O Congresso pode estender ao trabalhador desempregado com mais de 45 anos o direito de sacar os recursos acumulados nos fundos de participação do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), numa medida que pretende alcançar milhões de brasileiros de baixa renda. É o que prevê o Projeto de Lei 142/04, do senador Ney Suassuna (PMDB-PB), cuja votação está prevista para hoje na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado. Oitavo item da pauta, o parecer do relator, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), é pela aprovação.
Se for aprovada, a proposta seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), último passo antes da Câmara. Por tramitar em caráter terminativo, o texto não precisa ser apreciado pelo Plenário, a não ser que haja recurso por parte de nove senadores. Embora deva enfrentar resistência por parte do Ministério da Fazenda, o projeto tem passado, até agora, de forma quase despercebida no Senado. “Estranho a inclusão dessa proposta na pauta”, afirmou ao Congresso em Foco a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), vice-líder do governo, ao ser informada pelo site anteontem à noite sobre a votação da proposição.
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Com um patrimônio líquido de R$ 27,5 bilhões, o PIS/Pasep é formado por contribuições mensais feitas pelos empregadores, calculadas com base no faturamento das empresas. Parte dos recursos retorna para o trabalhador na forma de rendimentos ou de abonos salariais, por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O maior volume, porém, está aplicado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em projetos de longo prazo.
Como é e o que muda
O Banco do Brasil (Pasep) e a Caixa Econômica Federal (PIS) são os agentes financeiros dos dois programas, que têm um funcionamento bastante complicado. Eles prevêem o pagamento de um abono anual, no valor de um salário mínimo, aos trabalhadores cadastrados há pelo menos cinco anos, desde que recebam remuneração de até dois salários mínimos e não sejam empregados por pessoas físicas, empregados domésticos ou diretores sem vínculo empregatício.
Há ainda a possibilidade de fazer saques nos fundos operados pelos dois programas. Ela só existe, porém, para quem se cadastrou no PIS/Pasep até 4 de outubro de 1988. O benefício, nesse caso, é ainda limitado às seguintes situações: aposentadoria, transferência de militar para reserva, invalidez ou vítimas de doenças como Aids e câncer, deficiência física ou ainda em caso de morte do trabalhador. Veja aqui mais detalhes.
O projeto de Suassuna, um aliado do governo, estende esse direito ao desempregado, com mais de 45 anos, dentro da faixa de renda hoje vigente (média salarial mensal de no máximo dois salários mínimos). O saque, porém, só seria possível para quem se cadastrou no PIS até outubro de 1988. “Não há justificativa para que o trabalhador, encontrando-se na difícil e muitas vezes desesperadora situação de desempregado, não possa utilizar os recursos que lhe pertencem, em especial quando mais velho, de baixa renda e sem outra fonte de sustento”, argumenta o senador.
Segundo ele, a idéia é garantir o acesso ao saque às pessoas que não têm outra fonte de renda. Por isso, explica, o projeto remete para o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat) a definição dos demais requisitos a serem preenchidos pelos candidatos a sacar os recursos.
O simples fato de esse detalhamento ficar em aberto já indica a dificuldade para determinar quantas pessoas seriam beneficiadas pelo projeto de Suassuna. Mas um só número mostra que o senador paraibano não está mexendo com coisa pequena. Hoje, cerca de 39 milhões de pessoas estão cadastradas no PIS/Pasep.
No governo, surpresa e preocupação
A proposta do senador é recebida com preocupação pelo secretário-executivo do Conselho Diretor do Fundo PIS/Pasep, Onofre Soares dos Santos. Vinculado ao Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, o Conselho Diretor do PIS/Pasep é composto por representantes dos próprios fundos e de outros três ministérios.
Como Ideli, o secretário foi informado pela reportagem sobre a existência do projeto. E fez sérias críticas. Disse que, em vez de beneficiar a quem mais precisa, a mudança pode frustrar o trabalhador e, de quebra, prejudicar drasticamente a manutenção do fundo.
“O fundo não tem como pagar. O desgaste político e financeiro pode ser muito maior do que o benefício. Afinal, o dinheiro está todo aplicado. De onde vamos tirá-lo? Além disso, a medida vai frustrar o trabalhador, que vai encontrar um valor muito baixo para sacar”, observa Onofre. O valor médio das contas existentes nos fundos (cujos titulares, vale repetir, são aqueles cadastrados até 18 anos atrás) gira em torno de R$ 650.
“Infelizmente os recursos do PIS/Pasep não são como os do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), que podem chegar a R$ 80 mil”, completa o secretário-executivo.
Suassuna admite que a ampliação do benefício pode inviabilizar a manutenção do fundo, mas ressalta que as restrições a serem definidas pelo Condefat têm exatamente o objetivo de eliminar esse risco. “Há que haver cautela, a fim de evitar que a opção de saque ora proposta venha a descapitalizar sobremaneira, e no curto prazo, o patrimônio do fundo”, observa o senador.
Até 1988, os recursos do PIS/Pasep eram reservados, constitucionalmente, ao “desenvolvimento social e à melhoria da vida do trabalhador”. Com a nova Constituição, o fundo passou a ser direcionado para o custeio do seguro-desemprego, do abono salarial e do financiamento de programas de desenvolvimento econômico por meio do BNDES.
Desde então, o fundo passou a representar um estoque de recursos sem novos aportes. Por isso, somente os trabalhadores cadastrados até outubro de 1988 e que preencherem os requisitos previstos pela legislação é que podem sacar das cotas do fundo, que funciona como uma espécie de poupança e atualiza monetariamente os saldos das contas individuais dos participantes, ao término de cada exercício financeiro.
Quem se cadastrou até aquela data mas ainda não preenche os demais requisitos tem direito hoje a sacar apenas os rendimentos, que, no ano passado, ficaram em 6,5%. No ano passado, por exemplo, 19 milhões de brasileiros fizeram isso e retiraram do fundo um montante de R$ 356 milhões. Nesse mesmo período, 760 mil pessoas sacaram integralmente a parte que lhes cabia, totalizando uma retirada de R$ 687 milhões.