entre elas a Camargo Correa (identificada como CCCC), como se verifica na fl. 19 do do aludido arquirivo apreensão1.
246. Também entre eles de se destacar folha com as regras do funcionamento do cartel redigidas, jocosamente, na forma de um “campeonato esportivo”, este juntado pelo MPF já com a denúncia (evento 1, out2).
247. Documentos similares foram apreendidos na sede da empresa Engevix Engenharia, outra empresa componente do cartel, e que foram juntados originariamente no evento 38, apreensão9, do inquérito 5053845-68.20144047000. Foram juntados por cópia nestes autos no evento 16, arquivo apreensao1.
248. Deles, destaca-se a tabela produzida com às preferências das empreiteiras na distribuição das obras da Petrobrás no COMPERJ – Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (fl. 16, arquivo apreensao1, evento 16). O documento tem o título “Lista dos novos negócios Comperj”. De forma similar a anterior, na tabela, há apontamento, no lado esquerdo, das obras da Petrobrás no Comperj a serem distribuídas, e, no topo, do nome das empreiteiras identificadas por siglas, e nos campos que seguem a anotação das preferências de cada uma (com os números 1 a 3, segundo a prioridade de preferência), como um passo para a negociação dos ajustes.
249. Entre as empreiteiras identificadas, encontram-se a Camargo Correa, identificada desta feita pela sigla “CC”.
250. Também, jocosamente, há tabelas nas quais à fixação das preferências é atribuída a denominação de “bingo fluminense” e às empreiteiras, a denominação de “jogadores” (fls. 5 e 6, arquivo apreensao1, evento 16).
251. Tabelas similares também existem em relação à fixação das preferências nas obras da Petrobrás na Refinaria Presidente Getúlio Vargas – REPAR e na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima – RNEST.
252. Na tabela de título “Avaliação da lista de Compromissos -28.09.2007” (fl. 20, arquivo apreensao1, evento 16), para a obra “REPAR: Coque+Unidade.Aux”, constam marcas de preferência “1” exatamente nas colunas relativas à Camarco Correa (“CC”) e a Promon (“Pro”), o que confere com o ganho da licitação pelo Consórcio por elas formado na obra da REPAR e acima descrita.
253. Na tabela de título “Lista Novos Negócios RNEST” (fl. 15, arquivo apreensao1, evento 16), para a obra “02 Unid. Coque + UTCR”, consta na coluna correspondente à Camargo Correa (“CC”) a anotação da preferência “1”, o que é consistente com a posterior vitória da empresa na licitação conforme acima apontado.
254. Embora seja possível questionar a autenticidade dos documentos apresentados por Augusto Mendonça, já que ele os forneceu após firmar o acordo de colaboração, os demais, similares aqueles, foram apreendidos coercitivamente na sede Engevix Engenharia, em 14/11/2014, em cumprimento dos mandados expedidos nos termos da decisão de 10/11/2014 no processo 5073475-13.2014.404.7000 (evento 10 daquele feito). Não foram produzidos, portanto, como decorrência de acordo de colaboração.
255. Em resumo, quanto aos crimes de cartel e de ajuste de licitação, têm-se:
– provas indiretas nas licitações e contratos obtidos pela Camargo Correa que indicam a existência do ajuste fraudulento (poucas propostas apresentadas; repetição dos resultados da licitações; falta de inclusão de novas empresas na renovação da licitação; apresentação de propostas não-competitivas pelas concorrentes, com preços superiores ao limite máximo admitido pela Petrobrás; propostas vencedoras com preços pouco abaixo do limite máximo);
– prova direta consubstanciada no depoimento de empreiteiro participante do cartel e do ajuste; e
– prova documental consistente em tabelas com indicações das preferências entre as empreiteiras na distribuição dos contratos e que convergem com os resultados das licitações.
256. Isso sem considerar ainda que outros acusados colaboradores neste mesmo processo também reconheceram a existência do cartel e dos ajustes das licitações.
257. Considerando as provas enumeradas, é possível concluir que há prova muito robusta de que a Camargo Correa obteve os contratos com a Petrobrás para construção da Unidade de Coqueamento Retardado-UCR (U-21 e U-22) e Unidades de Tratamento Cáustico Regenerativo (TCR) para a Refinaria do Nordeste Abreu e Lima – RNEST e para a construção da Unidade de Coqueamento Retardado-UCR, Unidade de Manuseio de Coque, Unidade de Recuperação de Enxofre, Unidade de Tratamento de Gás Residual, Unidade de Águas Residuais e Subestações, da carteira de Coque e HDT da Refinaria Presidente Getúlio Vargas – REPAR, mediante crimes de cartel e de frustração da concorrência por ajuste prévio das licitações, condutas passíveis de enquadramento nos crimes do art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990 e do art. 90 da Lei nº 8.666/1993.
258. Com esse expediente pôde apresentar propostas vencedoras com valores próximos ao limite aceitável pela Petrobrás (18,84% e 18,83% ), sem concorrência real com as outras empreiteiras.
259. Não é necessário aqui especular se, além disso, houve ou não superfaturamento das obras. A configuração jurídica dos crimes referidos, do art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990 e do art. 90 da Lei nº 8.666/1993, não exige que se prove superfaturamento.
260. Em imputação de crimes de lavagem, tendo por antecedentes os crimes do art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990 e do art. 90 da Lei nº 8.666/1993, de todo impertinente averiguar se houve ou não superfaturamento dos contratos.
261. Não há nenhuma prova de que as estimativas de preço da Petrobrás estivessem equivocadas.
262. Apesar disso, como as empreiteiras, entre elas a Camargo Correa, impediram, mediante crime, a concorrência real, nunca será possível saber os preços de mercado das obras na época.
263. É certo, porém, que a Petrobrás estimou as obras em valor bastante inferior ao das propostas vencedoras, pelo menos em cerca de 18% a menos, o que é bastante significativo em contratos de bilhões de reais.
264. Essa questão foi objeto de indagação específica no interrogatório de Paulo Roberto Costa:
“Juiz Federal:- O senhor mencionou que havia esse cartel?
Paulo:-Correto.
Juiz Federal:- Havendo esse cartel não havia um comprometimento das licitações?
Paulo:-Sim.
Juiz Federal:- Da concorrência?
Paulo:-Sim, o senhor tem total razão, Excelência…
Juiz Federal:- O senhor não entende que se não houvesse esse cartel poderia a concorrência gerar preços menores dentro das propostas?
Paulo:-Poderia, mas dentro desse percentual de 3%, 2% e não um percentual de 500%, mas sim, correto.
Juiz Federal:- Concordemos que entre 1% e 20 % há uma margem considerável de valores?
Paulo:-É, agora a Petrobras tinha o seu orçamento básico, e esse orçamento básico era feito de acordo com as condições de mercado, então quando você fazia um orçamento básico, chegava à conclusão que esse empreendimento ia custar 1 bilhão de reais, se a empresa desse 2 bilhões de reais, a licitação era cancelada, como várias vezes o foi…
Juiz Federal:- Então essa margem poderia oferecer 1 bilhão a 1 bilhão e 200 milhões?
Paulo:-Correto, dentro dessa margem. (…)”
265. Os crimes de cartel e de ajuste de licitação foram, ao final do processo e mesmo já havendo prova significativa a esse respeito, também reconhecidos pelo acusado Dalton dos Santos Avancini, Presidente da Camargo Correa, após celebração de acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (evento 878).
266. Dalton assumiu a Diretoria de Óleo e Gás em 2008 e, depois, assumiu a função de Presidente dessa área. Declarou que não teria participado das reuniões do cartel e dos ajustes para as licitações da REPAR e da RNEST, pois seriam anteriores às datas em que assumiu o cargo da área, mas teria participado, como representante da Camargo Correa, em reuniões posteriores de cartel e ajuste de licitações para obras da Petrobrás no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro/COMPERJ. Esclareceu que nem todo o ajustado para os contratos do COMPERJ deu certo, convergindo seu depoimento neste ponto com o de Augusto Mendonça para o qual, nessa época, o cartel teria perdido parte de sua efetividade. Transcrevo techo:
“Juiz Federal: – O Ministério Público fala que havia uma espécie de ajuste entre as empresas nessas licitações, uma espécie de cartel. O que que o senhor tem conhecimento a esse respeito?
Dalton:- Então, eu, assim, que eu participei efetivamente né, quer dizer, em 2008 a Camargo já havia ganho a obra da, da RNEST né, quer dizer, ela já era, já tinha sido vencedora. Nós não, eu não participei da, eu passo a participar a partir daí. E a licitação em que eu participo efetivamente é do COMPERJ né, quer dizer, o que foi o próximo bloco de negócios que a Petrobras licitou. E nesse processo realmente havia combinação das empresas né, quer dizer, e eu participei diretamente aí dessas negociações com essas outras empresas.
Juiz Federal: – O senhor participou como? Foi em alguma reunião? Mais de uma reunião? Como foi?
Dalton:- Sim. Mais de uma reunião né, eu era o representante da Camargo. Até, assim, eu era normalmente, eu era da área operacional. Eu não tinha nem, não era muito comum eu participar de, dessas áreas, da área comercial. O que aconteceu foi, nessa transição havia uma certa até confusão um pouco aí dessa, de como é que isso estava acontecendo, quando a área passou pra mim. A empresa tava numa profunda reformulação, mudando cargos, mudando até estrutura né. A estrutura, existia uma estrutura que comandava, comercial e operacional, foi separada. Então, mas aí eu, eu, e nesse meio houve uma mudança dessa divisão para o Rio de Janeiro. Eu mudei pro Rio de Janeiro. A área comercial que naquele momento tava sendo assumida pelo Eduardo não mudou. E eu acabei ficando designado e cuidando dessas, dessas negociações diretamente. Então tiveram reuniões com as outras empresas, reuniões com todas, reuniões com menos empresas. Tiveram vários eventos pra essas negociações desses contratos.
Juiz Federal: – Mas que tipo de negociação que havia? Havia um ajuste das licitações?
Dalton:- Sim. Havia um ajuste né. E aí também eu fiquei sabendo que esse ajuste já vinha desde a época da RNEST, porque eles me traziam que a Camargo já havia sido atendido nos contratos da RNEST. Ela já tinha tido o seu quinhão de negócios na RNEST. Então a participação dela nesse novo ajuste seria menor até, e mais para o final. Porque teriam outras empresas que ainda não haviam participado desse ajuste e que teriam que ser atendidas né, nesse, no primeiro bloco. Então, era colocado explicitamente que a Camargo teria tido, isso teria, que dentro da RENEST teria havido este acordo e que nesse momento ela estaria, ela seria atendida também, mas em obras mais à frente dessas licitações.
Juiz Federal: – E como, como seria operacionalizado esse ajuste?
Dalton:- Esse ajuste, as empresas se reuniam né. Quer dizer, elas decidiam quem seria a ganhadora de cada uma, cada um daqueles pacotes. A partir de definições de tamanho, você tinha como é que elas se agregavam né. Então existia a agregação em consórcios, até pra que cada uma fosse atendida, tanto as maiores, como as menores, né. Quer dizer, existia toda uma lógica pra que as empresas tivessem um equilíbrio de quantidade de contrato dentro dessas licitações.
Juiz Federal: – Nessas reuniões então definia: a empresa X vai ganhar a licitação Y, isso?
Dalton:- Sim. As empresas, elas definiam, elas colocavam seus interesses né, quer dizer, e a partir deste, e nessas reuniões o que se definia era exatamente isso. A empresa manifestava o seu interesse, e havia o acordo pra que ela se tornasse, acabasse se tornando vencedora, ao ser apoiada pelas demais aí.
Juiz Federal: – Esse apoio das demais era em que sentido ? Elas apresentavam propostas de preço maior, ou elas simplesmente não participavam?
Dalton:- Não. Em geral, havia um acordo em que algumas faziam essa proposta de preço maior né, elas eram, o que se chamavam aí, eram as propostas de cobertura aí para aquela que seria a vencedora. Mas nem todas participavam dessas coberturas, às vezes a empresa não, ela simplesmente não apresentava proposta né.
Juiz Federal: E esses ajustes no COMPERJ, algum foi efetivado? O senhor tem conhecimento?
Dalton:- Sim. Os primeiros aí foram. Eu não me lembro agora os pacotes de cabeça, mas tiveram pacotes que tiveram efetividade, que acabaram acontecendo. A Camargo não teve. O da Camargo ela não obteve sucesso naquele que ela estava designada como ganhadora.
Juiz Federal: – Por qual motivo?
Dalton:- O pacote da Camargo era o HCC né, quer dizer, nós tivemos, houve um bid em que a Camargo foi vencedora até, ela teve, ela acabou sendo vencedora. Aí houve uma longa negociação com a Petrobras, nós não chegamos ao preço que a Petrobras na época apontava como sendo o que ela queria. Houve um rebid, nesse rebid a Petrobras chamou outra empresa, e esta outra empresa acabou sendo a vencedora.
Juiz Federal: – Essa outra empresa não participava então desse grupo?
Dalton:- Ela não participou do grupo.
Juiz Federal: – Quais eram as empresas que o senhor se recorda? Não precisamos ser aqui exaustivo, que participavam desse ajuste, dessas reuniões.
Dalton:- Bom, as maiores né, quer dizer, tinha a Camargo, a Odebrecht, UTC, OAS, Techinit… Camargo, deixo eu, só pra gente, Camargo, UTC, OAS, CNO, Techinit, a própria Promon que participava também do grupo.
Juiz Federal: – Queiroz Galvão participava?
Dalton:- A Queiroz Galvão participava.
Juiz Federal: – A Galvão Engenharia participava?
Dalton:- Não. A Galvão Engenharia não participava diretamente desses acordos.
Juiz Federal: – E participava indiretamente, não entendi?
Dalton:- É. O que aconteceu, a Galvão ela era uma empresa que estava, ela buscava participar desse grupo e havia uma certa resistência desse grupo porque a Galvão não era uma empresa tradicional nesse mercado. Então ela de alguma maneira, ela fazia uma força lá pra entrar e pra conseguir esses convites. E ao ser convidada ela pressionava esse grupo pra que ela participasse. E no COMPERJ, ao que me, eu tenho conhecimento, ela realmente foi, teve um contrato em que foi um dos que ela ganhou e que foi a partir de um acordo e ela participou efetivamente.
Juiz Federal: – Andrade Gutierrez participava?
Dalton:- Andrade Gutierrez participava diretamente. E tinham as menores aí né. A MPE participava, a IESA participava, a própria Toyo Setal participava.
Juiz Federal: – Os diretores da Petrobras, serviços Paulo Duque e o Paulo Costa abastecimento, tinham conhecimento da existência desse…
Dalton:- Eu acredito que sim. Eu nunca, isso nunca foi tratado por mim com eles né, diretamente com eles. Mas assim, tanto eu acho, eu credito que sim por alguns motivos. Um é que se eles ao verem os resultados e como as licitações estavam ocorrendo, eles tinham como evitar que isso acontecesse né. Era possível ele ler e falar, “Oh tá tendo algum tipo de entendimento aqui”. Então, tudo indica que eles tinham participação e sabiam efetivamente disso.
Juiz Federal: – Mas na sua avaliação isso seria perceptível por qual motivo?
Dalton:- Isso, assim, se você olhasse os resultados desses empreendimentos aí, conhecendo as empresas do mercado, você conseguiria saber né. Você olha e fala assim, num contrato ganha a Camargo Correa, no outro ganha a Odebrecht, no outro, quer dizer, era perceptível que ali tinha algum tipo de, que aquilo num se fazia de uma maneira, se houvesse uma licitação totalmente transparente aquilo provavelmente não aconteceria.
Juiz Federal: – Tinha algum organizador desse grupo? Alguém, algum principal responsável, ou isso era uma responsabilidade compartilhada?
Dalton:- Como eu falei né, eu entrei nesse assunto aí né, em 2008 assim, eu era um neófito aí nesse setor. Eu nunca tinha trabalhado aí com o setor de óleo e gás né. E esse grupo já era formado né, quer dizer, então, e tinham empresas e pessoas tradicionais aí nesse setor. Então a Odebrecht e o Márcio Faria era uma pessoa que era líder, era, já trabalhava há muito tempo, sei lá, mais de vinte anos talvez, aí nesse setor. Não consigo precisar esse período, mas to aqui estimando né. Da mesma forma, o Ricardo Pessoa também era uma pessoa que tinha realmente uma, então naturalmente eles eram pessoas que tinham maior capacidade aí de conversar com as empresas, conhecimento das empresas, das outras empresas. Agora com relação à liderança né, as empresas grandes muitas vezes não aceitavam nem ser lideradas né, quer dizer, então elas se impunham nas discussões aí né, quer dizer. Mas tinham essas pessoas de maior influência, de maior capacidade aí de, de articulação sobre o setor.
Juiz Federal: – Nessas reuniões, quantas reuniões o senhor participou? O senhor mencionou?
Dalton:- Algumas, foram eu acho que, sei lá, três, quatro, porque eu…
Juiz Federal: – E foram em algum lugar específico ou diferentes?
Dalton:- Não, teve reunião em lugares diferentes. Mas eu me recordo de reuniões na própria UTC, no Rio de Janeiro, reunião na UTC, acho que em São Paulo já também, se eu… Na Andrade Gutierrez, uma reunião que ocorreu na Andrade Gutierrez em São Paulo, eu participei. Acho que teve na OAS também. Essas reuniões variavam, assim, o local. Não havia um local fixo de…”
267. Já o acusado Eduardo Hermelino Leite, que assumiu o cargo de Diretor de Óleo e Gás da Camargo Correa a partir de setembro de 2009 (evento 878), mesmo tendo também celebrado acordo de colaboração premiada com o MPF, afirmou que tinha algum conhecimento, mas não direto, a respeito do cartel.
268. A colaboração tardia de ambos, Dalton Avancini e Eduardo Leite, em especial do primeiro, apenas confirmou as conclusões que já podiam ser extraídas das provas anteriores, acerca da existência do cartel e dos ajustes de licitação, bem como a obtenção dos dois referidos contratos pela Camargo Correa através desses meios criminosos. Em realidade, a colaboração deles aparenta ser mais valiosa para expandir a investigação para outros crimes do que propriamente para confirmar a ocorrência destes aqui denunciados.
269. Obtidos os contratos mediante cartel e ajuste de licitações, afirma-se na denúncia que eram pagas vantagens indevidas aos dirigentes da Petrobrás com os valores decorrentes.
270. A denúncia limita-se às propinas pagas à Diretoria de Abastecimento, ocupada por Paulo Roberto Costa, o que seria feito por intermédio do operador Alberto Youssef.
271. Para o pagamento, os valores obtidos com os crimes de cartel e de ajuste de licitações eram submetidos a condutas de ocultação e dissimulação, com repasse posterior aos beneficiários.
272. A existência do esquema criminoso do pagamento de propinas foi descoberto no decorrer das investigações que antecederam a ação penal.
273. Como ver-se-á adiante está confirmado pelo rastreamento de valores e fluxo financeiro entre o Consórcio Nacional Camargo Correa e a própria Camargo Correa, responsáveis, como visto, pelas obras na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima e na Refinaria Presidente Getúlio Vargas, com contas controladas por Alberto Youssef, tendo sido utilizadas, como intermediadoras dos valores, as empresas Sanko Sider Ltda. e a Sanko Serviços de Pesquisa e Mapeamento, administradas pelo acusado Márcio Bonilho.
274. Antes mesmo da propositura da ação penal, Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, após celebrarem acordo de colaboração premiada com a Procuradoria Geral da República e que foi homologado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, confirmaram a existência do esquema criminoso (item 42).
275. Interrogados na presente ação penal (eventos 875 e 876), confirmaram suas declarações anteriores.
276. Em síntese, ambos declararam que grandes empreiteiras do Brasil, entre elas a Construtora Camargo Correa, reunidas em cartel, fraudariam as licitações da Petrobrás mediante ajuste, o que lhes possibilitava impor nos contratos o preço máximo admitido pela referida empresa. As empreiteiras ainda pagariam sistematicamente propinas a dirigentes da empresa estatal calculados em percentual de 2% a 3% sobre cada contrato da Petrobrás, inclusive daqueles celebrados no âmbito da RNEST e REPAR. No âmbito dos contratos relacionados à Diretoria de Abastecimento, ocupada por Paulo Roberto Costa, cerca de 1% do valor de todo contrato e aditivos seria repassado pelas empreiteiras a Alberto Youssef, que ficava encarregado de remunerar os agentes públicos, entre eles Paulo Roberto Costa. Do 1% da propina, parte ficava com Paulo Roberto Costa, parte com Alberto Youssef, mas a maior parte, cerca de 60%, seria destinada a agentes políticos.
277. Para a presente ação penal, confirmaram o pagamento específico de propinas pela Camargo Correa nos dois contratos acima referidos, os contratos com a Petrobrás para construção da Unidade de Coqueamento Retardado-UCR (U-21 e U-22) e Unidades de Tratamento Cáustico Regenerativo (TCR) para a Refinaria do Nordeste Abreu e Lima – RNEST e para a construção da Unidade de Coqueamento Retardado-UCR, Unidade de Manuseio de Coque, Unidade de Recuperação de Enxofre, Unidade de Tratamento de Gás Residual, Unidade de Águas Residuais e Subestações, da carteira de Coque e HDT da Refinaria Presidente Getúlio Vargas – REPAR. Cabe a transcrição de alguns trechos, pela relevância, ainda que longos (eventos 875 e 876).
278. No seguinte trecho, Alberto Youssef descreve genericamente o esquema criminoso:
“Alberto:- Na verdade esse esquema funcionava da seguinte maneira: na época, o deputado José Janene já há algum tempo, anterior, conseguiu a cadeira da diretoria de abastecimento, indicou o doutor Paulo Roberto pra ser diretor e, a partir daí, o Paulo Roberto mais o seu José Janene passou a captar as empresas pra que elas pudessem pagar propina, pra que pudesse ser financiado o partido, para que pudessem ter o poder, e foi assim que começou.
Juiz Federal:- Eram todas as empresas, algumas empresas, como é que isso funcionava?
Alberto:- Eram várias empresas. Começou com a refinaria da Rnest… Na verdade, começou com as ampliações das refinarias, e depois com a Rnest, Comperj e as ampliações.
Juiz Federal:- Eram contratos específicos da Petrobras ou havia alguma forma de seleção desses contratos?
Alberto:- Olha, na verdade existia um combinado entre as empresas que cada pacote lançado teria um consórcio de empresas que seria vencedor e que esse consórcio pagaria a propina de 1%, tanto para o Partido Progressista quanto para o Partido dos Trabalhadores.
Juiz Federal:- Qual era o percentual do Partido Progressista?
Alberto:- 1% .
Juiz Federal:- E também o Partido dos Trabalhadores?
Alberto:- Também o Partido dos Trabalhadores.
Juiz Federal:- Qual era o percentual?
Alberto:- 1%.
Juiz Federal:- Isso dos contratos da diretoria de abastecimento?
Alberto:- Dos contratos da diretoria de abastecimento.
Juiz Federal:- Outras diretorias o senhor tem conhecimento se tinha algo semelhante?
Alberto:- Olha, ouvia-se dizer que sim, que a diretoria internacional também tinha esse esquema.
Juiz Federal:- O senhor teria operado só na diretoria de abastecimento?
Alberto:- Eu operei só na diretoria de abastecimento.
(…)
Juiz Federal:- Voltando um pouco ali, o senhor mencionou dessas empresas que se reuniam em consórcio… O ministério público fala de um cartel… Havia um cartel de empresas pelo seu conhecimento?
Alberto:- Olha, eu entendo que havia um combinado, não sei se pode-se dizer, se pode chamar isso de cartel.
Juiz Federal:- E o que era esse combinado, o senhor pode me descrever, então?
Alberto:- O combinado era que as empresas de primeira linha, quer dizer, as maiores, que tinham condição de fazer obras maiores, tinham uma certa quantidade de obras, e aí depois as médias e depois as pequenas.
Juiz Federal:- Tá, mas o combinado era o que, o que era o combinado?
Alberto:- O combinado era que em determinados pacotes tal empresa ia ser ganhadora e assim por vez, tinha por vez, por exemplo, “pacote da Rnest”, então só as maiores participavam, que eram as 16 maiores.
Juiz Federal:- E como é que o senhor tem conhecimento desse fato?
Alberto:- Bom, eu cheguei…
Juiz Federal:- O senhor participou de alguma reunião?
Alberto:- Eu cheguei a participar de várias reuniões com o seu José, com algumas empresas, e também com o doutor Paulo Roberto junto.
Juiz Federal:- Mas e esse combinado foi relatado, vamos dizer, esse combinado entre as empresas foi relatado nessa reunião?
Alberto:- Sempre era relatado.
Juiz Federal:- Quantas reuniões dessas o senhor teria participado com o José Janene e com o Paulo Costa, aproximadamente?
Alberto:- Olha, a partir de… Final de 2005, 2006, eu devo ter participado de praticamente todas as reuniões que tiveram entre as empresas, o deputado e o doutor Paulo Roberto.
Juiz Federal:- E essas todas reuniões é o que? Uma dezena, mais de uma dezena?
Alberto:- Mais de uma dezena.
Juiz Federal:- E essas reuniões participavam várias empreiteiras juntas em cada reunião ou era normalmente uma reunião com cada empreiteira?
Alberto:- Normalmente era uma reunião com cada empreiteira.
Juiz Federal:- Essa questão desse percentual era um percentual fixo em cima do contrato?
Alberto:- Não necessariamente, porque muitas empresas diziam que tinham ganho essa licitação num certo preço e que não teriam condições de pagar na verdade 1%, então não era, assim, de regra o 1%; normalmente se combinava.
Juiz Federal:- E toda reunião havia essa negociação, vamos dizer, da propina ser paga, em toda essa reunião, ou tinha mais ou menos já geral, estabelecida, que sempre ia ter que pagar propina, como é que isso funcionava?
Alberto:- Na verdade isso era uma coisa sistêmica; a partir do momento que a empresa ganhava o pacote pra fazer a obra ela já sabia que teria que participar da propina. Logo em seguida, de ganho a licitação às vezes ela era procurada pelo deputado ou pelo próprio Paulo Roberto pra que pudesse sentar e negociar.
Juiz Federal:- Eu queria que o senhor me esclarecesse o seguinte, de quem foi a iniciativa desse tipo de esquema criminoso, foi o ex-deputado José Janene que negociou e solicitou essas propinas em primeiro lugar ou isso já existia, o senhor pode ser mais claro, como surgiu isso?
Alberto:- Olha, eu acredito que isso já existia numa menor proporção e a partir de que o deputado conseguiu colocar o doutor Paulo Roberto na cadeira ele passou a participar mais efetivamente disso, e a Petrobras passou a fazer mais obras e por isso que se deu o crescimento desse tipo de negociação.
Juiz Federal:- O senhor era o responsável pela entrega do dinheiro?
Alberto:- Para o Partido Progressista sim.
Juiz Federal:- Como é que o senhor fazia pra proceder a essa entrega de dinheiro, quais eram os instrumentos?
Alberto:- Bom, a partir de ganho a licitação, sentava-se com a empresa, ajustava-se o comissionamento, e aí muitas delas precisavam de nota fiscal pra poder pagar propina. Eu arrumava a empresa pra que fosse emitida essa nota fiscal, dali eu sacava ou eu trocava esses reais via TED com alguns operadores de mercado, recebia os reais vivos e entregava a parte de cada um dos envolvidos, no caso o Paulo Roberto Costa e o Partido Progressista.
Juiz Federal:- Como era essa divisão do 1%?
Alberto:- Essa divisão do 1% era 60% do partido, 30% do Paulo Roberto Costa, 5% era pra mim e 5% era para o assessor, na época, do José Janene, que era o João Cláudio Genu.
Juiz Federal:- Que empresas o senhor utilizou pra emissão dessas notas?
Alberto:- Eu utilizei várias, eu posso não me lembrar de todas agora, mas eu utilizei a MO, utilizei a Rigidez, utilizei a GFD, utilizei a KFC, essas são algumas que eu me lembro agora, nesse momento.
Juiz Federal:- Por quanto tempo o senhor atuou nesse esquema criminoso, o senhor mencionou 2005 né, 2006?
Alberto:- Final de 2005, 2006, até o final de quando o doutor Paulo Roberto foi destituído da companhia.
Juiz Federal:- Não houve pagamento de propina posteriormente à saída dele?
Alberto:- Algumas empresas, após a saída dele, ainda continuou pagando pra que pudesse ter o encerramento.
Juiz Federal:- Pagando encerramento do que, como assim?
Alberto:- Do comissionamento da obra que ela ganhou.
Juiz Federal:- Consta aqui no processo, depois nós vamos ver mais detalhadamente, pagamentos em 2013, até com previsão em 2014.
Alberto:- Houve sim.
Juiz Federal:- Mas isso era da propina pendente ou coisa nova?
Alberto:- Não, era da propina pendente.
Juiz Federal:- Nessas reuniões em que se discutia o pagamento desses valores, quem normalmente participava pelas empreiteiras, eram os dirigentes, empregados, quem que era, falando genericamente?
Alberto:- Normalmente eram os dirigentes e alguns donos.
Juiz Federal:- E como se desenvolviam essas reuniões, havia ali um clima de extorsão, de hostilidade, ou isso era algo acertado lá entre os participantes?
Alberto:- Não, eu acho que isso era uma coisa sistemática, era algo já acertado entre os participantes e não tinha nenhum tipo de extorsão. É lógico que quem deixasse de pagar não teria aquela ajuda durante o contrato, relativo a aditivos e… Não na questão de superfaturar esses aditivos, mas sim na questão de diminuir o tempo de recebimento desses aditivos, né? Porque, na verdade, a Petrobras tem um sistema bastante complexo quando se refere a aditivos, passa por vários processos, e se não tivesse ajuda e aquela cobrança pra que esse processo pudesse andar e chegar à diretoria executiva pra aprovação, isso dificultava a vida dos contratados.
Juiz Federal:- Tinha percentual também em cima dos aditivos?
Alberto:- Sim.
Juiz Federal:- E o percentual era o mesmo?
Alberto:- Normalmente era 2 a 5%.
Juiz Federal:- 2 a 5%?
Alberto:- Sim.
Juiz Federal:- E o mecanismo de pagamento era o mesmo?
Alberto:- O mecanismo de pagamento era o mesmo.
Juiz Federal:- Nessas reuniões que o senhor participou com as empreiteiras, teve alguma delas em que a empreiteira ou dirigentes delas, os representantes, recusaram em absoluto fazer qualquer pagamento?
Alberto:- Que eu me lembre não.
Juiz Federal:- Alguma delas ameaçou procurar a polícia, o ministério público, a justiça, denunciar o esquema criminoso?
Alberto:- Que eu saiba, não.
Juiz Federal:- O senhor, o senhor Janene, o senhor Paulo Costa, chegaram a fazer alguma ameaça física contra os dirigentes das empreiteiras?
Alberto:- Olha, ameaça física não. O senhor José Janene era um pouco truculento nas cobranças né, era uma pessoa de difícil trato, mas não que ele tenha ameaçado fisicamente nenhum dos empreiteiros.
Juiz Federal:- Cobrança, em que sentido que ele era truculento, cobrança de propina a ser acertada ou propina atrasada?
Alberto:- Cobranças que eram acertadas e que eram atrasadas.
Juiz Federal:- Mas e no acertamento próprio das propinas havia essa truculência também dele?
Alberto:- Que eu presenciei, não.”
279. Neste trecho, Alberto confirma o pagamento de propinas nos contratos da Camargo Correa na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR) e na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima, bem (RNEST) e a utilização das empresas Sanko Sider e Sanko Serviços para o repasse da propina. Segundo ele a negociação das propinas com a Camargo Correa teria se dado inicialmente com João Auler e depois com Dalton Avancini e Eduardo Leite:
“Juiz Federal:- Tem uma referência aqui no processo, consórcio CCPR, da Repar, consórcio CCPR, teria participado Camargo Correa e Promon, em obras da refinaria Getúlio Vargas em Araucária, isso em 2007, 2008, o senhor se recorda se nesse caso houve pagamento dessas propinas?
Alberto:- Sim, eu me recordo que na época da REPAR, o doutor José era vivo ainda, e ele tratava esse assunto com o João Auler. Essa propina estava atrasada e eu lembro que eu fui um dia com o doutor José cobrar o doutor João Auler. O doutor João Auler estava numa reunião com a diretoria e não podia atender o doutor José; o doutor José acabou se desentendendo com a secretária, entrou na sala pra que pudesse cobrar o doutor João Auler. A partir daquele momento, eu passei a negociar diretamente com a Camargo e o doutor José se afastou por conta de que ele não se entendia mais com a empresa, e foi direcionado que eu pudesse tratar esse assunto com o Eduardo Leite e, a partir daí, começaram as tratativas com o Eduardo Leite pra que a gente pudesse arrumar uma maneira de que a Camargo pudesse pagar esse comissionamento.
Juiz Federal:- Isso foi em que ano, aproximadamente? Isso foi a partir das obras da Repar?
Alberto:- A partir das obras da Repar.
Juiz Federal:- Mas essa propina no caso da Repar já estava acertada, então, com o senhor João Auler?
Alberto:- Olha, eu acredito que sim. Na época, se eu não me engano, também tinha um diretor na Camargo, que acho que, se eu não me engano, era o diretor Leonel, que parece que também participou dessa negociação.
Juiz Federal:- Antes desse evento, dessa ida do senhor com o senhor José Janene na própria Camargo, o senhor tinha participado de reuniões com os empreiteiros da Camargo Correa?
Alberto:- Eu tinha ido cobrar junto com o seu José por várias vezes na Camargo Correa o João Auler.
Juiz Federal:- Depois consta aqui nesse processo, continuando aqui, na Rnest, consórcio nacional Camargo Correa, o senhor se recorda se nessa obra houve pagamento de vantagem indevida?
Alberto:- Sim, também houve.
Juiz Federal:- Seria nessa obra que teria sido utilizada a empresa Sanko Sider?
Alberto:- Na verdade, a Sanko Sider foi utilizada já pra recebimento na Repar, eu acho que, se eu não me engano, a primeira nota fiscal emitida pela Sanko Sider, nota de serviço, foi pela obra da Repar.
Juiz Federal:- Como é que funcionava esse pagamento de propina através da Sanko Sider?
Alberto:- A questão Camargo Correa, eram pagas essas propinas através de notas de serviço da Sanko Sider e também através de outras empresas, que surgiram no decorrer do tempo e que algumas eu apresentei, algumas ele mesmo, o Eduardo Leite, cuidou de fazer e assim por diante.
Juiz Federal:- Mas a Sanko Sider fornecia materiais pra Camargo Correa?
Alberto:- Bom, a Sanko Sider através da atividade dela, lícita, ela fornecia equipamentos pra Camargo Correia, na parte de tubos, franjos, conexões… Esse foi um contrato feito pra atender à obra da Rnest.
Juiz Federal:- Mas, além disso, havia também a propina?
Alberto:- Só na parte de serviço.
Juiz Federal:- Na parte de materiais não?
Alberto:- Na parte de materiais não.
Juiz Federal:- E foi o senhor o responsável por, vamos dizer, a Camargo Correa ter contratado a Sanko Sider?
Alberto:- Sim, eu fui o responsável.
Juiz Federal:- O senhor ganhava comissão também?
Alberto:- Ganhava comissão pelas vendas dos tubos e conexões.
Juiz Federal:- Eu vou lhe mostrar aqui uma planilha que se encontra nos autos, que é uma planilha que foi encontrada no seu escritório de trabalho, a minha cópia aqui está um pouco pequena, espero que o senhor não tenha problema de visão, mas na tabela consta “fornecedor”, aí tem MO, MO, MO, GFD, notas fiscais, valores que totalizam 29.210.000, data de pagamento e num campo aqui “Status” consta repasse e comissão e cliente CNCC. Pode entregar pra ele.
Alberto:- Bom, nessa planilha aqui tudo que é repasse, tudo que está como “repasse” é o pagamento de propina; tudo que está como comissão é comissionamento da venda de tubos que eu recebia.
Juiz Federal:- Quem fez essa planilha, o senhor ou a Sanko Sider?
Alberto:- Não, foi a Sanko Sider.
Juiz Federal:- Com quem o senhor tratava esses assuntos na Sanko Sider?
Alberto:- Márcio Bonilho.
Juiz Federal:- E ele tinha conhecimento que esses valores iam, por exemplo, pra Paulo Roberto Costa ou para agentes públicos?
Alberto:- Acredito que sim, porque o meu escritório quem frequentava era políticos e os empresários e, de vez em quando, quando havia reunião no escritório, ele cruzava às vezes com um político ou outro dentro do meu escritório.
Juiz Federal:- Mas qual foi a explicação que o senhor deu pra ele pra utilização da empresa dele como intermediária desses repasses, o que o senhor falou?
Alberto:- Não, realmente ele sabia que tinha comissionamento pela obra da Repar… É… pela obra da Repar e pela obra da Rnest.
Juiz Federal:- Comissionamento no que? Na intermediação ou comissionamento de propina?
Alberto:- Comissionamento de propina.
Juiz Federal:- O senhor disse isso pra ele?
Alberto:- Não disse explicitamente, mas para um bom entendedor…
Juiz Federal:- Certo… Doutor, então, por gentileza, pode falar no microfone, porque senão vai ficar meio confuso.
