O Senado aprovou há pouco, de maneira simbólica (sem conferência de votos) e por unanimidade, o Projeto de Lei da Câmara 88/2011, que cria a Comissão Nacional da Verdade. Trata-se de um colegiado a ser composto por sete membros indicados pela presidenta da República, Dilma Rousseff, com o objetivo de investigar casos de violação de direitos humanos durante a ditadura, no Brasil e no exterior. Como o relator da matéria, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), fez apenas duas emendas de redação, que não implicam retorno à Câmara, o texto segue para sanção presidencial (houve alterações operadas pelos deputados que devem ser levadas ao conhecimento da presidenta).
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Aloysio subiu à tribuna por volta das 18h, e viu seu relatório ser aprovado às 21h20. Durante a leitura de seu texto, recebeu diversos apartes elogiosos, e foi prestigiado até com a presença da ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos). Diante do clima de celebração democrática, o senador tucano não teve pressa em ver a aclamação de seu trabalho.
“[O PL 88/2011] é um projeto ousado, corajoso, que cria um instrumento hábil para atingir a sua finalidade. (…) Essa Comissão tem, diante de si, a tarefa de promover o esclarecimento de casos de torturas, de assassinatos, de desaparecimentos forçados, de ocultação de cadáveres. E não apenas os casos, mas também a autoria desses crimes, ainda que tenham sido cometidos no exterior”, discursou Aloysio, que fez parte da Aliança Libertadora Nacional (ALN), grupo armado de resistência à ditadura militar.
“Além disso, a comissão tem uma tarefa mais ampla, que é a de identificar, tornar público, o funcionamento das estruturas repressivas montadas no período da ditadura: como elas funcionavam, onde, como elas se conectavam com outras instituições da sociedade, como funcionavam os mecanismos íntimos dessa máquina de matar que foi montada pelo regime autoritário”, acrescentou Aloysio – ou “Mateus”, codinome que usou ao participar do “assalto ao trem pagador”, uma das mais ousadas ações da guerrilha do período, que consistiu na interceptação de um trem pagador, repleto de dinheiro, na antiga estrada de ferro Santos/Jundiaí.
Para demonstrar que não há revanchismo em relação a militares, Aloysio manteve a possibilidade de que estes possam integrar o colegiado – até porque tudo depende da indicação da presidenta Dilma. Houve quem defendesse, durante a tramitação da matéria, a vedação a membros das Armas no colegiado.
“Quero dizer, com toda franqueza, que essa discriminação contra membros das Forças Armadas me parece absolutamente descabida, num momento em que as Forças Armadas Brasileiras estão perfeitamente integradas à ordem constitucional, cumprindo os deveres que lhes prescrevem a Carta Magna, sob o comando da presidente da República”, ponderou o parlamentar paulista.
Garimpo histórico
Com prazo de funcionamento de dois anos, a Comissão da Verdade não terá função punitiva, e se limitará a vasculhar documentos e registros oficiais, independentemente de seu nível de confidencialidade, e a partir deles elaborar um “relatório circunstanciado” sobre os episódios. O trabalho só ganhará publicidade com o compêndio final, que deve ser remetido para o Arquivo Nacional, quando passará a ser aberto ao acesso do público. Durante o período de pesquisa, os membros da comissão podem determinar a preservação de sigilo de determinados documentos.
A polêmica está no artigo 4º, parágrafo 2º: “Os dados, documentos e informações sigilosos fornecidos à Comissão Nacional da Verdade não poderão ser divulgados ou disponibilizados a terceiros, cabendo a seus membros resguardar seu sigilo”. Logo adiante, no artigo 5º, o texto define que as atividades executadas na comissão “serão públicas, exceto nos casos em que, a seu critério, a manutenção de sigilo seja relevante para o alcance de seus objetivos ou para resguardar a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem de pessoas”. Quem violar as regras de privacidade do colegiado será punido pela legislação vigente, como o Congresso em Foco adiantou na semana passada.
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De acordo com a matéria, o período histórico a ser resgatado foi definido entre os anos 1946 e 1988. O país viveu sob ditadura militar entre 1964 e 1985. Fica compreendido, assim, o período de democracia que vai do fim da ditadura de Getúlio Vargas (em 1945) até o golpe militar em 1964, e parte do governo José Sarney (que foi de 1985 a 1989). “Atividades realizadas, fatos examinados, conclusões e recomendações” devem constar do documento final. Todo o acervo documental e de multimídia preparado pela comissão será encaminhado ao Arquivo Nacional e aberto ao público.
Eis outro dos pontos polêmicos, mas sem que manifestações veementes de objeção tivessem sido registradas por parlamentares – apenas familiares de vítimas da ditadura e entidades de classe chegaram a propor, em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, a redução desse período. Eles queriam como ponto de partida o ano de 1964, quando houve o golpe de Estado por parte dos militares.
Referindo-se ao debate travado nos últimos dias por parlamentares, autoridades e cidadãos, tanto no âmbito de comissões permanentes do Senado e da Câmara quanto em ministérios envolvidos com o tema (Justiça e Secretaria de Direitos Humanos), Maria do Rosário ressaltou o êxito da proposição. “Tudo isso se combina para oferecermos uma narrativa histórica real, para que nunca mais a violência seja utilizada no Brasil como instrumento político”, festejou a ministra, depois de deixar o plenário.
“Aprovado de maneira unânime o maravilhoso relatório do senador Aloysio”, disse a senadora Marta Suplicy (PT-SP), vice-presidente do Senado, que presidia a sessão em meio a aplausos de todo o plenário. Antes de encerrar a ordem do dia, Marta se arriscou a antever como seria a noite de Dilma Rousseff, que também fez parte de grupos insurgentes durante os anos de chumbo. A presidenta chegou a ser torturada nos porões do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna), um dos mais temidos aparelhos de repressão da época. “A presidenta vai ter uma noite bastante feliz!”