Fábio Góis
O Senado promoveu nesta quarta-feira (9) mais uma discussão sobre o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 430/08, originário da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, que inclui a Venezuela entre os países da América do Sul integrantes do bloco comercial do Mercosul. Em meio à indisposição oposicionista provocada, em boa dose, por ações e declarações (vistas como ditatoriais) feitas pelo presidente daquele país, Hugo Chávez, a votação da matéria foi diversas vezes adiada, o que provocou a mobilização do governo a favor de sua aprovação. Hoje não foi diferente, como anunciou o presidente interino do Senado, Marconi Perillo (PSDB-GO): mesmo com acordo de líderes, a votação foi adiada pela quinta vez, restando o debate.
O objetivo do PDL é convalidar, para efeitos de convenção multilateral, o texto do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul, assinado em Caracas em 4 de julho de 2006 pelos presidentes dos Estados-membros do Mercosul e da Venezuela. Mesmo com parecer contrário do relator na Comissão de Relações Exteriores (CRE), Tasso Jereissati (PSDB-CE), rejeitado pela maioria dos membros, a tramitação da matéria teve prosseguimento com o contra-ataque governista: a aprovação do voto em separado apresentado pelo líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
Na artilharia contra a adesão venezuelana, os oposicionistas também argumentam que Chávez fechou veículos de comunicação contrários a seu governo e o acusam de tentar se manter indefinidamente no poder.
O governo envereda pelas ponderações econômicas – que é afinal, como defendem, do que trata o protocolo de adesão. Os governistas recorrentemente lembram que a Venezuela importa 70% do que consome, e ponderam que existe uma “vasta avenida comercial” que beneficiará principalmente a região Norte do Brasil. Roraima e Amazonas fazem fronteira com o país vizinho.
Para Jucá, isolar a Venezuela não vai colaborar para o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle democrático naquele país. Ademais, lembra o peemedebista, Chávez venceu 11 das 12 eleições diretas que disputou, número que o credenciaria como “democrata”. Por fim, diz Jucá, o Brasil “está recebendo o Estado venezuelano, e não o governo Chávez”.
Discussão
No plenário do Senado, a sessão deliberativa foi reservada à discussão da matéria, que transcorreu até a noite, com número expressivo de senadores presentes (o quorum máximo foi de 61 parlamentares), com mais de 20 oradores inscritos para discursar na tribuna. Da tribuna, eles se revezaram na defesa e na rejeição da matéria.
“O século 19 presenciou um verdadeiro rodízio de ditadores naquele país. Uma sociedade atrasada, longe dos avanços industriais que alguns países já registravam”, observou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), acrescentando que até hoje há uma “plutocracia” que mantém resquícios ditatoriais e domínio territorial, com Hugo Chávez à frente de ações impositivas e antidemocráticas.
“Encaminho o voto ‘não’, porque não acredito em parcerias definitivas com ditaduras, com candidatos a ditadores. Porque, se ainda não é uma ditadura completa na Venezuela, isso se deve sobretudo ao fato de que Chávez ainda não conseguiu inteiramente realizar o seu destino de ditador, e eu não vejo futuro”, completou o tucano.
“O Brasil está prestes a marcar um gol contra, mas com meu voto esse gol contra não vai ser marcado. Eu voto contra a Venezeual do presidente Hugo Chávez, neste momento, ingressar neste Mercosul”, emendou o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), lembrando a relação atribulada entre Venezuela e Estados Unidos, a despeito das negociações bilionárias de petróleo entre ambas, em que o país sul-americano é um dos principais fornecedores. “É uma relação ácida, para dizer o menos.”
O senador João Pedro (PT-AM) discorda. Em seu discurso, mencionou a ampla aceitação da adesão nas diversas instâncias competentes – e do papel do país como líder continental. “O Brasil precisa assumir essa liderança, porque a Argentina já aprovou, o Uruguai já aprovou, a Câmara dos Deputados já aprovou – com ampla, com profunda discussão naquela Casa”, disse o petista, recorrendo às citações recorrentes do colega Mão Santa (PSC-PI).
“Agora eu lembro a máxima do Senado da antiga Roma, [em] que o senador Mão Santa diz que os senadores são ‘os pais da pátria’. Os pais da pátria irão negar a ampliação do Mercosul?”, provocou. Já o senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) reforçou o argumento de que, uma vez no Mercosul, as ações antidemocráticas seriam coibidas. “É preciso que o Brasil e os demais países-membros aceitem a Venezuela no Mercosul. E isso por uma razão que me parece lógica: Chávez é muito mais perigoso isolado.”
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