Defesa:- Quando o senhor pergunta “agentes públicos” ou “agentes políticos”, o senhor fez nos primeiros depoimentos uma diferenciação entre agentes públicos e agentes políticos. Eu senti que vossa excelência perguntou a ele o que seriam agora agentes públicos no sentido que sejam agentes políticos. Eu queria… Para que ele possa definir o que é Petrobras e o que é político, pra que não crie essa confusão, porque muitas vezes parece que os Gersons se confundem nessa questão de “agentes políticos” e “agentes públicos”.
Juiz Federal:- Na verdade seria uma questão mais genérica né, doutor, mas não tem problema em perguntar isso. Esses valores de propina, o senhor mencionou, ia pra quem especificamente, vamos dizer, quem recebia? O senhor mencionou, o senhor Paulo Roberto Costa recebia?
Alberto:- O senhor Paulo Roberto Costa, que era diretor da Petrobras…
Juiz Federal:- Dentro da Petrobras o senhor pagava mais alguém?
Alberto:- Não, só o doutor Paulo Roberto Costa.
(…)
Juiz Federal:- O senhor João Ricardo Auler, o senhor mencionou há pouco, foram aqueles contatos…
Interrogado:- Só naquele primeiro momento, depois eu passei a tratar direto com o doutor Eduardo Leite e o Dalton Avancini.”
280. Em trecho posterior, esclareceu os contatos com João Auler:
“Juiz Federal:- Sem perguntas Eduardo Leite. A defesa de João Ricardo Auler tem perguntas?
Defesa João Ricardo Auler:- Sim. Boa tarde.
Interrogado:- Boa tarde.
Defesa João Ricardo Auler:-Senhor Youssef, eu queria só recapitular algumas perguntas que o senhor disse para o juiz, pra confirmar umas coisas que eu quero que fiquem bem esclarecidas.
Interrogado:- Sim, senhor.
Defesa João Ricardo Auler:-O encontro que o senhor teve com o senhor João Auler, o senhor disse que foi no ano de 2005 ou 2006, não é isso, mais ou menos?
Interrogado:- Ou mais à frente. Não sei.
Defesa João Ricardo Auler:- Muito bem. Nessa época?
Interrogado:- É, mais ou menos…
Defesa João Ricardo Auler:- E nessa primeira oportunidade que o senhor está dizendo, o senhor está falando de cobranças que estavam sendo feitas pelo deputado Janene, é isso?
Interrogado:- Sim, senhor. Isso.
Defesa João Ricardo Auler:-A pergunta que eu faço para o senhor é a seguinte, quando o senhor fez essa primeira reunião, já foi pra se tratar desse tema de cobrança?
Interrogado:- Olha, eu fui com o seu José por duas vezes cobrar a Camargo Corrêa e ele se referiu à pessoa de João Auler…
Defesa João Ricardo Auler:- Não, não, entendi. O senhor foi duas pra cobrar, é isso?
Interrogado:- Sim.
Defesa João Ricardo Auler:- A minha pergunta objetiva, que é a única coisa que faltou, é a seguinte: antes disso, quando o deputado Janene esteve com qualquer pessoa da Camargo Corrêa, antes da cobrança, pra fazer a combinação, o senhor estava presente?
Interrogado:- Não, senhor.
Defesa João Ricardo Auler:- Eu não tenho mais perguntas, Excelência, obrigado.
Juiz Federal:- Só esclarecimentos do juízo, então, que eu fiquei um pouquinho … talvez a minha memória não esteja bem correta, aquelas reuniões que o senhor teve com o Janene, com os empreiteiros, alguma reunião que o senhor João Auler estava presente?
Interrogado:- Não, senhor.
Juiz Federal:- Então foram nesses dois episódios da cobrança?
Interrogado:- Só no episódio da cobrança.
Juiz Federal:- E o senhor participou da conversação juntamente com o senhor Janene?
Interrogado:- Ele foi pra cobrar e o João Auler disse que não tinha posição, o senhor José se alterou…
Juiz Federal:- Sim, mas o senhor estava junto?
Interrogado:- Estava junto”.
281. Neste trecho, Alberto Youssef confirma que os contratos celebrados entre a empresa Costa Global foram utilizados para repasse de propina pela Camargo Correa a Paulo Roberto Costa, após a saída deste da empresa:
“Juiz Federal:- Vou passar aqui a um exame mais específico, vou começar por essa ação penal 5083258, que é da Camargo Correa. Enquanto eu procuro aqui, consta no processo uma referência do ministério público de que parte dessa propina atrasada do senhor Paulo Costa teria sido paga através de contratos de consultoria da Costa Global, o senhor participou também desses fatos?
Alberto:- Costa Global é uma empresa de consultoria do doutor Paulo Roberto?
Juiz Federal:- Isso.
Alberto:- Participei sim, participei junto e ajudei que fosse negociado um recebimento através da Costa Global.
Juiz Federal:- No primeiro processo aqui tem, por exemplo, uma referência da Camargo Correa em que esses… Foram feitos pagamentos da Camargo Correa a essa empresa Costa Global num contrato de consultoria entre outubro de 2012 a dezembro de 2013, em um total de cerca de 2.875.000,00 desse fato o senhor participou, o senhor se recorda?
Alberto:- Participei. Na verdade, era pra ser pago em 30 parcelas e, se eu não me engano, no final de 2011 a Camargo liquidou o contrato.
Juiz Federal:- Esses valores envolviam…
Alberto:- Não sei se foi… Não, final de 2013, se eu não me engano.
Juiz Federal:- E esses valores envolviam propina?
Alberto:- Sim.
Juiz Federal:- Quem da Camargo Correa participou dessa contratação, dessa formatação da Costa Global?
Alberto:- Eduardo Leite e Dalton Avancini.”
282. No seguinte trecho, Paulo Roberto Costa descreve genericamente o esquema criminoso:
“Juiz Federal:- Certo? Então, senhor Paulo, o senhor mencionou no seu depoimento anterior sobre a, depois que o senhor assumiu o cargo de diretor, a respeito da existência de um cartel de empresas. O senhor pode me esclarecer esse fato?
Paulo:-Posso. Quando eu assumi em 2004, maio de 2004, a área de abastecimento, que eu vou colocar aqui, eu já coloquei no depoimento anterior, como o senhor mencionou, vamos repetir, a área de abastecimento não tinha nem projeto nem orçamento, então, vamos dizer, os anos 2004, 2005, 2006, muito pouco foi feito na minha área porque, vamos dizer, os projetos e orçamentos eram, eram alocados principalmente à área de exploração e produção. Então se nós pegarmos hoje um histórico dos últimos 10 anos, 12 anos dentro da Petrobras vai se verificar que o maior orçamento, e tá correto isso, o maior orçamento da Petrobras é alocado para áreas de exploração e produção. Que é área de exploração, perfuração de poços, colocação de plataformas e produção. A minha área tava bastante restrita, nesse sentido, em termos de projetos de grande porte. Vamos dizer, os primeiros projetos se iniciaram, final de 2006 início de 2007, que eram projetos visando a melhoria da qualidade dos derivados, a redução do teor de enxofre da gasolina e do diesel pra atender determinações da Agência Nacional de Petróleo. E as refinarias novas também começaram nessa época, que eram a Refinaria do Nordeste e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Então, os anos iniciais da minha gestão, nós praticamente não tivemos obras de grande porte, então pouca interação eu tive com essas empresas e com respeito ao cartel. Era, isso era muito alocado na área de exploração e produção. A partir desses eventos né, final de 2006 início de 2007, é que teve, eu tive mais aproximação e mais contato com essas empresas e fiquei conhecendo com mais detalhes esse processo todo, que eu não tinha esse conhecimento no início da minha gestão por não ter obra e não ter, vamos dizer, a devida importância dentro do processo. A partir então da entrada de mais obras, de mais empreendimentos, essas empresas começaram a me procurar e eu fiquei então tomando, vamos dizer, tomei conhecimento com mais detalhe dessa sistemática do cartel dentro da Petrobras.
Juiz Federal:- E do que o senhor tomou conhecimento?
Paulo:-Bom, as empresas me procuraram mostrando interesse de fazer essas obras, como eu falei anteriormente, eu não tinha obra dentro da minha área, então não tinha nenhuma procura das empresas, a partir de, do início dessas obras, elas mostraram interesse em participar, vamos dizer, as grandes empresas que estavam no cartel, participarem com exclusividade desse processo. Então praticamente foi isso, exclusividade de participação das grandes empresas do cartel dentro dessas obras que começaram a acontecer dentro da diretoria de abastecimento a partir aí de final de 2006, início de 2007.
Juiz Federal:- Que empresas que procuraram o senhor especificamente?
Paulo:-Eu tive mais contato com a UTC e com a ODEBRECHT.
Juiz Federal:- Mas foram representantes dessas empresas conversar com o senhor?
Paulo:-Sim, foram representantes dessas empresas conversar comigo. Perfeitamente.
Juiz Federal:- E foi nessa ocasião que foi revelada ao senhor a existência desse cartel de empresas?
Paulo:-Foi, com detalhamento, foi.
Juiz Federal:- E o senhor se recorda quem seriam esses representantes dessas duas empresas?
Paulo:-Recordo, da UTC foi o Ricardo Pessoa e da ODEBRECHT foi o Márcio Faria e o Rogério Araújo.
Juiz Federal:- E eles revelaram a extensão desse cartel de empresas? Que empresas que participavam, que empresas que não participavam?
Paulo:-Sim. As empresas, basicamente, do chamado grupo A do, do cadastro da Petrobras, o grupo A do cadastro que são as grandes empresas.
Juiz Federal:- O senhor teria condição de nominá-las?
Paulo:-Posso. Pode ser que eu esqueça de alguma, mas eu acho que eu posso. Era a própria ODEBRECHT, a UTC, a Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, Engevix, Camargo Correa, Techinit, que eu me lembre agora nesse momento, mas tem no meu depoimento, tem detalhado aí.
Juiz Federal:- Nesse processo, nós temos aqui 5 ações penais com algumas dessas empresas, a Engevix participava?
Paulo:-Participava. Engevix, OAS…
Juiz Federal:- Camargo Correa participava?
Paulo:-Perfeito.
Juiz Federal:- A UTC o senhor mencionou né?
Paulo:-Já.
Juiz Federal:- A Galvão Engenharia participava?
Paulo:-Participava.
Juiz Federal:- A Galvão Engenharia ou a Queiroz Galvão?
Paulo:-As duas.
Juiz Federal:- As duas participavam?
Paulo:-As duas participavam.
Juiz Federal:- A OAS participava?
Paulo:-Perfeito.
Juiz Federal:- E a Mendes Júnior?
Paulo:-A Mendes Júnior também.
Juiz Federal:- Mas esses representantes que foram conversar com o senhor, eles falavam em nome dos outros também ou eles…?
Paulo:-Falavam em nome de todos.
Juiz Federal:- Mas eles apresentaram nessa ocasião alguma proposição ao senhor? Por que eles revelaram ao senhor a existência desse cartel?
Paulo:-O objetivo seria, como mencionei anteriormente, com a locação de obras dentro da minha área, que essas obras já tinham na área de exploração e produção, então esse processo já era um processo em andamento, né, na minha área tava começando ali por parte de projetos novos e orçamentos alocados pra esse processo. Então qual era o objetivo? Que não houvessem empresas convidadas que não fossem daquele grupo. Então o objetivo grande é que eu os ajudasse pra que as empresas que fossem convidadas fossem empresas daquele grupo.
Juiz Federal:- E como é que o senhor poderia ajudar esse cartel?
Paulo:-Trabalhando junto com a área de engenharia, área de serviço, que era quem executava as licitações. As licitações na Petrobras, de refinarias, de unidades de refino, de plataformas, etc, eram todas conduzidas pela área de serviços, obviamente que eu era, vamos dizer assim, a área de serviço era uma prestadora dessa atividade pra minha área de abastecimento, como era também pra extração e produção, gás e energia e etc, mas como diretor se tinha também um peso, junto ao diretor da área de serviço, em relação à relação de empresa participar e etc, embora não fosse conduzida pela minha área, obviamente que se tinha um peso nesse processo.
Juiz Federal:- Certo, mas a questão, por exemplo, dos convites da licitação, o senhor de alguma forma, então, vamos dizer, ajudava esse cartel? Pra que fossem convidadas somente empresas do grupo?
Paulo:-Indiretamente, sim. Conversando com o diretor da área de serviços, quando adentrasse uma conversa preliminar com ele, sim.
Juiz Federal:- Esse grupo, eles tiveram a mesma conversa, o senhor tem conhecimento, com a diretoria de serviços?
Paulo:-Possivelmente sim, não tem dúvida porque, como lhe falei, Excelência, o processo todo era conduzido pela área de serviço, então obviamente que tinha que ter essa conversa com a área de serviço. Ela que conduzia todo o processo licitatório, ela que acompanhava, vamos dizer, toda a licitação, ela que fazia parte do orçamento básico da Petrobras, todo, todo esse processo era conduzido pela área de serviço.
Juiz Federal:- O seu depoimento anterior, que o senhor prestou em juízo, o senhor disse o seguinte: existia claramente, isso foi dito por umas empresas, pelos seus presentes às companhias, de forma muito clara que havia uma escolha de obras dentro da Petrobras e fora da Petrobras. É sobre esse episódio que o senhor está falando? Que o senhor estava se referindo naquela ocasião?
Paulo:- A parte de licitação dentro da Petrobras, vamos dizer, a minha participação era essa como lhe falei, era, vamos dizer, ajudar as empresas pra elas sejam, que elas fossem convidadas dentro daquele número x de empresas que participavam do cartel, essa era a minha participação. Agora, obviamente que as empresas também me comentaram, principalmente essas duas empresas, que elas tinham outras atividades fora da Petrobras, e como eu já mencionei anteriormente, esse processo é muito pouco se for analisado só a Petrobras. Eu vi pela imprensa agora, recente, dois depoimentos, do diretor e do presidente da Camargo Correa, comentando que esse processo também ocorreu em Belo Monte, que esse processo também ocorreu em Angra 3 e eu mencionei anteriormente se a gente for olhar rodovias, ferrovias, portos e aeroportos esse processo ocorreu em todas as áreas, só basta um aprofundamento, né, da justiça, que vai chegar a essa conclusão.
Juiz Federal:- Foi nessa reunião, que lhe foi apresentado esse cartel, foi lhe feita alguma proposta financeira?
Paulo:-Não.
Juiz Federal:- Não?
Paulo:-Não. Não me foi feita proposta financeira, mas, vamos dizer, através dos entes políticos, que eu já mencionei anteriormente aí, essa, esse acordo financeiro era feito pelos entes políticos, então no caso da diretoria de abastecimento, isso era tratado diretamente pelo deputado José Janene, e aí ele me passou que ficaria a diretoria de abastecimento, auferia 1 % do valor, em média 1%, dos valores dos contratos, mas eu não cheguei, em nenhum momento, a discutir com nenhuma empresa, com nenhum presidente de nenhuma empresa, diretor de empresa, valores, esses valores era sempre feitos pelos políticos, não foi feito por mim.
Juiz Federal:- Mas essa reunião que o senhor teve com esses 02 representantes das empreiteiras, por quê que eles revelaram pro senhor a existência desse cartel, eles fizeram essa solicitação?
Paulo:- Para eu poder ajudá-los quando fosse feito o convite pela área de serviço, pra eu poder ajudá-los que aquele convite não fosse mexido, que não fosse incrementado com novas empresas que, vamos dizer, não houvesse nenhum óbice da participação daquele grupo no processo.
Juiz Federal:- E o senhor aceitou essa proposição?
Paulo:-Sim.
Juiz Federal:- O senhor aceitou por qual motivo?
Paulo:- Porque eu tinha, vamos dizer, dentro da minha indicação para assumir a diretoria de abastecimento, eu tinha esse compromisso com a entidade política, por isso que eu aceitei.
Juiz Federal:- Compromisso com a entidade política em que sentido?
Paulo:- Desse de ter um, de ter um percentual para, do contrato, pra passar para a entidade política.
Juiz Federal:- O senhor já tinha conhecimento antes, então, dessa reunião com os empreiteiros, vamos dizer, desse compromisso de pagamentos?
Paulo:-Sim. Nessa época, final de 2006 início de 2007, quando a gente começou a ter empreendimento na área de abastecimento, obviamente que eu mantinha contato com o Zé Janene, com o Pedro Correa e outros do Partido Progressista, e isso me foi dito por eles, sim.
Juiz Federal:- Quem disse pro senhor que existia esse percentual, que as empreiteiras iriam efetuar esses pagamentos destinados a agentes políticos?
Paulo:-Deputado Zé Janene, deputado Pedro Correa.
Juiz Federal:- Isso foi antes ou depois que o senhor assumiu o cargo de diretor de abastecimento?
Paulo:-Depois. Eu não tinha esse percentual antes, eu não sabia disso.
Juiz Federal:- Quando o senhor foi indicado pelo partido, já não havia um condicionamento nesse sentido, que o senhor deveria…?
Paulo:- O que eles me colocaram, inicialmente, é que eu deveria ajudar o partido. Isso foi colocado na primeira reunião, “ó, vamos indicá-lo, mas, obviamente que o senhor vai ter que ajudar o partido em algumas coisas”. Eu falei “tá bom”, mas eu não tinha esse percentual, não tinha noção detalhada do que seria essa ajuda, mas me foi dito na primeira reunião que eu teria que ajudá-los.
Juiz Federal:- Ajudar financeiramente?
Paulo:-Ajudar financeiramente.
Juiz Federal:- Mas não foi feito um detalhamento, uma explicação do que ia ser isso?
Paulo:-Não, não, num primeiro momento não. Não foi. Esse percentual me foi dito bem depois.
Juiz Federal:- O senhor mencionou então, 1 % dos contratos ia pra área de abastecimento. É isso?
Paulo:-Dos contratos da área de abastecimento.
Juiz Federal:- Da área de abastecimento.
(…)
Juiz Federal:- O senhor recebia alguma espécie de relação das empresas que deveriam ser convidadas pra cada certame?
Paulo:-Sim. Que basicamente eram empresas do grupo A do cadastro da Petrobras pra grandes obras que eram todas do cartel, sim.
Juiz Federal:- Mas a cada licitação o senhor recebia essas listas?
Paulo:-Não, não a cada licitação, mas cheguei a receber lista de empresas, cheguei, cheguei a receber.
Juiz Federal:- E quem providenciou essa entrega pro senhor?
Paulo:-Ou ODEBRECHT ou UTC. Geralmente as duas empresas que tinham mais contato, que falavam mais sobre esse tema. As outras empresas eu não tinha assim contato pra falar sobre esse tema com eles.
Juiz Federal:- Essas relações chegavam então realmente à soma ou não bastava só convidar as empresas que o senhor sabia…?
Paulo:-Na verdade era uma coisa meio desnecessária, porque se eu chamasse só empresas daquele grupo, só estavam aquelas empresas, então acho que chegou, talvez, nesses 8 anos que fiquei lá, sei lá, 3, 4 vezes uma lista na minha mão, mas era meio inócuo, porque as empresas eram aquelas.
Juiz Federal:- O senhor se recorda, especificamente, quem entregou as listas pro senhor?
Paulo:-Se eu não me engano, foi o Ricardo Pessoa.
Juiz Federal:- Esse 1 % do contrato, que ia pra área de abastecimento, qual que era a forma de divisão?
Paulo:-60 % ia pro Partido Progressista, quando tava só Partido Progressista, inicialmente né, 20 % ia pra despesas de um modo geral, notas fiscais e uma série de outros, outras despesas que se tinha, e 20 % era distribuído parte pra mim, parte pro Zé Janene.
Juiz Federal:- O quê é que o senhor fazia com o dinheiro que o senhor recebia? Como o senhor recebia esses valores?
Paulo:-Eu recebia lá no Rio de Janeiro normalmente, na minha casa, shopping, supermercado.
Juiz Federal:- Em espécie normalmente?
Paulo:-Normalmente em espécie.
Juiz Federal:- Transferência, conta?
Paulo:-Não, não.
Juiz Federal:- Essa conta, o senhor tinha contas lá na Suíça?
Paulo:-É. Os valores da Suíça, que foram depositados lá na Suíça, todos esses valores foram feitos através da ODEBRECHT. Que eu saiba, que eles me falaram que estavam fazendo esses depósitos.
Juiz Federal:- O senhor não recebeu da ODEBRECHT aqui também no Brasil?
Paulo:-Talvez tenha recebido, Excelência, não, não posso lhe dizer porque quando chegava, vamos dizer, o envio desse dinheiro não tinha detalhamento que era de A, de B ou de C, chegava o valor (ininteligível).
Juiz Federal:- O senhor tinha algum controle desses valores que eram devidos ao senhor a título desse, desse comissionamento…
Paulo:-Não.
Juiz Federal:- Quanto o senhor tinha de saldo?
Paulo:- Nunca fiz esse tipo de controle. Com detalhamento nunca fiz. Quando eu saí da diretoria, em abril de 2012, eu tive uma reunião com Alberto Youssef pra ver o que tinha ficado pendente, vamos dizer, então, um detalhamento maior de valores de, foi feito nessa época, mas eu não tinha assim um controle, ponto por ponto, nunca tive, nunca tive.
Juiz Federal:- O senhor pode nos esclarecer qual que era o papel do senhor Alberto Youssef?
Paulo:- Posso. O Alberto, ele assumiu um papel de mais destaque dentro desse processo todo com a doença do deputado Zé Janene. Até o deputado não ter o problema de doença, era o deputado que conduzia todo esse processo, então quando ele ficou doente e veio a falecer em 2010, foi que o Alberto assumiu um papel mais preponderante no processo. Porque até, até antes do deputado ficar doente quem conduzia todo esse processo era diretamente o Zé Janene.
Juiz Federal:- Ele participava então da negociação desse comissionamento, o senhor Alberto Youssef?
Paulo:-Antes, com o deputado Zé Janene à frente não, que eu tenha conhecimento, não, depois quando o deputado ficou doente, aí ele começou a participar.
Juiz Federal:- Ele também era, vamos dizer, ele se encarregava da entrega dos valores?
Paulo:-Sim. Depois que o deputado ficou doente, a informação, a resposta é sim.
Juiz Federal:- Esses valores que o senhor mencionou, que o senhor recebeu em espécie, no Rio de Janeiro, quem que providenciava essa entrega?
Paulo:- Alberto Youssef.
(…)
Juiz Federal:- Essas, só pra deixar claro, o senhor já mencionou, mas o senhor chegou a participar, por exemplo, de reunião posterior a esse encontro que o senhor mencionou, qual foi discutido especificamente percentuais dessa comissão, dessa propina?
Paulo:-Com as empresas?
Juiz Federal:- Isso.
Paulo:-Sim. Participei de algumas reuniões que eram capitaneadas pelos Zé Janene em São Paulo, ele chamava as empresas lá, às vezes pra falar perspectivas futuras e às vezes pra cobrar junto comigo, mas cobrar algumas pendências de pagamento.
Juiz Federal:- E quantas reuniões, aproximadamente, o senhor participou, aproximadamente?
Paulo:-Talvez umas 15, 10, 15 reuniões.
Juiz Federal:- O senhor se recorda as empresas que estiveram nessas reuniões?
Paulo:-ODEBRECHT, UTC, Camargo, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, basicamente as empresas do cartel, né.
Juiz Federal:- Essas empresas que nós temos aqui nessas ações penais, a Camargo Correa, o senhor mencionou…
Paulo:-Mencionei
Juiz Federal:- Engevix?
Paulo:-Engevix participou também de reunião.
Juiz Federal:- A Galvão Engenharia?
Paulo:-Com o Janene, eu não tenho certeza se a Galvão participou, eu não tenho certeza.
Juiz Federal:- Alguma reunião com a Galvão sem o Janene em que foi discutido essa propina que o senhor tinha participado?
Paulo:-Com certeza. Com certeza, com certeza absoluta.
Juiz Federal:- Mas que o senhor tenha participado pessoalmente?
Paulo:-Eu não lembro, eu não lembro se eu participei alguma reunião com o Janene e com a Galvão, eu não tenho lembrança disso. Agora que tiveram reuniões da Galvão com o Janene, sim.
Juiz Federal:- Sim, mas que o senhor estava presente, essa é a minha indagação.
Paulo:-Não lembro, Excelência, não lembro.
Juiz Federal:- Com a OAS?
Paulo:-Sim, participamos, participei.
Juiz Federal:- E com a Mendes Júnior?
Paulo:-Também. Mendes Júnior também, junto com o deputado.
(…)
Juiz Federal:- Dessas empresas, contratos das empresas do cartel, teve alguma ocasião em que o senhor se recorda que a empresa tenha se recusado ou resistido a fazer o pagamento dessas propinas?
Paulo:-Recusado eu não me lembro, agora, atraso sempre tinha. Quando tinha atraso, na época do deputado, cheguei a participar de algumas reuniões, que eu mencionei aqui anteriormente, onde ele cobrava das empresas o percentual. Havia atrasos, eu não lembro de ter não-pagamento, mas atrasos ocorriam.
Juiz Federal:- Mas em alguma reunião dessas que o senhor participou, ou em alguma conversa privada com alguma das empresas, alguma delas falou “não vou pagar essa propina, eu me recuso a pagar esses valores”?
Paulo:-Não me recordo de ter ocorrido isso.
Juiz Federal:- Alguma delas, alguma vez ameaçou procurar por justiça, Ministério Público, polícia, relativamente a esses pagamentos?
Paulo:-Não, pelo seguinte: as empresas tinham interesses em atender os políticos, não é só em relação a Petrobras, elas tinham interesse em outros projetos, como eu falei, de outras áreas. Então não havia interesse por parte das empresas de criar confusão né, com esses grupos políticos porque elas tinham interesses em áreas não-Petrobras. Uma coisa também que saiu pela imprensa, que eu acho que vale a pena esclarecer ao senhor agora nesse momento e ao Ministério Público, que nós diretores éramos achacadores das empresas. Isso nunca aconteceu, isso nunca aconteceu, quem tá falando isso não tá falando a verdade, porque se fosse achacadores, as empresas teriam recorrido à justiça, à polícia, quem quer que seja. Então elas também tinham interesse em atender esses pleitos políticos, porque esse interesse não se restringia à Petrobras. Vamos dizer, o PP e PMDB tinham vários outros Ministérios, não é, tinham o Ministério das Cidades, tinham às vezes, o Ministério dos Transportes, tinham outros Ministérios que as empresas tinham interesse em outras obras a não ser a Petrobras. Então esse negócio de dizer que eram pressionadas e que perderam dinheiro com isso, isso não é correto, principalmente porque ela colocavam o percentual acima do valor que elas tinham previsto. Então se elas tinham previsto que naquela obram iam ganhar 10%, se elas colocavam 13% não tinham prejuízo nunca. Então isso é uma falácia, dizer que isso acontecia.
Juiz Federal:- O senhor chegou a ameaçar alguma empresa, algum desses empresários por conta de, de, desse comissionamento, dessa propina?
Paulo:-Eu pessoalmente não, mas sei que o deputado sim.
Juiz Federal:- O senhor sabe por quê? O senhor presenciou ou o senhor ouviu?
Paulo:-Teve reunião que eu presenciei que ele apertou as empresas em relação ao percentual que cabia ao PP.
Juiz Federal:- O quê que, por exemplo, que tipo de afirmação que ele fez, que tipo de…?
Paulo:-Que ia ter dificuldades dentro da Petrobras, ou ia ter outras dificuldades que ele podia criar, como político, podia cria em relação à empresa A, B ou C. Dentro da Petrobras também, vale a pena esclarecer, talvez não tenha ficado claro, e isso também a imprensa coloca de forma divergente, que eu podia, por exemplo, atrasar pagamentos. Eu jamais podia atrasar um pagamento de uma empresa porque quem fazia a fiscalização dos contratos e quem fazia o pagamento dessas faturas era a área de serviços, não era nenhuma pessoa subordinada a mim. Eu era o dono do orçamento, eu tinha que prestar conta pra diretoria, pro conselho de administração, do orçamento da minha área, mas quem conduzia a licitação, quem assinava os contratos, quem fiscalizava as empresas, quem fazia pagamentos e aditivos era a área de serviços. Então se uma empresa chega e fala assim, “mas o Paulo podia atrasar pagamento”, outra inverdade, porque não era eu que fazia a medição. “Ah mas eu podia atuar junto ao fiscal do contrato pra retardar o pagamento”, era uma exposição gigantesca da minha área, como eu ia fazer isso?
Juiz Federal:- O senhor nunca fez isso então?
Paulo:-Nunca.
Juiz Federal:- Esses aditivos, os aditivos dos contratos, também era pago propina ou comissionamento em cima dos valores deles?
Paulo:-Normalmente sim. Como é que funcionava, como é que funciona, acho que a Petrobras ainda funciona dessa maneira: vamos fazer uma licitação de uma plataforma, vamos fazer uma licitação de uma refinaria, isso é preparado pela área de serviço, todo o processo, é encaminhada essa minuta de contrato pro serviço jurídico da Petrobras, o serviço jurídico tem que opinar sobre isso e vai pra diretoria, quando vai pra diretoria, todos os diretores analisam as pautas previamente, então vamos dizer, não há possibilidade de um diretor da Petrobras, ou de um presidente da Petrobras, alocar coisas de forma errada dentro de um processo institucionalizado que a Petrobras tem de controle. “Ah, mas o controle foi falho”, foi falho, mas existia um controle muito grande. Qualquer processo desses passava, sei lá, por 30, 40, 50 pessoas um processo desses, então, vamos dizer, vamos fazer uma licitação da refinaria Abreu e Lima. A área de serviço vai lá, prepara o contrato da unidade de coqueamento retardado da refinaria Abreu e Lima, esse contrato vai pro jurídico analisar as cláusulas jurídicas, não técnicas obviamente. Aprovou, toda pauta que chegava na diretoria da Petrobras tinha que ter o parecer do jurídico, senão a pauta não era aprovada. Passa essa pauta por todos os diretores, inclusive o presidente. “Tá tudo certo?”, tá tudo certo. Aí era autorizado a fazer a licitação.
Juiz Federal:- Certo.
Paulo:-Aditivo, precisa fazer um aditivo, segue o mesmo processo, vai pro jurídico, vai pra diretoria, cada diretor examina e a diretoria aprova de forma colegiada. Então não há nenhum contrato da Petrobras que foi aprovado sozinho por Paulo, sozinho por Duque, sozinho por Gabrielli, isso não existe. Então, vamos dizer, existe e a Petrobras tem o controle. Falhou? Falhou, mas ela tem um controle.
Juiz Federal:- Mas desses aditivos, por que as empreiteiras pagavam a propina em cima deles também?
Paulo:- Porque eram, vamos dizer, o contrato chegou lá, 10%, 3 %, 3% de valores alocados, 10% do valor da empresa, pra fazer o aditivo também tinha que passar por todo esse processo. O gerente do contrato tinha que avaliar e dar o parecer favorável, tinha que ir pro diretor de serviço aprovar, tinha que ir pra diretoria aprovar, então tinha todo esse trâmite e nesse trâmite as empresas também alocavam o valor pro aditivo.
Juiz Federal:- E o percentual era o mesmo nos aditivos?
Paulo:- Normalmente. Não é regra, podiam ter valores diferentes, mas normalmente eram. Só não posso dizer, afirmar com exatidão que era regra geral.
Juiz Federal:- E tinham novas negociações a partir de cada aditivo, para esse comissionamento?
Paulo:-Sim, tinha, tinha negociações com a comissão da Petrobras, com relação a licitação…
Juiz Federal:- Não, negociação da propina.
Paulo:-Eu não tenho condições de lhe afirmar isso, porque eu não participava desse processo, não tenho condições de lhe afirmar, mas acredito que sim. Era bem provável que tivesse.
Juiz Federal:- Mas o senhor tem conhecimento que foi pago também propina, percentual, em cima dos aditivos?
Paulo:-Perfeitamente, tenho.
Juiz Federal:- O senhor alguma vez desaprovou algum aditivo, retardou pagamento por conta de pendências desses, dessas propinas, dessas comissões?
Paulo:-Esses aditivos eram conduzidos pela área de serviço, então, vamos dizer, o que é que eu podia fazer, se o aditivo tivesse um valor muito exagerado, ou muito alto, como eu era o dono do orçamento, eu podia fazer alguma intervenção em relação à parte do orçamento sim, agora em relação a necessidade do aditivo, de um projeto não totalmente pronto, que a Petrobras optou, não foi Paulo, não foi Duque, não foi Gabrielli, a Petrobras optou de fazer licitações com projeto não concluído, que gerou todo esse transtorno aí. Pode ter ocorrido isso. Pode ter ocorrido.
Juiz Federal:- Pode ter ocorrido o que? Como assim?
Paulo:-Da pergunta que o senhor fez.
Juiz Federal:- Da pergunta, o senhor deixou de aprovar algum aditivo por conta de pendências de propina, de vantagem indevida?
Paulo:-Não. Eu olhava a parte do orçamento, porque a parte de recursos não lícitos, quem fazia isso, vamos dizer, quem tinha autonomia pra fazer isso era o diretor de serviço, não era eu. Eu não tinha autonomia pra isso, porque a comissão não era minha e o aditivo, eu não tinha condição de fazer isso. Agora esse aditivo, ele tinha que ser encaminhado pra diretoria, então se eu, como diretor, achasse que aquele aditivo tava exagerado em termo de valor, eu teria condição de brecar o aditivo poderia fazer isso.
Juiz Federal:- Certo, relacionado à questão da propina né, o senhor alguma vez deixou de aprovar algum aditivo ou retardou o pagamento por conta de propina pra pressionar as empresas a pagar propina? Essa é a pergunta.
Paulo:-Não tenho, não tenho condições de lhe afirmar com certeza. Talvez tenha ocorrido um ou outro caso, mas não tenho condição de lhe afirmar. Eu não me lembro, pode ter ocorrido, mas não me lembro.
Juiz Federal:- Voltando àquela questão que o senhor mencionou, do senhor Janene, que teria eventualmente feito alguma ameaça nessas reuniões as empreiteiras, a ameaça foi relacionada ao quê? Ao não pagamento da propina, ao percentual da propina ou falta de dependência, o quê que era?
Paulo:-Normalmente atraso de pagamento. As reuniões que eu participei que houve uma ação mais forte dele era atraso de pagamento.
Juiz Federal:- Teve algum caso em que ele ameaçou as empresas porque a empresa não queria pagar propina?
Paulo:-Que eu tava presente, também não me lembro, eu me lembro de atrasos de pagamento.”
283. Neste trecho, Paulo Roberto Cota confirma o pagamento de propinas nos contratos da Camargo Correa na Refinaria Presidente Getúlio Vargas e na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima:
“Juiz Federal:- Na Camargo Correa, com quais dirigentes o senhor teve contato especifico?
Paulo:-O meu maior contato lá era com Eduardo Leite, tive também contato com Dalton, que era o presidente da companhia, mas especificamente a esses assuntos não-lícitos, o contato meu era com Eduardo Leite.
Juiz Federal:- O senhor João Ricardo Auler?
Paulo:- Tive alguns contatos com ele né, pela posição que ele ocupava dentro da companhia, mas não me lembro de ter discutido alguma coisa nesse sentido com ele. Sabia que ele teve muito contato, na época, lá pra trás, com José Janene. Isso eu sabia, talvez eu acho que eu tenha até participado de uma ou outra reunião com o Janene e com ele, mas os contatos, vamos dizer, os contatos mais amiúde, dentro desse processo, foram com Eduardo Leite.
Juiz Federal:- Esses contatos envolvendo pagamentos desses comissionamentos, dessa propina?
Paulo:-Correto.
Juiz Federal:- E o senhor mencionou dessas reuniões com o senhor e o José Janene, o senhor não se recorda quem da Camargo que se fazia presente?
Paulo:-Eu acho que o João né? João Euler?
Juiz Federal:- Auler.
Paulo:- João Auler, acho que o João Auler, acho não, ele participou de algumas reuniões lá no passado, na época que o deputado era vivo, ele participou de algumas reuniões sim.
Juiz Federal:- Que o senhor estava presente?
Paulo:-Que eu estava presente.
Juiz Federal:- E que foi discutido comissionamento?
Paulo:-Que foi discutido comissionamento.
Juiz Federal:- O senhor mencionou “acha” ou o senhor tem certeza?
Paulo:-Tenho certeza.
Juiz Federal:- Das obras aqui mencionadas pelo Ministério Público na ação penal, a primeira delas é o Consórcio CCPR pra REPAR, consórcio que era composto pela Camargo Correa e pela Promom. O senhor se recorda se nesse caso, nesse contrato teve propina ou comissionamento?
Paulo:-Sim. Agora os contatos, eu não tinha contato com a Promom, meus contatos foram sempre com a Camargo Correa.
Juiz Federal:- Também aqui, objeto da ação penal, a referência ao consórcio CNCC, Consórcio Nacional Camargo Correa, obra na RNEST, na refinaria do Nosrdeste. O senhor sabe me dizer se nesse caso houve pagamento de propina, vantagem indevida?
Paulo:-Também teve.
(…)
Juiz Federal:- Senhor Paulo, aqui vou permitir uma intervenção…
Paulo:-Pois não.
Juiz Federal:- O senhor mencionou que havia esse cartel?
Paulo:-Correto.
Juiz Federal:- Havendo esse cartel não havia um comprometimento das licitações?
Paulo:-Sim.
Juiz Federal:- Da concorrência?
Paulo:-Sim, o senhor tem total razão, Excelência…
Juiz Federal:- O senhor não entende que se não houvesse esse cartel poderia a concorrência gerar preços menores dentro das propostas?
Paulo:-Poderia, mas dentro desse percentual de 3%, 2% e não um percentual de 500%, mas sim, correto.
Juiz Federal:- Concordemos que entre 1% e 20 % há uma margem considerável de valores?
