Reportagem da Folha de S. Paulo desta segunda-feira (25) mostra que ao menos 17 senadores que disputaram cargos nas eleições de 2006 e 2002 receberam doações de empresas que têm interesses em projetos relatados por eles ou em seu trabalho em comissões temáticas da Casa.
Procurados pela Folha, tanto os parlamentares quanto as empresas negaram haver relação direta entre a doação e o mérito das propostas relatadas pelos senadores. O único que ameaçou destoar do discurso uniforme foi o senador Ney Suassuna (PMDB-PB), que não conseguiu se reeleger em outubro.
"Você vai se interessar em ajudar alguém que você nunca mais vai encontrar na vida? Não, então eles olham quem são os parlamentares que têm potencialidade, que têm poder, e ajudam alguns. É mais uma aposta no futuro que uma relação imediata", disse o líder do PMDB no Senado, que recebeu R$ 128 mil de empresas farmacêuticas este ano e relatou projetos sobre propaganda do setor.
Absolvido no mês passado no Conselho de Ética, onde foi alvo de processo de cassação após ter sido denunciado pela CPI dos Correios, Suassuna disse ter votado contra os interesses das empresas doadoras.
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“As empresas doaram merrecas. Para uma campanha com o valor que teve a minha [R$ 1,8 milhão], foi muito pouco [R$ 128 mil]. E fizeram isso apesar de eu ter votado contra eles. Doaram para mim porque sabem que eu sou um bom senador, que sou um senador que tem na minha área uma potencialidade grande, uma vez que sou o líder do PMDB", declarou.
Campanhas para governador
Vice-presidente da CPI dos Correios, Maguito Vilela (PMDB-GO) recebeu R$ 50 mil de Flávio Guimarães, presidente do conselho de administração do BMG, um dos alvos da comissão parlamentar de inquérito. A doação à campanha do candidato derrotado ao governo de Goiás foi a única feita pessoalmente pelo banqueiro mineiro este ano.
"Essa doação, para mim é novidade. Preciso saber até do meu tesoureiro da campanha. Eu nunca me envolvi com a parte financeira. Nem sabia disso. Não conheço o Flávio Guimarães. Como é o nome do banco? Honestamente, não tenho conhecimento. Na CPI dos Correios tive uma atuação dura", afirmou Maguito.
“O doutor Flávio não discutirá o mérito de doações específicas, limitando-se a esclarecer que a doação indagada ocorreu em período posterior à aprovação do relatório final da CPI dos Correios, não tendo por óbvio influência no seu resultado", disse a assessoria do BMG.
De acordo com a reportagem de Rubens Valente e Leandro Beguoci, a empresa de segurança privada Protege colaborou com uma única campanha no país, a do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) ao governo de São Paulo. O primeiro repasse, de um total de R$ 62 mil, ocorreu em agosto – dois meses depois de Mercadante ter relatado na Comissão de Constituição e Justiça um projeto de impacto direto nas empresas de segurança.
“O Estatuto do Desarmamento havia previsto, a partir de emenda de Mercadante, o pagamento de uma taxa anual de R$ 1.000 por arma adquirida por empresas de segurança privada. Em junho, o senador, já candidato ao governo paulista, mudou de idéia: sugeriu que a taxa ficasse em 20% do previsto. Há cerca de 255 mil armas em poder das empresas de segurança. Com a redução, o valor anual pago pelas empresas à União cairia de R$ 255 milhões para R$ 51 milhões”, afirma a Folha.
O ex-líder do governo no Senado disse não haver qualquer relação entre as doações da Protege e o seu relatório. "Isso não vai interferir no meu mandato. Vou fazer conforme minha consciência como sempre fiz", declarou Mercadante.
A Protege informou que "os interesses do Grupo Protege eram e continuam sendo a favor da isenção total do pagamento das taxas. O parecer do senador Aloizio Mercadante foi contrário ao nosso pleito, propondo taxação de 20%".
O senador paulista também rejeitou proposta que previa a inclusão, nas embalagens de bebidas alcoólicas, de avisos sobre os efeitos perniciosos do álcool. O parecer alegava "erros jurídicos" no projeto e não impediu que ele recebesse doação de R$ 300 mil da AmBev em 2006.
Conflito de interesse
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirma que não há lei que impeça o conflito de interesses em relatorias e comissões, mas que os senadores devem ser prudentes, recusando a relatoria ou a doação. Calheiros diz ter agido assim ao deixar a CPI do Futebol tão logo soube que recebeu, em 2002, durante sua campanha ao Senado, R$ 100 mil da CBF, que era um dos alvos da comissão. Porém, ressalta a Folha, as datas não batem: ele recebeu em 2002; a CPI acabou em 2001.
"É melhor buscar as coisas legalmente que por caixa dois", diz Demóstenes Torres (PFL-GO), que obteve R$ 12,5 mil de fábricas de armamento durante sua campanha ao governo de Goiás, neste ano, e relatou no Senado projeto sobre porte de armas em ônibus.
"A doação foi absolutamente espontânea, eles procuraram a coordenação da minha campanha e fizeram a doação. Foi uma doação oficial, de R$ 50 mil e eu sempre tive uma relação muito boa com a Embraer. Mas não percebi assim nenhum tipo de interferência, muito pelo contrário, eu só tomei conhecimento depois. Nenhum pleito da Embraer surgiu ao longo do debate", afirmou Delcídio Amaral (PT-MS), relator do projeto de lei que criou a Agência Nacional da Aviação Civil (Anac).
Também aparecem na lista publicada pelo jornal entre aqueles que relataram propostas ou participaram de comissões que tratavam de interesses de empresas que fizeram doações para suas campanhas os senadores Rodolpho Tourinho (PFL-BA), Romero Jucá (PMDB-RR), Sérgio Cabral (PMDB-RJ), Pedro Simon e Sérgio Guerra (PSDB-PE). Procurados pela reportagem, eles negaram haver qualquer ligação entre as doações e suas atividades no Senado.
Já os senadores Aelton Freitas (PL-MG), Garibaldi Alves (PMDB-RN), Osmar Dias (PDT-PR), Lúcia Vânia (PSDB-GO), Luiz Otávio (PMDB-PA) e Romeu Tuma (PFL-SP), também incluídos na relação da Folha, não retornaram os contatos feitos pela reportagem.