Presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, a senadora Gleisi Hoffmann (PR) relata uma sugestão popular que, em resumo, pretende blindar o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) de forma a garantir que ele possa disputar as eleições presidenciais em 2018. Caberá à petista analisar uma sugestão de proposta legislativa apresentada pelo cidadão Sérgio Pádua, de Minas Gerais, como forma de “anistia” a Bolsonaro em relação à ação penal que o transformou em réu, no Supremo Tribunal Federal (STF), por apologia ao estupro. Gleisi e Bolsonaro compõem grupos adversários no Congresso.
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Com base na Lei da Ficha Limpa, a condenação definitiva do parlamentar no STF o tornaria inelegível – ele que, em uma lista encabeçada pelo ex-presidente Lula, figura na segunda colocação entre os presidenciáveis em pesquisas de intenção de voto. Bolsonaro é alvo de dois processos: um por incitação ao crime de estupro e outro resultante de queixa-crime por injúria, apresentada pela deputada Maria do Rosário (PT-RS) – em discurso no plenário da Câmara, em dezembro de 2014, o deputado disse que a petista “não merecia ser estuprada”. Diante da possibilidade de condenação pelo Supremo, Sérgio Pádua achou melhor recorrer ao Portal e-Cidadania do Senado e, por meio do canal de sugestões populares, sair em defesa do deputado com a chamada “ideia legislativa”.
PublicidadeAssim o portal do Senado reproduz o pedido do internauta, que não encontra amparo na legislação a ponto de tornar sem efeito, antecipadamente, uma condenação a ser imposta pelo Supremo: “A ação penal no STF contra o Excelentíssimo Jair Bolsonaro (caso Maria do Rosário) configura-se uma covardia institucional contra o Deputado. À uma, ele tem imunidade parlamentar civil e penal por palavras e opiniões. À duas, ele usou uma figura de linguagem, sendo um adepto da Lei e da Ordem”, diz trecho da sugestão veiculada no site institucional.
“O Deputado também apenas soltou essa declaração depois de ser caluniado ou difamado pela dona Maria do Rosario. No país de 70.000 assassinatos dolosos por ano, o STF tem que dar fim a essa covardia contra o Bolsonaro, querido por milhões de brasileiros”, acrescenta o postulante, sem ter sido corrigido pelos moderadores do Senado quanto à redação de sua demanda.
Esse tipo de pedido está previsto na legislação (Resolução do Senado 19/2015) e, caso receba ao menos 20 mil assinaturas virtuais de apoiamento em um prazo de quatro meses, é encaminhado à Secretaria de Comissões do Senado. Em seguida, é remetido à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, que também é presidida por uma senadora petista, Regina Sousa (PI). No caso da anistia a Bolsonaro, as manifestações individuais a favor da sugestão ultrapassaram o número mínimo exigido em dez dias (entre 10, quando a proposta foi publicada, e 20 de abril). Devidamente transformada na Sugestão 11/2007, a ideia legislativa espera parecer de Gleisi e, provavelmente, terá recomendação de arquivamento.
Entusiasta da candidatura de Lula, a senadora tem feito cada vez mais críticas públicas a Bolsonaro. No vídeo abaixo, por exemplo, ao discursar no plenário contra o presidente Michel Temer, ela classifica Bolsonaro como alguém que representa algo “perigoso” para a democracia.
“Já pensou se entra o Bolsonaro? Eu espero, sinceramente, que não entre o Bolsonaro. Acho que o povo brasileiro é um povo com capacidade de ver o que é perigoso para ele”, provocou a presidente do PT, que também é ré, mas na Operação Lava Jato.
Veja no vídeo (a partir do instante 1:37):
“Mito”
Segundo o diretor da Secretaria de Comissões do Senado, Dirceu Vieira Machado Filho, essa é a 69.765 ideia legislativa de iniciativa popular. Intitulada “Anistia ao Sr. Dep. Jair Messias Bolsonaro”, a sugestão tinha até o dia 8 de agosto para alcançar as 20 mil adesões, nos termos da Resolução 19/2015. Até o fechamento desta reportagem, o pedido de Sérgio Pádua havia recebido 25.909 assinaturas de apoio (veja a lista de apoiadores da “anistia” a Bolsonaro). Já na enquete lançada pelo Portal e-Cidadania sobre o assunto, a anistia a Bolsonaro foi apoiada por 196.547 internautas e rejeitada por outros 194.784 até a conclusão deste texto – online e 24 horas à disposição na rede, a consulta tem números constantemente alterados.
Capa da mais recente edição da Revista Congresso em Foco, que apresenta 11 páginas de perfil sobre o deputado “mito”, Bolsonaro é um fenômeno forjado no despertar de uma parcela da sociedade que, na esteira da crise de representatividade da classe política, está alinhada a ideologias conservadoras que admitem até a volta do regime militar no Brasil. Deputado federal desde de 1991, o parlamentar fluminense está em seu sétimo mandato na Câmara e, além das confusões e bravatas que o fizeram nacionalmente conhecido, coleciona números como o fato de só ter aprovado dois projetos em mais de 25 anos de mandato. Apesar de ter apresentado 171 diferentes tipos de propostas legislativas.
O número de processos e intrigas em que o deputado se envolveu é bem mais elevado do que o de projetos por ele aprovados. De origem militar, Bolsonaro já tentou socar o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP); recentemente, disse que “quilombola não serve nem para procriar”, provocando uma onda de protestos; deu voz de prisão a estudantes que o chamaram de homofóbico; exaltou a ditadura militar e homenageou Carlos Brilhante Ustra, torturador declarado pela Justiça, no plenário da Câmara; declarou guerra aos homossexuais, em entrevista ao Congresso em Foco, durante o velório do ex-vice-presidente da República José Alencar no Palácio do Planalto, em março de 2011… A lista de polêmicas é grande. E, além de processos na Justiça, no Conselho de Ética da Câmara e da significativa rejeição popular, Bolsonaro também coleciona, devido à conduta que exibe no exercício do mandato, homenagens às avessas como uma escultura personalizada em orgia sexual.
Diretas e “pancadão”
Questões controversas como a anistia a Bolsonaro têm sido cada vez mais frequentes na Comissão Direitos Humanos e Legislação Participativa, ou pelo menos abordadas em enquetes do e-Cidadania. Como este site mostrou em 6 de setembro do ano passado, quase 95% dos internautas que se manifestaram pelo canal interativo se disseram a favor de eleição presidencial direta e imediatas no Brasil – assunto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 20/2016, àquela época assinada por 30 senadores. Em discussão tanto no Senado quanto na Câmara, a possibilidade de novo pleito presidencial antes de 2018, no entanto, tem perdido força mesmo diante da fragilidade crescente de Temer, denunciado por corrupção passiva.
Outra proposta de origem popular em discussão no Senado também reuniu rapidamente o número mínimo de 20 mil assinaturas, a despeito de também ter despertado grande rejeição. Trata-se da ideia legislativa apresentada pelo empresário paulista Marcelo Alonso para criminalizar o funk brasileiro, particularmente a vertente chamada “pancadão”, com letras de conteúdo sexual e viés de apologia ao crime. Mas a sugestão deve ficar só na vontade, se depender do senador fluminense Romário (RJ), que deixou o PSB no final de junho para compôr o recém-criado Podemos, nova denominação do antigo PTN. Definindo-se como “um eterno funkeiro”, Romário chegou a convidar a cantora Anitta e outros artistas do gênero para debater a ideia legislativa. Relator da matéria, que ainda está sob consulta pública, Romário promete sepultar a proposta.
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