Paulo:-É, agora a Petrobras tinha o seu orçamento básico, e esse orçamento básico era feito de acordo com as condições de mercado, então quando você fazia um orçamento básico, chegava à conclusão que esse empreendimento ia custar 1 bilhão de reais, se a empresa desse 2 bilhões de reais, a licitação era cancelada, como várias vezes o foi…
Juiz Federal:- Então essa margem poderia oferecer 1 bilhão a 1 bilhão e 200 milhões?
Paulo:-Correto, dentro dessa margem. E principalmente, por outro problema que a Petrobras resolveu fazer dessa maneira, e tem que ficar claro isso, a Petrobras resolveu fazer as contratações sem ter o projeto concluído. Foi uma opção que a Petrobras teve, não foi uma opção de Paulo Roberto, de Duque, de ninguém, foi uma opção da companhia. Então, vamos dizer assim, quando você tem o projeto todo pronto, todo concluído, vamos dizer, o problema de você ter um desvio, de ter um aditivo, de ter uma série de coisa é menor, agora porque que a Petrobras fez isso, porque era importante fazer as obras rápido, porque que era importante, porque o petróleo tava mais de 100 dólares o barril, então cada barril que você processasse aqui era um barril a menos que você ia importar, o mercado tava crescendo. Então, as refinarias não foram inventadas por mim, não foram inventadas por ninguém, as refinarias são necessárias, a Petrobras precisa ter novas refinarias pra atender o mercado brasileiro.”
284. Neste trecho, Paulo Roberto Costa confirma que os contratos celebrados entre a empresa Costa Global foram utilizados para repasse de propina pela Camargo Correa a Paulo Roberto Costa, após a saída deste da empresa:
“Juiz Federal:- Depois que o senhor saiu da Petrobras, o senhor ainda assim recebeu propinas?
Paulo:-É, quando eu saí da companhia, nós fizemos reunião com o Alberto Youssef e tinha algumas empresas que ainda tinham pendências de contratos que foram feitos na minha época, contratos pendentes ainda e houve, houve recebimento da minha parte de alguns valores dessas empresas que tinham contratos lá anteriormente à minha saída.
Juiz Federal:- Essa empresa que o senhor montou, Costa Global, era do senhor?
Paulo:-Sim.
Juiz Federal:- O senhor recebeu vantagem indevida ou propina através da Costa Global?
Paulo:-É, a Costa Global, ela teve contratos lícitos, muitos contratos lícitos de consultoria, e também teve o recebimento de contratos ilícitos, sim.
Juiz Federal:- O senhor pode me esclarecer como funcionava isso? A segunda parte.
Paulo:-Foram fechados contratos com algumas empresas, como se fossem consultoria, pra elas zerarem essas pendências. Seria consultoria.
Juiz Federal:- O senhor lembra quais empresas que o senhor fez esse tipo de contrato?
Paulo:- Camargo Correa, Queiroz Galvão, Engevix, Iesa, acho que foram as principais.
Juiz Federal:- E porque eles pagavam pro senhor se o senhor já tinha deixado a Petrobras?
Paulo:- Compromissos que tinham sido assumidos anteriormente e resolveram honrar. Podia não honrar, porque eu não tinha mais a caneta, não era mais diretor, eles podiam não fazer nenhum pagamento, e eu não ia reclamar de nada.
Juiz Federal:- Alguma delas se recusou a pagar essas pendências?
Paulo:-É, essas pendências nem todas foram quitadas integralmente, porque depois ocorreu o início da operação aqui em março, março do ano passado, nem todas quitaram a integridade dos contratos. O que eu me lembro aqui, agora, a Iesa acho que pagou 3 parcelas e não pagou mais, por problema de caixa da companhia, a Queiroz…
Juiz Federal:- Mas teve alguma delas que, vamos colocar assim, que simplesmente falou “não, não vou pagar nada dessas pendências”?
Paulo:-Deixa eu me lembrar.
Juiz Federal:- Se o senhor não se recordar, o senhor diga que não se recorda.
Paulo:-É não, não me recordo, Excelência. Eu lembro só dessas empresas que eu lhe falei. Eu não me recordo. Pode até ter ocorrido, mas no momento eu não tô me recordando.
Juiz Federal:- Eu vou interromper um minutinho aqui pela extensão do aúdio.
(…)
Juiz Federal:- 5083258, da Camargo Correa. Consta aqui, dentre os fatos da acusação, que esses contratos de consultoria da Camargo Correa com a Costa Global constam pagamentos de outubro de 2012 a dezembro de 2013, num total aqui de cerca de 2.875.000. Esse contrato ele era um contrato de uma consultoria real ou fictícia pra questão de recebimento, como é que era?
Paulo:-Eu dei uma consultoria pra Camargo Correa, isso consta no meu processo de delação, mas a grande parte desse não foi de consultoria, foi de atrasados em relação a antes de abril de 2012.
Juiz Federal:- Isso foi feito por intermédio também do senhor Alberto Youssef ou o senhor fez direto com a empreiteira?
Paulo:- O Alberto conversou na época com o Eduardo Leite e, mas aí o contrato foi diretamente com a Camargo Correa. Não houve participação do Youssef nesse processo, só inicialmente nas primeiras conversas.”
285. Como adiantado, já no final da instrução, os acusados Dalton dos Santos Avancini, Presidente da Camargo Correa, e Eduardo Hermelino Leite, Diretor da Área de Óleo e Gás , também celebraram acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal (eventos 940 e 942).
286. Quanto aos crimes de corrupção e lavagem, também admitiram, em síntese, o pagamento de propinas em percentual sobre o valor dos contratos e aditivos à Diretoria de Abastecimento, a intermediação de Alberto Youssef e utilização das empresas Sanko Sider e Sanko Serviços para tanto. Cabe transcrever alguns trechos ainda que longos (evento 878).
287. Neste trecho, Eduardo Hermelino Leite confirma o pagamento de propinas de 1% pela Camargo Correa à Diretoria de Abastecimento, inclusive sobre os contratos obtidos na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR) e Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST), por intermédio de Alberto Youssef. Teria assumido a função de efetuar o pagamento das propinas por solicitação do acusado João Ricardo Auler, então Vice-Presidente da Camargo Correa. Os valores de propina pagos à Diretoria de Abastecimento chegaram a cerca de quarenta e sete milhões de reais:
“Juiz Federal: – O Ministério Público afirma que haviam pagamentos de valores a diretores da Petrobras, o senhor pode me esclarecer se havia mesmo, como isso ocorria?
Eduardo:- Quando eu assumi a área de óleo e gás, a Camargo tinha um contrato recém-assinado, que era da REPAR, alguns contratos em andamento e um contrato que ela havia ganho a licitação, mas ainda não havia assinado o contrato, que era o da RNEST. Os responsáveis anteriores na empresa por esses contatos, fizeram uma reunião de passagem daquilo que existia. Então foi quando me foi informado que existia uma propina que era paga para a área de serviços e uma propina que deveria ser paga para a área de abastecimento. Propinas essas associadas aos empreendimentos que a Camargo já detinha, e aqueles que ainda faltavam assinar, no caso da RNEST. E como isso estava sendo equacionado, então, por exemplo, para a área de serviços, a Camargo já detinha vários contratos junto à TREVISO e PIEMONTE, que são empresas de Júlio Camargo, que se responsabilizou por fazer esses pagamentos. E no que tange à área de abastecimento, me foi apresentado o senhor José Janene e o senhor Alberto Youssef, os quais já estavam …já cobravam a Camargo, porque os pagamentos não vinham ocorrendo por causa da Camargo. A partir deste momento eu passei a interagir com o Alberto Youssef, no qual ele … ajudando a buscar soluções para que o pagamento fosse efetivado.
Juiz Federal: – Tá. Pra nós darmos um passo atrás aí, foi lhe passado então que havia essa situação já consolidada, quando o senhor assumiu?
Eduardo:- Exato.
Juiz Federal: – E quem passou ao senhor essa informação?
Eduardo:- Primeiro, no que tange às apresentações das pessoas. Me foi apresentado tanto os diretores da Petrobras, institucionalmente, pelo senhor João Auler, porque era ele, como vice-presidente na época, ele detinha essa relação institucional. E tinha um diretor que acumulava a função operacional e comercial de óleo e gás, que era o Leonel Viana, o qual Leonel me passou as obrigações já existentes, contratos com Júlio Camargo e obrigações. E, no caso o João Auler me passou a relação, principalmente com o José Janene e AlbertoYoussef, porque eles foram à Camargo Correia para uma reunião com o João Auler, e nesta reunião, acho que até por uma discussão ocorrida entre João Auler e José Janene, eu fui chamado à sala, no qual João Auler notificou eles, falou, “a partir de hoje quem trata com vocês desse tema é o Eduardo”.
Juiz Federal: – “Desse tema” é vantagens?
Eduardo:- Vantagens, vantagens. E dessa forma José Janene falou “está bom, da minha parte quem trata desse tema é Alberto Youssef, então Eduardo e Alberto Youssef é quem … vocês vão se relacionar pra resolver o nosso problema”.
Juiz Federal: – E com a diretoria de serviços, como é que foi essa…
Eduardo:- Eu fui apresentado pelo Leonel Viana e pelo João Auler, ao Júlio Camargo. O Júlio Camargo já era uma pessoa que tinha relacionamento com a empresa, anterior, que me foi informado, desde o ano de 2000, justamente por causa que ele representava a Toyo. E me foi apresentado o Júlio, no qual ele tinha contratos em vigor, pra propinas de contrato que já estavam em andamento, e contratos que estavam recentemente assinados pra obras que iriam estar iniciando.
Juiz Federal: – Tá. Mas a situação foi esclarecida, ele foi apresentado ao senhor…
Eduardo:- Pra qual finalidade: como repassador de propina, pra fazer o pagamento junto à diretoria de serviços.
Juiz Federal: – Na diretoria de abastecimento, quem o senhor sabia que recebia?
Eduardo:- Que eu saiba era o doutor Paulo Roberto e … pelo que eu tinha entendido, né, pelo que ficou claro pra mim, o Partido Progressista como indic … como partido que havia indicado Paulo Roberto.
Juiz Federal: – E na diretoria de serviços?
Eduardo:- Na diretoria de serviços, eu sabia que era atendido ao diretor de serviços, o doutor Duque, doutor Renato Duque, ao Gerente Executivo Pedro Barusco e ao Partido dos Trabalhadores.
Juiz Federal: – No caso da Abastecimento não tinha gerente executivo que também recebia?
Eduardo:- Pontualmente, e até na minha delação eu cito isso, ocorreram situações pontuais de negociações de aditivos, mas não negociações desses … desses tradicionais aí que foi já mencionado, o repasse de um por cento que era feito pra cada lado.
Juiz Federal: – Já que o senhor entrou nesse detalhe, então, era um por cento sobre o contrato?
Eduardo:- Exatamente.
Juiz Federal: – Pra cada uma das diretorias?
Eduardo:- Pra cada uma das diretorias.
Juiz Federal: – E esse percentual variava ou era sempre só um por cento?
Eduardo:- Esse percentual, o que, o que tinha me sido colocado, é que esse percentual havia sido definido que era um por cento pra cada diretoria. Na verdade o que variava era só capacidade de cumprir esse fluxo, porque um por cento … como os valores eram muito altos, esse um por cento era um valor significativo. Então você, pelo menos na Camargo, por a Camargo não operar nenhum sistema de caixa dois, pela Camargo ter uma dificuldade muito grande pra efetuar qualquer tipo de pagamento, era quase impossível honrar, vamos dizer assim, esse fluxo do um por cento.
Juiz Federal: – Essa era uma regra em todo contrato da Camargo com a Petrobras ou foi pra contrato específico? O senhor mencionou REPAR, RNEST…
Eduardo:- Então, quando me foi passado, me foi passado quais eram os contratos em vigor, que isso estava prevalecendo. É lógico que nós tínhamos contratos que davam prejuízo, os quais eu entendia que a gente não deveria pagar. Mas essa discussão do que deveria ser pago ou não ser pago, ela acabou sendo consumida, porque a hora que você fazia avaliação do valor total do que tinha que ser pago, o que tinha entrado era tão alto, e a gente não conseguia cumprir esse fluxo, que essa discussão não ocorria.
Juiz Federal: – Sim.
Eduardo:- Então, assim, eu tinha uma planilha, que eu forneci ao Ministério Público, que demonstra lá como eram os pagamentos. Então tem contratos que eu tinha prejuízo, que eles consideravam que eu devia, mas que eu considerava não dever. Só que na hora que você olhava o valor total, ele era tão grande, tão alto, que a gente não ia alcançar nunca esse pagamento.
Juiz Federal: – Da Repar e da RNEST houve pagamento?
Eduardo:- Houve pagamento, esse foi par e passo com o empreendimento.
Juiz Federal: – 1% de cada contrato?
Eduardo:- Exatamente.
Juiz Federal: – Pra cada uma das diretorias?
Eduardo:- Exatamente.
Juiz Federal: – 1% pra diretoria de serviço e um por cento pra diretoria de abastecimento?
Eduardo:- É.
Juiz Federal: – O senhor lembra os totais aproximados que foram pagos?
Eduardo:- Eu consigo falar do total geral
Juiz Federal: – Tá.
Eduardo:- Pra diretoria de serviços 63 milhões, e pra diretoria de abastecimento 47 milhões.
Juiz Federal: – E a questão: por que a Camargo pagava?
Eduardo:- Primeiro, porque isso havia sido pactuado, então eu herdei essa pactuação, então me foi informado que isso deveria ocorrer. Agora, do ponto de vista se isso representava alguma vantagem, eu diria que se não se pagasse, você teria muita dificuldade na gestão contratual junto à Petrobras. Então era uma condição para você celebrar o contrato, aí você fala “não, se você não pagar, você não celebraria o contrato”, você não paga na celebração, você paga depois durante a obra, mas você tinha que sinalizar a aceitação. E depois, como os contratos, as obras, elas tinham projetos muito ruins, elas foram contratas com projetos básicos muito ruins, então – eu também expliquei isso no meu depoimento – a variação de preço no andamento da obra levava distorções significativas. E você ia ter que discutir com o cliente essas distorções. E aí você tinha algumas questões de aceitação do cliente, sobre a interpretação de uma distorção. Então eu vou dar um exemplo: Greve – a partir do momento que você tem um período muito longo de greve, que isso represente trinta, quarenta, cinquenta milhões, se o cliente não sentar com você e aceitar aquele … te deve aquele custo, porque você incorreu, você fica numa negociação, e se você não tivesse o cliente do seu lado, você não conseguiria fazer essa aprovação.
Juiz Federal: – Sobre os aditivos, havia também propina?
Eduardo:- Na verdade propina era sobre o valor total…
Juiz Federal: – Total.
Eduardo:- … do que fosse montado. Mas aí pontualmente, nessas aprovações desses aditivos … a aprovação de um aditivo na Petrobras, ele passa por uma discussão no âmbito da obra, onde você tem uma comissão, tanto da parte da Petrobras, tanto da parte da empresa, que discutem se tecnicamente aquilo é devido. até uma discussão que chegava no Rio de Janeiro, que a gente chama, nas gerências executivas.
Juiz Federal: – Certo.
Eduardo:- Então às vezes neste processo você era chamado – e literalmente os casos que eu tenho, nós somos chamados – a efetivar pagamento de propina pra obter a concordância deles.
Juiz Federal: – E era também nesse percentual de um por cento os aditivos?
Eduardo:- Gerava em torno disso.
Juiz Federal: – No caso … o senhor trabalhou com essa, vamos dizer assim, essa responsabilidade que lhe foi repassada, do acertamento dessa propina, dos pagamentos, até quando que o senhor se encarregou disso?
Eduardo:- Até 2013. Até 2013.
(…)
Juiz Federal: – O senhor ou a Camargo receberam ameaças por não pagar essas propinas?
Eduardo:- Ameaças não, mas cobranças sim.
Juiz Federal: – Mas cobranças em qual sentido?
Eduardo:-Cobrança do valor devido. O Duque contatou e falou “pô, o valor é devido e eu tenho interesse em recebê-lo.”
Juiz Federal: – Mas mesmo antes do Renato Duque, do Paulo Costa, mesmo na época que eles eram diretores, teve alguma ameaça “ou você paga ou a Camargo vai sofrer isso, isso, isso e aquilo …”
Eduardo:- Não. Ameaça explícita não.
Juiz Federal: – E alguma vez aventaram, o senhor ou o pessoal dentro da Camargo Correa, que tinha conhecimento desses fatos, procurar polícia, procurar as autoridades, tomar alguma providência?
Eduardo:- Não. Isso nunca foi aventado, até porque eu entendo que isso seria uma atitude corporativa e é difícil né.
Juiz Federal: – Como assim uma atitude corporativa? O senhor pode explicar?
Eduardo:- Me foi feita uma pergunta durante os meus depoimentos, do que eu achava que estava acontecendo, – meu depoimento de pessoa física – , e eu falava que eu não me enxergava cometendo nenhum crime e sim participando de alguma coisa que estava … Hoje eu entendo melhor, não que eu não tivesse entendimento, hoje eu tenho uma visão melhor do que efetivamente…
Juiz Federal: -Nós estamos aqui para esclarecer.
Eduardo:- Eu tenho uma visão melhor e sei da minha participação, tanto que eu assim comuniquei no meu acordo de colaboração e aceitei as penalidades. Agora eu entendo que esse movimento de separar um processo desse tamanho, com essas corporações, é alguma coisa muito maior que os indivíduos. Eu não teria … assim … você fala “você tem conforto em participar de pagamento de propina?” Com certeza não. Com certeza não.
Juiz Federal: – A decisão de, vamos dizer, fazer esses acordos de propina não foi do senhor então, foi algo que já existia?
Eduardo:- Exatamente. Exatamente.
Juiz Federal: – Mas teve algum acordo que foi feito enquanto na sua gestão?
Eduardo:- Só de liquidação. Não de combinação, porque de combinação já estava em vigor.
Juiz Federal: – Quem que sabia dentro da Camargo Correa sobre esses acordos de propina e esses pagamentos? O senhor mencionou que era uma questão coorporativa essa.
Eduardo:- Exato.
Juiz Federal: – O senhor pode me esclarecer melhor isso?
Eduardo:- Posso. Existe uma diretoria que é responsável, principalmente no caso de Petrobras, que a gente chama de óleo e gás. Então todo mundo que se tornou diretor de óleo e gás, tem que ter conhecimento anteriores a mim, posteriores a mim. Tem que ter conhecimento do que está acontecendo, porque ele é gestor daquele cliente, daquela situação. Nós tivemos um caso que a óleo e gás chegou a ser um segmento em separado. Tinha um diretor que a gente chama superintendente, que tinha que ter o conhecimento. E depois, quando óleo e gás deixou de ser separado e voltou a participar de construções e comércio Camargo Correa, a Presidência, a Vice-presidência, tinha que ter conhecimento, porque isso é inevitável.
Juiz Federal: – Por exemplo, o senhor mencionou já o nome do senhor João Auler, que ele lhe passou os contratos. Ele tinha conhecimento?
Eduardo:- O João Auler tinha conhecimento, porque ele participou no passado e conheceu as pessoas no passado. Então não tenho dúvidas que conhecimento ele tinha.
Juiz Federal: – O senhor mencionou também o nome do senhor Dalton Avancini, ele tinha conhecimento?
Eduardo:- Tinha conhecimento.
Juiz Federal: – Consta aqui que ele é uma das pessoas que assinaram esse contrato de consultoria, o primeiro contrato.
Eduardo:- Sim.
Juiz Federal: – Ele sabia, soube depois que esse contrato ia ser utilizado pra liquidação das propinas?
Eduardo:- Sempre. Nada era feito sem conhecimento, a nossa corporação é grande, então dificilmente uma pessoa só toma uma decisão pra efetuar um pagamento, seja o que for, existe até um processo extremamente delicado pra aprovação de pagamento”
288. Eduardo Leite também confirmou o pagamento de propinas a Paulo Roberto Costa mesmo depois que ele deixou o cargo de Diretor de Abastecimento da Petrobrás, o que teria sido feito mediante superfaturamento de contrato de consultoria da Costa Global:
“Juiz Federal: – Consta na acusação que foram feitos pagamentos à diretoria de abastecimento, ao Paulo Roberto Costa, mesmo depois que ele deixou a Petrobras, ocorreu isso?
Eduardo:- Ocorreu. No caso das duas diretorias, um pouco antes dos diretores se desligarem, houve uma reunião com cada um deles, a pedido dos operadores, tanto do Doutor Júlio Camargo, como do Alberto Youssef, onde se fechou o valor, no mês da saída dele, de quanto a empresa devia de propina e ficou-se combinado que em algum momento a empresa iria providenciar essa liquidação. No caso da diretoria de serviços, essa liquidação não ocorreu, porque o diretor me enviou um e-mail de uma empresa de consultoria dele, que era recém-aberta…
Juiz Federal: – O Diretor, quem? O senhor Renato Duque?
Eduardo:- Doutor Renato Duque.
Juiz Federal: – E qual que era essa empresa de consultoria?
Eduardo:- É D3TM,…DTM3, um negócio assim.
Juiz Federal: – Depois que ele saiu, ele enviou esse e-mail então pro senhor?
Eduardo:- Exatamente. Pedindo pra que ocorresse o pagamento. Só que essa empresa dele, era uma empresa recém-aberta, ela não teria condições de celebrar um contrato de um valor de 12, 13 milhões com uma empresa que não tinha escopo. E no caso do Paulo Roberto aconteceu a mesma coisa, só que no caso do Paulo Roberto ocorreu uma diferença. Quando o Paulo me procurou, num primeiro momento, não foi pra receber a propina, ele me procurou falando isso “estou me desligando, eu sei que tem um débito, mas eu pretendo continuar atuando no setor de óleo e gás, porque eu tenho conhecimento”. E aí interessou pra Camargo Correia, contratar o Paulo pra prestar serviços de algumas horas. Então, por exemplo, o primeiro contrato que eu fiz com o Paulo, eu pagava R$ 6.000,00 reais mês para o Paulo dedicar quatro horas por mês de trabalho junto à minha área de planejamento estratégico. (ininteligível) quais eram os investimentos que a Petrobras tinha e ele como diretor conhecia o planejamento estratégico da empresa. Logo em seguida, eu intensifiquei esse contrato, por um valor um pouco superior, R$ 13.000,00 reais, porque houve um período de intensificação nosso de realizar o nosso planejamento de vinte anos, e eu precisei de um trabalho mais intenso dele. Só que em seguida, me procurou o Youssef, falando “olha, você precisa fazer uma liquidação parcial do que está sendo devido ao Paulo, porque o Paulo está me cobrando e ele gostaria de fazer isso através da empresa de consultoria dele. E aí foi feito um aditivo a esse contrato, com 100 parcelas de 30 … não, 30 parcelas de R$ 100.000,00 reais. E a Camargo começou a pagar isso, só que quando chegou em dezembro de 2013, como esse contrato era relativo à propina de contratos das nossas obras, esse valor era abatido do resultado do … abatido do resultado não … era apropriado o custo na obra.
Juiz Federal: – Certo.
Eduardo:- Até porque esse custo tinha sido orçado na obra. E aí a obra resolveu antecipar a liquidação desse contrato. Por que motivo? Como ela estava com o saldo de caixa positivo ao fim do ano, ela começou a liquidar todos os compromissos futuros que ela tinha pra começar o ano seguinte. E resolveram perguntar se poderiam antecipar esse contrato, o que foi autorizado.
Juiz Federal: – Eu vou lhe mostrar aqui, já que o senhor entrou nesse assunto, nessa Ação Penal aqui, 5083258 essa mesma, o evento 1 OUT 3. Uns contratos da Camargo com a Consultoria Global. Peço pro senhor dar uma olhadinha. Tem uns aditivos posteriormente também.
Eduardo:- Isso. Exatamente. São esses contratos que foram celebrados. Então esse contrato tinha … ele teve um início com um valor menor e ele veio sendo aditado até chegar no valor das parcelas para performar 2 milhões e ….
Juiz Federal: – Depois que o Paulo Costa deixou a diretoria de abastecimento, a Camargo não poderia simplesmente dizer “não pago, não tem mais necessidade, não preciso mais da sua ajuda pra aprovar esses contratos…”
Eduardo:- É. Poderia. Mas aí é uma interpretação da minha parte, o Paulo Roberto não era só uma pessoa física, ele tinha uma entidade política por trás. E essa entidade politica tinha sua influência. Então se você não efetuasse – subtendo – que se a Camargo não efetuasse os pagamentos, amanhã essa entidade poderia estar nomeando um outro diretor, aí você passa a ter um outro tipo de problema. Acredito que seja esse o principal motivo das empresas não romperem esse ciclo.”
289. Neste trecho, Eduardo Hermelino Leite revela que a propina nos dois contratos foi repassada a Alberto Youssef através da simulação de contratos de serviços com as empresas Sanko Sider e Sanko Serviços:
“Juiz Federal: – Especificamente o contrato da REPAR, da RNEST, como foram feitos os repasses pro senhor Alberto Youssef?
Eduardo:- É, na REPAR, foram feitos através … a REPAR e a RNEST, eles tiveram um período similar de acumulação de repasses.
Juiz Federal: – Sim.
Eduardo:- Porque o contrato da REPAR, ele iniciou com um projeto de engenharia que tinha que ser desenvolvido pela Camargo Correa e pela Promon. Então isso demandou um tempo para o início da obra e para os grandes faturamentos. Então as duas obras se aproximaram muito e aí passaram a se utilizar os mesmos veículos, então, por exemplo, foi utilizado a Sanko como um veículo, então a Sanko celebrou um contrato com a REPAR de prestação de serviço o qual foi feito um pagamento, e celebrou contrato com a RNEST de fornecimento e prestação de serviço que foram feitos outros pagamentos. Existiram contratos junto a outros prestadores de serviços, alguns da Camargo Correa, que foi pedido pela Camargo pra que esses prestadores se entendessem com Alberto pra efetuar o pagamento. E alguns trazidos pelo Alberto que foram aprovados, uma consultoria jurídica, uma consultoria tributária … que isso foi, acabou sendo utilizado.
Juiz Federal: – No caso, esse … já que ele é mencionado na denúncia com mais detalhes, esse da Sanko. Como exatamente era, vamos dizer, eu não sei se eu entendi, era embutido o valor da propina nos contratos?
Eduardo:- A Sanko, ela veio num primeiro momento, e na obra da REPAR, que era uma obra que já tinha condições de fazer pedidos de tubo, já tinha colocado 90% dos seus pedidos no mercado com outras empresas. O que tinha restado eram 10%, que eram de materiais de baixo valor agregado e de difícil disponibilidade. Então se optou por naquele primeiro momento se pagar exclusivamente por serviços, então foi feito um contrato de serviço com a Sanko, acho que de 3 milhões e 600, na REPAR, e que isso foi repassado pra Sanko pagar pro Youssef.
Juiz Federal: – Tá. Mas esse serviço então não foi prestado de fato?
Eduardo:- Não, não foi prestado. O segundo foi na RNEST. Como na RNEST, nós tínhamos recebido as ordens de compra, já tínhamos a delimitação, se condicionou à Sanko, numa reunião entre Alberto Youssef, Marcio Bonilho, eu e o Dalton, que ela fizesse fornecimentos à Camargo, com preços abaixo daqueles preços que a Camargo tivesse de cotação, senão a compra não ocorreria. A Camargo deveria ter uma vantagem. Até porque a Sanko era uma empresa ainda que deveria ser testada numa performance dessa monta. E nessas condições ficou estabelecido que deveríamos achar, através desde fluxo, formas pra pagar o Alberto. E isso foi feito através de novas emissões de faturas de serviço que foram feitas pela Sanko.
Juiz Federal: – Serviços que não foram prestados?
Eduardo:- Que não foram prestados.
Juiz Federal: – E nas mercadorias, no fornecimento do material desses tubos, não houve superfaturamento também?
Eduardo:- Não. Não, esses preços… a Sanko, ela tinha um preço extremamente competitivo, porque o mercado nacional estava tomado e ela começou a fazer importação de tubos da China, de outros locais. E ela tinha um preço efetivamente mais baixo. Vale aqui uma ressalva, na hora que eu falei que o faturamento não tinha um respaldo de serviços, entre o preço de venda da Sanko e o ser … ela não me entregava pura e simplesmente um tubo, ela tinha alguns processos que ela tinha que fazer pra me entregar a tubulação.
Juiz Federal: – Sim.
Eduardo:- Que eram serviços.
Juiz Federal: – Tá.
Eduardo:- Mas isso eu entendo que estava coberto no preço de venda da tubulação.
Juiz Federal: -Tubulação. Então esses contratos de serviços não tinham serviços reais remunerados ali.
Eduardo:- Não.
Juiz Federal: – E essa reunião, o senhor mencionou, participou o senhor, o Alberto Youssef, o Dalton Avancini e o Márcio Bonilho?
Eduardo:- Exato.
Juiz Federal: – E isso foi discutido claramente na reunião, que haveria essa simulação então de contrato?
Eduardo:- Sim.
Juiz Federal: – E o quê que foi explicado pro senhor Bonilho, pra quê que serviria esses valores? Foi falado ali abertamente que isso era propina, como é que era?
Eduardo:- Isso foi trazido … como a Sanko foi trazida pelo Youssef, né, … na verdade, o que se falava é que o Youssef se entenderia com a Sanko com relação aos pagamentos. Falar que houve ali uma … isso vai ser feito um por cento pra ser pago ao Paulo Roberto, e ao PP, não foi dessa forma. Mas ficou subtendido que existia sim um benefício que ele tinha que transferir ao Youssef. Isso ficou determinado.
Juiz Federal: – O senhor mencionou desses pagamentos, da propina, o senhor mencionou que eram direcionados ao PP também. Ao partido, ou agentes políticos específicos dentro do partido?
Eduardo:- Eu não sei lhe falar, porque, na verdade, o que aconteceu: com a existência tanto dos operadores, a gente não fazia interlocução com os políticos. Então quem fazia esse trabalho eram esses operadores, então eu não tinha noção de quem efetivamente era beneficiário ou não. Eu sei que representava a entidade PP, por ouvir falar ali, até ouvi do próprio … acho do próprio Paulo Roberto uma vez. Mas nunca de identificar assim quem é que seja o beneficiário.
Juiz Federal: – E esses valores repassados ao senhor Alberto Youssef era só pro PP ou eram pra outros partidos também?
Eduardo:- Que eu saiba só pro PP.”
290. Oportuno ainda destacar o presente trecho no qual Eduardo Hermelino Leite declara que os valores da propina eram considerados como custo operacional da Camargo Correa e repassados no preço dos contratos com a Petrobrás:
“Juiz Federal: – O senhor mencionou então essa propina era custo operacional da Camargo?
Eduardo:- Exatamente.
Juiz Federal: – Então isso era repassado no preço com a Petrobras?
Eduardo:- Exatamente.”
291. Também informou que a Camargo Correa não teria tomado qualquer providência interna para apurar os fatos após a prisão cautelar de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa em março de 2014:
“Juiz Federal: – Não se aventou depois que houve a prisão do Alberto Youssef, em nenhum momento, dentro da Camargo Correa, que … Camargo e Correa é uma empresa gigante do setor?
Eduardo:- Sim.
Juiz Federal: – Ela na posição de construtoras do Brasil qual é que é o…
Eduardo:- Segunda ou terceira.
Juiz Federal: – O senhor concorda comigo que a empresa Camargo e Correa tem uma responsabilidade social enorme pela posição dela no mercado?
Eduardo:- Concordo.
Juiz Federal: – E depois que aconteceu a prisão do senhor Alberto Youssef, vieram essas informações do possível envolvimento da Camargo, de pagamentos de propina pela Camargo. Em nenhum momento dentro da empresa se cogitou em tomar alguma providência, vamos dizer, institucional, dentro da empresa, “olha, vamos pedir desculpas, vamos reconhecer que erramos”. Ninguém pensou nisso?
Eduardo:- Olha, Excelência, o que eu posso lhe falar é o seguinte. Como eu era parte … a minha, a minha visão com a empresa, nós ficamos olhando pra o que estava acontecendo no processo propriamente dito da operação, e não em algo maior. Então, assim, que eu tenha participado, sido convocado, eu, de nada.
Juiz Federal: – Mas o senhor não ficou sabendo por bastidores que alguém tomou alguma iniciativa de resolver esse problema?
Eduardo:- Não, não fiquei sabendo.”
292. Como adiantado, Dalton Avancini assumiu a Diretoria de Óleo e Gás em 2008 e, depois, assumiu a função de Presidente dessa área. Declarou que não teria participado das reuniões do cartel e dos ajustes para as licitações da REPAR e da RNEST, pois seriam anteriores às datas em que assumiu os cargos, mas teria participado, como representante da Camargo Correa, em reuniões posteriores de cartel e ajuste de licitações para obras da Petrobrás no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro/COMPERJ. Esclareceu que nem todos os ajustes para os contratos do COMPERJ deram certo, convergindo seu depoimento neste ponto com o de Augusto Mendonça para o qual, nessa época, o cartel estaria perdendo sua sua efetividade. Transcrevo trecho relevante, ainda que longo (evento 878):
“Juiz Federal: – Quando que o senhor teve contato pela primeira vez com estas questões relativas a pagamentos de propina, de vantagens na Petrobras?
Dalton:- 2008. Foi quando eu assumi a área, quer dizer, o diretor anterior que passou a área pra mim né. Quer dizer, que tinha, quando ele faz a transição da área ele informa que existiam esses compromissos de propina dentro dos contratos da Petrobras.
Juiz Federal: – Quem que era o diretor anterior?
Dalton:- Era o Leonel Viana.
Juiz Federal: – E o quê que ele passou exatamente pro senhor, o senhor pode me relatar?
Dalton:- Nós tínhamos um sistema até meio assim, mal feito até, disso. Mas assim, quando ele passa, ele informou, a Camargo nós já tínhamos tido contratos na, estava em andamento né o contrato da REPAR, da REVAP, e ele informou que nestes contratos existiam esse compromisso. E que existia o compromisso que era um por cento para a área de abastecimento e um por cento para a área de serviço. E que estes valores se destinavam a partidos né, quer dizer, quem apoiava a área de serviços era o PP, e quem apoiava…, a área de abastecimento era o PP e quem apoiava a área de, de serviços era o PT. E que isso se destinava a esses apoios políticos para os diretores dessas áreas, que os diretores comandavam aí.
Juiz Federal: – Isso foi uma reunião o senhor e ele, ou mais pessoas?
Dalton:- Não. Eu e Leonel.
Juiz Federal: – E o senhor recebeu essa informação assim, foi com naturalidade, ou isso lhe causou algum espanto, como é que foi? O senhor pode me esclarecer?
Dalton:- Não, causou espanto. Eu cheguei a questionar, falei, “mas por quê que precisa disso”, né. Quer dizer, isso foi informado que era a regra do jogo, funcionava daquela maneira, que aquilo era assim, esses contratos eram assim. Eu questionei né, na época, e depois até a hora que isso acaba acontecendo, depois na hora que nós assumimos, em um dado momento, acho que talvez eu vá esclarecer na frente que a gente começou a tentar não fazer esses pagamentos aí né, quer dizer, a dificultar esses pagamentos.
Juiz Federal: – Foi mencionado como justificativa que outras empresas também faziam isso?
Dalton:- Sim, era uma prática do mercado e diante de, pra Camargo estar no jogo ela teria que participar também. Quer dizer, isso fazia parte daquele processo como um todo.
Juiz Federal:- Essa expressão, “regra do jogo”, todo mundo pagava propina na Petrobras?
Dalton:- O que dizia-se é que assim: as empresas que participavam daquele grupo, que era o grupo que tinha de empresas que se conversavam e que participavam dos negócios, sim, todas pagavam propina.
Juiz Federal: – O Ministério Público fala que havia uma espécie de ajuste entre as empresas nessas licitações, uma espécie de cartel. O que que o senhor tem conhecimento a esse respeito?
Dalton:- Então, eu, assim, que eu participei efetivamente né, quer dizer, em 2008 a Camargo já havia ganho a obra da, da RNEST né, quer dizer, ela já era, já tinha sido vencedora. Nós não, eu não participei da, eu passo a participar a partir daí. E a licitação em que eu participo efetivamente é do COMPERJ né, quer dizer, o que foi o próximo bloco de negócios que a Petrobras licitou. E nesse processo realmente havia combinação das empresas né, quer dizer, e eu participei diretamente aí dessas negociações com essas outras empresas.
Juiz Federal: – O senhor participou como? Foi em alguma reunião? Mais de uma reunião? Como foi?
Dalton:- Sim. Mais de uma reunião né, eu era o representante da Camargo. Até, assim, eu era normalmente, eu era da área operacional. Eu não tinha nem, não era muito comum eu participar de, dessas áreas, da área comercial. O que aconteceu foi, nessa transição havia uma certa até confusão um pouco aí dessa, de como é que isso estava acontecendo, quando a área passou pra mim. A empresa tava numa profunda reformulação, mudando cargos, mudando até estrutura né. A estrutura, existia uma estrutura que comandava, comercial e operacional, foi separada. Então, mas aí eu, eu, e nesse meio houve uma mudança dessa divisão para o Rio de Janeiro. Eu mudei pro Rio de Janeiro. A área comercial que naquele momento tava sendo assumida pelo Eduardo não mudou. E eu acabei ficando designado e cuidando dessas, dessas negociações diretamente. Então tiveram reuniões com as outras empresas, reuniões com todas, reuniões com menos empresas. Tiveram vários eventos pra essas negociações desses contratos.
