“O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou o senador até então afastado Aécio Neves (PSDB-MG) a retomar seu mandato parlamentar. Aécio foi afastado no dia 18 de maio por autorização do ministro Edson Fachin, que na época era o relator do inquérito, a pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A decisão tem efeito imediato. Neste caso, na próxima semana, o parlamentar tucano já poderá voltar a frequentar as dependências do Senado, bem como exercer seu cargo político tranquilamente”.
“Relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Edson Fachin concedeu prisão domiciliar ao ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), aliado do presidente Michel Temer e, como o cacique peemedebista, alvo de denúncia por corrupção ativa sob análise na Câmara. O despacho foi tornado público na tarde desta sexta-feira (30), no mesmo dia em que o ministro Marco Aurélio Mello, presidente da Primeira Turma do STF, decidiu autorizar a retomada das funções parlamentares a Aécio Neves (PSDB-MG), que estava afastado do mandato no Sendo desde 18 de maio.”
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Essas duas decisões monocráticas adotadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal provocaram (e provocam) inúmeras e raivosas reações. As redes sociais, em particular, entraram em polvorosa. Frases como estas foram postadas: “todos são iguais”, “está tudo perdido”, “tá tudo dominado”, “vamos embora do país”, “acabou tudo”, “o Brasil não tem jeito”, “não tem solução”, “isso é o Brasil, sem justiça”, “soltem os ladrões comuns” e “vendidos”.
Não farei nenhuma análise ou crítica acerca das decisões específicas. Entretanto, duas ordens de considerações mais gerais precisam ser realizadas. A primeira, diz respeito aos limites das decisões judiciais, notadamente criminais, como caminho para o equacionamento dos graves e profundos problemas brasileiros, em especial no campo da corrupção e da malversação da coisa pública. A segunda, está relacionada com a tentativa de esboçar a natureza das providências, difíceis e demoradas, para que o caminho de superação de nossas mais tristes mazelas institucionais seja percorrido.
O direito, as providências jurídicas e as decisões judiciais, particularmente no campo penal, são expedientes claramente limitados para o fim de transformar radicalmente a realidade brasileira. Afinal, as condenações definitivas alcançam uma minoria de casos de malversações realizadas. Reclamam, para sua implementação, procedimentos relativamente demorados e trabalhosos. Não é possível, nem aceitável, a supressão de direitos relacionados com o contraditório e a ampla defesa.
As restrições cautelares, relacionadas com prisões provisórias, preventivas e outras providências, envolvem dificuldades maiores ainda, basicamente em função da presunção de inocência inscrita como direito fundamental na Constituição. Assim, em razão das complexas circunstâncias de cada caso, das várias possibilidades de construção de convicções judiciais e mesmo de interesses políticos, são esperadas idas e vindas em definições judiciais que impõem limitações aos mais vis agentes políticos, como nos recentes episódios de Aécio e Loures.
PublicidadeDeve ser registrado que no último dia 3 de julho, o ex-ministro Geddel Vieira Lima, referido como partícipe de longa data, no grupo palaciano, de negociatas de toda ordem, foi preso de forma cautelar.
É certo que pode e deve ser empreendido um esforço no campo das reflexões jurídicas para, resguardados os direitos fundamentais, viabilizar ferramentas mais eficientes de combate à criminalidade generalizada instalada nas mais altas esferas de condução do Poder Público. A criminalidade organizada e sistêmica solapa o Estado Democrático de Direito e o próprio exercício dos direitos fundamentais por milhões de cidadãos.Assim, na atual sociedade complexa e plural não é possível, para casos de criminalidade com amplos efeitos sociais, adotar critérios interpretativos individuais, excessivamente formais, insatisfatórios e ineficientes para a legislação de combate à delinquência institucionalizada. Existem situações marcadas pela prática reiterada, pelo acusado, continuada ao longo de considerável lapso temporal, de uma variedade grande e articulada de ilícitos de extrema gravidade.
