Senadores avançaram nesta terça-feira (14) na votação de destaques apresentados ao projeto de lei da Biodiversidade (PLC 2/2015), cujo texto-base foi aprovado na semana passada depois de discussão em diversas comissões da Casa. Hoje, três textos extras foram apreciados em plenário, ficando para amanhã (quarta, 15) a análise de outros dois. A matéria, que visa modernizar a lei vigente e acelerar processos de pesquisa e de exploração econômica da biodiversidade, retorna à análise da Câmara antes de seguir para sanção presidencial.
Relator da matéria, o senador Jorge Viana (PT-AC) não participou da sessão desta terça-feira (14), mas defendeu a importância do texto na semana passada. “Todos os 17 países megadiversos, que guardam 70% da biodiversidade do planeta, estão de olho no Parlamento brasileiro, para que possam fazer a adequação de suas legislações. [A nova lei] será a mais avançada, moderna e ousada legislação de acesso a biodiversidade. Seremos uma espécie de farol a esses países na relação com sua biodiversidade, com o respeito e o reconhecimento das populações tradicionais”, observou o petista.
Leia também
Um dos textos destacados queria determinar a divisão obrigatória de benefícios apenas quando o elemento do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional for um dos itens principais de agregação de valor ao produto final. No texto original, a repartição de benefício se daria apenas quando ao menos um daqueles elementos fosse considerado entre os itens “principais” de agregação de valor. A proposição adicional foi aprovada pelo plenário.
Senadores argumentaram sobre a pertinência da emenda. Lindbergh Farias (PT-RJ) mencionou o mundialmente famoso perfume Chanel nº 5, cujo elemento principal seria a fragrância. Mas, como lembrou o petista, o fixador, que é feito de pau-rosa e é considerado essencial para o produto final, não seria cogitado para efeitos de cobrança da repartição de benefícios.
“Qual o produto principal da gravata? É o tecido. E o produto que dá o brilho? É outro, nosso, vindo da nossa biodiversidade. Mas não é o principal. E aí, não paga? Não vai fazer a repartição? Então é uma biopirataria oficial”, emendou Telmário Mota (PDT-RR).
Povos indígenas
Entre os destaques para votação em separado, os que geraram mais discussão foram os dois que queriam substituir a expressão “populações indígenas”, como havia registrado o PLC 2/2015, por “povos indígenas” e “povos e comunidades tradicionais”, como defenderam representantes de etnias diversas e defensores da causa indígena. Ambos foram rejeitados pelos senadores, sob o argumento de que a mudança feria o preceito constitucional que associa o conceito de povo ao de nação.
Falando contra o destaque, o senador Telmário Mota (PDT-RR) lamentou a polêmica gerada por uma expressão idiomática. “O Brasil não vai perder a cidadania porque reconhece que os povos [indígenas] são os pioneiros deste país. Que força teriam só 900 mil indígenas para tornarem-se uma nação dentro do país? Que bobagem. Com arco e flecha? Tem fundamento uma argumentação dessas, senhores senadores?”, questionou o amazônida.
Já o petista Lindbergh Farias (RJ) argumentou que o conceito de “povo indígena” vai além do de população, uma vez que abarca noções de cultura, história e identidade próprias, e sem excluir as etnias indígenas do conjunto mais amplo do povo brasileiro. “Este debate, sinceramente, não faz sentido. O que faz é diferenciar pelas especificidades do grupo nacional. Este Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo 143/2002, assinou e referendou a Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho, aprovada em 1989, que traz esse conceito de povos indígenas. Nós não estamos construindo um conceito de nação por tratarmos de povos indígenas. É importante reconhecer a especificidade cultural de sua história e de suas identidades próprias”, defendeu o senador fluminense.