Juiz Federal: – Mas que tipo de negociação que havia? Havia um ajuste das licitações?
Dalton:- Sim. Havia um ajuste né. E aí também eu fiquei sabendo que esse ajuste já vinha desde a época da RNEST, porque eles me traziam que a Camargo já havia sido atendido nos contratos da RNEST. Ela já tinha tido o seu quinhão de negócios na RNEST. Então a participação dela nesse novo ajuste seria menor até, e mais para o final. Porque teriam outras empresas que ainda não haviam participado desse ajuste e que teriam que ser atendidas né, nesse, no primeiro bloco. Então, era colocado explicitamente que a Camargo teria tido, isso teria, que dentro da RENEST teria havido este acordo e que nesse momento ela estaria, ela seria atendida também, mas em obras mais à frente dessas licitações.
Juiz Federal: – E como, como seria operacionalizado esse ajuste?
Dalton:- Esse ajuste, as empresas se reuniam né. Quer dizer, elas decidiam quem seria a ganhadora de cada uma, cada um daqueles pacotes. A partir de definições de tamanho, você tinha como é que elas se agregavam né. Então existia a agregação em consórcios, até pra que cada uma fosse atendida, tanto as maiores, como as menores, né. Quer dizer, existia toda uma lógica pra que as empresas tivessem um equilíbrio de quantidade de contrato dentro dessas licitações.
Juiz Federal: – Nessas reuniões então definia: a empresa X vai ganhar a licitação Y, isso?
Dalton:- Sim. As empresas, elas definiam, elas colocavam seus interesses né, quer dizer, e a partir deste, e nessas reuniões o que se definia era exatamente isso. A empresa manifestava o seu interesse, e havia o acordo pra que ela se tornasse, acabasse se tornando vencedora, ao ser apoiada pelas demais aí.
Juiz Federal: – Esse apoio das demais era em que sentido ? Elas apresentavam propostas de preço maior, ou elas simplesmente não participavam?
Dalton:- Não. Em geral, havia um acordo em que algumas faziam essa proposta de preço maior né, elas eram, o que se chamavam aí, eram as propostas de cobertura aí para aquela que seria a vencedora. Mas nem todas participavam dessas coberturas, às vezes a empresa não, ela simplesmente não apresentava proposta né.
Juiz Federal: E esses ajustes no COMPERJ, algum foi efetivado? O senhor tem conhecimento?
Dalton:- Sim. Os primeiros aí foram. Eu não me lembro agora os pacotes de cabeça, mas tiveram pacotes que tiveram efetividade, que acabaram acontecendo. A Camargo não teve. O da Camargo ela não obteve sucesso naquele que ela estava designada como ganhadora.
(…)
Juiz Federal: – O quê que resguardava o senhor de efetuar esses pagamentos e depois não ser, vamos dizer assim, individualmente responsabilizado?
Dalton:- Assim, até a empresa é bastante compartimentada né, quer dizer, e tem uma série de, então assim, vários desses pagamentos até, eles eram feitos no próprio projeto, na própria obra fazia isso. E isso era colocado como a regra do jogo e a gente fazia né.
Juiz Federal: – Mas colocado por quem pela regra do jogo? O senhor…
Dalton:- Foi colocado pelas, o pessoal da Petrobras aí né, quer dizer, pelo, quando nós começamos a fazer esses contratos aí, começamos a andar com esses contratos e que aquilo tinha que ser feito. Então assim, não havia uma preocupação até né, de falar assim, eu vou ser responsabilizado. Eu era o líder da unidade lá né, quer dizer, e nós fazíamos né, quer dizer. Era uma atitude até talvez insana aí de não se preocupar com isso.
Juiz Federal: – E porque que pagava isso?
Dalton:- Então, novamente né, assim, você tinha quando, aí tem um dado aí que nos fez ter a crença aí da necessidade desses pagamentos, que foi exatamente nessa transição, a Camargo tinha ganho esse contrato da RNEST né. Quer dizer, ela já tinha sido, tinha feito o bid, tinha feito o rebid e ela tinha ganho. E nós percebemos aí naquele momento, que tava sendo feito um, tinha algum movimento aí pra dificultar a assinatura. Foi até um momento em que nós procuramos o Duque. Foi uma reunião em que tive eu e o Eduardo. Nós fomos a uma reunião com o Duque. E nessa reunião ele não falou de propina, mas colocou uma série de dificuldades dizendo que a Camargo tava com problemas, que era, que ele tava vendo dificuldade na assinatura desse contrato e que, então assim, naquele momento a gente viu claramente que eles tinham um poder de interferência que, de dificultar e nos prejudicar dentro destes contratos. Quer dizer, eu acho que talvez isso tenha sido a motivação pra gente achar que deveria assumir que esses contratos deveriam ser, que esses pagamentos deveriam ser feitos. Mas nós tentamos durante um bom tempo não pagar né, quer dizer, isso foi feito tanto numa área como na outra. E aí exatamente o que surgiu eram essas dificuldades aí né, de ameaças e que tinha que pagar, que isso era compromisso e a partir daí é que houve a decisão de que a gente iria pagar.
Juiz Federal: – Tá, mas houve alguma ameaça concreta?
Dalton:- A não assinatura do contrato da RNEST foi uma ameaça concreta.
Juiz Federal: – Mais alguma?
Dalton:- Não, diretamente eu, assim, as ameaças muitas vezes eram uma dificuldade né, quer dizer, estava se negociando um aditivo, não se sabia se esse aditivo não tava saindo por, por realmente por questões técnicas, ou se tava havendo alguma má vontade aí.
Juiz Federal: – Mas alguém afirmou ao senhor, algum diretor falou, ou alguém falou, “Oh não vamos assinar esse aditivo, porque vocês não tão pagando propina”?
Dalton:- Não. Não, até porque eu não tinha contato com eles, pra mim eles nunca falaram.
Juiz Federal: – O senhor teve contato direto com o senhor Paulo Costa?
Dalton:- Sim, tive algumas reuniões com ele.
Juiz Federal:- Conversou com ele sobre a propina?
Dalton:- Jamais. Jamais.
Juiz Federal: – Como é que o senhor sabe que o valor que o senhor pagava pro senhor Alberto Youssef ia pro Paulo Costa?
Dalton:- A informação que a gente tinha não era que ia pro Paulo Roberto né, esse valor iria para partidos aí né.
Juiz Federal: – Ah, pra partidos.
(…)
Juiz Federal: – Depois que o senhor Paulo Costa e depois que o senhor Renato Duque deixaram as diretorias respectivas, continuou havendo pagamento?
Dalton:- Houve um pagamento pro senhor Paulo Roberto né, quer dizer, que foi esta, que aí talvez tenha sido o momento em que eu tive a maior clareza que ele recebia efetivamente, foi quando de uma, o Paulo Roberto ao sair da Petrobras né, quer dizer, nós, o Paulo Roberto era uma pessoa, um técnico de respeito tal né, quer dizer, e nós tínhamos interesse em ter proximidade com ele visando o futuro dessa área dentro da companhia. Então houve um contrato com ele, de consultoria, que em princípio se, era um contrato sério aí de, que era um pagamento acho que da ordem de R$ 6.000,00 reais aí que ele teria e mais, pra que ele realmente assessorasse a empresa nesses assuntos de óleo e gás. Passado um tempo desse contrato, fui informado que nós teríamos uma dívida com ele aí dos contratos do passado aí né, quer dizer, que nós tínhamos que pagar. E me foi solicitado pelo Eduardo pra que a gente fizesse um aditivo ao contrato pra que pagasse e eu aprovei esse aditivo né, quer dizer, e foi feito um aditivo ao contrato em que o Paulo Roberto recebeu um valor através da empresa de consultoria dele né.
Juiz Federal: – Certo. Mas aqui ele estando fora já da Petrobras, porque pagar propina atrasada pra ele?
Dalton:- Porque nós tínhamos a crença aí né, que o Paulo Roberto era um abridor de portas aí né, quer dizer, em qualquer negócio da área de óleo e gás, né ? Ele era uma pessoa que tinha um profundo respeito no mercado e nos interessava estar próximo e ter uma boa relação com ele.
Juiz Federal: – Algum momento nesse período que o senhor teve conhecimento desses fatos, e houve esses pagamentos da propina, vamos dizer, sob sua gestão, não se cogitou em: não vamos pagar, vamos procurar a polícia, Ministério Público, as autoridades públicas?
Dalton:- Não. Acho que nosso erro foi esse. Nós, até não pagar nós chegamos a fazer isso, a cogitar, mas aí ao fim de qualquer pressão nós cedíamos, ao invés de tomar as medidas que devíamos ter tomado aí.
Juiz Federal: – Entre as empresas, outras que pagavam também essas propinas, nunca se cogitou? Porque, vamos dizer, são empresas grandes e os poderosos dentro do mercado. Nunca se cogitou em vamos tomar uma atitude em relação a isso?
Dalton:- Não.
Juiz Federal: – E a pergunta que eu fiz ao senhor assim, como o senhor se garantia ? Vamos supor, que amanhã a Camargo Correa venha e diga: “Olha é isso aí a responsabilidade exclusiva foi do senhor Dalton Avancini. Ele tomou essa iniciativa sozinho, a culpa é dele, a empresa não compactuava com isso”. Como é que o senhor se garantia que isso…
Dalton:- Eu não tenho garantia disso, o que eu sempre assim, eu fiz, o que se fazia era exclusivamente dentro dos negócios né, quer dizer, sem nenhum proveito pessoal. E a minha crença era de que isso seria visto não como uma atitude individual minha e que, e até ainda estou sob esse risco de a empresa fazer isso.”
293. Dalton também relatou que, após a prisão de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa em março de 2014, foi chamado para dar explicações ao Conselho de Administração da Camargo Correa, não tendo, porém, sido tomada qualquer providência de apuração dos fatos:
“Juiz Federal: – Depois que o senhor Alberto Youssef foi preso, em março de 2014, foi feita alguma coisa dentro da empresa, alguma iniciativa da empresa de apurar esses fatos, de elucidar o que tinha acontecido?
Dalton:- Eu era o presidente né, quer dizer, então nós até tomamos algumas atitudes aí de compliance sobre isso aí, mas assim, não havia como também elucidar tudo porque seria eu mesmo o responsável. Vários desses atos foram por mim aprovados aí.
Juiz Federal: – O Conselho de Administração convocou o senhor pra solicitar explicações?
Dalton:- Foi questionado isso e foi explicado né, quer dizer, notadamente o contrato que se cobrava explicações era o da Sanko, que foi o que teve uma publicidade muito grande né. E sobre esse contrato existia uma certa legalidade que era possível ser explicado.
Juiz Federal: – Ta, mas o senhor foi convocado ao Conselho de Administração?
Dalton:- Fui perguntado sobre isso e fui…
Juiz Federal: – E o senhor falou?
Dalton:- Expliquei né, sobre o contrato da Sanko, que era um contrato é, real. Não expliquei o que havia atrás desse contrato.
Juiz Federal: – O senhor não falou que tinha pagamento de propina?
Dalton:- Não.
Juiz Federal: – O senhor não admitiu perante o Conselho de Administração que tinha esses pagamentos?
Dalton:- Não.
Juiz Federal: – E foi feita alguma apuração, alguma investigação interna pra…
Dalton:- Além dessa não.
Juiz Federal: – O senhor foi chamado lá pra dar explicações?”
294. No trecho seguinte, Dalton esclareceu como os contratos da Camargo Correa com a Sanko Sider e Sanko Serviços foram utilizados para repassar a propina:
“Juiz Federal: – E esse contrato da Sanko havia então a propina embutida nele?
Dalton:- Sim.
Juiz Federal: – Como é que era, como é que funcionava?
Dalton:- O contrato da Sanko né, quer dizer, quando se deu a, ele, a Sanko foi trazida né, pelo menos a mim né, pelo próprio senhor Youssef aí né, junto com o senhor Youssef, eu não sei bem quem que trouxe quem. E foi no, ele veio, foi trazido como um fornecedor né, quer dizer, que deveria ser um fornecedor para os projetos da empresa. Ele queria fornecer pra empresa como um todo e tinha todo um objetivo de fornecimento dela. Quando houve de fato a contratação né, quer dizer, num primeiro momento ele tinha problemas que ele não tinha o tal do CRCC, que ele não tinha condições de fornecer à Petrobras. E o que foi dito foi: “Olha se ele fornecer, se ele tiver condições de fornecer e fornecer a preços de mercado, não tem problema. Nós podemos contratar”. E a proposição dele inicial é que ele forneceria a preços de mercado e ainda assim conseguiria embutir a comissão que seria paga ao senhor Youssef. Então esse era o modelo aí que teria que, que iria acontecer dentro do contrato. Então ele fornecia, com preços de mercado, e a partir daí ele fazia os pagamentos que deveriam ser feitos pro senhor Youssef. E isso foi assim que foi feito né, quer dizer, então tinha o fornecimento sério e real para o projeto.
Juiz Federal: – Tá. Mas tinha um peso então desse fornecimento?
Dalton:- O que acontecia, ele alegava e conseguiu isso né, até, acho que até onde eu sei em quase na totalidade, ele fazia, ao ter preços melhores, que ele, tinha um dado nesse momento no mercado em que os preços tavam superelevados aí né, quer dizer, por conta da demanda da Petrobras tal, tinham vários fornecedores nacionais que conseguiam ter um preço, eles tavam com preços elevados. O que a Sanko fazia é que ela trazia de fora né, quer dizer, essa foi até a alegação dele, que ele era uma trading né, quer dizer, ele não era um fabricante. Ele conseguiria trazer isso a preços muito melhores e nos venderia com esse plus, então ele incluiria esse plus. Porém ainda assim ele ficaria com preços dentro do mercado.
Juiz Federal: – Quem cuidou disso aí foi o senhor ou foi o senhor Eduardo Leite?
Dalton:- Diretamente o Eduardo Leite, com a obra. Aí teve uma pessoa da obra que participava também, participou desses contratações aí né.
Juiz Federal: – E os contratos de prestação de serviço com a Sanko Serviços, quê que eram esses contratos?
Dalton:- Houve um primeiro contrato né, quer dizer, que é um contrato de valor, se eu não me recordo aqui, da ordem de três milhões aí, que estava existindo uma pressão muito grande né, por parte do, do senhor Youssef junto ao Eduardo, pra que fosse feito o pagamento. E aí na época a discussão era: não, nós não temos como fazer porque não há serviço, nós não vamos fazer. E aí ele se propôs a fazer um trabalho de busca aí que ele iria usar inclusive esse trabalho para a obra da RNEST. Esse foi o formato desse contrato. Só que provavelmente o que foi pago não valia aquilo né, quer dizer, então naquele valor realmente foi colocado propina para ser paga pro senhor Youssef. Eu não sei a distribuição que houve depois, desse contrato, quanto foi pro Youssef ou quanto ficou efetivamente com a Sanko.
Juiz Federal: – E na RNEST também não teve contrato de serviços, com essa Sanko Serviços?
Dalton:- Até se teve, depois houve esse contrato de serviços. Só que a decisão de contratar serviços é uma prática que às vezes no mercado existe, porque assim, essas empresas fornecedoras elas têm interesses até com questões tributarias e tal. Então eles dividem muitas vezes né, o que é fornecimento e o que é serviço né, quer dizer, e tem, e pode ter prestação e tem muitas vezes prestação e nesse caso tinha alguma prestação. O que eu não consigo precisar é o valor. Só que isso já não ficou absolutamente na minha alçada. Isso já era uma alçada do projeto, que assim, a divisão entre o que tava decidido era, a Sanko seria fornecedora. A partir daí, dividir contrato, como é que seria feito…
Juiz Federal: – Mas esse contrato de serviços da RNEST, não houve também inclusão de valores de propina?
Dalton:- No contrato como um todo houve. Agora se saía do serviço ou saía do próprio produto, eu não consigo dizer isso. Mas tinha propina dentro da contratação Sanko, essa é que era, até eu insisto, eu não participava da decisão do quê que era serviço e o quê que era fornecimento.
Juiz Federal: – O senhor conheceu o senhor Márcio Bonilho?
Dalton:- Conheci.
Juiz Federal: – O senhor conversou sobre esses assuntos com o senhor Márcio Bonilho?
Dalton:- A conversa foi que ele seria contratado sim, e que teria o Youssef, seria comissionado nesse contrato dele.
Juiz Federal: – Mas comissionado pras propinas também?
Dalton:- Teria comissão.
Juiz Federal: – Repassada aos partidos?
Dalton:- Não. Nesse ponto não foi discutido, eu com ele não. Com o Márcio Bonilho não. O Márcio Bonilha, ele e Youssef, e tava dito que o Youssef teria uma comissão. Se seria pra partido, não, isso não chegou, essa discussão.”
295. Também ele admitiu que a propina era tratada como um custo operacional do contrato e incluído no preço cobrado à Petrobrás:
“Juiz Federal: – Como é que a, a Camargo tratava esses valores da propina? Ela, como é que ela arcava com esses valores? Isso eram tratados como custos dentro da empresa?
Dalton:- Isso era um custo do projeto. O contrato da Sanko é um contrato assim, totalmente dentro do projeto né, quer dizer, isso era pago dentro da RNEST integralmente né, quer dizer, e era um custo que tinha diretamente. Nos casos aí já do Júlio Camargo, tiveram alguns contratos aí de consultoria né, quer dizer, que era custo, depois eram lançados ao projeto. Eram pagos, mas também era custo, era tratado como custo.
Juiz Federal: – Isso era repassado como preço à Petrobras?
Dalton:- Isso era passado como preço à Petrobras.”
296. Os relatos, estarrecedores, confirmam os termos da imputação do Ministério Público Fedederal.
297. Tem-se, portanto, que confessaram os crimes Paulo Roberto Costa, que recebeu a propina, Alberto Youssef, que intermediou o pagamento da propina, Dalton Avancini dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite, executivos da Camargo Correa, que providenciaram o pagamento da propina.
298. Apesar da robustez das confissões, vieram elas após acordo de colaboração premiada, sendo necessária prova de corroboração.
299. As provas de corroboração são cabais e é importante destacar que preexistiam às colaborações.
300. Foi a abundância de provas materiais na presente ação penal que levou os acusados a celebrarem acordos de colaboração premiada com o Ministério Público Federal.
301. No curso da investigação, muito antes das colaboraçõres, foram identificadas empresas de fachada que seriam utilizadas por Alberto Youssef para recebimento de propinas.
302. Entre elas, a MO Consultoria, a Empreiteira Rigidez e a RCI Soffware. Também utilizada a GFD Investimentos para tal finalidade, embora esta empresa tenha existência real e fosse utilizada por Alberto Youssef para ocultar seu patrimônio ilícito.
303. A MO Consultoria foi constituída em 25/08/2004, tendo por objeto consultoria técnica (certidão da junta comercial do anexo2, evento 1, do processo 5027775-48.2013.404.7000). Em 29/01/2009, ingressou no quadro social o ora acusado Waldomiro de Oliveira, na condição de sócio e administrador. A verificação dos endereços nos quais a empresa teria sua sede revelou, ainda na fase de investigação, locais incompatíveis com empresa de elevada movimentação financeira (conforme petição e fotos constantes do anexo2, evento 1, do processo 5027775-48.2013.404.7000).
304. A RCI Software tem em seu quadro social Eufranio Ferreira Alves, mas foi apreendida nos autos procuração outorgada Waldomiro de Oliveira (evento 1, anexo10, da ação penal conexa 5026212-82.2014.404.7000). A Empreiteira Rigidez tem no quadro social Soraia Lima da Silva e Andrea dos Santos Sebastição, mas seria controlada por Waldomiro Oliveira.
305. Interrogado no presente feito, o acusado Waldomiro de Oliveira admitiu, em síntese, que foi o responsável pela abertura e gestão das empresas MO, Empreiteira Rigidez e RCI Software, que figura no quadro social da MO e tem procuração para gestão das outras duas, e que cedeu as empresas e suas contas para Alberto Youssef, para que este recebesse nelas valores e os distribuísse a terceiros, recebendo para tanto uma comissão de cerca de 1% sobre eles (evento 876). Waldomiro declarou que as empresas não prestaram qualquer serviço e que as notas fiscais foram emitidas a pedido de Alberto Youssef. Confrontado com diversos contratos firmados entre a MO, a Empreiteira Rigidez e RCI Sofftware com diversas empreiteirase com a Sanko Sider, admitiu que eram todos ideologicamente falsos. Transcrevo trecho:
“Waldomiro:-É, pelo menos que eu fiquei sabendo, que ele me passava, é que ele tinha créditos para ele receber de algumas empreiteiras, de alguém que devia pra ele. Ele precisava de documentos pra pode ter esse dinheiro em investimento. Ou seja, prestação de serviço que ele já tinha executado para alguém e que precisava de documentos para dar respaldo nisso.
Juiz Federal:- E que que eram esses documentos?
Waldomiro:-Notas fiscais.
Juiz Federal:- Eram contratos, notas fiscais?
Waldomiro:-Tinham contratos e notas fiscais. Primeiro eram os contratos, depois as notas fiscais.
Juiz Federal:- Mas porque que ele mesmo não emitia isso?
Waldomiro:-Acredito que ele não queria fazer no nome dele ou não tinha… não tinha nenhuma empresa que pudesse fazer dele, o que ele queria fazer.
Juiz Federal:- Que empresas que o senhor, vamos dizer, permitiu que ele utilizasse para essa finalidade?
Waldomiro:-MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e RCI.
Juiz Federal:- Mais alguma?
Waldomiro:-Não. Nem mais nenhuma.
Juiz Federal:- E essas empresas elas existiam de fato?
Waldomiro:- Não existiam, era simplesmente para que se fizesse os documentos que ele necessitava.
Juiz Federal:- Os serviços então das notas, dos contratos paras suas empresas, essas empresas mesmo não prestavam?
Waldomiro:-Não fizeram nenhum serviço.”
306. Antes, ainda durante as investigações, surgiram provas de que essas empresas seriam utilizada por Alberto Youssef.
307. Inicialmente pela identificação de transações dela com outras empresas ou pessoas relacionadas a Alberto Youssef. Sobre esse fato, transcrevo o que já consignei na decisão na qual decretei a prisão preventiva de Alberto Youssef (evento 22 do processo 5001446-62.2014.404.7000):
“Segundo o laudo pericial 190/2014 da Polícia Federal (evento 37 do processo 5027775-48.2013.404.7000), referida empresa [MO Consultoria] movimentou a expressiva quantia de R$ 89.736.834,02 no período de 2009 a 2013.
Relativamente à conta da MO Consultoria também constam informações de operações suspeitas em relatórios do COAF (fls. 7 em diante do anexo 3 do evento 1 do processo 5027775-48.2013.404.7000).
Foram identificadas transações da conta da MO Consultoria com pessoas relacionadas a Alberto Youssef, como Antônio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini, que esteve com ele envolvido na lavagem de recursos desviados da Copel (conforme delação premiada), e cujo escritório de advocacia figura como proprietário de veículo utilizado por Alberto Youssef, como ver-se-á adiante. Também foram identificadas transações para a empresa JN Rent a Car Ltda., que foi de propriedade de José Janene, e Angel Serviços Terceirizados, que é empresa controlada por Carlos Habib Chater com o qual Alberto Youssef, como revelou a interceptação mantém intensas relações no mercado de câmbio negro.
Há apontamento de diversos e vultosos saques em espécie sofridos pela conta da empresa, estratégia usualmente utilizada para dificultar o rastreamento de dinheiro.
Na fl. 70 da representação, são apontadas diversas transações suspeitas envolvendo pessoas relacionada a Aberto Youssef. Ali consta:
– cinco transações vultosas e relacionadas a empresas controladas por Carlos Habi Chater;
– cinco transações vultosas e relacionadas a Nelma Kodama; e
– dezenas de transações de valores variados, parte vultosos, relacionados à empresa Sanko Sider acima referida.”
308. Além dessas transações, durante a interceptação telemática realizada no processos 5026387-13.2013.404.7000 e 5049597-93.2013.404.7000, foi decretada a quebra do sigilo sobre as mensagens armazenadas no endereço eletrônico paulogoia@hotmail.com que era utilizado por Alberto Youssef.
309. Pela quebra, identificada mensagem a ele enviada por Fabiana Estaiano, gerente financeira da Sanko Sider, usuária do endereço eletrônico fabiesta28@gmail.com, e no qual estava anexada planillha de valores repassados à MO Consultoria e a GFD Investimentos.
310. Tal mensagem eletrônica e planilha encontram-se no evento 206 do 5049597-93.2013.404.7000.
311. Ali constam na coluna “fornecedor” as siglas MO e GFD, seguido na coluna “NF” do número de notas fiscas, na coluna “datas de pagamento” datas variadas de 28/07/2011 a 18/07/2012, na coluna “valor bruto” valores variados que totalizam R$ 7.950.294,23, outra coluna “status” com a indicação do termo “comissão” e outra coluna de título “cliente” apontando CNCC, o que remete ao Consórcio Nacional Camargo Correa e, por conseguinte, à obra contratada junto à Petrobrás pela RNEST.
312. Na busca e apreensão autorizada por este Juízo em 24/02/2014 (processo 5001446-62.2014.404.7000, evento 22), na sede da GFD Investimentos e no escritório de lavagem de Alberto Youssef, foram apreendidas planilhas semelhantes, mas abrangendo período temporal maior (evento 90, anexos 7 e 8, do inquérito 5014901-94.2014.404.7000).
313. Na mais abrangente delas (evento 90, anexo7, p.3), com pagamentos entre 23/07/2009 a 18/03/2013, reproduzem-se as colunas acima apontadas, com alguma diferenciação. Além da MO e da GFD, na coluna “fornecedor” constam também “Direto”, “Muranno”, “Outro” e “Rigidez”. O total, desta feita, atinge R$ 28.877.958,83. Na coluna “status”, há lançamentos a título de “repasse” e a título de “comissão”.
314. Segundo esta planilha, foram feitas, somente para a MO, catorze transferências no total de R$ 14.578.806,43 a título de “repasses” e seis transferências no total de R$ 4.067.123,70 a título de “comissão”. Nela ainda constam duas transferências no total de R$ 1.329.246,13 a título de “repasses” à Empreiteira Rigidez e nove transferências no total de R$ 5.780.782,57 a título de “comissão” à GFD Investimentos.
315. Confrontado com essa planilha em audiência, Alberto Youssef confirmou a sua autenticidade e explicou que as transferências a título de “repasse” diziam respeito ao pagamento de propina, enquanto as a título de “comissão” diziam respeito a sua parte por comissionamento por ter intermediado a venda dos tubos da Sanko Sider. Transcrevo (evento 875):
“Juiz Federal:- E foi o senhor o responsável por, vamos dizer, a Camargo Correa ter contratado a Sanko Sider?
Alberto:- Sim, eu fui o responsável.
Juiz Federal:- O senhor ganhava comissão também?
Alberto:- Ganhava comissão pelas vendas dos tubos e conexões.
Juiz Federal:- Eu vou lhe mostrar aqui uma planilha que se encontra nos autos, que é uma planilha que foi encontrada no seu escritório de trabalho, a minha cópia aqui está um pouco pequena, espero que o senhor não tenha problema de visão, mas na tabela consta “fornecedor”, aí tem MO, MO, MO, GFD, notas fiscais, valores que totalizam 29.210.000, data de pagamento e num campo aqui “Status” consta repasse e comissão e cliente CNCC. Pode entregar pra ele.
Alberto:- Bom, nessa planilha aqui tudo que é repasse, tudo que está como “repasse” é o pagamento de propina; tudo que está como comissão é comissionamento da venda de tubos que eu recebia.
Juiz Federal:- Quem fez essa planilha, o senhor ou a Sanko Sider?
Alberto:- Não, foi a Sanko Sider.
Juiz Federal:- Com quem o senhor tratava esses assuntos na Sanko Sider?
Alberto:- Márcio Bonilho.
Juiz Federal:- E ele tinha conhecimento que esses valores iam, por exemplo, pra Paulo Roberto Costa ou para agentes públicos?
Alberto:- Acredito que sim, porque o meu escritório quem frequentava era políticos e os empresários e, de vez em quando, quando havia reunião no escritório, ele cruzava às vezes com um político ou outro dentro do meu escritório.
Juiz Federal:- Mas qual foi a explicação que o senhor deu pra ele pra utilização da empresa dele como intermediária desses repasses, o que o senhor falou?
Alberto:- Não, realmente ele sabia que tinha comissionamento pela obra da Repar… É… pela obra da Repar e pela obra da Rnest.
Juiz Federal:- Comissionamento no que? Na intermediação ou comissionamento de propina?
Alberto:- Comissionamento de propina.
Juiz Federal:- O senhor disse isso pra ele?
Alberto:- Não disse explicitamente, mas para um bom entendedor…”
316. As planilhas, em questão, revelam, portanto, trinta e uma transferências de R$ 25.755.958,83 a MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e GFD Investimentos pelas empresas Sanko em decorrência dos contratos com o Consórcio Nacional Camargo Correa, isso no período de 23/07/2009 a 18/03/2013. Considerando apenas os valores ali constantes a título de “repasse” que, segundo Alberto Youssef, seriam propina, tem-se R$ 15.908.052,56.
317. A inclusão de uma das planilhas em mensagem eletrônica enviada por empregada da Sanko a Alberto Youssef e a própria apreensão de outras planilhas no escritório de lavagem de Alberto Youssef confirmam ser ele o responsável por essas transferências às empresas beneficiárias, entre elas a MO Consultoria, a GFD Investimentos e a Empreiteira Rigidez.
318. Além disso, revelam que a origem do numerário é a Camargo Correa, especificamente o Consórcio Nacional Camargo Corrrea, o que remete à obra contratada na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST), tendo os valores sido repassados por intermediação da Sanko Sider e Sanko Serviços.
319. Nas buscas e apreensões realizadas na fase investigatória, foi ainda apreendido contrato entre a Sanko Serviços e a MO Consultoria, datado de 05/07/2011, subscrito por Fabiana Estaiano, gerente financeira da Sanko, e, pela MO Consultoria, por Waldomiro de Oliveira (evento 488, arquivo apinqpol17, fls. 26-30, do inquérito 5049557-14.2013.4047000). Nele consta que o objeto dos serviços prestados pela MO à Sanko estava vinculado ao Consórcio Nacional Camargo Correa, estando assim redigidas as cláusulas pertinentes:
“O presente contrato tem por objeto a prestação pela contratada dos serviços de consultoria tributária e auditoria financeira, serviços estes a serem executados, para contratante ou eventualmente para empresas ligadas a esta.
A contratante fornecerá todas as cópias dos pedidos de compra do Consórcio Camargo Correa – CNEC, todas as ordens de compra junto a seus fornecedores estrangeiros, cópia das commercial invoices e bill of landing´s e outros documentos necessários ao completo entendimento do escopo dos serviços a serem prestados pela constratada.”
320. Os repasses também foram confirmados pelas quebras de sigilo fiscal e bancário.
321. O Consórcio Nacional Camargo Correa – CNCC, repassou, à Sanko Sider, entre 2009 e 2013, cerca de R$ 179.251.839,70 em cento e setenta e nove operações, enquanto a Construtora Camargo Correa repassou, em nove operações, R$ 3.650.351,98.
322. Já a Sanko Serviços recebeu, do Consórcio Nacional Camargo Correa – CNCC, entre 2009 e 2013, cerca de R$ 11.179.525,00.
323. Tais dados encontram-se sintetizados no Relatório de Análise nº 053/2014 e no Relatório de Análise nº 039/2014 elaborados sobre os extratos bancários pelo Ministério Público Federal e apresentados junto com a denúncia (evento 1, out6 e out7).
324. O fornecimento destes dados foi precedido por quebra judicial do sigilo fiscal e bancário das empresas, conforme decisão de 15/04/2014 (evento 3) no processo 5023582-53.2014.404.7000.
325. As empresas Sanko Sider Ltda. e a Sanko Serviços de Pesquisa e Mapeamento, por sua vez, repassaram, entre 2009 e 2013, cerca de R$ 26.040.314,18 à empresa MO Consultoria Ltda.
326. Rigorosamente, pela quebra de sigilo bancário, foram identificados cinquenta e sete depósitos de R$ 24.113.440,83 da Sanko Sider e oito depósitos de R$ 1.926.873,35 da Sanko Serviços na conta da MO Consultoria.
327. Tais dados encontram-se no Laudo Pericial nº 190/2014/SETEC/PR (evento 37 do processo 5027775-48.2013.404.7000) e foram colhidos após quebra judicial de sigilo bancário da MO Consultoria (decisão de 23/07/2013 no processo 5027775-48.2013.404.7000, evento 15). Os créditos efetuados nas contas da MO Consultoria encontram-se relacionados no apêndice “B” ao laudo 190/2014 (cópia no evento 1, anexo12).
328. Também identificados, pela quebra de sigilo bancário da Empreiteira Rigidez (decisões de 25/06/2014 no processo 5027775-48.2013.404.7000, evento 63, e decisões de 20/02/2014 e 26/02/2014 no processo 5007992-36.2014.404.7000, eventos 3 e 9), e conforme se constata no demonstrativo constante no arquivo out5, evento1, trinta depósitos efetuados pela Sanko Sider, entre 21/12/2010 a 04/08/2011, no total de R$ 3.486.074,00, na conta da Empreiteira Rigidez. Interessante notar que vinte cinco depósitos fracionados foram realizados em única data, 07/11/2011, sendo difícil identificar causa econômica lícita para a realização de vinte e cinco depósitos fracionados em uma única data ao invés de apenas um.
329. Pela mesmas decisões de quebra de sigilo bancário, ainda identificados, entre 2009 e 2013, catorze créditos de R$ 3.124.473,01 e de R$ 2.919.877,66 na conta da GFD Investimentos provenientes das empresas Sanko Sider e Sanko Serviços, conforme consta no Relatório de Análise n.º 041/2015 elaborado pelo MPF com base nos extratos bancários (evento 1, out8).
330. Há, portanto, um fluxo financeiro comprovado entre a Petrobrás, o CNCC e a Construtora Camargo Correa, a Sanko Sider e a Sanko Serviços, até a MO Consultoria, Empreiteria Rigidez e GFD Investimentos.
331. Considerando que a MO Consultoria e a Empreiteira Rigidez são empresas inexistentes de fato e que a GFD Instimentos é empresa constituída apenas para ocultar o patrimônio de Alberto Youssef, é certo que essas transferências milionárias a elas efetuadas pela Camargo Correa, com intermediação da Sanko Sider e Sanko Serviços, não tinham causa lícita.
332. Como se não bastasse, na ação penal conexa 5026212-82.2014.4.04.7000, foi produzido o Laudo pericial 1.786/2014/SETEC por peritos da Polícia Federal evidenciando ainda mais a fraude.
333. O laudo foi trazido a esta ação penal como prova emprestada, sendo juntado já na denúncia (evento1, arquivos out9, out10 e out11), com o que foi submetido devidamente ao contraditório. Embora tivessem oportunidade, as Defesas não requereram quesitos adicionais, a oitiva dos peritos em Juízos ou pretenderam apresentar parecer por assistente técnico, como permite o art. 159 do CPP e é a forma de submissão de laudos periciais ao contraditório.
334. Assim, trata-se de prova que pode ser plenamente utilizada neste processo, ainda que originariamente tenha o laudo sido produzido em outra ação penal.
335. O laudo, é certo, confirmou o fornecimento pela Sanko Sider à Camargo Correa de tubos, flanges, curvas e diversos tipos de conexão para aplicação na obra da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST), como, aliás, admitiram os acusados colaboradores Dalton Avancini e Eduardo Leite.
336. A fraude foi, porém, evidenciada no fornecimento de serviços pela Sanko Serviços e pela Sanko Sider ao Consórcio Nacional Camargo Correa – CNCC e à Camargo Correa.
337. Os serviços estariam relacionados ao próprio fornecimento das mercadorias, tubos e conexões.
338. Forçoso reconhecer que serviços como a prospecção de fornecedores dos produtos no exterior (a Sanko importava e revendia os tubos ao CNCC), a entrega dos produtos ao comprador e o preparo da documentação relativa o produto, são, em regra, inerentes ao próprio fornecimento das mercadorias, não havendo, em princípio, motivo para pagamento desse tipo de serviço em separado do pagamento das próprias mercadorias.
339. Constatado ainda pelos peritos que houve dois pagamentos por serviços já em 2010, no total de R$ 8.000.000,00, muito antes do primeiro faturamento de mercadorias da Sanko Sider para o CNCC, o primeiro ocorrendo apenas em 2011 (fl. 24 do laudo). Esse pagamento adiantado não é consistente com a alegação da Defesa de que os serviços estariam relacionados com o próprio fornecimento de mercadorias.
340. Entretanto, o documento que espanca qualquer dúvida quanto à fraude, foi fornecido aos peritos pela própria Sanko e consiste em “Demonstrativo Gerencial de Custos dos Serviços no Projeto CNCC”, que está reproduzido na fl. 26 do laudo pericial.
341. Como ali se verifica, na formação dos custos dos serviços prestados pela Sanko ao Consórcio Nacional Camargo Correa – CNCC, 43% deles decorrem de pagamentos dirigidos à MO Consultoria, em um total entre 2009 a 2013 de R$ 15.702.115,64, 6% deles decorrem de pagamentos dirigidos a GFD Investimentos, em um total entre 2009 a 2013 de R$ 2.107.246,33, e 3% decorrente de pagamentos dirigidos a Empreiteira Rigidez, em um total entre 2009 a 2013 de R$ 1.134.200,00.
