Muitos servidores do Senado desconhecem o fato, mas os computadores funcionais têm recursos que permitem driblar os direitos autorais. Com os devidos cliques, uma extensa lista de filmes, músicas e jogos eletrônicos fica à disposição do usuário. Qualquer pessoa com senha da rede interna consegue acesso fácil à programação. Tudo gratuito.
Os passos para se chegar ao espaço de entretenimento virtual estão escondidos no ícone “Meus locais de rede”. Um clique em “Outros locais”, seguido de outro em “Toda a rede” e mais um em “Rede Microsoft Windows” levam ao endereço de 13 servidores. Um deles, sob a denominação “Senado”, guarda centenas de pastas com diversos arquivos nos quais estão gravadas obras audiovisuais.
Músicas, filmes e jogos de computador ficam guardados em pelo menos duas pastas, “Md0066” e “Md0067”. Na primeira, o usuário tem acesso livre a 6,4 gigabytes (gb) de música, dispostos em 51 pastas secundárias com discos de artistas variados – da cantora pop Nelly Furtado à banda de heavy-metal Megadeth, passando pelo rock do Pink Floyd e cantores como Rogério Skylab e Beto Barbosa. Além disso, a Md0066 ainda oferece uma versão do internacionalmente celebrado jogo eletrônico Warcraft, e mais 32,5gb de filmes da pasta KRATZL.
A pasta Md0067 tem 45,8gb em material gravado, e registra nas pastas secundárias dezenas de arquivos de filmes, dos clássicos aos atuais, em 30,6 gb, mais 22 outros filmes em 15,2gb arquivos livres. As produções registradas nas pastas vão do clássico infantil A menina e o porquinho ao cult Ensaio sobre a cegueira, além de hollywoodianos como Homem de ferro, Gran Torino e Carga explosiva e a produção brasileira Meu nome não é Johnny. Após a publicação desta reportagem, o Senado excluiu os arquivos e determinou a investigação do caso.
O Congresso em Foco tentou ouvir explicações da Secretaria Especial de Informática do Senado Federal (Prodasen) sobre os arquivos, mas o diretor-adjunto do órgão, Deomar Rosado, disse que reuniões consecutivas o impediriam de reservar tempo para a entrevista. Durante toda a tarde de segunda-feira (1º), o site voltou a procurar a secretaria, mas não obteve retorno. Também foi enviado e-mail, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.
Legislação
Em uma audiência pública realizada em maio de 2008 na Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado, parlamentares defenderam a revisão da legislação de direitos autorais. Desde então, nenhuma proposta concreta sobre o tema foi apresentada pela comissão.
O deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) tem uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que institui isenção fiscal para a produção e comercialização de discos e DVDs musicais. Em sua justificativa, a PEC se apresenta como “um brado em defesa da cultura nacional, (…) diante da avalanche cruel de pirataria e da realidade inexorável da rede mundial de computadores (internet)”.
Em entrevista ao site, Otávio Leite condenou a prática do Senado. “Qualquer esfera pública ou privada que utiliza obras culturais deve recolher os direitos autorais de terceiros”, resumiu o deputado, ressalvando que materiais de domínio público ficam fora da exigência. “Isso tem que ser visto. A Mesa Diretora [do Senado] tem que corrigir isso.”
“O que deve ser feito, primeiro, é retirar essas duas pastas da rede”, afirmou o professor de direito da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em direito autoral Carlos Mathias de Souza. Ele acrescenta que, com as informações disponíveis, é possível dizer se há o uso ilegal de obra intelectual e defende uma investigação do Senado sobre o caso. “Os softwares não são para uso dentro de uma repartição pública, no ambiente de trabalho. A rede interna não existe para isso”, completou.
Divulgação
Já o cantor e compositor Rômulo Froes, que costuma colocar suas músicas em espaços como o site MySpace, propício para compartilhamento de novidades musicais, apoia a divulgação da produção cultural alheia, conhecida na internet pela sigla LDCC – livre distribuição e compartilhamento de cultura. Apesar disso, ele aponta que a iniciativa de funcionários da Casa é mais um exemplo do “descontrole sobre direitos autorais no país”. “Só não concordo com quem ganha dinheiro com isso. O direito autoral é sagrado, ninguém pode ganhar dinheiro com isso em cima dos outros.”
Rômulo disse que, se seus discos fossem incluídos nos arquivos do Senado, ele só teria benefícios com isso. “Se meu disco fosse um hit, e estivesse aí no Senado, em tenho certeza que meu show teria mais de onze pessoas”, imaginou o artista, referindo-se a recente show em Brasília, com público minguado.
Soluções tecnológicas
Em 2008, o Prodasen completou 36 anos. De acordo com o relatório de atividades da secretaria referente àquele ano, 5.712 computadores “desktop” (de mesa) e 275 notebooks ou laptops (“portáteis”) foram postos à disposição dos cerca de 2 mil servidores em atividade lotados na Casa legislativa, sem contar os funcionários da gráfica e do próprio órgão.
Os gastos orçamentários do Prodasen (despesa executada) chegaram a R$ 232,1 milhões no ano passado (aumento de 12% em relação a 2007). Ainda segundo o relatório, anualmente cerca de 30% dos computadores são substituídos “por motivos de depreciação”.
Em sua página na internet, hospedada no site do Senado, o Prodasen diz que sua missão é “prover e gerir soluções de tecnologia da informação e de comunicações para o Senado Federal, bem como aperfeiçoar processos de trabalho, contribuindo com excelência e ética para o cumprimento de sua função institucional em benefício da sociedade brasileira”.
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