O Senado contrariou uma norma da Casa e ressarciu despesas médicas de um ex-senador que exerceu o mandato por apenas 45 dias. O Ato 9 da Mesa Diretora, de 1995, que garante assistência médica a senadores e ex-senadores, estende o benefício aos suplentes que tenham sido efetivados após morte, cassação ou renúncia do titular. Mas impõe uma ressalva: a regra só vale para aqueles que ocuparam o cargo por pelo menos 180 dias consecutivos e tenham participado de sessão deliberativa no plenário ou em comissão.
Mesmo não se enquadrando no período mínimo exigido, Nivaldo Krüger (PMDB-PR) teve um total de R$ 10.204,00 de despesas médicas ressarcido pelo Senado desde 2003. Suplente de Roberto Requião (PMDB-PR), ele exerceu o mandato de 18 de dezembro de 2002, quando Requião renunciou para assumir o governo do Paraná, a 31 de janeiro de 2003, término daquela legislatura.
Durante a passagem de Nivaldo Krüger, o Senado realizou apenas três sessões deliberativas antes de entrar em recesso, no dia 21 de dezembro. Antes de Nivaldo deixar a Casa, os senadores se reuniram uma vez mais, no dia 1º de janeiro, para a posse do presidente Lula. Nos demais 41 dias, não houve atividades legislativas.
Deputado federal entre 1979 e 1983, Nivaldo é um dos 44 ex-senadores que, juntamente com outros cinco dependentes de ex-parlamentares, tiveram um total de R$ 1,06 milhão de despesas médicas, psicológicas e odontológicas ressarcidas pelo Senado em 2008 (leia mais). O reembolso do paranaense foi de R$ 1.585,00 no ano passado. Em 2007, sua conta foi de R$ 3.154,00; em 2004, de R$ 1.215,00; e em 2003, R$ 4.250,00. Não houve ressarcimento nos anos de 2005 e 2006.
Logo após deixar o Senado, Nivaldo assumiu a representação do governo do Paraná em Brasília. Seis anos depois, continua subordinado a Requião como secretário especial para Assuntos de Reflorestamento do estado. O secretário especial foi procurado ainda na quinta-feira (19) para comentar o ressarcimento de suas despesas médicas.
Após a publicação desta reportagem, Nivaldo retornou o contato. O ex-senador alegou desconhecer a norma que tratava do assunto. “Estou completamente descoberto. Tenho 80 anos e 50 de vida pública”, declarou (leia mais). Ele disse que irá se informar sobre o caso com o próprio Senado. Também procurada, a Casa preferiu não se manifestar até o momento.
Norma contrariada
O primeiro parágrafo do artigo 4º do Ato 9/1995 prevê assistência médica vitalícia aos ex-senadores eleitos pelo voto popular, aos seus cônjuges e a um grupo limitado de suplentes, “aqueles que venham a exercer o mandato em decorrência de morte, renúncia ou cassação do titular”.
A restrição negligenciada pelo Senado no caso de Nivaldo vem no parágrafo seguinte: “Somente farão jus aos benefícios estabelecidos neste Ato os ex-senadores que tenham exercido o mandato por um período mínimo de 180 (cento e oitenta dias) consecutivos e que tenham participado de sessão deliberativa no Plenário ou em comissões do Senado Federal”.
Nivaldo participou das três sessões deliberativas realizadas no período. Mas seu mandato não durou mais que 45 dias. Para o constitucionalista Pedro Estevam Serrano, a regra está sendo ignorada. “O ‘e’ do texto tem um caráter includente das duas regras, pois já se trata de uma exceção à regra que os suplentes possam usar o benefício. Por isso, é mais restritivo e necessário acumular os dois requisitos impostos pelo ato”, disse Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, ao Congresso em Foco.
Conforme mostrou este site na última sexta-feira (20), os ex-senadores têm praticamente os mesmos benefícios que os atuais parlamentares na área da saúde. Têm direito a usar o serviço médico e odontológico do Senado, de recorrer à rede de hospitais credenciados da Casa e de ter despesas de saúde ressarcidas pela Casa, inclusive as decorrentes de serviço prestado no exterior. O benefício também alcança os cônjuges.
No caso dos ex-senadores, a norma estipula um teto que, na prática, também tem sido ignorado. Os valores previstos pelo Senado estão atrelados a uma tabela da Associação Médica Brasileira (AMB), o chamado coeficiente de honorários (CHs). Mas, segundo a própria AMB, esse índice, bastante adotado na época em que o país enfrentava superinflação, não é praticado mais.
Na prática, a regra pouco vale. Uma decisão da Mesa do Senado, de 2002, garante à direção da Casa poder de autorizar o ressarcimento em qualquer valor nos “casos excepcionais de notória necessidade” (veja quais são os benefícios a que têm direito senadores e ex-senadores).
Só com a modalidade de ressarcimento de despesas, o Senado gastou R$ 16,7 milhões nos últimos dez anos. Os dados fazem parte de levantamento exclusivo do Congresso em Foco com base nas informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).
Deputados ressarcidos
Apesar de terem direito à assistência médica na Câmara, dois deputados que já foram senadores ainda têm despesas ressarcidas pelo Senado. É o caso de Carlos Bezerra (PMDB-MT), senador entre 1995 e 2003, e Wellington Roberto (PR-PB), que exerceu o mandato entre 1998 e 2003.
O artigo 5º do Ato 9/1995 estabelece que o “ex-senador, enquanto estiver do exercício de outro cargo público, no nível federal, estadual ou municipal, ou vinculado a outro sistema de previdência social, não fará jus” a esses benefícios.
Mas uma decisão da Mesa Diretora, de novembro de 2003, permitiu que ex-parlamentares no exercício do cargo público tivessem direito ao benefício, mas excluiu aqueles que tivessem “amparados por qualquer outro plano de saúde”.
Pelas atuais regras, o deputado de Mato Grosso não poderia ter o ressarcimento das duas Casas, o que ocorreu em 2008, quando ele recebeu o reembolso de R$ 33.680,75 do Senado e R$ 11.005,00 da Câmara.
Wellington Roberto, que teve um total de R$ 20.862,11 de despesas ressarcidas pelo Senado no ano passado, diz estar amparado pela Mesa. “Não recebi um centavo de ressarcimento da Câmara. Optei pelo Senado. Estou com a consciência tranquila”, afirma o deputado paraibano.
Por meio da assessoria, Carlos Bezerra atribuiu suas despesas a exames de rotina e a uma intervenção cirúrgica. Seus assessores garantem que não há nenhuma ilegalidade no ressarcimento pelas duas fontes. Informam que o deputado recorreu ao Senado para cobrir exames que não tinham cobertura da Câmara. Até o momento, o Senado não respondeu às perguntas encaminhadas à assessoria de imprensa no início da semana passada.
A assistência médica é garantida aos ex-senadores desde 1987, quando foi publicado o primeiro ato normativo sobre o assunto. De lá pra cá, até sua última modificação, em 2003, nenhuma regra ganhou o respaldo de um projeto de resolução.
Assessores do Senado ouvidos pelo Congresso em Foco garantem que as despesas geradas pelo atendimento de senadores e ex-senadores deveriam ter sido objeto de projeto de resolução, ratificado por votação em plenário, o que não ocorreu até hoje. De acordo com o regimento interno da Casa, atos da Mesa que implicam despesas e mexem no orçamento do Senado precisam ser submetidos ao voto de todos os senadores (
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