342. Embora não seja objeto deste feito, também ali constam custos decorrentes de pagamentos a Treviso do Brasil Empreendimentos Ltda. que é controlada por Júlio Gerin Camargo, outro suposto operador no esquema criminoso da Petrobrás e que responde às ações penais 5083838-59.2014.404.7000 e 5012331-04.2015.4.04.7000 perante este Juízo.
343. Considerando que a empresa MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e GFD Investimentos não prestaram, como visto qualquer serviço, sendo as duas primeiras aliás inexistentes de fato, o custo correspondente aos serviços por ela prestados à Sanko Sider ou à Sanko Serviços no âmbito do Consórcio Nacional Camargo Correa é igualmente inexistente e consiste em pagamento sem causa efetuado do Consórcio Nacional Camargo Correa à Sanko Sider ou à Sanko Serviços no âmbito da obra da RNEST, com posterior transferência dos valores à MO Consultoria.
344. Por conseguinte, o que se conclui é que o Consórcio Nacional Camargo Correa superfaturou os serviços e mercadorias a ele fornecidos pelas empresas Sanko Sider e Sanko Serviços no âmbito da obra da RNEST, no montante, considerando apenas a MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e GFD Investimentos de pelo menos R$ 18.943.561,97, ou seja, de cerca de 52% do total. O superfaturamento viabilizou o repasse dos valores correspondentes a MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e GFD Investimentos, especificamente a Alberto Youssef e, ulteriormente, a Paulo Roberto Costa.
345. Isso sem considerar, já que não é objeto da denúncia, mais 18% superfaturados em relação aos valores repassados à Treviso do Brasil Empreendimentos Ltda.
346. Para conferir aparência de licitude às transferências, produziram contratos e notas fiscais fraudulentas simulando que os valores se destinavam à remuneração de serviços prestados pela MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e MO Consultoria no âmbito das obras contratadas pela Petrobrás do Consórcio Nacional Camargo Correa.
347. O laudo ainda aponta que pelo menos R$ 3.600.000,00 pagos pela Construtora Camargo Correa em 20/07/2009 seriam atinentes a serviços prestados no interesse da obra contratada junto à Petrobrás na Refinaria Presidente Getúlio Vargas, sendo imediamente seguidos por transferências de 3,2 milhões da Sanko para a MO Consultoria (fls. 30 e 31 do laudo).
348. Como elemento probatório adicional, releva ainda destacar que na interceptação telefônica realizada nos processos 5026387-13.2013.404.7000 e 5049597-93.2013.404.7000, foram interceptados alguns diálogos entre Alberto Youssef e Márcio Bonilho.
349. Um deles, o diálogo, em 21/10/2013, 09:40, entre Alberto Youssef (Beto) e Márcio Bonilho, e que se encontra reproduzido na íntegra nas fls. 35-38 da representação policial pela prisão cautelar de Alberto Youssef (evento 1 do processo 5001446-62.2014.404.7000). Nele, discutem amplamente sobre negócios. Na ocasião reclamam de créditos que teriam e não estariam sendo pagos, fazendo Alberto Youssef referência aos valores que teria pago, no âmbito desses negócios, a “Paulo Roberto”. Também menciona “Leitoso” em referência ao coacusado Eduardo Leite. Transcrevo trecho:
“(…)
BETO: Esse assunto do Márcio, esse assunto do Márcio o Leitoso, é o seguinte ó: esse assunto do Márcio é palhaçada, tá. Tirei um milhão e pouco do meu bolso aqui pra dá pra vocês. Porque vocês ia faze operação o caralho babababa essa porra ia volta. Até hoje não veio. É mentira ?
MÁRCIO: Não.
BETO: Hã ?
MÁRCIO: E ai, o que que ele falo ?
BETO: Não mas eu te pergunto, é mentira o que eu falei ?
MÁRCIO: Não.
BETO: Hã ?
MÁRCIO: Não, num é não.
BETO: Ah, porra, tá doido bicho. Chega de dá o cú pra esses cara bicho. Eu vo pra cima dele com tuda cara. Essas cara não é amigo de ninguém. Vo pro caralho. Não quero nem sabe. Quero recebe.
MÁRCIO: Mas ele falo, não sei se ele tava meio comovido que se tava no hospital, ele falo que ia te arruma, ele ia te paga.
BETO: Nã, me paga porra nenhuma. Filha da puta.
MÁRCIO: Ele não falo que ia paga, ele num num…
BETO: Falo que ia paga, mas num posso tira tudo de uma vez. Ah porra vo arruma, vo ve se arrumo 2 milhão. É no final do mês. É um pra mim e um pra você. Se vai se fude, um pra mim e um pra você. Vai toma no cú.
MÁRCIO: Um pra mim (risos) um pra ele ainda.
BETO: É, um pra mim um pra você. Virei pra ele efalei assim: bicho to tendo que vim trabalha, era pra mim tá de repouso, to tendo que vim trabalha porque eu to fudido. Porra. Vai toma no cú. Ah minha empresa, sua empresa que se foda, com quem que tem que fala na sua empresa? Eu vo, ah mas pô fica enxendo o saco essa dívida vai morre. Eu falei: bicho, VAI MORRE NEGO ANTES, da dívida morre. Que eu to pra mata ou pra morre. Foi feio.
MÁRCIO: (incompreesível) chego nesse nível é ? Tambem meu, ele fica enrolando com esse negócio ai cara. Mas ele fala, ele falo, ele falo que ia te paga cara, ele falo pra mim. Sei lá tambem esse Leitoso, vai e volta pa caralho.
BETO: É.
MÁRCIO: Ele tá, o presidente ele tá firme lá na empresa ainda ?
BETO: Não sei. Eu acredito que esteje.
MÁRCIO: É né. Porque ele tá voltando atrás. Ele tá voltando atrás né, porque ele falo pra mim não não é, eu falei porra, o cara tá é, teve um dia que eu falei com ele…
(8:52)
MÁRCIO: E fico como ? Dele i aí conversa.
BETO: É. Ele vim aqui. Não fico de ele vim aqui nada, fico dele resolve.
MÁRCIO: O foda é que passa 2 milhão pro final do mês. Puta quel pariu.
BETO: Não, 2 milhão que vira um. Bicho é assim ó…
MÁRCIO: Tá foda né.
BETO: Tá foda Márcio.
MÁRCIO: Nós fomo abandonados no meio do oceano.
BETO: Não e o pior cara, o pior que se acha prejudicado ainda.
MÁRCIO: Mas essa coisa aí é teatro ou é sério ? Ah prejudicado, puta que pariu, como é que pode se um negócio desse ?
BETO: Não, porra, pior que o cara fala sério cara, que ele acha que foi prejudicado, se tá entendendo ? É rapaz, tem louco pra tudo. Porra foi prejudicado, o tanto de dinheio que nós demo pra esse cara. Ele te coragem de fala que foi prejudicado. Pô, faz conta aqui cacete, ai porra, RECEBI 9 MILHÃO EM BRUTO, 20% eu paguei, são 7 e pouco, faz a conta do 7 e pouco, vê quanto ele levo, vê quanto o comparsa dele levo, ve quanto o Paulo Roberto levo, vê quano os outro menino levo e vê quanto sobro. Vem fala pra mim que tá prejudicado. Ah porra, ninguém sabe faze conta, eu acho que ninguém sabe faze conta nessa porra. Que não é possível. A conta só fecha pro lado deles.
MÁRCIO: Bom, mas e aí ? E o seu negócio que não tem nada a vê com o nosso ? (incompreensível)
BETO: (incompreensível) é, enrolação. Enrolação.”
350. Este é, aliás, o único diálogo interceptado relevante para a presente ação penal, sem prejuízo da relevância de outros diálogos para outras investigações e ações penais já julgadas e em curso. Dada a abundância das demais provas, poderia ser descartado, o que não afetaria o julgamento. Mas é um elemento adicional que merece menção.
351. Outra prova documental relevante consiste no próprio contrato de consultoria entre a Camargo Correa e a empresa Costa Global Consultoria, titularizada por Paulo Roberto Costa (evento 1, out3). O contrato foi celebrado em 10/09/2012. Assinam pela Camargo Correa Dalton Avancini e Eduardo Leite. Previa o pagamento mensal de R$ 6.000,00 pelos serviços. Foi aditado em 26/03/2013, com inclusão no objeto de outros serviços pelo preço de R$ 3.000.000,00, em trinta parcelas de cem mil reais. Assinam pela Construtora Camargo Correa Eduardo Leite e Marcelo Sturlini Bisordi. Do aditamento, foram identificadas cinco notas fiscais de cem mil reais e uma nota fiscal de R$ 2.200.000,00 entre abril e dezembro de 2013. Relativamente a esse contrato, não foram identificados serviços prestados por Paulo Roberto Costa à Camargo Correa que justificassem os pagamentos. Há ainda uma disparidade significativa entre os valores previstos no contrato inicial e no aditivo. Os próprios acusados Paulo Roberto Costa, Eduardo Leite e Dalton Avancini, como visto acima, admitiram que o aditamento visava viabilizar, dissimuladamente, o pagamento de valores devidos a título de propina pendente a Paulo Roberto Costa.
352. Tem-se, portanto, uma extensa prova material e independente decorrente principalmente de quebras de sigilo bancário e fiscal e de apreensões de documentos, que corroboram as declarações dos criminosos colaboradores quanto ao pagamento pela Camargo Correa de propinas à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás nos dois aludidos contratos obtidos pela empreiteira na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR) e na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST). Mais uma vez de se salientar que a prova material preexistia às colaborações, sendo delas causa e não o contrário.
353. Considerando o declarado pelos próprios acusados colaboradores, a propina foi de, pelo menos, 1% do valor dos contratos e aditivos celebrados enquanto Paulo Roberto Costa permaneceu no cargo de Diretor de Abastecimento (abril de 2012).
354. Conforme apontado nos itens 189-205, retro, o contrato da RNEST teve o preço de R$ 3.411.000.000,00, o que representa propina de R$ 34.110.000,00. O MPF, entretanto, considerando que a Construtora Camargo Correa tinha 95% de participação no Consórcio CNCC, calculou a propina de sua responsabilidade para esse contrato em R$ 32.404.500,00. Para este contrato, não foram celebrados aditivos ao tempo da gestão de Paulo Roberto Costa.
355. Conforme apontado nos itens 206-215, retro, o contrato da REPAR teve o preço de R$ 2.488.315.505,20, o que representa propina de R$ 24.883.155,05. Os aditivos mencionados na denúncia que foram celebrados durante a gestão de Paulo Roberto Costa somam R$ 30.457.685,25, o que representa propina de R$ 304.576,85. Somam R$ 25.187.731,90. O MPF, entretanto, considerando que a Construtora Camargo Correa tinha 70% de participação do Consórcio CCPR, imputou apenas este percentual como sendo de responsabilidade da Camargo Correa. Segundo o mesmo critério, a propina seria de R$ 17.631,412,33. O montante é inferior ao apontado pelo MPF em suas alegaçoes finais (fl. 83) porque ele considera valores agregados a título de reajuste do contrato, o que, porém, não é viável já que ausente da denúncia referência a propina sobre reajuste.
356. O total de propina pago para as duas obras pela Camargo Correa à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, comandada por Paulo Roberto Costa, foi, portanto, de R$ 50.035.912,33. O valor é superior ao admitido pelo acusado colaborador, Eduardo de Hermelino Leite, de cerca de quarenta e sete milhões de reais (item 287, retro), o que pode ser explicado pelo fato do critério apontado, de 1% sobre o valor do contrato e aditivos, estar sujeito a alterações e negociações circunstanciais.
357. Desse valor, foi possível rastrear documentalmente um repasse de R$ 3.600.000,00 do contrato da REPAR e de pelo menos trinta e uma operações de R$ 25.755.958,83 do contrato da RNEST repassados da Camargo Correa ou dos Consórcios por ela integrados, por intermediação das empresas Sanko Sider e Sanko Serviços e com utilização das empresas controladas por Alberto Youssef, MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e GFD Investimentos.
358. Além disso, foi também possível identificar R$ 2.700.000,00 repassados à Paulo Roberto Costa por intermédio de superfaturamento de contrato de consultoria com a Costa Global Consultoria.
359. No curso da instrução, foram é certo identificados outros meios de pagamento desses valores, como os valores pagos às empresas Sanko pela Treviso do Brasil Empreendimentos Ltda., do suposto operador de propinas Júlio Gerin Camargo, mas tais fatos não compõem o objeto da denúncia.
360. Os fatos caracterizam crimes de corrupção ativa por parte dos responsáveis pelo pagamento e de corrupção passiva pelos beneficiários, no caso, pelos limites da imputação, Paulo Roberto Costa. Os intermediadores são partícipes.
361. Não há nenhuma prova de que houve extorsão ao invés de corrupção.
362. O crime de extorsão do art. 316 do CP pressupõe uma exigência do agente público baseada em alguma espécie de compulsão, seja por coação ou ameaças irresistíveis ou às quais o particular poderia resistir apenas com dificuldade.
363. No caso presente, nenhum dos acusados, nem mesmo os colaboradores, descreveu situações claras de extorsão. José Janene é apontado como um homem truculento, mas em episódios relacionados à cobrança de propinas atrasadas e não nos próprios acertos da propina.
364. O episódio mais próximo a alguma extorsão foi relatado pelo acusado Dalton Avancini acerca das dificuldades na assinatura do contrato da RNEST (item 292), mas as dificuldades foram colocadas pelo Diretor Renato Duque e não por Paulo Roberto Costa, e o próprio Dalton Avancini declarou que sequer houve exigência explícita de propina no episódio.
365. Quem é extorquido, procura a Polícia e não o mundo das sombras. Não é possível aceitar que a Camargo Correa, poderosa empreiteira, não poderia em cerca de quatro anos, entre 2009 a 20013, período no qual a propina foi paga, recusar-se a ceder às exigências indevidas dos agentes públicos.
366. Aliás, mesmo depois da prisão preventiva de Paulo Roberto Costa, em março de 2014 e até prisão dos executivos da Camargo em novembro de 2014, não houve qualquer iniciativa da empreiteira em revelar que ela teria pago propinas, o que seria o esperado se tivesse sido vítima de extorsão e não cúmplice de corrupção.
367. A espancar qualquer dúvida acerca da inexistência de extorsão, a Camargo Correa pagou propinas pendentes a Paulo Roberto Costa mesmo depois deste ter deixado a Diretoria de Abastecimento da Petrobrás e, portanto, ter perdido qualquer poder de retaliação contra a empresa. Ora, quem é vítima de extorsão, não honra compromissos de pagamento de propina a seu algoz.
368. Então, não houve extorsão, mas sim corrupção.
369. Não se trata aqui de aliviar a responsabilidade dos agentes públicos e concentrá-la nas empreiteiras.
370. A corrupção envolve quem paga e quem recebe. Ambos são culpados e devem ser punidos.
371. Entre eles uma simbiose ilícita.
372. Afirmar que este Juízo concentra a culpa nas empreiteiras e não nos agentes públicas ignora que, a pedido da Polícia e do Ministério Público, foi decretada, por este Juízo, a prisão preventiva de quatro ex-Diretores da Petrobrás (um atualmente em prisão domiciliar), além de dois ex-deputados federais que teriam recebido valores do esquema criminoso, tendo ainda a investigação propiciado a abertura de diversos inquéritos no Supremo Tribunal Federal para apurar o envolvimento de diversas autoridades públicas com foro privilegiado.
De todo modo, o processo penal não é espaço para discutir questões ideológicas a respeito do papel do Estado ou do mercado na economia, mas sim de definir, com base nas provas, a responsabilidade criminal dos acusados. A responsabilização de agentes públicos ou privados culpados por corrupção favorece tanto o Estado como o mercado, sem qualquer distinção.
373. As propinas foram pagas a Paulo Roberto Costa em decorrência do cargo de Diretor de Abastecimento da Petrobrás, o que basta para a configuração dos crimes de corrupção.
374. Não há prova de que Paulo Costa tenha, porém, praticado ato de ofício para favorecer a Camargo Correa consistente em inflar preços de contratos ou de aditivos ou permitir que fossem superfaturados.
375. A propina foi paga principalmente para que ele não obstaculizasse o funcionamento do cartel e os ajustes fraudulentos das licitações, comprando a sua lealdade em detrimento da Petrobrás.
376. Como, porém, há notícias de que as propinas eram pagas até por empresas não cartelizadas, de se concluir, na esteira das declarações de alguns dos acusados, que as propinas haviam se tornado “rotina” ou a “regra do jogo”, sequer tendo os envolvidos exata compreensão do porquê se pagava ou do porquê se recebia.
377. Quando a corrupção é sistêmica, as propinas passam a ser pagas como rotina e encaradas pelos participantes como a regra do jogo, algo natural e não anormal, o que reduz igualmente os custos morais do crime.
378. Fenômeno semelhante foi descoberto na Itália a partir das investigações da assim denominada Operação Mani Pulite, com a corrupção nos contratos públicos tratada como uma regra “geral, penetrante e automática” (Barbacetto, Gianni e outros. Mani Pulite: La vera storia, 20 anni dopo. Milão: Chiarelettere editore. 2012, p. 28-29).
379. Segundo Piercamillo Davigo, um dos Procuradores de Milão que trabalhou no caso:
“A investigação revelou que a corrupção é um fenômeno serial e difuso: quando alguém é apanhado com a mão no saco, não é usualmente a sua primeira vez. Além disso, o corrupto tende a criar um ambiente favorável à corrupção, envolvendo no crime outros sujeitos, de modo a adquirir a cumplicidade para que a pessoa honesta fique isolada. O que induz a enfrentar este crime com a consciência de que não se trata de um comportamento episódico e isolado, mas um delito serial que envolve um relevante número de pessoas, com o fim de tar vida a um amplo mercado ilegal.” (Davigo, Piercamilo. Per non dimenticare. In: Barbacetto, Gianni e outros. Mani Pulite: La vera storia, 20 anni dopo. Milão: Chiarelettere editore. 2012, p. XV)
380. Na mesma linha, o seguinte comentário do Professor Albertto Vannucci da Universidade de Pisa:
“A corrupção sistêmica é normalmente regulada, de fato, por um conjunto de regras de comportamento claramente definidas, estabelecendo quem entra em contato com quem, o que dizer ou o que não dizer, que expressões podem ser utlizadas como parte do ‘jargão da corrupção’, quanto deve ser pago e assim por diante (Della Porta e Vannucci, 1996b). Nesse contexto, taxas precisas de propina tendem a emergir – uma situação descrita pela expressão utilizada em contratos públicos, nomeadamente, a ‘regra do X por cento’, – e essa regularidade reduz os custos da transação, uma vez que não há necessidade de negociar a quantidade da propina a cada momento: ‘Eu encontrei um sistema já experimentado e testado segundo o qual, como uma regra, virtualmente todos os ganhadores de contratos pagavam uma propina de três por cento… O produto dessa propina era dividido entre os partidos segundo acordos pré-existentes’, é a descrição oferecida por uma administrador público de Milão nomeado por indicação política (Nascimeni e Pamparana, 1992:147). Nas atividades de apropriação da Autoridade do Rio do Pó em Turim quatro por cento era o preço esperado para transações de corrupção: ‘O sistema de propinas estava tão profundamente estabelecido que elas eram pagas pelos empreiteiros sem qualquer discussão, como uma obrigação admitida. E as propinas era recebidas pelos funcionários públicos como uma questão de rotina’ (la Repubblica, Torino, 02/02/20013.’ (VANNUCCI, Alberto. The controversial legacy of ‘Mani Pulite’: A critical analysis of Italian Corruption and Anti-Corruption policies. In: Bulletin of Italian Politics, vol. 1, n. 2, 2009, p. 246)
381. A constatação de que a corrupção era rotineira, evidentemente, não elimina a responsabilidade dos envolvidos, servindo apenas para explicar os fatos.
382. Em realidade, serve, de certa forma, para justificar o tratamento judicial mais severo dos envolvidos, inclusive mais ainda justificando as medidas cautelares tomadas para interromper o ciclo delitivo.
383. Se a corrupção é sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso. Se os custos do enfrentamento hoje são grandes, certamente serão maiores no futuro.
Impor a prisão preventiva em um quadro de corrupção e lavagem sistêmica é aplicação ortodoxa da lei processual penal (art. 312 do CPP). Excepcional no presente caso não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública revelada pelo processo, com prejuízos já assumidos de cerca de seis bilhões de reais pela Petrobrás e a possibilidade, segundo investigações em curso no Supremo Tribunal Federal, de que os desvios tenham sido utilizados para pagamento de propina a dezenas de parlamentares. Tudo isso a reclamar, infelizmente, um remédio amargo, como bem pontuou o eminente Ministro Newton Trisotto (Desembargador convocado) no Superior Tribunal de Justiça:
“Nos últimos 20 (vinte) anos, nenhum fato relacionado à corrupção e à improbidade administrativa, nem mesmo o famigerado “mensalão”, causou tanta indignação, tanta “repercussão danosa e prejudicial ao meio social ”, quanto estes sob investigação na operação “Lava Jato” – investigação que a cada dia revela novos escândalos.” (HC 315.158/PR)
384. Como os valores utilizados para pagamento da propina tinham como procedência contratos obtidos por intermédio de crimes de cartel (art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990) e de frustração, por ajuste, de licitações (art. 90 da Lei nº 8.666/1993), e como, para os repasses, foram utilizados diversos mecanismos de ocultação e dissimulação da natureza e origem criminosa dos bens, os fatos também caracterizam crimes de lavagem de dinheiro tendo por antecedentes os referidos crimes, especialmente o segundo contra a Administração Pública (art. 1.º, V, da Lei n.º 9.613/1998).
385. Com efeito, caracterizadas condutas de ocultação e dissimulação pela simulação ou superfaturamento de prestação de serviços das empresas Sanko Sider e Sanko Serviços fornecidas para o Consórcio Nacional Camargo Correa – CNCC e para o Consórcio Camargo Correa/Promon – CCPR, e pela simulação de prestação de serviços da MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e GFD Investimentos para as empresas Sanko Sider e Sanko Serviços, tudo isso no âmbito das obras contratadas pela Petrobrás na Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST) e na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR). Os crimes de lavagem ocorreram em cerca de trinta e duas operações, considerando os repasses da REPAR e os repasses da RNEST, considerando aqui quanto a última o número de operações na planilha referida no item 316 acerca dos repasses que, vindo da RNEST, foram direcionados, por intermédio das empresas Sanko, às contas controladas por Alberto Youssef. Registro que se fosse considerar todos os repasses diretos do Camargo Correa às empresas Sanko, nos quais a propina foi embutida, o número de operações seria muito maior, de cento e oitenta e oito operações (itens 321-322, retro).
386. Também caracterizadas condutas de ocultação e dissimulação pela celebração de contrato superfaturado pela Camargo Correa com a Costa Global Consultoria, em seis operações.
387. Todas essas fraudes e simulações visavam ocultar e dissimular a origem e natureza criminosa dos valores envolvidos e ainda o repasse deles aos destinatários finais.
388. Poder-se-ia, como fazem algumas Defesas, alegar confusão entre o crime de lavagem e o crime de corrupção, argumentando que não haveria lavagem antes da entrega dos valores aos destinatários finais.
389. Assim, os expedientes fraudulentos ainda comporiam o tipo penal da corrupção, consistindo no repasse indireto dos valores.
390. O que se tem presente, porém, é que a propina destinada à corrupção da Diretoria de Abastecimento foi paga com dinheiro sujo, procedente de outros crimes antecedentes, aqui identificados como crimes de cartel (art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990) e de frustração, por ajuste, de licitações (art. 90 da Lei nº 8.666/1993).
391. Se a corrupção, no presente caso, não pode ser antecedente da lavagem, porque os valores foram entregues por meio das condutas de lavagem, não há nenhum óbice para que os outros dois crimes figurem como antecedentes.
392. A mesma questão foi debatida à exaustão pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470. Nela, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, condenou Henrique Pizzolato por crimes de peculato, corrupção e lavagem. Pelo que se depreende do julgado, a propina paga ao criminoso seria proveniente de crimes antecedentes de peculato viabilizando a condenação por lavagem. Portanto, condenado por corrupção, peculato e lavagem. O mesmo não ocorreu com João Paulo Cunha, condenado por corrupção, mas não por lavagem, já que não havia prova suficiente de que a propina a ele paga tinha também origem em crimes antecedentes de peculato, uma vez que o peculato a ele imputado ocorreu posteriormente à entrega da vantagem indevida.
393. Se a propina é paga com dinheiro de origem e natureza criminosa e com o emprego de condutas de ocultação e dissimulação, têm-se os dois delitos, a corrupção e a lavagem, esta tendo por antecedentes os crimes que geraram o valor utilizado para pagamento da vantagem indevida. É o que ocorre no presente caso.
394. Presentes provas, portanto, categóricas de crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, esta tendo por antecedentes crimes de cartel e de ajuste fraudulento de licitações.
395. Examino a autoria.
396. Há prova de que Alberto Youssef envolveu-se diretamente na negociação das propinas, inicialmente com José Janene, e depois sem ele, bem como nos crimes de lavagem de dinheiro. É confesso no ponto.
397. Apesar da denúncia ter classificado sua conduta como de corruptor ativo (art. 333, parágrafo único do Código Penal), parece-me mais apropriado tê-lo como co-autor do crime de corrupção passiva, já que agia mais como agente de Paulo Roberto Costa e dos agentes políticos que lhe davam sustentação do que como agente das empreiteiras. O enquadramento jurídico diferenciado é possível nos termos do art. 383 do CPP.
398. O fato dos acertos de propina terem sido originariamente celebrados por José Janene, assumindo depois o acusado a função de cobrança e intermediação, não exclui a responsabilidade de Alberto Youssef pelo crime de corrupção.
399. Se ele intermediou, conscientemente, o pagamento de propina e, além disso, praticou condutas de ocultação e dissimulação do produto de crimes de cartel e ajuste fraudulento de licitação, responde pelos dois crimes, corrupção e lavagem, não havendo dupla punição pelo mesmo fato.
400. Como já foi, porém, condenado pelo crime de lavagem na ação penal 5026212-82.2014.40.7000, responde neste apenas pela corrupção.
401. Paulo Roberto Costa responde pelo crime de corrupção passiva e pelo crime de lavagem de dinheiro realizado através do contrato superfaturado de consultoria da Costa Global, sendo confesso quanto ao ponto.
402. Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite respondem pelo crime de corrupção ativa e pela lavagem de dinheiro, esta realizada através dos pagamentos superfaturados ou de serviços inexistentes às empresas Sanko Sider e Sanko Serviços, com destino ulterior para Alberto Youssef. Respondem também pela lavagem de dinheiro realizada através do contrato superfaturado de consultoria da Costa Global. São confessos, aliás, no ponto. Não há prova, porém, de sua participação direta no ciclo ulterior da lavagem, dos repasses da Sanko para as empresas controladas por Alberto Youssef. De todo modo, embora o Ministério Público Federal na denúncia tenha feitas imputações autônomas quanto a esses fatos, repasse da Camargo para a Sanko e repasses da Sanko para as empresas de Alberto Youssef, como condutas distintas, entende o Juízo que fazem parte do mesmo ciclo de lavagem, não havendo autonomia entre elas.
403. Mesmo com o acordo de colaboração, a Defesa de Eduardo apresentou alguns argumentos de mérito. Aprecio. De fato, o acerto do pagamento das propinas nos contratos da Camargo Correa precederam à atuação de Eduardo Leite que encarregou-se como afirma, apenas de seu pagamento, ou, em suas palavras, de “liquidá-los”. Ocorre que, tendo efetuado o pagamento da propina, ainda que anteriormente acertada, e isso por período considerável, também responde, como é óbvio, pelo crime de corrupção, representando cada pagamento o desdobramento e a renovação do acordo criminoso anterior. Responde igualmente pelo crime de lavagem de dinheiro que, ao contrário do alegado pela Defesa, já se iniciou com o pagamento pela Camargo Correa de serviços inexistentes para as empresas Sanko. O próprio acusado admite, aliás, que se reuniu com Alberto Youssef e Márcio Bonilho para tratar dos repasses e da fraude. Inviável, por outro lado, reconhecer que, ao pagar propina e lavar dinheiro, teria agido ele sob a excludente de culpabilidade, inexigibilidade de conduta diversa. Não vislumbro como não pagar propina ou não lavar dinheiro possam ser consideradas, em quaisquer circunstâncias, como condutas inexigíveis de qualquer pessoa.
404. João Ricardo Auler, segundo ele mesmo declarou em seu interrogatório (evento 878), ingressou na Camargo Correa em 1975. Em 2003, assumiu o cargo de Vice-Presidente de Desenvolvimento, a partir de 2008 como Vice-Presidente Institutucional, e a partir de 2011 como Presidente do Conselho de Administração.
405. Resta provado, como apontado, que a Camargo Correa, em decorrência de sua participação no cartel de empreiteiras e no ajuste fraudulento de licitações, pagou propina à Diretoria de Abastecimento da Petrobras com dinheiro proveniente dos antecedentes crimes de cartel e de ajuste de licitações, ocultando e dissimulando sua origem e natureza, o que caracteriza corrupção ativa e lavagem de dinheiro.
406. Sobre a materialidade dos crimes, há não só o depoimento dos colaboradores, mas igualmente ampla prova documental e pericial.
407. João Auler é o único dos executivos denunciados da Camargo Correa que não confessou a autoria dos crimes.
408. Inicialmente, necessário apontar as circunstâncias dos crimes.
409. A Camargo Correa não pagou propinas de baixo valor em pequenos contratos da empreiteira.
410. O contrato da Refinaria do Nordeste Abreu e Lima (RNEST) foi celebrado por R$ 3.411.000.000,00, e o contrato da Refinaria Presidente Getúlio Vargas (REPAR) por R$ 2.488.315.505,20. O total, portanto, de 5,8 bilhões de reais, sem considerar os aditivos.
411. O total pago de propina nos dois contratos, só para a Diretoria de Abastecimento, foi de R$ 50.035.912,33 (item 356, retro).
412. Considerando o que o acusado Eduardo Leite admitiu, a propina teria sido de quarenta e sete milhões de reais para a Diretoria de Abastecimento, valor um pouco abaixo do acima apontado, mais sessenta e três milhões para Diretoria de Serviços, ou seja, cento e dez milhões de reais.
413. Apesar da Camargo Correa ser uma das gigantes da construção civil, tratam-se de negócios e valores também para ela relevantes.
414. Não se tratavam, portanto, de negócios triviais, mesmo para a Camargo Correa.
415. No contexto, não é possível acreditar que a prática dos crimes tenha sido produto de iniciativa individual de um ou outro executivo desviado.
416. Tratava-se, sim, de “atitude corporativa” da empresa, expressão utilizada por Eduardo Leite, que chegou a alegar que só poderia deixar de pagar a propina caso tivesse se desligado da empresa.
417. Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, dirigente da Setal Óleo e Gás S/A, uma das empreiteiras participantes do cartel, declarou, como visto no item 239, que João Auler representava a Camargo Correa nas reuniões do cartel.
418. Também declarou que a atividade do cartel estava vinculada ao pagamento de propinas aos dirigentes da Petrobrás:
“Juiz Federal:- Então a propina era paga pra que ele respeitasse a indicação das empreiteiras?
Augusto: Sim, principalmente.” (item 239).
419. Alberto Youssef, intermediador do pagamento da propina, declarou que a propina relativa ao contrato da REPAR teria sido acertada entre José Janene, enquanto este era vivo, e João Auler (item 279). Embora não tenha presenciado o ajuste, declarou que isso lhe foi informado por José Janene e ainda que foi juntamente com José Janene procurar João Auler, por duas vezes, para cobrar o pagamento de propinas atrasadas. Na segunda oportunidade apenas, após desentendimento entre eles, passaram a tratar o assunto com Eduardo Leite:
“Juiz Federal:- Antes desse evento, dessa ida do senhor com o senhor José Janene na própria Camargo, o senhor tinha participado de reuniões com os empreiteiros da Camargo Correa?
Alberto Youssef:- Eu tinha ido cobrar junto com o seu José por várias vezes na Camargo Correa o João Auler” (item 279)
420. O fato dele não ter presenciado o ajuste inicial do pagamento de propina não é determinante, já que foi informado que o acerto teria sido feito com João Auler e participou diretamente de duas cobranças posteriores dos valores.
421. Oportuno destacar que Alberto Youssef não afirmou que houve recusa de João Auler em pagar a propina. Na segunda oportunidade, João Auler teria dito que não havia “posição”, o que remete à falta de recursos, mas ainda assim os encaminhou a Eduardo Leite para resolver o problema.
422. Paulo Roberto Costa também declarou que chegou a participar de reuniões com José Janene e João Auler nas quais foi discutido o “comissionamento” (item 283):
“Juiz Federal:- E o senhor mencionou dessas reuniões com o senhor e o José Janene, o senhor não se recorda quem da Camargo que se fazia presente?
Paulo:-Eu acho que o João né? João Euler?
Juiz Federal:- Auler.
Paulo:- João Auler, acho que o João Auler, acho não, ele participou de algumas reuniões lá no passado, na época que o deputado era vivo, ele participou de algumas reuniões sim.
Juiz Federal:- Que o senhor estava presente?
Paulo:-Que eu estava presente.
Juiz Federal:- E que foi discutido comissionamento?
Paulo:-Que foi discutido comissionamento.
Juiz Federal:- O senhor mencionou “acha” ou o senhor tem certeza?
Paulo:-Tenho certeza.”
423. Eduardo Hermelino Leite, executivo da Camargo Correa, confirmou o relato acima de Alberto Youssef, de que teria assumido a função de efetuar o pagamento das propinas por solicitação do acusado João Auler (item 287). Transcrevo novamente pela relevância:
“Eduardo:- Primeiro, no que tange às apresentações das pessoas. Me foi apresentado tanto os diretores da Petrobras, institucionalmente, pelo senhor João Auler, porque era ele, como vice-presidente na época, ele detinha essa relação institucional. E tinha um diretor que acumulava a função operacional e comercial de óleo e gás, que era o Leonel Viana, o qual Leonel me passou as obrigações já existentes, contratos com Júlio Camargo e obrigações. E, no caso o João Auler me passou a relação, principalmente com o José Janene e AlbertoYoussef, porque eles foram à Camargo Correia para uma reunião com o João Auler, e nesta reunião, acho que até por uma discussão ocorrida entre João Auler e José Janene, eu fui chamado à sala, no qual João Auler notificou eles, falou, “a partir de hoje quem trata com vocês desse tema é o Eduardo”.
Juiz Federal: – “Desse tema” é vantagens?
Eduardo:- Vantagens, vantagens. E dessa forma José Janene falou “está bom, da minha parte quem trata desse tema é Alberto Youssef, então Eduardo e Alberto Youssef é quem … vocês vão se relacionar pra resolver o nosso problema.”
424. E ainda:
“Eduardo: Primeiro, porque isso havia sido pactuado, então eu herdei essa pactuação, então me foi informado que isso deveria ocorrer.
(…)
Juiz Federal: – Por exemplo, o senhor mencionou já o nome do senhor João Auler, que ele lhe passou os contratos. Ele tinha conhecimento?
Eduardo:- O João Auler tinha conhecimento, porque ele participou no passado e conheceu as pessoas no passado. Então não tenho dúvidas que conhecimento ele tinha.”
425. O depoimento é explícito quanto à responsabilidade de João Auler, apesar da interpretação diferente da Defesa deste nas alegações finais.
426. Dalton Avancini, também relacionou o pagamento da propina ao cartel (item 292, “as empresas que participavam daquele grupo, que era o grupo que tinha de empresas que se conversavam e que participavam dos negócios, sim, todas pagavam propina”). Não soube dizer, porém, se João Aulter tinha conhecimento do esquema criminoso:
“Juiz Federal: – E quem dentro da Camargo passou ao Eduardo Leite essas situações de propina?
Dalton:- Eu passei nessas que o Leonel me comunicou. E acho também que o Eduardo ao se aproximar da Petrobras aí né, quer dizer, ele acabou tendo encontros lá em que isso foi mencionado por, pelas pessoas da Petrobras que existia essas obrigações aí.
Juiz Federal: – O senhor João Auler tinha conhecimento?
Dalton:- Não consigo dizer.
Juiz Federal: – O senhor Eduardo Leite declarou aqui que essa situação foi passada a ele pelo senhor João Auler.
Dalton:- O que o Eduardo passou pra mim foi que houve uma determinada reunião, em que ele teria sido apresentado ao Youssef né, quer dizer, e que ele, porque realmente eu passei para o Eduardo que havia esses compromissos e aí principalmente com a área de serviços que ao que me consta até aquele momento, nós não estávamos fazendo e havia dívidas e havia uma cobrança sobre aquilo. E que o Eduardo teria conhecido o Youssef nesta reunião aí e que o Youssef seria o contato para com o PP, com as questões do PP.
Juiz Federal: – E quem apresentou o Youssef pro Eduardo Leite?
Dalton:- Ao que ele fala, o João Auler.
Juiz Federal: – O senhor não tava presente nessa reunião?
Dalton:- Não estava presente nessa reunião.
Juiz Federal: – E o senhor chegou a conferir essa situação com o João Auler ou com algum outro dirigente da Camargo Correa?
Dalton:- Não, não.”
427. Tem-se, portanto, que Agusto Mendonça, Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa e Eduardo Leite afirmam o envolvimento direto e consciente do acusado João Auler no esquema criminoso, o primeiro no crime de cartel e ajuste de licitações, os demais no pagamento de propinas. Mas mesmo Augusto Mendonça declarou que cartel e propina estavam relacionados. Já Dalton Avancini informou não ter conhecimento se ele tinha envolvimento.