Um meliante profissional, com fortíssimos indícios e provas já postas, da prática permanente de formação de quadrilha, coação de testemunhas, destruição de provas, corrupção passiva ou lavagem de dinheiro é um atentado ambulante à ordem pública, à instrução criminal e à aplicação da lei penal. Assim, a prisão preventiva na modalidade de “garantia da ordem pública”, como meio de coartar a prática delituosa contumaz, estará bem assentada no art. 312 do Código de Processo Penal e na jurisprudência mais moderna (HC/STJ n. 332.586 e HC/STF n. 95.024, por exemplo).
Ocorre que mudar os rumos da perversa realidade brasileira, mesmo no campo mais restrito das questões políticas, não passa fundamentalmente por decisões de cunho jurídico-penal. Essas manifestações serão importantes ações acessórias. Relevantes, com maior ou menor peso, dependente do caso e do momento, mas evidentemente secundárias. Com efeito, condenações judiciais são medidas adotadas para punir transgressões. Portanto, os malfeitos já aconteceram.
As causas das disfunções não são propriamente atacadas quando proferidas condenações penais provisórias ou definitivas. Isso aponta para uma necessária mudança de foco. Precisamos apostar em evitar as irregularidades (evitar que o leite seja derramado). A maior parte da energia social e institucional não deve estar voltada para a punição (limpar a sujeira produzida pela queda e quebra dos pratos, vasilhas e copos).
O campo fértil das ações institucionais preventivas reclama cuidadosa atenção por parte da sociedade civil organizada. O atual atoleiro moral, político e administrativo não será superado com uma sucessão de operações policiais e ações jurídico-penais.
Precisamos apostar, com ênfase e forte apoio popular-social, numa combinação de providências que contemple, entre outras: a) uma profunda e democrática reforma político-partidária (sem financiamento empresarial de campanhas, com revogação de mandatos, com eliminação de coligações partidárias proporcionais, entre outras medidas nessa linha); b) fortalecimento efetivo, inclusive com ampla autonomia organizacional e independência funcional, dos órgãos e agentes dos controles interno e externo da Administração Pública (como a Advocacia Pública, os Tribunais de Contas, as Polícias Judiciárias, etc); c) profissionalização radical da Administração Pública (com a supressão de cadeias de comando e obediência baseadas em cargos comissionados de livre nomeação e exoneração); d) adoção ampla do orçamento impositivo (eliminando barganhas relacionadas com liberação de verbas pelos Executivos); e) controle social generalizado sobre as várias ações do Estado (inclusive para garantir a prestação eficiente dos serviços públicos); f) democratização dos meios de comunicação (com garantia de pluralidade de ideias e concepções, sem interferências da “redação para dentro”) e g) revisão criteriosa da escolha de membros dos Tribunais, inclusive de Contas (eliminando quaisquer resquícios de negociações em torno de interesses menores).
Não se trata, é fundamental destacar, de resolução dos graves problemas nacionais a partir de uma cruzada ética de banimento dos degenerados, de conversão dos caídos ou de unção dos puros e limpos. Sem identificação das causas dos males e atuação efetiva sobre essas últimas será impraticável qualquer avanço significativo e consistente.
Destaque-se que o caminho para a solução dos principais problemas brasileiros não passa por “salvadores da pátria” (como um Lula, que se revelou um traidor dos interesses populares mais legítimos por suas práticas e alianças políticas ou algum “apolítico” de fachada, na linha do presidente Trump), produtos de marketing político-eleitoral (como foi Collor no passado ou Dória no presente) ou aprendizes de ditadores (como o caricato Jair Bolsonaro).
Somente a mobilização e conscientização populares, em torno de medidas efetivamente transformadoras, resgatará o Brasil. O princípio ativo das mudanças de fundo, sem prejuízo de combativos e comprometidos representantes e lideranças políticas como seus instrumentos, deve estar centrada na cidadania ativa, no protagonismo da atuação de cada cidadão nos mais variados espaços sociais.
Na arena da grande política institucional de âmbito nacional, é preciso identificar a ligação entre interesses socioeconômicos, medidas transformadoras da realidade numa perspectiva democrática e popular e a atuação política voltada para implementar essas últimas. Decididamente, a ação política de cada cidadão, individual e coletivamente, precisa ir além, muito além, da persecução penal e da execração, inclusive eleitoral, dos transgressores instalados em postos de poder.