Em entrevista publicada neste domingo pelo jornal O Estado de S. Paulo, o governador paulista, Cláudio Lembo (PFL), admite que pode haver inocentes entre os mais de cem mortos pela polícia em resposta aos ataques promovidos por facções criminosas na semana passada. A demora na divulgação dos nomes dos suspeitos mortos e o desencontro de informações entre a Secretaria de Segurança Pública e o Instituto Médico Legal (IML) reforçam a tese de entidades da sociedade civil de que pode estar ocorrendo excesso na ação policial.
"Eu espero que não tenha inocentes mortos. Mas em um momento tão difícil para a Polícia Militar, com todos os confrontos que aconteceram, eventualmente pode ter alguém inocente. É a tragédia humana. Estou lidando com os fatos colhidos no inquérito policial e, pelo que soube até agora, não há. Mas, claro, há essa preocupação. Não só se houve inocentes, o que é profundamente grave. Mas também em relação aos que morreram, policiais e criminosos", diz o governador.
Segundo ele, a polícia seguiu os "parâmetros da legalidade" e não vai divulgar a lista dos mortos para preservar "os direitos humanos das famílias", apesar dos apelos de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério Público. "Não há por que publicar a lista. Se a lista for publicada, as famílias dos mortos terão um reflexo na sua integridade moral. Estamos preservando os direitos humanos das famílias", afirmou. Ele disse que os corpos estão sendo entregues, junto com o registro, aos familiares.
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Balanço divulgado ontem pela Secretaria de Segurança Pública mostra que a guerra entre bandidos e policiais em São Paulo matou até agora 154 pessoas e deixou outras 54 feridas. O número de mortos considerados suspeitos pela polícia de ajudarem as facções criminosas chegou, nesse sábado, a 109.
De acordo com o governo, a lista com o nome de mortos em confrontos no estado só será divulgada após a conclusão dos inquéritos, o que deve demorar cerca de 30 dias. A média de homicídios praticados pela polícia depois do início da onda de ataques é 15 vezes maior do que a cometida no primeiro trimestre do ano assassinatos diários.
Informações desencontradas
A Folha de S. Paulo deste domingo revela que as unidades do IML na Grande São Paulo receberam corpos de 272 pessoas mortas a tiros entre a noite de sexta-feira, quando começaram os ataques, e o fim da tarde da última quarta-feira. Nesses cinco dias, os mais sangrentos dos embates do PCC com a polícia, a Secretaria de Segurança Pública divulgou que havia 138 mortos no estado.
O jornal levanta duas hipóteses para o número elevado de mortes causadas por armas de fogo: ou a violência, sem qualquer relação com os ataques, aumentou muito ou a polícia matou mais. No entanto, segundo o governo, sem a conclusão dos inquéritos não dá para concluir nada.
Laudos recolhidos
O secretário estadual de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, mandou recolher nas unidades dos IMLs todos os laudos de mortes ocorridas em confrontos com a polícia na última semana. A ordem é para que essa documentação, que é pública, fique concentrada em seu gabinete.
Pelo procedimento normal, o laudo seria enviado para as delegacias onde foi registrado o óbito para investigação do caso. Os documentos poderiam também ser remetidos para a Justiça Militar, para a eventual instauração de inquérito. Procuradas pela reportagem, as unidades do IML informaram que já não detinham essa documentação, que ela fora enviada para o gabinete do secretário. A assessoria de Saulo, porém, nega que ele tenha centralizado os laudos.
No documento, um médico legista registra as condições em que o cadáver chegou ao IML, como número de tiros, distância da qual foram disparados e o local do corpo atingido. O laudo cadavérico do IML não é documento sigiloso. É uma peça pública, como o boletim de ocorrência e inquérito policial no qual é anexado. Quando o delegado acredita que sua divulgação pode prejudicar a investigação, solicita a um juiz que decrete segredo de Justiça sobre o caso.
Balanço do terror
Em oito dias, foram registrados 299 ataques e 125 prisões de suspeitos. Ao todo, 149 armas foram apreendidas. Além de quatro cidadãos, foram assassinados 23 policiais militares, sete policiais civis, três guardas metropolitanos e oito agentes penitenciários. Segundo o governo paulista, foram realizados 177 ataques, 12 ao Poder Judiciário, 82 a ônibus, 17 a agências bancárias, 58 a casas de policiais e 5 a imóveis. Uma viatura da CET, uma garagem de ônibus e uma estação do metrô também foram atacados.