428. Em Juízo, João Auler negou qualquer envolvimento nos crimes de cartel, ajuste de licitações ou corrupção (evento 878).
429. Confirmou o referido episódio relatado por Alberto Youssef e por Eduardo Leite de que teria sido procurado por José Janene e Alberto Youssef para pagamento de propinas em contratos da Petrobrás, mas após um desentendimento teria João Auler os encaminhado a Eduardo Leite (evento 878). Transcrevo:
“Juiz Federal: – O senhor conheceu o senhor José Janene e o senhor Alberto Youssef ?
João Auler:- Conheci, sim senhor.
Juiz Federal: – O senhor pode me esclarecer?
João Auler:- Pois não Excelência. O senhor Janene eu conheci no idos de 2005, talvez, 2005, quando nós estávamos estudando um oleoduto; que seria o projeto estruturado ligando o Rio de Janeiro com São Sebastião, para evitar o transporte de óleo por navios, até visando segurança; ele como Deputado Federal na época. Ele era Deputado Federal, e se não me engano ele era membro da Comissão de Minas Energia ou Infraestrutura, uma destas duas comissões. Ele tinha interesse de saber sobre o plano de investimentos de projetos ligados à área de minas de energia, e nos procurou, me procurou, não sei como, mas tive algumas reuniões, que discutimos este projeto, planos de investimento, isso foi mais ou menos em 2005; 2006 Excelência, ele me procurou e nós tivemos junto com seu Paulo Roberto, gostaria até de contar este detalhe, junto com seu Paulo Roberto em 2006, no qual ele me apresentou seu Paulo; apesar de eu já conhecer o seu Paulo Roberto, como eu já expliquei para o senhor; ele me apresentou o seu Paulo Roberto como homem dele; de indicação dele, senhor José Janene; essa indicação também do partido que ele… pertencia, do PP, e dizendo que seu Paulo Roberto era um homem dele e que nesse momento também, nesse dia, ele me solicitou que fosse feito doações eleitorais, na presença de seu Paulo Roberto, e eu respondi: “Olha senhor deputado, isso ai nós temos um procedimento interno na empresa, não vejo problemas se o senhor na época oportuna pedir a… contribuição, eu levo para quem de direito dentro da empresa e a gente analisa dentro da lei, a gente se for o caso faz ou não faz”. Ficou um período depois desta reunião, fiquei um período sem vê-lo, sem ter reuniões. Por volta de 2008 ele voltou a me procurar, desta vez com a presença do senhor Janene, Janene…, do senhor Youssef; senhor Alberto Youssef; me apresentando seu Alberto Youssef como um homem de confiança dele, e nesse momento ele falou que a partir daquele momento estava começando os projetos na área de abastecimento, que foi em 2008, dizendo que nós seriamos obrigados a pagar uma comissão; na realidade uma propina; no projeto da REPAR que estava começando. Eu falei: “Senhor Janene eu não combinei nada disso com o senhor, isso…desconheço esse assunto, não é minha área, estou afastado deste… da empresa neste…no dia a dia da empresa, da parte operacional, e não concordo com isso”. Mas ele não se deu por vencido, encerrou essa reunião, marcou uma outra, voltou a insistir nesse assunto, a reunião foi tensa, e ele me disse que se não…a gente não…providenciasse isso aí nós íamos ser punidos pela Área de Abastecimento. Eu falei: “Olha nós não nos preocupamos com isso, que isso aí não tem nada a ver, nós não vamos fazer, eu não vou fazer porque isso inclusive não é da minha área”. Ele voltou a me procurar e eu parei de atendê-lo. Foi quando um dia em uma reunião que eu estava participando com alguns diretores, ele invadiu a empresa, invadiu a empresa e a minha assistente me avisou e eu falei: “olha eu não vou atender esse senhor porque eu não tenho mais o que falar com ele”, mas ai começou uma gritaria lá fora, um tumulto, eu achei por bem sair para acalmar a situação. Nesse momento veio junto comigo o senhor Eduardo Leite, que não sei se estava nessa reunião mas estava ali, porque era tudo junto, nossas salas inclusive eram abertas né, a sala dos diretores, e ele veio junto comigo e na discussão que eu tive séria com o senhor José Janene, eu falei: “Olha senhor José Janene, eu não falo mais com o senhor, o senhor já sabe disso e assuntos relacionados com a Petrobras, você fala com o senhor Eduardo Leite que é o responsável a partir de…, não sei de quando que acho que foi 2008, da área de óleo e gás, ele e o senhor Dalton”. E deixei os dois conversando e saí da sala, em um momento muito crítico, muito nervoso da minha parte entendeu? Por que…
Juiz Federal: – Ele procurava o senhor para pagamento de propina?
João Auler:- Ele… procurava para pagamento de propina, a partir de 2008, ele começou a procurar em 2009, isso se deu, essa, essa briga, essa invasão dele na… empresa foi em 2009.
Juiz Federal: – E o senhor repassou depois ele para que ele fizesse contato então com o senhor Eduardo Leite.
João Auler:- Não, na realidade eu não repassei. Na realidade eu encaminhei naquele dia em que o Eduardo inclusive chegou, eu encaminhei eu falei olha até para mim ficar livre dele naquele momento, porque a…discussão, era um homem truculento, entendeu ? E eu querendo sair fora daquilo lá.
Juiz Federal: – E o senhor daí acompanhou com o seu Eduardo Leite para saber se o Eduardo Leite cedeu as pressões dele?
João Auler:- Não, eu não acompanhei, não acompanhei.
Juiz Federal: – Qual era a posição hierárquica do senhor em relação ao Eduardo Leite?
João Auler:- Bom, eu…ele…o senhor Eduardo Leite, o diretor de óleo e gás, era subordinado ao presidente da empresa, então não tinha posição hierárquica nenhuma minha com o Eduardo Leite. Apenas éramos diretores da mesma empresa, mas sem…eu não era chefe dele, ele não era subordinado meu.
Juiz Federal: – E o senhor depois nunca se interessou em saber se o Eduardo Leite tinha cedido ou não cedido às pressões?
João Auler:- Logo em seguida Excelência, o deputado ficou doente e acredito que no inicio de 2010 teve um AVC ou 2009; no final 2009; e como ele ficou doente… eu não me interessei mais pelo assunto.
Juiz Federal: – O senhor Eduardo Leite disse aqui que o senhor repassou para ele esse compromisso de acertar essas propinas que tinham sido acertadas, combinadas anteriormente, não foi isso que aconteceu?
João Auler:- Não, não foi isso que aconteceu, o que foi que aconteceu foi exatamente isso que eu expliquei para o senhor, foi nessa briga, o Eduardo chegou e eu acredito até que o Eduardo estava por ali ou estava nesta reunião que eu estava antes, que eu falei: “olha o diretor responsável por óleo e gás, se você quiser continuar falando de óleo e gás você fala com o senhor Eduardo Leite.”
Juiz Federal: – Uhum.
João Auler:- Eu não podia repassar um negócio que eu não concordava que foi o motivo da minha briga com ele, foi o motivo da nossa discussão.
Juiz Federal: – E o senhor sabe se o Eduardo Leite concordava?
João Auler:- Não, eu acredito que não, pelo que eu sei não.
Juiz Federal: – E o senhor também nunca se interessou em levantar essa informação com ele?
João Auler:- Olha Excelência, as coisas na empresa, era uma empresa muito grande, tinha atividades muito…intensas e eu…como estava afastado do dia a dia da empresa e me deram essa função de conselheiro da usina da ECBR, que era da usina geral, me demandava muito tempo para isso. Eu ia, as vezes, tinha vez que eu ia três vezes para o Rio de Janeiro que a sede era lá, ia inclusive lá para Rondônia no início do projeto, que tinha que liberar várias coisas, então eu…cada um cuidava do seu assunto ali, entendeu?
Juiz Federal: – O senhor deu alguma orientação para seu Eduardo Leite, no sentido: olha, não pague nada que esse senhor está pedindo, não pague propina não faça nada disso.
João Auler:- Também não dei essa orientação, assim como não dei a outra orientação para que fizesse, não dei essa orientação para que não fizesse, porque como eu estava explicando para o senhor, cada um cuidava dos seus assuntos lá, e nessa época também além dessa função de conselheiro eu tinha também a função de desenvolvimento de empresas estrangeiras, viajava, então às vezes ficava semanas sem encontrar o senhor Eduardo Leite.”
430. O relato é de todo inverossímil.
431. O acusado João Auler admitiu que teria sido procurado por José Janene e Alberto Youssef em cobranças de propina.
432. Ao invés de recusar simplesmente e enxotá-los, que seria o comportamento normal do homem probo, o acusado afirma que, após se desentenderem, os encaminhou ao acusado Eduardo Leite, em posição hierárquica inferior na empresa, para tratar desses assuntos.
433. Segundo afirma, não teria dado qualquer orientação a Eduardo Leite para que cedesse à solicitação de propina ou para que não cedesse e depois do episódio sequer se interessou em saber dos desdobramentos, se Eduardo teria recusado ou aceito as solicitações.
434. Aparentemente, o acusado, então Vice Presidente da Camargo Correa, não tinha nada a ver com o assunto, sendo indiferente ao fato da Camargo pagar ou não a propina!
435. Em outras palavras, se um alto executivo de uma empresa é procurado para pagar propinas, a solução é encaminhar o solicitante a um subordinado e esquecer o assunto!
436. Não é crível que João Auler, Vice-Presidente da Camargo Correa, em caso que envolvia contratos de 5,8 bilhões de reais para a Camargo e propinas de cerca de 110 milhões, teria adotado comportamento da espécie.
437. A apresentação a este Juízo de um álibi inverossímil corrobora as declarações dos acusados colaboradores acerca da participação direta e consciente do acusado João Ricardo Auler no esquema criminoso.
438. Isso sem olvidar a robusta prova de corroboração da própria materialidade dos crimes de cartel, corrupção e lavagem.
439. Agregue-se que, conforme relato de Dalton Avancini e Eduardo Leite, embora tenham eles participado da execução do crime de corrupção, os acertos para pagamento das propinas foram realizadas, segundo eles, por outros executivos previamente, o que remete ao próprio João Ricardo Auler, já que, segundo Dalton Avancini e Augusto Mendonça, propinas e cartel estavam relacionados, e já que, segundo Alberto Youssef e Paulo Costa, teria ele participado das reuniões para a negociação delas e das cobranças posteriores.
440. Não tem tanta relevância, como insiste a Defesa, a posição que ele como executivo ocupava na empresa, já que ele é apontado, pelos colaboradores, como representante da Camargo Correa no cartel e pelos acertos dos pagamentos da propina.
441. Outra prova de corroboração consiste na ausência de qualquer providência efetiva da parte de João Ricardo Auler, Presidente do Conselho de Administração da Camargo Correa a partir de 2011, para apurar os fatos após a prisão cautelar de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa em março de 2014 e o surgimento das primeiras notícias públicas do envolvimento da Camargo Correa.
442. Com efeito, até a prisão cautelar do próprio João Auler em 14/11/2014, não consta ter sido tomada nenhuma providência concreta pela Camargo Correa para apurar os fatos internamente.
443. Notícias a respeito do envolvimento da Camargo Correa nos crimes apurados na Operação Lavajato pulularam em diversos veículos de imprensa muito antes da prisão cautelar dos executivos em 14/11/2014. Reporto-me ilustrativamente:
– notícia de 24/05/2014, http://www.istoe.com.br/reportagens/364673_A+INTOCAVEL+CAMARGO+CORREA;
– notícia de 26/05/2014, http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/05/inquerito-da-lava-jato-revela-esquema-criminoso-internacional-4509887.html;
– notícia de 29/09/2014, http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/vice-da-camargo-correa-era-contato-de-youssef-afirma-reu-da-lava-jato/;
– notícia de 02/10/2014, http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/10/1526114-consorcio-da-camargo-correa-repassou-r-377-mi-a-doleiro-diz-pf.shtml.
444. Embora em seu depoimento, João Auler afirme que teriam sido tomadas providências para apurar os fatos, com a convocação ao Conselho de Dalton Avancini e a realização de auditoria, houve apenas confirmação nos autos – e pelo próprio Dalton Avancini – da aludida convocação dele perante o Conselho, o que é manifestamente insuficiente.
445. Já Eduardo Leite afirmou desconhecer qualquer providências tomada.
446. Não há qualquer prova documental nos autos de que tenha sido realizada qualquer apuração interna efetiva sobre os fatos, até porque, se tivesse sido realizada, inevitavelmente seria detectado o pagamento de propinas da ordem de quase cem milhões de reais para a Diretoria de Abastecimento e para a Diretoria de Serviços nos aludidos contratos da REPAR e da RNEST.
447. Foi ouvido em Juízo como testemunha de defesa Celso Ferreira de Oliveira, também membro do Conselho de Administração da Camargo Correa que também relatou a inexistência de qualquer providência para apurar os fatos antes da prisão cautelar dos executivos da Camargo Correa em 14/11/2014 (evento 588):
“Juiz Federal:- Os executivos da Camargo Correa que foram presos em novembro. Mas desde de agosto do ano passado pelo menos ou até antes. Acho que em abril, já se falava em pagamento de propinas da Camargo Correa ao Senhor Paulo Roberto Costa, através do Senhor Alberto Youssef. As providências só começaram a ser tomadas em novembro ou antes teve alguma coisa?
Celso:- Que eu saiba, eu era vice-presidente do conselho, eu não sei se alguma coisa no âmbito da administração da companhia foi feito. Eu sei que, efetivamente, aconteceu as providências em 17 de novembro. Oficialmente, com a instauração e a determinação do conselho para iniciar essa auditoria.
Juiz Federal:- Mas e antes, o senhor como membro do conselho de administração, o senhor não se preocupou com esses fatos que estavam sendo inclusive divulgados na imprensa? O senhor pediu alguma providência?
Celso:- Todo o conselho pediu providência, não só eu.
Juiz Federal:- Mas quando…
Celso:- Inclusive o João Auler como presidente, ele participou como presidente do conselho e pediu para que investigasse.
Juiz Federal:- Quando foi isso?
Celso:- Reunião regular do conselho é mês a mês.
Juiz Federal:- E quando foi a primeira reunião do conselho que houve solicitação de providências de apuração? Se é que o senhor se recorda.
Celso:- Eu preciso dar uma olhada, mas isso, antes de novembro, aconteceu. Em novembro foi quando a gente determinou essa auditoria.
Juiz Federal:- Chegaram a convocar os executivos para ouvir, tomar explicações do que estava acontecendo?! Quais providências foram tomadas antes de novembro?
Celso:- Nenhuma providência, de chamar os executivos e ouvir. Nós estamos falando de presidente e estamos falando de vice presidente e presidente do conselho.
Juiz Federal:- O senhor não disse que, agora a pouco, teve reunião do conselho administração e foi solicitado que isso fosse apurado. Não sei se eu entendi errado, então.
Celso:- O senhor entendeu errado, porque a determinação de fazer essa auditoria foi a partir de novembro. Os executivos já tinham sido presos no dia 14 de novembro.
Juiz Federal:- Antes de novembro, teve alguma providência do conselho de administração? Sim ou não?!
Celso:- Não, não teve.
Juiz Federal:- Mesmo com aquelas notícias da imprensa, falando da Camargo Correa, não teve nenhuma solicitação do conselho a esse respeito?
Celso:- Não entendi, desculpa, mas não entendi o que o senhor falou.
Juiz Federal:- Antes de novembro não teve nada, então do conselho?
Celso:- Teve a discussão do caso.
Juiz Federal:- E o que foi discutido?
Celso:- Foi discutido o que estava acontecendo, não tinha nenhuma… Olha, não tínhamos nenhuma informação de que eles estavam sendo acusados. Nós não tínhamos nenhuma… Nem os nossos advogados que, na época, foram contratados. E nós não tínhamos nenhuma informação, por que a gente ia ter que tomar providência? Se tudo era notícia de jornal.
Juiz Federal:- O senhor não tomou nenhuma iniciativa, então. Antes de novembro?
Celso:- Antes de novembro não. A iniciativa mesmo aconteceu para a gente ter uma apuração forte, foi no mês de novembro, dia 17 de novembro.” (Grifou-se.)
448. Somente depois de 14/11/2014, com a prisão cautelar de três executivos, é que teria havido, segundo a testemunha, a instauração de auditoria, mas que aparentemente não teria ainda conseguido produzir qualquer resultado.
449. A postura que se esperava da Camargo Correa, em especial do Presidente do Conselho de Administração, era determinar a apuração rigorosa dos fatos e o afastamento dos executivos envolvidos.
450. A fiar-se no que afirmou o acusado João Auler em seu depoimento ou a Defesa dele nas alegações finais, a impressão que se tem é que a própria Camargo Correa teria descoberto os crimes e as provas pertinentes e as teria apresentado à Polícia ou à Justiça, dando origem às investigações da Operação Lavajato, mas, como se sabe, isso está muito longe da verdade.
451. Ao contrário, ao invés de ser tomada qualquer providência concreta para apurar o fato ou afastar os executivos, a Camargo Correa, na fase de investigação, ainda prestou deliberadamente informações falsas ao Ministério Público Federal quando especificamente indagada a respeito do contrato de consultoria celebrado com a empresa Costa Global Consultoria, de Paulo Roberto Costa.
452. Com efeito em 03/09/2014, a Camargo Correa representada por seu Diretor Jurídico prestou ao Ministério Público Federal as seguintes informações falsas a respeito do contrato de consultora firmado com a Costa Global, especificamente o aditamento de três milhões de reais (evento 1, out3):
“3.2. Com relação ao aditamento contratual, cabe fazer um esclarecimento sobre o contexto em que se deu a consultoria. Com efeito, a unidade de negócio do setor de óleo e gás, da Camargo Corrêa, havia contratado três consultorias renomadas, por aproximadamente R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), com o objetivo de pautar a atuação dela no setor de óleo e gás nos 20 (vinte) anos subsequentes.
3.3. Tendo em conta que o Sr. Paulo Roberto é um dos maiores, especialistas em mercado offshore (que compreende a construção e operação de plataformas de petróleo, manutenção destas plataformas e todas as demais atividades relacionadas ao setor de óleo e gás em águas profundas) e que este mercado representa cerca de 200 bilhões de dólares por ano no mundo, a Camargo Corrêa submeteu a ele o material produzido pelas empresas contratadas e após a sua análise e opinião foi elaborado o Plano de Atuação da companhia, dirigido, como se disse, à atuação nesse setor por 20 anos.
3.4. A atuação do Sr. Paulo Roberto foi de tal importância que o Planto de Atuação da empresa compreendeu a indicação de parceiros estratégicos, tecnologias necessárias, aconselhamento quanto a fusões e aquisições e novos mercados de atuação, o que pode ser comprovado por vários executivos da empresa. Aliás, o projeto da empresa implica triplicar, em 20 anos, sua participação no mercado.
3.5. Efetivada a consultoria e atingidos os objetivos, a empresa decidiu antecipar o encerramento do contrato (DOC. 6), seja porque a consultoria já estava prestada, seja porque a partir daquele momento seria traçado o plano de atuação da Camargo Corrêa, que é extremamente confidencial, e o Sr. Paulo Roberto Costa não prestava consultoria exclusivamente à companhia.
3.6. A contratação seguiu os procedimentos regulares da empresa, sendo as tratativas conduzidas pelo profissional Ricardo Koncz Bianchini.”
453. Como, porém, revelou a instrução, inclusive a confissão dos executivos responsáveis diretamente pelo contrato, não houve prestação de serviços algum em relação ao aditamento do contrato, sendo ele mero disfarce para repasse de propina.
454. O acusado João Auler tinha o dever, como Presidente do Conselho de Administração, de determinar, com seriedade, a apuração desses fatos.
455. Esse dever era mais acentuado pois tinha conhecimento específico dos fatos já que, mesmo fiando-se em seu álibi inverossímil, ele mesmo admitiu ter sido procurado por José Janene e Alberto Yousser para tratar do pagamento de propina.
456. A ausência de qualquer providência concreta e efetiva por parte do Presidente do Conselho de Administração, entre março a novembro de 2014, mesmo quando divulgada publicamente a existência de provas contra a Camargo Correia e tendo ele ciência direta de parte dos acontecimentos, é outra prova de seu envolvimento nos crimes em questão, corroborando também no ponto o depoimento dos acusados colaboradores.
457. Afinal, a falta de providências efetivas da Camargo Correa e especialmente do Presidente do Conselho de Administração, mesmo tendo este conhecimento dos fatos, tem por única explicação o fato dele mesmo estar envolvidos nos crimes.
458. Não se trata de responsabilizá-lo por omissão, mas de apontar que a omissão é mais uma prova indireta de seu envolvimento nos crimes.
459. Deve, portanto, responder pelos crimes de corrupção ativa, tando da REPAR como da RNEST, ainda que a efetivação dos pagamentos do segundo acerto tenha ocorrido pela atuação direta de Dalton Avancini e Eduardo Leite.
A impressão do Juízo é que João Auler, tendo em vista que não assinou os contratos fraudulentos da Camargo Correa com a Sanko Sider ou com a Costa Global, optou por confiar em uma absolvição por insuficiência de provas, ao invés de adotar postura similar ao dos demais executivos da Camargo. O problema é que as demais provas, incluindo a apresentação de álibi inverossímil, são suficientes para se concluir, acima de qualquer dúvida razoável, que ele é igualmente culpado pela corrupção.
460. Já quanto aos crimes de lavagem de dinheiro, não há de fato prova de que João Auler teria se envolvido diretamente ou mesmo indiretamente nas tratativas a respeito da forme de repasse do numerário ou das condutas de ocultação ou dissimulação empregadas. Assim, desta imputação, deve ser absolvido.
461. Waldomiro de Oliveira já foi condenado criminalmente pelo crime de lavagem de dinheiro consistente nos repasses efetuados pela Camargo Correa às empresas Sanko Sider e Sanko Serviços e destas para MO Consultorian na ação penal 5026212-82.2014.4.04.7000. Neste feito, foi acusado por lavagem de dinheiro por repasses equivalentes tendo por destinatários finais a GFD Investimentos e a Empreiteira Rigidez. A denúncia foi rejeitada quanto aos repasses à GFD Investimentos por falta de justa causa (evento 9). Quanto aos repasses à empreiteira Rigidez, há prova cabal de seu envolvimento, pois ele assina os contratos fraudulentos de consultoria e ainda confessou ter cedido as contas e emitido notas e assinado contratos relativamente a essa empresa por solicitação de Alberto Youssef (item 305). Conforme item 328, retro, foram trinta depósitos no total de R$ 3.486.074,00 efetuados pela Sanko Sider na conta da Empreiteira Rigidez, vinte e cinco e uma única data. Apesar disso, entendo que esses fatos fazem parte de um mesmo ciclo de lavagem, envolvendo os mesmos recursos de origem criminosa de contratos da Petrobrás obtidos pela Camargo Correa, não se justificando, até pela menor culpabilidade do acusado, subordinado de Alberto Youssef, nova condenação criminal por lavagem em relação aos recursos provenientes da Camargo Correa. Isso sem prejuízo da análise de outras condutas de lavagem envolvendo dinheiro de outra procedência originária. Observo que se esses mesmos fatos, de lavagem de dinheiro, tivessem sido incluídos na denúncia na ação penal 5026212-82.2014.4.04.7000, não haveria alteração na pena pertinente, uma vez que seria reconhecida a continuidade delitiva, já tendo naqueles autos sido considerado o fator máximo de elevação na unificação das penas.
462. Assim, quanto a ele, deve também ser reconhecida a litispendência.
463. Márcio Andrade Bonilho era o administrador das empresas Sanko Sider e Sanko Serviços ao tempo dos fatos e esteve neles envolvido diretamente, como ele mesmo admite em seu interrogatório (evento 877).
464. Já foi condenado criminalmente, em primeiro grau de jurisdição, pelo crime de lavagem de dinheiro consistente nos repasses efetuados pela Camargo Correa às empresas Sanko Sider e Sanko Serviços e destas para MO Consultoria na ação penal 5026212-82.2014.4.04.7000.
465. Neste feito, foi acusado apenas pelo crime de corrupção ativa de Paulo Roberto Costa.
466. Em outras palavras, teria participado da lavagem de dinheiro, tendo ciência de que se tratava de propina destinada a Paulo Roberto Costa.
467. O próprio MPF, entretanto, em alegações finais, pleiteou a absolvição de Márcio Bonilho dessas imputações por entender inexistentes provas suficientes de que ele tinha conhecimento de que os valores lavados tinham por destinatário Paulo Roberto Costa.
468. Embora existam algumas provas de que ele tinha conhecimento de que o numerário se destinava a agentes públicos, como a declaração de Alberto Youssef nesse sentido, é o caso de prestigiar a posição da Acusação quanto ao tema e absolvê-lo por insuficiência de provas.
469. Segundo a acusação, Adarico Negromonte Filho e Jayme Alves de Oliveira Filho, este agente da Polícia Federal, trabalhavam subordinados a Alberto Youssef, com a função de sacar dinheiro em espécie das contas controladas por ele e de transportar o numerário em espécie aos seus destinatários.
470. Trata-se aqui da última etapa do ciclo da lavagem, bem como dos expedientes de repasse da propina. As contas controladas por Alberto Youssef sofriam vultosos saques em espécie e os valores eram entregues desta forma aos destinatários finais, inlcusive a Paulo Roberto Costa.
471. Transcreve-se o trecho do depoimento em Juízo de Alberto Youssef no qual ele descreveu o papel nos crimes de seus auxiliares, os acusados Jayme Alves de Oliveira Filho e Adarico Negromonte Filho:
“Juiz Federal:- No caso aqui ainda dessa ação penal, tem como acusados o senhor Jayme Alves de Oliveira Filho, o senhor conhece esse pessoa?
Alberto:- Jayme, Jayme…
Juiz Federal:- “Careca”.
Alberto:- Ah sim, ele fazia o transporte de reais pra mim.
Juiz Federal:- Ele era policial federal?
Alberto:- Sim.
Juiz Federal:- Por quanto tempo ele trabalhou com o senhor aproximadamente?
Alberto:- Ah, um bom tempo, foram vários anos.
Juiz Federal:- Sabe dizer desde quando ele trabalhou com o senhor?
Alberto:- De 2007 até o final, agora.
Juiz Federal:- E o que ele fazia exatamente?
Alberto:- Só transporte.
Juiz Federal:- De dinheiro?
Alberto:- Sim.
Juiz Federal:- De dinheiro da propina?
Alberto:- Dinheiro da propina.
Juiz Federal:- E ele pegava esse dinheiro no seu escritório, em outros locais, como é que era?
Alberto:- Retirava no meu escritório ou às vezes retirava em alguma empresa que eu recebia o endereço e pedia que ele retirasse.
Juiz Federal:- E entregava esse dinheiro pra quem, para os beneficiários, para as empreiteiras, como é que era?
Alberto:- Bom, aí são duas situações, porque na verdade eu cheguei a fazer caixa dois pra alguma dessas empreiteiras, e quando se referia à caixa dois ele entregava para as empreiteiras ou nos endereços que as empreiteiras mandavam. Quando se referia à propina, ele entregava a Paulo Roberto Costa ou a pessoas interpostas que o doutor Paulo Roberto Costa pedia que entregasse.
Juiz Federal:- Ele tinha uma remuneração fixa?
Alberto:- Era paga despesa e coisa de 1.500, 2.000 por viagem.
Juiz Federal:- O senhor Adarico Negromonte Filho?
Alberto:- Também fazia transporte de dinheiro pra mim.
Juiz Federal:- Qual era a diferença do serviço de um e outro, por que o senhor usava o seu Jayme ou por que usava o Adarico, ou não tinha nenhuma diferença?
Alberto:- Na verdade, como eu só tinha o Adarico e o Rafael pra que pudesse fazer esse tipo de pagamento, esse tipo de transporte, então eu necessitava de mais pessoas e quando era um volume maior eu utilizava o Careca, no caso, o senhor Jayme.
Juiz Federal:- Pra Camargo o senhor fez caixa dois também?
Alberto:- Não.”
472. Paulo Roberto Costa confirmou que ambos eram subordinados de Alberto Youssef e declarou que Jayme Alves de Oliveira, identificado como “policial”, teria lhe entregue dinheiro por solicitação de Alberto Youssef:
“Juiz Federal:- Da entrega de dinheiro para o senhor, quem entregava era o próprio senhor Alberto Youssef ou era emissário s dele?
Paulo:-Às vezes era ele e teve algumas entregas que foram feitas pelo, não lembro mais o nome da pessoa, mas chegou a ser preso, um policial que chegou a ser preso, mas depois foi solto aqui. Eu não me recordo o nome dele.
(…)
Juiz Federal:- O senhor Jaime Alves de Oliveira Filho?
Paulo:-Acho que esse aí…
Juiz Federal:- Seria esse o policial?
Paulo:-Isso, isso. Correto.
Juiz Federal:- O Adarico Negromonte Filho, o senhor chegou a conhecer?
Paulo:-Conheci. Que acho que esse era o que chamavam, o vulgo de Maringá. Sim, conheci lá dentro do escritório do Alberto.
Juiz Federal:- Ele chegou a entregar dinheiro pro senhor também?
Paulo:-Não, não.
Juiz Federal:- Esses dois eram empregados do senhor Alberto Youssef? O senhor sabe da natureza do relacionamento deles?
Paulo:-Não, eu encontrava com eles no escritório, mas eu não sei, não sei qual o relacionamento que eles tinham.”
473. Resta analisar se há prova de corroboração contra ambos.
474. Na busca e apreensão realizada no escritório de lavagem de dinheiro de Alberto Youssef, foi apreendida uma tabela com entregas de dinheiro com o título “Trans Careca”. Tal tabela encontra-se nas fls. 16-21 do arquivo ap-inqpol27, inquérito 5049557-14.2013.404.7000. Ela revela que, entre 2011 a 2012, Jayme Alves, de apelido “Careca” em decorrência de sua calvície, teria realizado entregas de cerca de R$ 13.042.800,00, USD 991.300,00 e 375.000 euros.
475. Foi também identificado no aparelho Blackberry utilizado por Alberto Youssef um contato de codinome “Careca”, cadastrado com o terminal móvel 021 11 98850-0034 e PIN 24C5E08C. Nas mensagens recuperadas no aparelho celular de Alberto Youssef foram identificadas mensagens dirigidas por Alberto Youssef a “Careca” relativamente a entregas. Tais dados estão resumidos na representação policial pela buscas e prisões cautelares na fase de investigação que originou a presente ação penal (evento 1, fls. 12-13 da representação, processo 5073475-13.2014.404.7000). A integralidade das mensagens encontra-se no relatório de título “Informação nº 85/2014/Delefin/DRCOR/SR/DPF/PR” (evento 1, arquivo anexo4, do processo 5073475-13.2014.404.7000).
476. Também comprovada a ligação entre ambos pelos registros de visitas de Jayme Alves no escritório de lavagem de dinheiro de Alberto Youssef, inclusive com fotos tiradas no referido momento. Como consta nas fls. 15-16 da representação, processo 5073475-13.2014.404.7000, foram registradas entre 02/03/2011 a 01/10/2012 dezenas dessas visitas.
477. No inquérito, Jayme prestou depoimento (cópia no evento 154). Admitiu que prestou serviços de entrega de dinheiro para Alberto Youssef entre 2010 a 2014 e inclusive revelou o nome de diversos destinatários. Transcrevo trechos:
“(…)
Autoridade policial: O senhor transportava dinheiro para Alberto Youssef?
Jayme: Eu transportava, sim, senhor. Ele me dava uma bolsa, Eu não sabia o conteúdo da bolsa. Às vezes eu sabia que era vinho, mas às vezes sabia que era dinheiro, mas não sabia a quantidade que estava transportando.
Autoridade policial: Esse dinheiro era transportado de onde para onde?
Jayme: A maioria das vezes o dinheiro era levado para o Rio de Janeiro. A maioria das vezes eu levada o dinheiro para a empresa UTC, no Rio de Janeiro, no centro da cidade. O responsável para receber o dinheiro no escritório da UTC no Rio de Janeiro era o Mirada. Por uma ou duas vezes o diretor Ricardo Pessoa estava presente na empresa, mas não recebeu o dinheiro. Ricardo me conhecia e sabia que eu estava lá para entregar o dinheiro do Youssef. Levava também o dinheiro para o escritório da UTC de Minas Gerais, em Belo Horizonte, onde responsável por receber o dinheiro era o gerente Galvão.
(…)
Levei o dinheiro deYoussef uma vez no escritório da OAS na praia de Botafogo, quase na Rua São Clemente. Para a OAS, a maioria das vezes ele pediam para receber o dinheiro no Hotel Ibis na Praça Tiradentes, onde levei dinheiro umas três ou quatro vezes. Quem recebia o dinheiro era um funcionário da OAS que eu não lembro quem seja.
(…)
Fui entregar dinheiro do Youssef para o Paulo Roberto Costa, por mais de seis vezes, e entregava esse dinheiro para o Márcio, genro do Paulo Roberto Costa, na loja de móveis em Ipanema.
Retirei dinheiro de uma empresa em Belo Horizonte, no endereço que não me recordo, e levei esse dinheiro para o Youssef entregar para a Camargo Correa.
(…)
Autoridade policial: Por quanto tempo exerceu esta função?
Jayme: Nesse período aí, entre 2010 e 2014.
(….)”
478. No depoimento, declarou ainda que, nessa tarefa, teria entregue dinheiro por solicitação de Alberto Youssef a João Cláudio de Carvalho Genu, Pedro Paulo Leoni, Júlio Camargo, a OAS, a Fernando Baiano, entre outros.
479. Em Juízo, Jayme alterou a versão dos fatos (evento 877).
480. Ainda admitiu que prestou serviços de entrega a Alberto Youssef, que ganhou um telefone dele para efetuar os contatos e que frequentava o escritório dele, mas agora afirmou desconhecer o que transportava. Transcrevo:
“Juiz Federal: – E o senhor entregava dinheiro também?
Jayme: – Entregava o que ele me dava. Era um pacote. Se era dinheiro, estava dentro do pacote e eu não sei informar ao senhor.
Juiz Federal: – E como é que era o procedimento? O senhor pegava esses pacotes sempre com o Senhor Alberto Youssef ou o senhor pegava com terceiros? Como é que funcionava?
Jayme: – Não, com ele. Não tinha nada com terceiros. Era sempre com ele.
Juiz Federal: – O senhor pegava com ele onde?
Jayme: – No escritório ou ele marcava um lugar e me entregava.
Juiz Federal: – O escritório dele em São Paulo?
Jayme: – Em São Paulo.
Juiz Federal: – E para quem que o senhor entregava esses pacotes?
Jayme: – Para o endereço que ele mandava entregar, Excelência. Ele me dava o endereço, a pessoa a quem procurar e eu ia lá e entregava.
(…)
Juiz Federal: – E essas entregas, o senhor nunca perguntou? Não sabia o que era?
Jayme: – Não, Excelência. A mim, não interessava. Era na época da minha folga. Quer dizer, não tinha, até porque ele não ia me dar satisfação do que se tratava, do que estava se tratando aquilo.
(…)
Juiz Federal: – Como é que o senhor falava com o Senhor Alberto Youssef?
Jayme: – Ele me ligava. Ele tinha me dado um telefone e ele ligava para mim quando precisasse. E era só.
Juiz Federal: – Ele comprou um telefone para o senhor?
Jayme: – Sim. Ele me forneceu um aparelho.
Juiz Federal: – Só para o senhor utilizar?
Jayme: – Sim. Só para ligar para mim.
Juiz Federal: – Tem aqui também nessa fl. 15 da representação e seguinte uma série de registros da sua presença no escritório dele, do Senhor Alberto Youssef, na São Gabriel. Era um dos endereços do escritório dele ou não?
Jayme: – São Gabriel?
Juiz Federal: – O escritório da Avenida São Gabriel e, depois, tem…
Jayme: – São Gabriel? Acho que sim.
Juiz Federal: – Depois, aqui um escritório na Renato Paes de Barros.
Jayme: – Acho que sim. É o escritório dele esse daí.
Juiz Federal: – O senhor ia no escritório dele por qual motivo?
Jayme: – Só para isso.
Juiz Federal: – Só para pegar os pacotes?
Jayme: – Só.
Juiz Federal: – E fazer as entregas?
Jayme: – Só e mais nada.”
481. Quanto às afirmações anteriores de que sabia que era dinheiro e que conhecia parte dos destinatário, afirmou que teria sido orientado a fazer essas declarações pela autoridade policial, mas que, de fato, não sabia os nomes dos destinatários:
“Juiz Federal: – O senhor, quando foi ouvido na Polícia – eu tenho aqui o seu depoimento –, o senhor declarou que sabia que era dinheiro, mas não sabia a quantidade.