Ficou pendente de votação a definição sobre a partir de quando deve entrar em vigor a isenção da repartição de benefícios para o produto acabado. Segundo o texto original, ficam isentos do pagamento dessa repartição produtos cuja pesquisa foi iniciada antes de 29 de junho de 2000. A emenda, aprovada na Comissão de Meio Ambiente do Senado, estabelece que tal isenção só deve ser concedida a quem iniciou “exploração econômica” do produto final (e não só a pesquisa) antes daquela data.
O projeto
De autoria do Executivo, o projeto representa o marco legal da biodiversidade e simplifica regras para pesquisa de fauna e flora nativas, de maneira a estimular a produção de novos fármacos, cosméticos e insumos agrícolas. A proposição visa também aumentar possibilidades de compensação a comunidades tradicionais que propiciem à indústria mais conhecimento sobre utilização de recursos do patrimônio genético.
Diversas emendas foram apresentadas por senadores ao texto principal, devidamente aprovadas junto com o texto-base. Uma das modificações resguarda provedores de conhecimento tradicional, como indígenas, quilombolas e agricultores familiares. Também foi garantido às comunidades tradicionais o direito de uso de recursos naturais nativos (flora e fauna), sem que a repartição de benefícios lhes seja imposta.
O texto também foi modificado para explicitar que a categoria dos agricultores familiares está incluso no conceito de agricultor tradicional. Foi excluída ainda a possibilidade de que empresa estrangeira sem vínculo de qualquer natureza com instituição nacional acesse o patrimônio genético ou receba qualquer tipo de amostra desse patrimônio natural.
Confira mais modificações operadas no texto pelos parlamentares:
As principais mudanças já aprovadas |
---|
– Estabelecer que será por decreto do Executivo a definição da Lista de Classificação de Repartição de Benefícios, com base na Nomenclatura Comum do Mercosul. Dessa forma, sai da nova lei a previsão se será lista positiva – de produtos passíveis de repartição de benefícios – ou lista negativa – de produtos isentos da repartição. |
– Assegurar que, em caso de acesso a conhecimento tradicional associado de origem não identificável, os órgãos de defesa dos direitos de populações indígenas e de comunidades tradicionais deverão ser ouvidos, para definição de acordo setorial. O texto original previa que esses órgãos poderiam ser consultados. |
– Determinar que, nas infrações que envolverem acesso a patrimônio genético ou a conhecimento tradicional associado em atividades agrícolas, a competência de fiscalização será de forma articulada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). |
– Estabelecer que repartição de benefícios prevista em acordo internacional não se aplica à exploração econômica de material reprodutivo para fins de atividade agrícola de espécie introduzida no país pela ação humana até a entrada em vigor desta Lei, ressalvada a obrigação prevista no Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura. |
– Explicitar no conceito de agricultor tradicional que inclui o agricultor familiar; |
– Excluir a vinculação da definição de sementes crioulas à Lei de Proteção de Cultivares (Lei 9.456/1997) e ao Sistema Nacional de Sementes e Mudas (Lei 10.711/2003). |
– Excluir dispositivo que permite a empresa estrangeira sem associação com instituição nacional acessar o patrimônio genético ou receber amostra desse patrimônio genético. |
– Estender a povos indígenas e comunidades tradicionais a isenção da obrigação de repartição de benefícios, já prevista no projeto para microempresas, empresas de pequeno porte, microempreendedores individuais, agricultores tradicionais e suas cooperativas. |
– Destinar para unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas e áreas prioritárias para a conservação de biodiversidade a repartição de benefícios na modalidade não monetária. O substitutivo deixa a cargo do fabricante do produto oriundo de acesso ao patrimônio genético a indicação do beneficiário da repartição. |
– Determinar que seja por decreto do Executivo a escolha da forma de repartição de benefícios na modalidade não monetária, e não por ato de ministérios, como previsto no substitutivo. A modalidade de repartição não monetária inclui, entre outras, transferência de tecnologia, isenção de taxas de licenciamento de produto e apoio à proteção da biodiversidade.
|
Com informações da Agência Senado.
Deixe um comentário