Jayme: – Pois é, excelência, o que acontece é o seguinte: Quando eu fui preso lá, para mim a minha prisão foi uma surpresa, então, eu fui preso, enfim. Fiquei sabendo porque, enfim, em nenhum momento eu falei que eu não conhecia o Senhor Alberto Youssef ou que eu tinha prestado serviço para ele. Mas no dia do meu depoimento com o Doutor Márcio, se não me engano, DPF, o Delegado Márcio, eu me apresentei com a minha advogada, Doutora Tatiana, e nós expusemos lá o direito de permanecer em silêncio e falar em juízo. Pois bem. O DPF Márcio foi cortês. Eu já conheço o procedimento policial. E falou que, se eu não prestasse nenhuma colaboração, eu ia ficar preso até a audiência, que era o que estava acontecendo – era a praxe. Aí eu falei que não tinha a menor intenção de ficar preso ali, não tinha por quê, enfim. Eu estava transtornado, estava tomando remédios. Não estava legal. Aí ele falou: “Então, você vai que o Alberto vai lhe ajudar a fornecer os nomes e tal.” Me forneceu-me uma caneta, uma carga de caneta, um pedaço de papel e eu voltei para a carceragem para, no dia seguinte, ser ouvido. E assim eu fiz. Desci lá, a minha sala era ao lado da dele e ele falou: “Olha, no endereço tal, era Fulano, Beltrano, Cicrano e tal.” E eu fui anotando aquilo mecanicamente. Então: “Era tanto, era tanto, era ‘x’, não era ‘x’.” E fui embora. Apresentei. No dia seguinte, era o meu depoimento. Não teve o depoimento. Ele falou que ia falar com o Procurador, não sei qual era o Procurador que estava atendendo lá, mas que, se eu fornecesse alguns nomes, eu poderia ser beneficiado, poderia ser ajudado de alguma maneira, porque a intenção ali não era prejudicar, que sabiam que a minha função era de office-boy, que não era nenhuma…, enfim. E foi isso o que eu fiz. No outro dia, só fui ouvido em outra terceira vez, apresentei os nomes lá que me forneceram, os valores e passei adiante aquilo. Voltei ainda mais 3 ou 4 vezes descendo a carceragem, porque “ah, só isso? Não sei o quê, volta lá e pega mais alguma coisa”, “pega mais uns dados mais relevantes.” Voltei lá, apresentei o que tinha que apresentar ao delegado que me ouviu, e o Procurador parece que não quis me ouvir, porque achou que aquilo não…, enfim, achou que não tinha nenhuma novidade ali, voltei para a carceragem, ainda subi e ainda desci mais algumas vezes, porque, na hora de formular lá o depoimento constavam alguns nomes que não poderiam constar, porque parece que ia ter conflito, enfim, não sei como é que funcionava direito, mas era para outro processo, acho que do STF, porque constava o nome de algumas pessoas que eram políticos, feito isso, retornei para lá e fiquei aguardando a decisão da justiça para ver o que é que ia acontecer.
Juiz Federal: – Mas esse depoimento final é verdadeiro ou não é verdadeiro?
Jayme: – Olha, Excelência, para dizer a verdade, eu não sei nem mensurar. Para mim, é o que ele me passou. Eu não posso afirmar o que ele me passou: se aquelas pessoas eram aquelas pessoas; se aqueles lugares eram aqueles lugares. O compromisso que eu firmei com a Polícia foi de três endereços, se não me engano, que foi de três políticos – eu confirmar os endereços, relatar e passar para lá. Passado esse fato, eu fui solto. Fui ao médico. Psicologicamente, eu fiquei mal. Eu fui ao médico. Depois que me recuperei e eu fui ver esses endereços, confirmar os endereços, um eu confirmei, o outro eu não confirmei, porque só podia falar o que era. O que não era, eu não posso inventar. Então, durante a minha vida, a minha formação sempre foi assim: em prisão, o que eu relatei, é o que é, o que não é, não é. Então, eu fui lá e não era o endereço. A advogada veio protocolar o documento aqui. Já no dia que ela protocolou, à tarde, já começou aquele negócio de imprensa ligando e vazando informação e que o relatório tinha saído. Até eu sei que me parece que foi informado: “O senhor… Foi aberto um inquérito referente a isso.” Eu fui até ouvido no dia que falaram que eu sumi, que eu estava foragido. Eu estava lá, dentro da Polícia, prestando no inquérito a respeito disso.”
482. As alegações Jayme Alves são, de todo, inverossímeis.
483. Não é crível que policial federal, com toda sua experiência, realizasse serviços de entrega para pessoa com a reputação de Alberto Youssef, conhecido nacionalmente por seu envolvimento no anterior Caso Banestado, sem que soubesse o que estava fazendo, especialmente quanto à natureza do que transportava.
484. Este Juízo insistiu no ponto, mas não obteve uma resposta plausível no interrogatório:
“Juiz Federal: – O senhor tinha conhecimento de que o senhor levava dinheiro para o Senhor Alberto Youssef?
Jayme: – Não, excelência. Não tinha não senhor.
(…)
Juiz Federal: – Senhor Jayme, vamos, assim, tentar ser mais objetivos. O senhor sabia que tinha dinheiro ou não sabia?
Jayme: – Para mim, não.
Juiz Federal: – O que o senhor imagina que era?
Jayme: – Documentos. Falar não totalmente, não. Eu até podia saber que tinha algum valor, mas esses valores que aparecem aí nessa planilha, esse negócio todo aí, não senhor.
Juiz Federal: – O senhor achava que era o quê? Carta, documentos?
Jayme: – Eu achava que eram documentos – era transação entre empresários, amigos. Os caras eram todos empresários.
Juiz Federal: – O senhor conhecia o Senhor Alberto Youssef da atividade de doleiro lá em Foz do Iguaçu?
Jayme: – Olha, eles falavam que ele era doleiro, mas, se também se era doleiro, eu não sabia se era doleiro.
Juiz Federal: – O senhor, como policial federal, não sabia que ele tinha sido condenado?
Jayme: – Sabia. Fiquei sabendo depois. Trabalhava em São Paulo, na época. Eu trabalhava na Divisão de Repressão ao Entorpecente, mas eu sei que ele foi preso, foi condenado, cumpriu a pena dele e saiu. Depois, quando ele estava, ele estava no ramo hoteleiro. Ele era empresário de hotel. Para mim, ele já tinha saído disso. Não era mais doleiro e não era. Até onde eu sei, ele não era mais doleiro.
Juiz Federal: – Quando ele contratou os serviços do senhor, ele falou que era para que? Para entregar cartão postal?
Jayme: – Não senhor. Não era para isso: para entregar cartão postal. Eram os documentos dele sigilosos e ele falou que eram transações entre empresários.”
485. É até possível que Jayme Alves não tivesse conhecimento de todos os destinatários das entregas ou deles não conseguisse se lembrar em seu depoimento em Juízo, mas rigorosamente, em Juízo, embora tivesse realizado, como admite, dezenas de entregas, várias no mesmo local, não conseguiu se lembrar de ninguém que tivesse recebido.
486. Não confirmou sequer as entregas para as empreiteiras, como a UTC, OAS e Camargo Corrrea, sendo de imaginar que, tendo feito entregas ou retiradas de dinheiro nesses locais, poderia até não conhecer as pessoas, mas se recordaria de ter estado nos respectivos estabelecimentos que não são exatamente pequenos ou destituídos de placas.
487. Qualquer pessoa pode se retratar em Juízo de confissões efetuadas na fase de inquérito. Isso, porém, não significa que a versão apresentada em Juízo é a verdadeira e a prestada no inquérito falsa. O que se tem aqui é que, para retratar-se do dito no inquérito, Jayme Alves fez a este julgador um relato inacreditável em Juízo, tratando-se, na prática, de mais uma prova de corroboração de seu envolvimento em atividade criminal.
488. Deve, portanto, responder pelo crime de lavagem de dinheiro.
489. Embora sua atuação se limitasse ao transporte físico e à entrega física do dinheiro em espécie aos destinatários, condutas que usualmente, por si só, não são consideradas aptas a configurar lavagem de dinheiro, não se pode olvidar o conjunto dos fatos, tratando-se estes atos dos últimos em um ciclo mais longo e complexo de lavagem de dinheiro, que foi iniciado com os repasses fraudulentos da Camargo Correa para a Sanko Sider e desta para as empresas controladas por Alberto Youssef.
490. Como partes de um ciclo mais complexo de lavagem de dinheiro, o mero transporte e entrega de dinheiro em espécie configuram condutas de ocultação e dissimulação, devendo Jayme Alves responder como co-autor da prática delitiva em questão.
491. Quanto à Adarico Negromonte Filho é ele irmão do ex-Ministro das Cidades, Mario Negromonte. Mário está sendo investigado criminalmente perante os Tribunais Superiores por supostamente ter recebido propina intermediada por Alberto Youssef, já que é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, detendo ainda foro privilegiado.
492. No que se refere a Adarico, além do depoimento dos acusados colaboradores, há alguma referência ao seu nome em trocas de mensagens entre Alberto Youssef e seus clientes no qual ele se refere a Adarico como responsável pela entrega em dinheiro.
493. Assim, por exemplo, em 03/12/2013, em troca de mensagens entre Alberto Youssef e José Ricardo Nogueira Breghirolli, dirigente da OAS, que responde à ação penal conexa 5083376-05.2014.404.7000, o primeiro combina ao segundo uma entrega de dinheiro em Canoas e que o responsável seria “Adarico”. Tal troca de mansagens foi reproduzida nas fls. 99-100 da representação policial por buscas e apreensões na fase de investigação (evento 1 do processo 5073475-13.2014.404.7000).
494. Em Juízo (evento 877), Adarico Negromonte informou que prestou serviços a Alberto Youssef entre 2011 e até a prisão dele, mas que trabalhava como motorista, transportando pessoas e cuidado dos veículos. Admitiu que buscava dinheiro em espécie no escritório de Alberto Youssef, mas com o objetivo de pagar as contas dele e para fazer depósitos em contas de terceiro a pedido dele.
495. Negou, porém, que realizaria entregas de dinheiro em espécie a terceiros para Alberto Youssef.
496. No caso de Adarico Negromonte, embora ele mesmo tenha reconhecido o vínculo com Alberto Youssef, entende o Juízo que faltou melhor prova de corroboração do envolvimento direto dele nos crimes de lavagem de dinheiro consistentes na realização de saques em espécie das contas controladas por Alberto Youssef e a sua entrega aos destinatários beneficiários.
497. A denúncia e as alegações do MPF fazem referência a apenas dois elementos de corroboração, a referida troca de mensagens entre terceiros, na qual se faz referência ao nome de Adarico, e depois ao depoimento de Carlos Alberto Pereira da Costa, subordinado de Alberto Youssef, e que declarou que Adarico, junto com Jaime, faria entregas de dinheiro (fl. 26 da denúncia). Ocorre que o depoimento referido foi prestado em ação penal conexa e não na presente ação penal e, portanto, não pode ser aqui considerado.
498. Embora pareça a este Juízo provável que Adarico Negromonte tenha atuado de maneira semelhante a Jayme Alves, o fato é que faltam elementos suficientes de corroboração acerca das operações por ele efetuadas e especialmente das entregas de dinheiro que teriam sido feitas por ele.
499. Assim, deve ser absolvido da imputação de participação no crime de lavagem de dinheiro a partir de entregas advindas dos valores com origem na Camargo Correa.
II.12
500. A denúncia reporta-se ainda à apresentação de documentos falsos pela Camargo Correa, na data de 03/09/2014, ao Ministério Público Federal (fl. 76 da denúncia).
501. Em síntese, intimada a empresa pelo MPF para esclarecer as suas relações com a empresa Costa Global, ela apresentou contratos com a Costa Global e notas fiscais fraudulentas, sem fazer qualquer ressalva quanto ao seu caráter fraudulento, mesmo tendo ciência dele (evento 1, out3), o que, segundo a denúncia configuraria crime de uso de documento falso, do art. 304 do CPP, perante o MPF.
502. Como visto nos itens 452-453, retro, a Camargo Correa, de fato, apresentou documentos falsos ao MPF, afirmando a sua veracidade.
503. A ampla defesa não vai ao extremo de autorizar a apresentação na investigação de documentos falsos, especialmente sem qualquer ressalva pelo responsável da sua falsidade.
504. No caso presente, não só não foi ressalvado o caráter fraudulento dos documentos, mas foi afirmado falsamente ao MPF que eles eram verdadeiros.
505. Esse, aliás, foi um dos motivos pelos quais o Juízo reputo em risco à instrução e impôs a prisão cautelar.
506. Caracterizada, portanto, a materialidade dos crime do art. 304 do CP combinado com o art. 299 do CP.
507. Não obstante, embora a autoria aponte para os executivos da Camargo, ora acusados, não foi produzida, prova acima de qualquer dúvida da autoria, com o que, por falta de prova suficiente de autoria, devem eles ser absolvidos.
II.13
508. A última imputação diz respeito ao crime de pertinência a organização criminosa tipificado no art. 2º da Lei n.º 12.850/2013.
509. Segundo a denúncia, os acusados teriam se associado em um grupo estruturado para prática de crimes graves contra a Petrobras e da lavagem de dinheiro decorrente.
510. A lei em questão foi publicada em 02/08/2013, entrando em vigor quarenta e cinco dias depois.
511. A maior parte dos fatos, inclusive os crimes de lavagem descritos na denúncia, ocorreu, portanto, sob a égide somente do crime do art. 288 do Código Penal.
512. Necessário, primeiro, verificar o enquadramento no tipo penal anterior.
513. O crime do art. 288 tem origem no crime de associação de malfeitores do Código Penal Francês de 1810 (“art. 265. Toute association de malfeiteurs envers les personnes ou les propriétés, es un crime contre la paix publique”) e que influenciou a legislação de diversos outros países.
514. Comentando disposição equivalente no Código Penal italiano, transcrevo o seguinte comentário de Maria Luisa Cesoni:
“A infração de associação de malfeitores, presente nas primeiras codificações, visa a antecipar a intervenção penal, situando-a antes e independentemente do início da execução das infrações específicas.” (CESONI, Maria Luisa. Élements de Comparaison. In CESONI, Maria Luisa dir. Criminalite Organisee: des représentations sociales aux définitions juridiques. Paris: LGDJ, 2004, p. 515-516)
515. Em outras palavras, a idéia é permitir a atuação preventiva do Estado contra associações criminosas antes mesmo da prática dos crimes para os quais foram constituídas.
516. De certa forma, assemelhava-se aos crimes de conspiração do Direito anglo-saxão.
517. Talvez isso explique a dificuldade ou controvérsia na abordagem do crime de associação quando as infrações criminais para as quais ela tenha sido constituída já tenham ocorrido.
518. Afinal, nessa hipótese, a punição a título de associação criminosa já não é mais absolutamente necessária, pois os integrantes já podem ser responsabilizados pelos crimes concretamente praticados pelo grupo criminoso.
519. Apesar disso, tendo a associação criminosa sido erigida a crime autônomo, a prática de crimes concretos implica na imposição da sanção pelo crime do art. 288 em concurso material com as penas dos crimes concretamente praticados.
520. Deve-se, porém, nesses casos, ter extremo cuidado para não confundir associação criminosa com mera coautoria.
521. Para distingui-los, há que se exigir certa autonomia do crime de associação criminosa em relação aos crimes concretamente praticados.
522. Um elemento característico da existência autônoma da associação é a presença de um programa delitivo, não na forma de um estatuto formal, mas de um plano compartilhado para a prática de crimes em série e indeterminados pelo grupo criminoso.
523. No caso presente, restou provada a existência de um esquema criminoso no âmbito da Petrobrás, e que envolvia cartel, fraudes à licitação, pagamento de propinas a agentes públicos e a agentes políticos e lavagem de dinheiro.
524. Como revelado inicialmente por Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, grandes empreiteiras, em cartel, fraudavam licitações da Petrobrás, impondo o seu preço nos contratos. O esquema era viabilizado e tolerado por Diretores da Petrobrás, entre eles Paulo Roberto Costa, mediante pagamento de propina. Um percentual de 2% ou 3% sobre cada grande contrato era destinado a propina para os Diretores e outros empregados da Petrobras e ainda para agentes políticos que os sustentavam nos cargos.
525. Profissionais da lavagem encarregavam-se das transferências de valores, por condutas de ocultação e dissimulação, das empreiteiras aos beneficiários finais.
526. A investigação já originou dezenas de ações penais além da presente, envolvendo tanto executivos de outras empreiteiras, como outros intermediadores de propina e outros benefícios, como as ações penais 5083351-89.2014.404.7000 (Engevix), 5083360-51.2014.404.7000 (Galvão Engenharia), 5083401-18.2014.404.7000 (Mendes Júnior e UTC), 5083376-05.2014.404.7000 (OAS) e 5012331-04.2015.4.04.7000 (Setal, Mendes Júnior e OAS). Também já propostas ações penais contra agentes políticos acusados de terem recebido propinas do esquema criminoso, como Pedro da Silva Correa de Oliveira Andrade Neto (ação penal 5023135-31.2015.4.04.7000), ex-Deputado Federal, e João Luiz Correia Argolo dos Santos, ex-Deputado Federal (5023162-14.2015.4.04.7000).
527. Nesta ação penal, os crimes no âmbito do esquema criminoso resumem-se a a corrupção e a lavagem de dinheiro de cerca de R$ 50.035.912,33 no âmbito de dois contratos obtidos pela Camargo Correa junto à Petrobrás.
528. Mesmo considerando os crimes específicos destes autos, a execução dos crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro perdurou por período considerável, de 2009 a 2013, e envolveu dezenas de repasses fraudulentos da Camargo Correa para a Sanko Sider e desta para as empresas de Alberto Youssef, com produção de dezenas de documentos falsos.
529. O último ato de corrupção e lavagem ocorreu em dezembro de 2013, com o pagamento de R$ 2.200.000,00 de propinas pendentes a Paulo Roberto Costa pela Camargo Correa e com utilização de contratos de consultoria simulados.
530. Foi também reconhecido que a lavagem de dinheiro teve por antecedentes crimes de cartel e de ajuste de licitações para obtenção de pelo menos dois contratos pela Camargo Correa junto à Petrobrás. Não está definida a exata data das reuniões nas quais as empreiteiras ajustaram fraudulentamente as licitações, mas é certo que foram anteriores a data dos contratos, o que remete o início dos crimes pelo menos a 2008 (contrato da REPAR assinado em 07/07/2008).
531. No presente caso, entendo que restou demonstrada a existência de um vínculo associativo entre os diversos envolvidos nos crimes, ainda que em subgrupos, e que transcende coautoria na prática dos crimes.
532. Afinal, pela complexidade, quantidade de crimes e extensão temporal da prática dos crimes, havia um desígnio autônomo para a prática de crimes em série e indeterminados contra Petrobras, objetivando o enriquecimento ilícito de todos os envolvidos, em maior ou menor grau.
533. Os executivos de grandes empreiteiras nacionais se associaram para fraudar licitações, mediante ajuste, da Petrobrás, e pagar propinas aos dirigentes da Petrobrás, ainda se associando a operadores financeiros que se encarregavam, mediante condutas de ocultação e dissimulação, a lavar o produto dos crimes de cartel e ajuste fraudulento de licitação e providenciar a entrega do dinheiro aos destinatários.
534. Na Camargo Correa, foram denunciados, até o momento, três executivos, Dalton Avancini, Eduardo Leite e João Auler, mas até mesmo surgiu durante a instrução nomes de outros executivos envolvidos, como Leonel Viana. A ilustrar a existência do programa delitivo, consta que João Auler e Leonel Viana repassaram a Dalton Avancini e a Eduardo Leite a responsabilidade pela execução dos crimes, ou seja, as pessoas mudam na organização sem prejuízo ao program delitivo, o que indica a autonomia dela.
535. Como intermediadores de propinas da Camargo Correa, no presente feito, foi acusado Alberto Youssef, mas no decorrer da instrução também surgiu o nome de outros, como Júlio Camargo.
536. Como beneficiários de propinas da Camargo de Correa, no presente feito, foi acusado somente Paulo Roberto Costa, mas no decorrer da instrução também revelado que a Camargo Correa pagou propina à Diretoria de Serviços.
537. Isso sem mencionar os agentes políticos que estão sendo investigados diretamente no Supremo Tribunal Federal.
538. Ilustrativamente, em exercício hipotético, pode-se cogitar de suprimir mentalmente os crimes concretos. Se os autores tivessem apenas se reunido e planejado a prática de tantos e tantos crimes contra a Petrobrás, a associação delitiva ainda seria reconhecida mesmo se os crimes planejados não tivessem sido concretizados.
539. É certo que nem todos os associados tinham igual conhecimento do esquema criminoso, mas isso é natural em decorrência da divisão de tarefas dentro do grupo criminoso.
540. Portanto, reputo provada a materialidade do crime de associação criminosa do art. 288 do CP, pois várias pessoas, entre elas os acusados, se associaram em caráter duradouro para a prática de crimes em série contra a Petrobrás, entre eles crimes licitatórios, corrupção e lavagem de dinheiro.
541. Questão que se coloca diz respeito à incidência do art. 2º da Lei n.º 12.850/2013. A lei em questão foi publicada em 02/08/2013, entrando em vigor quarenta e cinco dias depois.
542. Portanto, entrou em vigor apenas após a prática da maior parte dos crimes que compõem o objeto desta ação penal.
543. Mas, como adiantado, o crime associativo não se confunde com os crimes concretamente praticados pelo grupo criminoso.
544. Importa saber se as atividades do grupo persistiam após 19/09/2013.
545. Há provas nesse sentido.
546. Paulo Roberto Costa persistiu recebendo propinas mesmo após deixar seu cargo na Petrobras, o que é ilustrado pelos contratos de consultoria por ele firmados com diversas empreiteiras e que se encontra reproduzido na fl. 43 da denúncia.
547. No caso específico da Camargo Correa, há prova de que efetuou o pagamento de propinas pendentes a Paulo Roberto Costa, mediante simulação de contratos de consultoria, durante todo o ano de 2013, inclusive com R$ 2.200.000,00 pagos em dezembro de 2013, quando também foram produzidos novos documentos fraudulentos para acobertar o fato.
548. Se o crime fim da associação, encontrava-se ainda em execução depois de 09/2013, não se pode afirmar que o vínculo associativo e programa delitivo dele decorrente havia se encerrado antes da Lei n.º 12.850/2013.
549. Não tem tanta relevância, como alega a Defesa de João Auler, que este acusado não tenha executado diretamente este ato de dezembro de 2013, já que o crime em questão é associativo e era o programa delitivo, do qual ele participou na elaboração, que estava em execução ainda depois de setembro de 2013.
550. Também o subgrupo dirigido por Alberto Youssef encontra-se em atividade, sendo ela interrompida apenas com a prisão cautelar dele em 17/03/2014.
551. O próprio acusado Jayme Alver declarou, pelo menos no inquérito, que realizou entregas de dinheiro para Alberto Youssef até a prisão deste, em 2014, e admitiu que elas envolviam empreiteiras, como a OAS e a UTC, outras das envolvidas no esquema criminoso.
552. Ainda que talvez não na mesma intensidade de outrora, há provas, portanto, de que o grupo criminoso encontrava-se ativo depois de 19/09/2013, assim permanecendo nessa condição pelo menos até 17/03/2014, quando cumpridos os primeiros mandados de prisão.
553. Sendo os crimes associativos de caráter permanente, incidiu, a partir de 19/09/2013, o crime do art. 2º da Lei nº 12.850/2013, em substituição ao anterior art. 288 do CP.
554. Ao contrário do que se pode imaginar, o tipo penal em questão não abrange somente organizações do tipo mafiosas ou os grupos criminosos que, no Brasil, se organizaram em torno da vida carcerária.
555. Pela definição prevista no §1º do art. 1º da Lei n.º 12.850/2013, “considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
556. Devido a abrangência da definição legal, deve ser empregada em casos nos quais se constate a existência de grupos criminais estruturados e dedicados habitual e profissionalmente à prática de crimes graves.
557. No caso presente, o grupo criminoso dedicava-se à prática, habitual, reiterada e profissional, de crimes contra a Petrobras, especificamente dos crimes de cartel (art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990) e de frustração, por ajuste, de licitações (art. 90 da Lei nº 8.666/1993), de corrupção de dirigentes da Petrobrás e de lavagem de dinheiro decorrente, todos com penas máximas superiores a quatro anos.
558. O grupo praticou os crimes por longos períodos, desde 2008 pelo menos considerando os crimes narrados no presente feito.
559. Havia estruturação e divisão de tarefas dentro do grupo criminoso como já visto.
560. Integrariam o grupo diversas pessoas, entre elas os reputados responsáveis pelos crimes de lavagem.
561. No subgrupo dedicado à lavagem de dinheiro, Alberto Youssef era responsável pela estruturação das operações contando com os serviços de auxílio de Márcio Bonilho, Waldomiro de Oliveira, Jayme Alves de Oliveira Filho e outros denunciados em outros feitos. Já Paulo Roberto Costa era o agente público na Petrobras necessário para viabilizar a obtenção dos recursos junto às empreiteiras contratantes.
562. No subgrupo das empreiteiras, na Camargo Correa, reconhecida a responsabilidade pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro de três executivos, mas como visto surgiram provas do envolvimento de outros na própria empreiteira. Nesse subgrupo, teria havido ainda associação com os executivos das outras empreiteiras para a prática de do cartel, ajuste de licitações, corrupção e lavagem, mas que respondem à outras ações penais.
563. Assim, o grupo tem bem mais do que quatro integrantes, certamente com diferentes graus de envolvimento e de responsabilidade na atividade criminosa, atendendo à exigência legal.
564. Evidente que não se trata de um grupo criminoso organizado como a Cosa Nostra italiana ou o Primeiro Comando da Capital, mas um grupo criminoso envolvido habitual, profissionalmente e com certa sofisticação na prática de crimes contra a Petrobras e de lavagem de dinheiro. Isso é suficiente para o enquadramento legal. Não entendo que o crime previsto na Lei nº 12.850/2013 deva ter sua abrangência reduzida por alguma espécie de interpretação teleológica ou sociológica. As distinções em relação a grupos maiores ou menores ou mesmo do nível de envolvimento de cada integrante devem refletir somente na dosimetria da pena.
565. Portanto, resta também provada a materialidade e autoria do crime do art. 2º da Lei nº 12.850/2013, devendo ser responsabilizados Dalton dos Santos Avancini, João Ricardo Auler, Eduardo Hermelino Leite e Jayme Alves de Oliveira Filho.
566. A responsabilização nestes autos de Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Márcio Andrade Bonilho e Waldomiro de Oliveira fica prejudicada pela litispendência com a mesma imputação constante nas ações penais conexas 5025699-17.2014.404.7000 e 5026212-82.2014.404.7000. Rigorosamente os três últimos já foram condenados por esses crimes na ação penal 5026212-82.2014.404.7000. Quanto a Adarico Negromonte Filho, a absolvição pelo crime fim, por insuficiência de provas, prejudica a condenação pelo crime associativo.
III. DISPOSITIVO
567. Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva.
568. Deixo de condenar Waldomiro de Oliveira pelo crime de lavagem de dinheiro por reconhecer, quanto a esta imputação relativamente aos recursos oriundos da Camargo Correa, litispendência em relação à condenação na ação penal 5026212-82.2014.404.7000.
569. Absolvo Márcio Andrade Bonilho da imputação do crime de corrupção ativa envolvendo os repasses originários da Camargo Correa, por falta de prova suficiente para a condenação (art. 386, VII, do CPP).
570. Absolvo Adarico Negromonete Filho da imputuação do crime de pertinência à organização criminosa e do crime de lavagem de dinheiro envolvendo os repasses originários da Camargo Correa, por falta de prova suficiente para a condenação (art. 386, VII, do CPP).
571. Absolvo João Ricardo Auler da imputação do crime de lavagem de dinheiro envolvendo os repasses originários da Camargo Correa dos contratos discriminados na REPAR e na RNEST, por intermédio das empresas Sanko Sider, por falta de prova suficiente para a condenação (art. 386, VII, do CPP).
572. Absolvo João Ricardo Auler, Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite da imputação de uso de documento falso, por falta de prova suficiente de autoria para condenação.
573. Condeno João Ricardo Auler, Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite pelo crime de corrupção ativa, pelo pagamento de vantagem indevida a Paulo Roberto Costa, em razão de seu cargo como Diretor na Petrobrás (art. 333 do CP).
574. Condeno Paulo Roberto Costa pelo crime de corrupção passiva, pelo recebimento de vantagem indevida paga por executivos da Camargo Correa, em razão de seu cargo como Diretor na Petrobrás (art. 317 do CP).
575. Condeno Alberto Youssef pelo crime de corrupção passiva, a título de participação, pela intermediação do recebimento de vantagem indevida paga por executivos da Camargo Correa a Paulo Roberto Costa, em razão de seu cargo como Diretor na Petrobrás (art. 317 do CP).
576. Condeno Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite por trinta e oito crimes de lavagem de dinheiro do art. 1º, caput, inciso V, da Lei nº 9.613/1998, consistentes nos repasses, com ocultação e dissimulação, de recursos criminosos provenientes dos contratos discriminados da Camargo Correa na RNEST e na REPAR, através de operações simuladas com as empresas Sanko Sider, MO Consultoria, Empreiteira Rigidez, GDF Investimentos e Costa Global.
577. Condeno Jayme Alves de Oliveira por trinta e dois crimes de lavagem de dinheiro do art. 1º, caput, inciso V, da Lei nº 9.613/1998, consistentes nos repasses, com ocultação e dissimulação, de recursos criminosos provenientes dos contratos discriminados da Camargo Correa na RNEST e na REPAR, através de operações simuladas com as empresas Sanko Sider, MO Consultoria, Empreiteira Rigidez e GDF Investimentos, saques e transporte em espécie dos valores.
578. Condeno Paulo Roberto Costa por seis crimes de lavagem de dinheiro do art. 1º, caput, inciso V, da Lei nº 9.613/1998, consistentes nos repasses, com ocultação e dissimulação, de recursos criminosos provenientes dos contratos discriminados da Camargo Correa na RNEST e na REPAR, através de operações simuladas com a Costa Global Consultoria.
579. Condeno João Ricardo Auler, Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite e Jayme Alves de Oliveira pelo crime de pertinência a organização criminosa d oart. 2.º da Lei nº 12.850/2013.
580. Atento aos dizeres do artigo 59 do Código Penal e levando em consideração o caso concreto, passo à individualização e dosimetria das penas a serem impostas aos condenados.
581. Paulo Roberto Costa:
Para o crime de corrupção passiva: Paulo Roberto Costa não tem antecedentes criminais informados no processo. As provas colacionadas neste mesmo feito, inclusive por sua confissão, indicam que passou a dedicar-se à prática de crimes no exercício do cargo de Diretor da Petrobás, visando seu próprio enriquecimento ilícito e de terceiros, o que deve ser valorado negativamente a título de personalidade. Culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser valoradas negativamente. A prática do crime corrupção envolveu o pagamento de R$ 50.035.912,33 à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, um valor muito expressivo. Mesmo considerando que Paulo Roberto Costa recebia uma parcela desses valores, o montante ainda é muito elevado. Consequências também devem ser valoradas negativamente, pois o custo da propina foi repassado à Petrobrás, com o que a estatal ainda arcou com o prejuízo no valor equivelente. A corrupção com pagamento de propina de dezenas de milhões de reais e tendo por consequência prejuízo equivalente aos cofres públicos merece reprovação especial. Considerando três vetoriais negativas, de especial reprovação, fixo, para o crime de corrupção ativa, pena de cinco anos de reclusão.
Reconheço a atenuante da confissão, art. 65, III, “d”, do CP, motivo pelo qual reduzo a pena em seis meses, para quatro anos e seis meses de reclusão.
Tendo o pagamento da vantagem indevida comprado a lealdade de Paulo Roberto Costa que deixou de tomar qualquer providência contra o cartel e as fraudes à licitação, aplico a causa de aumento do parágrafo único do art. 317, §1º, do CP, elevando-a para seis anos de reclusão.
Fixo multa proporcional para a corrupção em cento e cinquenta dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Paulo Roberto Costa, fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Para o crime de lavagem: Paulo Roberto Costa não tem antecedentes criminais informados no processo. As provas colacionadas neste mesmo feito, inclusive por sua confissão, indicam que passou a dedicar-se à prática de crimes no exercício do cargo de Diretor da Petrobás, visando seu próprio enriquecimento ilícito e de terceiros, o que deve ser valorado negativamente a título de personalidade. Culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstância deve ser considerada neutra, pois o crime de lavagem em questão, o recebimento de propina mediante simulação de contrato de consultoria não teve especial complexidade. Consequências devem ser valoradas negativamente considerando o expressivo valor objeto da lavagem, R$ 2.700.000,00. Considerando duas vetoriais negativa, fixo, para o crime de lavagem de dinheiro, pena de quatro anos de reclusão.
A operação de lavagem, tendo por antecedentes crimes de cartel e de ajuste fraudulento de licitações (art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990, e art. 90 da Lei nº 8.666/1993, tinha por finalidade propiciar o pagamento de vantagem indevida, ou seja, viabilizar a prática de crime de corrupção, devendo ser reconhecida a agravante do art. 61, II, “b”, do CP. Observo que, nas circunstâncias do caso, ela não é inerente ao crime de lavagem, já que o dinheiro sujo, proveniente de outros crimes, serviu para executar crime de corrupção.
Reconheço igualmente a atenuante da confissão, art. 65, III, “d”, do CP, motivo pelo qual compenso mutuamente a agravante com a atenuante, deixando de alterar a pena base.
Fixo multa proporcional para a lavagem em cento e dez dias multa.
Entre todos os crimes de lavagem, reconheço continuidade delitiva. Considerando a quantidade de crimes, seis pelo menos, elevo a pena do crime mais grave em 1/2, chegando ela a seis anos de reclusão e cento e sessenta e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Paulo Roberto Costa, fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Entre o crime de corrupção e o crime de lavagem, há concurso material, com o que as penas somadas atingem doze anos de reclusão e trezentos e quinze dias multa.
Considerando as regras do art. 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena.
Essa seria a pena definitiva para Paulo Roberto Costa, não houvesse o acordo de colaboração celebrado com a Procuradoria Geral da República e homologado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Pelo art. 4º da Lei nº 12.850/2013, a colaboração, a depender da efetividade, pode envolver o perdão judicial, a redução da pena ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Cabe somente ao julgador conceder e dimensionar o benefício. O acordo celebrado com o Ministério Público não vincula o juiz, mas as partes às propostas acertadas.
Não obstante, na apreciação desses acordos, para segurança jurídica das partes, deve o juiz agir com certa deferência, sem abdicar do controle judicial.
A efetividade da colaboração de Paulo Roberto Costa não se discute. Prestou informações e forneceu provas relevantíssimas para Justiça criminal de um grande esquema criminoso. Embora parte significativa de suas declarações demande ainda corroboração, já houve confirmação pelo menos parcial do declarado.
Além disso, a renúncia em favor da Justiça criminal de parte dos bens sequestrados garantirá a recuperação pelo menos parcial dos recursos públicos desviados em favor da vítima, a Petrobras.
Não cabe, porém, como pretendido o perdão judicial. A efetividade da colaboração não é o único elemento a ser considerado. Deve ter o Juízo presente também os demais elementos do §1.º do art. 4º da Lei nº 12.850/2013. Nesse aspecto, considerando a gravidade em concreto dos crimes praticados por Paulo Roberto Costa e a elevada reprovabilidade de sua conduta, não cabe perdão judicial.
Adoto, portanto, as penas acertadas no acordo de colaboração premiada.
Observo que há alguma dificuldade para concessão do benefício decorrente do acordo, uma vez que Paulo Roberto Costa responde a várias outras ações penais e o dimensionamento do favor legal dependeria da prévia unificação de todas as penas.
Assim, as penas fixadas nesta sentença serão oportunamente unificadas com as dos outros processos (se neles houver condenações).
A pena privativa de liberdade de Paulo Roberto Costa fica limitada ao período já servido em prisão cautelar, com recolhimento no cárcere da Polícia Federal, de 17/03/2014 a 18/05/2014 e de 11/06/2014 a 30/09/2014, devendo cumprir ainda um ano de prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, a partir de 01/10/2014, e mais um ano contados de 01/10/2015, desta feita de prisão com recolhimento domiciliar nos finais de semana e durante a noite.
Embora o acordo fale em prisão em regime semiaberto a partir de 01/10/2015, reputo mais apropriado o recolhimento noturno e no final de semana com tornozeleira eletrônica por questões de segurança decorrentes da colaboração e da dificuldade que surgiria em proteger o condenado durante o recolhimento em estabelecimento penal semiaberto.
A partir de 01/10/2016, progredirá o condenado para o regime aberto pelo restante da pena a cumprir, em condições a serem oportunamente fixadas e sensíveis às questões de segurança.
A eventual condenação em outros processos e a posterior unificação de penas não alterará, salvo quebra do acordo, os parâmetros de cumprimento de pena ora fixados.
Eventualmente, se houver aprofundamento posterior da colaboração, com a entrega de outros elementos relevantes, a redução das penas pode ser ampliada na fase de execução.
Caso haja descumprimento ou que seja descoberto que a colaboração não foi verdadeira, poderá haver regressão de regime e o benefício não será estendido a outras eventuais condenações.
Como previsto no acordo e com base no art. 91 do Código Penal, decreto o confisco, como produto do crime, dos bens relacionados na cláusula sexta e oitava do referido acordo, até o montante correspondente a R$ 50.035.912,33, e sem prejuízo do confisco do excedente em caso de condenação nos demais processos pelos quais responde Paulo Roberto Costa.
Como condição da manutenção, deverá ainda pagar a indenização cível acertada com o Ministério Público Federal, nos termos do acordo, no montante de cinco milhões de reais.
Registro, por oportuno, que, embora seja elevada a culpabilidade de Paulo Roberto Costa, a colaboração demanda a concessão de benefícios legais, não sendo possível tratar o criminoso colaborador com excesso de rigor, sob pena de inviabilizar o instituto da colaboração premiada.
582. Alberto Youssef
Para o crime de corrupção: Alberto Youssef é reincidente, mas o fato será valorado como circunstância agravante. As provas colacionadas neste mesmo feito, inclusive por sua confissão, indicam que passou a dedicar-se à prática profissional de crimes de lavagem, o que deve ser valorado negativamente a título de personalidade. A prática do crime corrupção envolveu o pagamento de R$ 50.035.912,33 à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, um valor muito expressivo. Mesmo considerando que Paulo Roberto Costa recebia uma parcela desses valores, o montante ainda é muito elevado. Consequências também devem ser valoradas negativamente, pois o custo da propina foi repassado à Petrobrás, com o que a estatal ainda arcou com o prejuízo no valor equivelente. A corrupção com pagamento de propina de dezenas de milhões de reais e tendo por consequência prejuízo equivalente aos cofres públicos merece reprovação especial. Considerando três vetoriais negativas, de especial reprovação, fixo, para o crime de corrupção ativa, pena de cinco anos de reclusão.
Reconheço a atenuante da confissão, art. 65, III, “d”, do CP.
Deve ser reconhecida a agravante da reincidência, pois Alberto Youssef foi condenado, com trânsito em julgado, por este mesmo Juízo na ação penal 2004.7000006806-4 em 24/06/2004. Observo que não transcorreu tempo superior a cinco anos entre o cumprimento da pena daquela condenação e a retomada da prática delitiva.
Compenso a agravante com a atenuante, deixando a pena base inalterada nesta fase.
Tendo o pagamento da vantagem indevida comprado a lealdade de Paulo Roberto Costa que deixou de tomar qualquer providência contra o cartel e as fraudes à licitação, aplico a causa de aumento do parágrafo único do art. 317, §1º, do CP, elevando-a para oito anos e quatro meses de reclusão.
Fixo multa proporcional para a corrupção em cento e setenta e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Alberto Youssef, fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Considerando as regras do art. 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena.
Essa seria a pena definitiva para Alberto Youssef, não houvesse o acordo de colaboração celebrado com a Procuradoria Geral da República e homologado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Pelo art. 4º da Lei nº 12.850/2013, a colaboração, a depender da efetividade, pode envolver o perdão judicial, a redução da pena ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Cabe somente ao julgador conceder e dimensionar o benefício. O acordo celebrado com o Ministério Público não vincula o juiz, mas as partes às propostas acertadas.
Não obstante, na apreciação desses acordos, para segurança jurídica das partes, deve o juiz agir com certa deferência, sem abdicar do controle judicial.
A efetividade da colaboração de Alberto Youssef não se discute. Prestou informações e forneceu provas relevantíssimas para Justiça criminal de um grande esquema criminoso. Embora parte significativa de suas declarações demande ainda corroboração, já houve confirmação pelo menos parcial do declarado.
Além disso, a renúncia em favor da Justiça criminal de parte dos bens sequestrados garantirá a recuperação pelo menos parcial dos recursos públicos desviados, em favor da vítima, a Petrobras.
Não cabe, porém, como pretendido o perdão judicial. A efetividade da colaboração não é o único elemento a ser considerado. Deve ter o Juízo presente também os demais elementos do §1.º do art. 4º da Lei nº 12.850/2013. Nesse aspecto, considerando a gravidade em concreto dos crimes praticados por Alberto Youssef, não cabe perdão judicial.
Adoto, portanto, as penas acertadas no acordo de colaboração premiada.
Observo que há alguma dificuldade para concessão do benefício decorrente do acordo, uma vez que Alberto Youssef responde a várias outras ações penais e o dimensionamento do favor legal dependeria da prévia unificação de todas as penas.
Assim, as penas a serem oportunamente unificadas deste com os outros processos (se neles houver condenações), não ultrapassarão o total de trinta anos de reclusão.
Alberto Youssef deverá cumprir somente três anos das penas em regime fechado, ainda que sobrevenham condenações em outros processos e unificações (salvo posterior quebra do acordo), reputando este Juízo o período suficiente para reprovação considerando a colaboração efetuada. Após o cumprimento desses três anos, progredirá diretamente para o regime aberto em condições a serem fixadas e sensíveis a sua segurança.
Inviável benefício igual a Paulo Roberto Costa já que Alberto Youssef já foi beneficiado anteriormente em outro acordo de colaboração, vindo a violá-lo por voltar a praticar crimes, o que reclama maior sanção penal neste momento
Eventualmente, se houver aprofundamento posterior da colaboração, com a entrega de outros elementos relevantes, a redução das penas pode ser ampliada na fase de execução.
Caso haja descumprimento ou que seja descoberto que a colaboração não foi verdadeira, poderá haver regressão de regime e o benefício não será estendido a outras eventuais condenações.
Como previsto no acordo e com base no art. 91 do Código Penal, decreto o confisco, como produto do crime, dos bens relacionados nas cláusulas sétima e oitava do referido acordo, até o montante correspondente a R$ 50.035.912,33, e sem prejuízo do confisco do excedente em caso de condenação nos demais processos pelos quais responde Alberto Youssef.
Como condição da manutenção, deverá ainda pagar a indenização cível acertada com o Ministério Público Federal, nos termos do acordo.
A pena de multa fica reduzida ao mínimo legal, como previsto no acordo.
Registro, por oportuno, que, embora seja elevada a culpabilidade de Alberto Youssef, a colaboração demanda a concessão de benefícios legais, não sendo possível tratar o criminoso colaborador com excesso de rigor, sob pena de inviabilizar o instituto da colaboração premiada.
583. Dalton dos Santos Avancini
Para o crime de corrupção ativa: Dalton dos Santos Avancini não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade Culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser valoradas negativamente. A prática do crime corrupção envolveu o pagamento de R$ 50.035.912,33 à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, um valor muito expressivo. Consequências também devem ser valoradas negativamente, pois o custo da propina foi repassado à Petrobrás, com o que a estatal ainda arcou com o prejuízo no valor equivalente. A corrupção com pagamento de propina de dezenas de milhões de reais e tendo por consequência prejuízo equivalente aos cofres públicos merece reprovação especial. Considerando duas vetoriais negativas, de especial reprovação, fixo, para o crime de corrupção ativa, pena de quatro anos e seis meses de reclusão.
Reconheço a atenuante da confissão, art. 65, III, “d”, do CP, motivo pelo qual reduzo a pena em seis meses, para quatro anos de reclusão.
Tendo o pagamento da vantagem indevida comprado a lealdade de Paulo Roberto Costa que deixou de tomar qualquer providência contra o cartel e as fraudes à licitação, aplico a causa de aumento do parágrafo único do art. 333 do CP, elevando-a para cinco anos e quatro meses de reclusão.
Fixo multa proporcional para a corrupção em noventa e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Dalton dos Santos Avancini, fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Para os crimes de lavagem: Dalton dos Santos Avancini não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade Culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser valoradas negativamente. A lavagem, no presente caso, envolveu especial sofisticação, com a realização de dezenas de transações subreptícias, simulação de prestação de serviços, contratos e notas fiscais falsas. seis empresas de fachada. Em especial, a ocultação do produto do crime em transações interpostas com empresa de atividade econômica real revela especial sofisticação, sem olvidar a utilização posterior de outras empresas interpostas, duas das quais de fachada, implica método de lavagem de difícil detecção. Tal grau de sofisticação não é inerente ao crime de lavagem e deve ser valorado negativamente a título de circunstâncias (a complexidade não é inerente ao crime de lavagem, conforme precedente do RHC 80.816/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma do STF, un., j. 10/04/2001). Consequências devem ser valoradas negativamente. A lavagem envolve a quantia substancial de R$ 32.055.958,83. Mesmo considerando as operações individualmente, os valores são elevados, tendo só uma delas envolvido R$ 2.200.000,00. A lavagem de grande quantidade de dinheiro merece reprovação especial a título de consequências. Considerando duas vetoriais negativas, fixo, para o crime de lavagem de dinheiro, pena de quatro anos e seis meses de reclusão.
A operação de lavagem, tendo por antecedentes crimes de cartel e de ajuste fraudulento de licitações (art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990, e art. 90 da Lei nº 8.666/1993, tinha por finalidade propiciar o pagamento de vantagem indevida, ou seja, viabilizar a prática de crime de corrupção, devendo ser reconhecida a agravante do art. 61, II, “b”, do CP. Observo que, nas circunstâncias do caso, ela não é inerente ao crime de lavagem, já que o dinheiro sujo, proveniente de outros crimes, serviu para executar crime de corrupção.
Reconheço igualmente a atenuante da confissão, art. 65, III, “d”, do CP, motivo pelo qual compenso mutuamente a agravante com a atenuante, deixando de alterar a pena base.
Fixo multa proporcional para a lavagem em cento e trinta e cinco dias multa.
Entre todos os crimes de lavagem, reconheço continuidade delitiva. Considerando a quantidade de crimes, trinta e oito pelo menos, elevo a pena do crime mais grave em 2/3, chegando ela a sete anos e seis meses de reclusão e duzentos e vinte e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Dalton dos Santos Avancini, fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Para o crime de pertinência à organização criminosa: Dalton dos Santos Avancini não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade, culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Considerando que não se trata de grupo criminoso organizado de tipo mafioso, ou seja, com estrutura rígida e hierarquizada, o que significa menor complexidade, circunstâncias e consequências não devem ser valoradas negativamente. As demais vetoriais, culpabilidade, conduta social, motivos e comportamento das vítimas são neutras. Motivos de lucro são inerentes às organização criminosas, não cabendo reprovação especial. Fixo pena no mínimo de três anos de reclusão.
Reconheço a atenuante da confissão, art. 65, III, “d”, do CP, sem reflexo, porém, na pena já que fixada no mínimo legal.
É aplicável a causa de aumento do §4º, II, do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. Paulo Roberto Costa, cooptado pelo grupo era funcionário público no sentido do art. 327 do CP. Elevo as penas em 1/6 pela causa de aumento, fixando ela em três anos e seis meses anos de reclusão.
Fixo multa proporcional para o crime de pertinência à organização criminosa de trinta e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Dalton dos Santos Avancini, fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Entre os crimes de corrupção, de lavagem e de pertinência à organização criminosa, há concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a quinze anos e dez meses de reclusão e trezentos e cinquenta e cinco dias multa, que reputo definitivas para Dalton dos Santos Avancini.
Considerando as regras do art. 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena.
Essa seria a pena definitiva para Dalton dos Santos Avancini, não houvesse o acordo de colaboração celebrado com a Procuradoria Geral da República e homologado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Pelo art. 4º da Lei nº 12.850/2013, a colaboração, a depender da efetividade, pode envolver o perdão judicial, a redução da pena ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Cabe somente ao julgador conceder e dimensionar o benefício. O acordo celebrado com o Ministério Público não vincula o juiz, mas as partes às propostas acertadas.
Não obstante, na apreciação desses acordos, para segurança jurídica das partes, deve o juiz agir com certa deferência, sem abdicar do controle judicial.
A colaboração de Dalton do Santos Avancini tem alguma efetividade. Além da confissão no presente feito, revelou a formação de cartel e pagamento de propina em outros âmbitos da Administração Pública. As investigações quanto a esses fatos ainda estão no início, mas as informações foram relevantes. Forneceu algumas provas desse esquema criminoso.
Além disso, a indenização cível admitida garantirá a recuperação pelo menos parcial dos recursos públicos desviados em favor da vítima, a Petrobras.
Não cabe, porém, como pretendido o perdão judicial. Além da efetividade não ter sido examinada de todo, ela não é o único elemento a ser considerado. Deve ter o Juízo presente também os demais elementos do §1.º do art. 4º da Lei nº 12.850/2013. Nesse aspecto, considerando a gravidade em concreto dos crimes praticados por Dalton dos Santos Avancini e a elevada reprovabilidade de sua conduta, não cabe perdão judicial.
Adoto, portanto, as penas acertadas no acordo de colaboração premiada.
Observo que há alguma dificuldade para concessão do benefício decorrente do acordo, uma vez que Dalton dos Santos Avancini poderá vir a responder a outras ações penais, já que confessou outros crimes, e o dimensionamento do favor legal dependeria da prévia unificação de todas as penas.
Assim, as penas fixadas nesta sentença serão oportunamente unificadas com as dos outros eventuais processos (se neles houver condenações).
A pena privativa de liberdade de Dalton dos Santos Avancini fica limitada ao período já servido em prisão cautelar, com recolhimento no cárcere da Polícia Federal, de 14/11/2014 a 30/03/2015, devendo cumprir ainda cerca de um ano de prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, até 14/03/2015.
Deverá cumprir de dois a seis anos contados de 14/03/2016, desta feita de prisão com recolhimento domiciliar nos finais de semana e durante a noite, com tornozeleira eletrônica se necessário, naquilo que o acordo denominou de regime semi-aberto diferenciado. Durante o recolhimento no período semi-aberto, deverá ainda o condenado cumprir cinco horas semanais de serviços comunitários, em entidade pública ou beneficente, a ser definida oportunamente.
A partir de 14/03/2018, poderá o condenado progredir para o regime aberto pelo restante da pena a cumprir, segundo seu mérito, ficando no caso desobrigado do recolhimento domiciliar e em condições a serem oportunamente definidas.
A eventual condenação em outros processos e a posterior unificação de penas não alterará, salvo quebra do acordo, os parâmetros de cumprimento de pena ora fixados.
Eventualmente, se houver aprofundamento posterior da colaboração, com a entrega de outros elementos relevantes, a redução das penas pode ser ampliada na fase de execução.
Caso haja descumprimento ou que seja descoberto que a colaboração não foi verdadeira, poderá haver regressão de regime e o benefício não será estendido a outras eventuais condenações.
A multa pena fica reduzida ao mínimo legal, como previsto no acordo.
Como manutenção do acordo, deverá ainda pagar a indenização cível acertada com o Ministério Público Federal, nos termos do acordo, no montante de dois milhões e quinhentos mil reais.
Registro, por oportuno, que, embora seja elevada a culpabilidade de Dalton dos Santos Avancini, a colaboração demanda a concessão de benefícios legais, não sendo possível tratar o criminoso colaborador com excesso de rigor, sob pena de inviabilizar o instituto da colaboração premiada.
584. Eduardo Hermelino Leite
Para o crime de corrupção ativa: Eduardo Hermelino Leite não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade Culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser valoradas negativamente. A prática do crime corrupção envolveu o pagamento de R$ 50.035.912,33 à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, um valor muito expressivo. Consequências também devem ser valoradas negativamente, pois o custo da propina foi repassado à Petrobrás, com o que a estatal ainda arcou com o prejuízo no valor equivalente. A corrupção com pagamento de propina de dezenas de milhões de reais e tendo por consequência prejuízo equivalente aos cofres públicos merece reprovação especial. Considerando duas vetoriais negativas, de especial reprovação, fixo, para o crime de corrupção ativa, pena de quatro anos e seis meses de reclusão.
Reconheço a atenuante da confissão, art. 65, III, “d”, do CP, motivo pelo qual reduzo a pena em seis meses, para quatro anos de reclusão.
Tendo o pagamento da vantagem indevida comprado a lealdade de Paulo Roberto Costa que deixou de tomar qualquer providência contra o cartel e as fraudes à licitação, aplico a causa de aumento do parágrafo único do art. 333 do CP, elevando-a para cinco anos e quatro meses de reclusão.
Fixo multa proporcional para a corrupção em noventa e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Eduardo Hermelino Leite, fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Para os crimes de lavagem: Eduardo Hermelino Leite não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade Culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser valoradas negativamente. A lavagem, no presente caso, envolveu especial sofisticação, com a realização de dezenas de transações subreptícias, simulação de prestação de serviços, contratos e notas fiscais falsas. seis empresas de fachada. Em especial, a ocultação do produto do crime em transações interpostas com empresa de atividade econômica real revela especial sofisticação, sem olvidar a utilização posterior de outras empresas interpostas, duas das quais de fachada, implica método de lavagem de difícil detecção. Tal grau de sofisticação não é inerente ao crime de lavagem e deve ser valorado negativamente a título de circunstâncias (a complexidade não é inerente ao crime de lavagem, conforme precedente do RHC 80.816/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma do STF, un., j. 10/04/2001). Consequências devem ser valoradas negativamente. A lavagem envolve a quantia substancial de R$ 32.055.958,83. Mesmo considerando as operações individualmente, os valores são elevados, tendo só uma delas envolvido R$ 2.200.000,00. A lavagem de grande quantidade de dinheiro merece reprovação especial a título de consequências. Considerando duas vetoriais negativas, fixo, para o crime de lavagem de dinheiro, pena de quatro anos e seis meses de reclusão.
A operação de lavagem, tendo por antecedentes crimes de cartel e de ajuste fraudulento de licitações (art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990, e art. 90 da Lei nº 8.666/1993, tinha por finalidade propiciar o pagamento de vantagem indevida, ou seja, viabilizar a prática de crime de corrupção, devendo ser reconhecida a agravante do art. 61, II, “b”, do CP. Observo que, nas circunstâncias do caso, ela não é inerente ao crime de lavagem, já que o dinheiro sujo, proveniente de outros crimes, serviu para executar crime de corrupção.
Reconheço igualmente a atenuante da confissão, art. 65, III, “d”, do CP, motivo pelo qual compenso mutuamente a agravante com a atenuante, deixando de alterar a pena base.
Fixo multa proporcional para a lavagem em cento e trinta e cinco dias multa.
Entre todos os crimes de lavagem, reconheço continuidade delitiva. Considerando a quantidade de crimes, trinta e oito pelo menos, elevo as penas do crime mais grave em 2/3, chegando elas a sete anos e seis meses de reclusão e duzentos e vinte e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Eduardo Hermelino Leite, fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Para o crime de pertinência à organização criminosa: Eduardo Hermelino Leite não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade, culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Considerando que não se trata de grupo criminoso organizado de tipo mafioso, ou seja, com estrutura rígida e hierarquizada, o que significa menor complexidade, circunstâncias e consequências não devem ser valoradas negativamente. As demais vetoriais, culpabilidade, conduta social, motivos e comportamento das vítimas são neutras. Motivos de lucro são inerentes às organização criminosas, não cabendo reprovação especial. Fixo pena no mínimo de três anos de reclusão.
Reconheço a atenuante da confissão, art. 65, III, “d”, do CP, sem reflexo, porém, na pena já que fixada no mínimo legal.
É aplicável a causa de aumento do §4º, II, do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. Paulo Roberto Costa, cooptado pelo grupo era funcionário público no sentido do art. 327 do CP. Elevo as penas em 1/6 pela de uma causa de aumento, fixando elas em três anos e seis meses anos de reclusão.
Fixo multa proporcional para o crime de pertinência à organização criminosa de trinta e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Eduardo Hermelino Leite, fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Entre os crimes de corrupção, de lavagem e de pertinência à organização criminosa, há concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a quinze anos e dez meses de reclusão e duzentos e sessenta e cinco dias multa, que reputo definitivas para Eduardo Hermelino Leite.
Considerando as regras do art. 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena.
Essa seria a pena definitiva para Eduardo Hermelino Leite, não houvesse o acordo de colaboração celebrado com a Procuradoria Geral da República e homologado pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal.
Pelo art. 4º da Lei nº 12.850/2013, a colaboração, a depender da efetividade, pode envolver o perdão judicial, a redução da pena ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Cabe somente ao julgador conceder e dimensionar o benefício. O acordo celebrado com o Ministério Público não vincula o juiz, mas as partes às propostas acertadas.
Não obstante, na apreciação desses acordos, para segurança jurídica das partes, deve o juiz agir com certa deferência, sem abdicar do controle judicial.
A colaboração de Eduardo Hermelino Leite tem alguma efetividade. Além da confissão no presente feito, revelou detalhes sobre o repasse do dinheiro que eram desconhecidos, além de outros fatos importantes. As investigações quanto a esses fatos ainda estão no início, mas as informações foram relevantes. Forneceu algumas provas desse esquema criminoso.
Além disso, a indenização cível admitida garantirá a recuperação pelo menos parcial dos recursos públicos desviados em favor da vítima, a Petrobras.
Não cabe, porém, como pretendido o perdão judicial. Além da efetividade não ter sido examinada de todo, ela não é o único elemento a ser considerado. Deve ter o Juízo presente também os demais elementos do §1.º do art. 4º da Lei nº 12.850/2013. Nesse aspecto, considerando a gravidade em concreto dos crimes praticados por Eduardo Hermelino Leite e a elevada reprovabilidade de sua conduta, não cabe perdão judicial.
Adoto, portanto, as penas acertadas no acordo de colaboração premiada.
Observo que há alguma dificuldade para concessão do benefício decorrente do acordo, uma vez que Eduardo Hermelino Leite poderá vir a responder a outras ações penais, já que confessou outros crimes, e o dimensionamento do favor legal dependeria da prévia unificação de todas as penas.
Assim, as penas fixadas nesta sentença serão oportunamente unificadas com as dos outros eventuais processos (se neles houver condenações).
A pena privativa de liberdade de Eduardo Hermelino Leite fica limitada ao período já servido em prisão cautelar, com recolhimento no cárcere da Polícia Federal, de 14/11/2014 a 24/03/2015, devendo cumprir cerca de um ano de prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, até 14/03/2015.
Deverá cumprir de dois a seis anos contados de 14/03/2016, desta feita de prisão com recolhimento domiciliar nos finais de semana e durante a noite, com tornozeleira eletrônica se necessário, naquilo que o acordo denominou de regime semi-aberto diferenciado. Durante o recolhimento no período semi-aberto, deverá ainda o condenado cumprir cinco horas semanais de serviços comunitários, em entidade pública ou beneficente, a ser definida oportunamente.
A partir de 14/03/2018, poderá o condenado progredir para o regime aberto pelo restante da pena a cumprir, segundo seu mérito, ficando no caso desobrigado do recolhimento domiciliar e em condições a serem oportunamente definidas.
A eventual condenação em outros processos e a posterior unificação de penas não alterará, salvo quebra do acordo, os parâmetros de cumprimento de pena ora fixados.
Eventualmente, se houver aprofundamento posterior da colaboração, com a entrega de outros elementos relevantes, a redução das penas pode ser ampliada na fase de execução.
Caso haja descumprimento ou que seja descoberto que a colaboração não foi verdadeira, poderá haver regressão de regime e o benefício não será estendido a outras eventuais condenações.
A multa pena fica reduzida ao mínimo legal, como previsto no acordo.
Como manutenção do acordo, deverá ainda pagar a indenização cível acertada com o Ministério Público Federal, nos termos do acordo, no montante de cinco milhões e quinhentos mil reais.
Registro, por oportuno, que, embora seja elevada a culpabilidade de Eduardo Hermelino Leite, a colaboração demanda a concessão de benefícios legais, não sendo possível tratar o criminoso colaborador com excesso de rigor, sob pena de inviabilizar o instituto da colaboração premiada.
585. João Ricardo Auler
Para o crime de corrupção ativa: João Ricardo Auler não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade Culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Circunstâncias devem ser valoradas negativamente. A prática do crime corrupção envolveu o pagamento de R$ 50.035.912,33 à Diretoria de Abastecimento da Petrobrás, um valor muito expressivo. Consequências também devem ser valoradas negativamente, pois o custo da propina foi repassado à Petrobrás, com o que a estatal ainda arcou com o prejuízo no valor equivalente. A corrupção com pagamento de propina de dezenas de milhões de reais e tendo por consequência prejuízo equivalente aos cofres públicos merece reprovação especial. Considerando duas vetoriais negativas, de especial reprovação, fixo, para o crime de corrupção ativa, pena de quatro anos e seis meses de reclusão.
Não há atenuantes ou agravantes a serem reconhecidas. Não entendo, como argumentou o MPF, que o condenado dirigia a ação dos demais executivos.
Tendo o pagamento da vantagem indevida comprado a lealdade de Paulo Roberto Costa que deixou de tomar qualquer providência contra o cartel e as fraudes à licitação, aplico a causa de aumento do parágrafo único do art. 333 do CP, elevando-a para seis anos de reclusão.
Fixo multa proporcional para a corrupção em cento e cinquenta dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de João Ricardo Auler, renda mensal líquida declarada de sessenta e cinco mil reais (evento 807), fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Para o crime de pertinência à organização criminosa: João Ricardo Auler não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade, culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Considerando que não se trata de grupo criminoso organizado de tipo mafioso, ou seja, com estrutura rígida e hierarquizada, o que significa menor complexidade, circunstâncias e consequências não devem ser valoradas negativamente. As demais vetoriais, culpabilidade, conduta social, motivos e comportamento das vítimas são neutras. Motivos de lucro são inerentes às organização criminosas, não cabendo reprovação especial. Fixo pena no mínimo de três anos de reclusão.
Não há agravantes ou atenuantes.
É aplicável a causa de aumento do §4º, II, do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. Paulo Roberto Costa, cooptado pelo grupo era funcionário público no sentido do art. 327 do CP. Elevo as penas em 1/6 pela causa de aumento, fixando elas em três anos e seis meses anos de reclusão.
Fixo multa proporcional para o crime de pertinência à organização criminosa de trinta e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de João Ricardo Auler, renda mensal líquida declarada de sessenta e cinco mil reais (evento 807), fixo o dia multa em cinco salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Entre os crimes de corrupção de pertinência à organização criminosa, há concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a nove anos e seis meses de reclusão e cento e oitenta e cinco dias multa, que reputo definitivas para João Ricardo Auler.
Considerando as regras do art. 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena. A progressão de regime fica, em princípio, condicionada à reparação do dano no termos do art. 33, §4º, do CP.
586. Jayme Alves de Oliveira Filho
Para os crimes de lavagem: Jayme Alves de Oliveira não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade Culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Apesar do ciclo da lavagem ter envolvido especial sofisticação, a parte pertinente ao condenado em questão envolveu somente o transporte físico do dinheiro em espécie, motivo pelo qual, para ele, não valoro negativamente as circunstâncias. Consequências devem ser valoradas negativamente. A lavagem envolve a quantia substancial de R$ 32.055.958,83. Mesmo considerando os valores constantes na tabela de entregas atribuídas ao ora condenado, tem-se R$ 13.042.800,00, USD 991.300 e 375.000 euros. A lavagem de grande quantidade de dinheiro merece reprovação especial a título de consequências. Considerando uma vetorial negativa, de especial reprovação, fixo, para o crime de lavagem de dinheiro, pena de quatro anos de reclusão.
A operação de lavagem, tendo por antecedentes crimes de cartel e de ajuste fraudulento de licitações (art. 4º, I, da Lei nº 8.137/1990, e art. 90 da Lei nº 8.666/1993), tinha por finalidade propiciar o pagamento de vantagem indevida, ou seja, viabilizar a prática de crime de corrupção, devendo ser reconhecida a agravante do art. 61, II, “b”, do CP. Observo que, nas circunstâncias do caso, ela não é inerente ao crime de lavagem, já que o dinheiro sujo, proveniente de outros crimes, serviu para executar crime de corrupção.
Presente igualmente a agravante do art. 61, II, “g”, do CP. Inaceitável que policial, que tem por dever prevenir o crime, aceite realizar entrega de dinheiro em espécie para titular de escritório de lavagem de dinheiro, com notórios antecedentes criminais.
Presentes duas circunstâncias agravantes, nenhuma atenuante, elevo a pena para cinco anos de reclusão.
Fixo multa proporcional para a lavagem em cento e cinco dias multa.
Entre todos os crimes de lavagem, reconheço continuidade delitiva. Considerando a quantidade de crimes, trinta e um pelo menos, elevo as penas do crime mais grave em 2/3, chegando elas a oito anos e quatro meses de reclusão e cento e setenta e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Jayme Alves de Oliveira Filho, renda mensal declarada de oito mil reais, fixo o dia multa em dois salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Para o crime de pertinência à organização criminosa: Jayme Alves de Oliveira Filho não tem antecedentes registrados no processo. Personalidade, culpabilidade, conduta social, motivos, comportamento da vítima são elementos neutros. Considerando que não se trata de grupo criminoso organizado de tipo mafioso, ou seja, com estrutura rígida e hierarquizada, o que significa menor complexidade, circunstâncias e consequências não devem ser valoradas negativamente. As demais vetoriais, culpabilidade, conduta social, motivos e comportamento das vítimas são neutras. Motivos de lucro são inerentes às organização criminosas, não cabendo reprovação especial. Fixo pena no mínimo de três anos de reclusão.
Não há atenuantes ou agravantes.
É aplicável a causa de aumento do §4º, II, do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. Paulo Roberto Costa, cooptado pelo grupo era funcionário público no sentido do art. 327 do CP. Elevo as penas em 1/6 pela causa de aumento, fixando elas em três anos e seis meses anos de reclusão
Fixo multa proporcional para o crime de pertinência à organização criminosa de trinta e cinco dias multa.
Considerando a dimensão dos crimes e especialmente a capacidade econômica de Jayme Alves de Oliveira Filho, renda mensal declarada de oito mil reais, fixo o dia multa em dois salários mínimos vigentes ao tempo do último fato delitivo (12/2013).
Entre os crimes de lavagem e de pertinência à organização criminosa, há concurso material, motivo pelo qual as penas somadas chegam a onze anos e dez meses de reclusão e duzentos e dez dias multa, que reputo definitivas para Jayme Alves de Oliveira Filho.
Considerando as regras do art. 33 do Código Penal, fixo o regime fechado para o início de cumprimento da pena. A progressão de regime fica, em princípio, condicionada à reparação do dano no termos do art. 33, §4º, do CP.
Decreto, com base no art. 92 do CP, a perda do cargo de agente policial, sendo inconsistente a permanência na função do condenado, já que este associou-se a grupo criminoso e participou na lavagem de dinheiro de milhões de reai, violando deveres básicos do policial.
Em decorrência da condenação pelo crime de lavagem, decreto, com base no art. 7º, II, da Lei nº 9.613/1998, a interdição de Jayme Alves de Oliveira Filho para o exercício de cargo ou função pública ou de diretor, membro de conselho ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º da mesma lei por vinte e três anos e oito meses.
587. O período em que os condenados encontram-se ou ficaram presos, deve ser computado para fins de detração da pena (itens 40-41).
588. Considerando a gravidade em concreto dos crimes em questão e que os condenados estavam envolvido na prática habitual, sistemática e profissional de crimes contra a Petrobras, ficam mantidas, nos termos das decisões judiciais pertinentes, as prisões cautelares vigentes contra Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa, ainda que este último em regime domiciliar (evento 22 do processo 5001446-62.2014.404.7000 e evento 58 do processo 5014901-94.2014.404.7000).
589. Quanto a Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite devem permanecer em prisão domiciliar pelo período previsto no acordo, já servindo à execução pena.
590. Quanto a Jayme Alves de Oliveira Filho, ficam mantidas as medidas cautelares alternativas impostas na decisão de 18/11/2014 no processo 5073475-13.2014.404.7000 (evento 173), especificamente afastamento da função pública de policial federal, proibição de deixar o país, proibição de mudar de endereço sem autorização deste Juízo, obrigação de comparecer a todos os atos do processo, inclusive mediante intimação por qualquer meio, inclusive telefone.
591. Quanto à João Ricardo Auler, a posição deste Juízo remanesce sendo da necessidade da prisão preventiva dos dirigentes das empreiteiras envolvidas, considerando o quadro sistêmico de crimes e a necessidade de interromper de maneira eficaz o ciclo delitivo. Não obstante, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, no HC 127.186, entendeu diferente, no sentido que a prisão cautelar naquele momento não era mais necessária. O julgado, que deve, por evidente, ser respeitao, impôs as seguintes medidas cautelares alternativas:
a) afastamento da direção e da administração das empresas envolvidas nas investigações, ficando proibido de ingressar em quaisquer de seus estabelecimentos, e suspensão do exercício profissional de atividade de natureza empresarial, financeira e econômica;
b) recolhimento domiciliar integral até que demonstre ocupação lícita, quando fará jus ao recolhimento domiciliar apenas em período noturno e nos dias de folga;
c) comparecimento quinzenal em Juízo, para informar e justificar atividades, com proibição de mudar de endereço sem autorização;
d) obrigação de comparecimento a todos os atos do processo, sempre que intimado;
e) proibição de manter contato com os demais investigados, por qualquer meio;
f) proibição de deixar o país, devendo entregar passaporte em até 48 (quarenta e oito) horas; e
g) monitoração por meio da utilização de tornozeleira eletrônica.
592. Tendo o caso sido julgado, propicia-se nova apreciação das medidas cautelares, já que há alteração da situação processual do caso e o que era imperativo naquele momento, no presente é passível de algumas alterações. Trata-se, aliás, de previsão expressa do art. 387, §1º, do CPP.
593. Resolvo alterar parcialmente as medidas cautelares, especificamente o recolhimento domiciliar com tornozeleira eletrônica. Apesar da medida ser imprescindível antes do julgamento, como entendeu o Egrégio Supremo Tribunal Federal, entendo que no presente momento, prolatada a sentença, não se faz ela mais conveniente.
594. É que tem ela o efeito colateral negativo de propiciar a futura detração da pena, ou seja, cada dia de recolhimento domiciliar equivale a um dia na prisão. A manutenção do recolhimento domiciliar por período recursal ainda incerto pode levar na prática a que o condenado cumpra toda a pena privativa de liberdade em recolhimento domiciliar.
595. Considerando a gravidade dos crimes que constituem objeto do feito e a elevada culpabilidade do condenado João Ricardo Auler, entende este Juízo que, por este efeito colateral negativo, a medida deve ser revogada, sem prejuízo deste julgador reconhecer a sua relevância e pertinência até o presente momento.
596. Não há contradição com a situação de Dalton Avancini e Eduardo Hermelino Leite, pois eles, apesar de continuarem em prisão domiciliar, não estarão mais sujeitos, desde que cumpram o acordo, a nova prisão em regime fechado em estabelecimento carcerário, como é o caso de João Ricardo Auler.
597. Assim e com base na letra expresa do art. 387, § 1º, do CPP e com todo o respeito ao Supremo Tribunal Federal, revogo, das medidas cautelares, o dever de recolhimento domiciliar pelo condenado João Ricardo Auler com tornozeleira eletrônica.
598. Deverá ele, a partir da intimação da sentença, comparecer perante este Juízo, no prazo de cinco dias, para o procedimento de retirada da tornozeleira eletrônica.
599. Permanecem em vigor todas as demais medidas cautelares contra João Ricardo Auler.
600. Com base no art. 387, IV, do CPP, fixo em R$ 50.035.912,33 o valor mínimo necessário para indenização dos danos decorrentes dos crimes, a serem pagos à Petrobras, o que corresponde ao montante pago em propina à Diretoria de Abastecimento e que, incluído como custo das obras no contrato, foi suportado pela Petrobrás. O valor deverá ser corrigido monetariamente até o pagamento.
601. É certo que os crimes também afetaram a lisura das licitações, impondo à Petrobrás um prejuízo nos contratos com a Camargo Correa ainda não dimensionado, já que, em tese, com concorrência real, os valores dos contratos poderiam ficar mais próximos à estimativa de preço e não cerca de 18% mais caros.
602. Não vislumbro, porém, a título de indenização mínima, condições de fixar outro valor além das propinas direcionadas à Diretoria de Abastecimento, isso sem prejuízo de de que a Petrobrás ou o MPF persiga indenização adicional na esfera cível.
603. Esta condenação pela indenização mínima não se aplica a Alberto Youssef, Paulo Roberto Costa, Dalton dos Santos Avancini e Eduardo Hermelino Leite sujeitos a indenizações específicas previstas nos acordos de colaboração.
604. Do valor fixado para indenização poderão ser abatido os bens confiscados ou as indenizações dos colaboradores, caso não fiquem comprometidos também por confisco em outros processos.
605. Embora a presente sentença não se dirija contra a própria Camargo Correa, tomo a liberdade de algumas considerações que reputo relevantes. Considerando as provas do envolvimento da empresa na prática de crimes, incluindo a confissão de seu ex-Presidente, recomendo à empresa que busque acertar sua situação junto aos órgãos competentes, Ministério Público Federal, CADE, Petrobrás e Controladoria Geral da União. Este Juízo nunca se manifestou contra acordos de leniência e talvez sejam eles a melhor solução para as empresas considerando questões relativas a emprego, economia e renda. A questão relevante é discutir as condições. Para segurança jurídica da empresa, da sociedade e da vítima, os acordos deveriam envolver, em esforço conjunto, as referidas entidades públicas – que têm condições de trabalhar coletivamente, não fazendo sentido em especial a exclusão do Ministério Público, já que, juntamente com a Polícia, é o responsável pelas provas – e deveriam incluir necessariamente, nessa ordem, o afastamento dos executivos envolvidos em atividade criminal (não necessariamente somente os ora condenados), a revelação irrestrita de todos os crimes, de todos os envolvidos e a disponibilização das provas existentes (não necessariamente somente os que foram objeto deste julgado), a adoção de sistemas internos mais rigorosos de compliance e a indenização completa dos prejuízos causados ao Poder Público (não necessariamente somente os que foram objeto deste julgado). Como consignei anteriormente, a Camargo Correa, por sua dimensão, tem uma responsabilidade política e social relevante e não pode fugir a elas, sendo necessário, como primeiro passo para superar o esquema criminoso e recuperar a sua reputação, assumir a responsabilidade por suas faltas pretéritas. A iniciativa depende muito mais dela do que do Poder Público.
606. Deverão os condenados também arcar com as custas processuais.
607. Transitada em julgado, lancem o nome dos condenados no rol dos culpados. Procedam-se às anotações e comunicações de praxe (inclusive ao TRE, para os fins do artigo 15, III, da Constituição Federal).
Registre-se. Publique-se. Intimem-se.
Curitiba, 20 de julho de 2015.
Documento eletrônico assinado por SÉRGIO FERNANDO MORO, Juiz Federal,
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