Edson Sardinha
Longe de causar constrangimento, o rótulo do qual o candidato Geraldo Alckmin tenta se descolar neste segundo turno é motivo de orgulho para os tucanos, segundo o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). Ex-ministro e líder do governo Fernando Henrique Cardoso, Virgílio defende as privatizações realizadas por FHC e diz que Lula teria acertado se tivesse privatizado mais.
"Primeiro, que privatizar não é rótulo. Não fosse a privatização não estaríamos eu e você com celular. Um estaria esnobando o outro por não ter. Lula não é honesto intelectualmente. Ele é ignorante, mas não é burro", dispara. "Esta é outra contribuição maléfica que o governo do PT e o Lula deram: quantas pessoas estão achando que a privatização foi ruim, que o bonito é estatizar?", diz o senador.
A rigor, de acordo com o líder tucano, apenas quatro instituições federais não podem sair das mãos do Estado. "Quatro empresas não devem ser privatizadas, por várias razões: Petrobras, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Correios. Primeiro, porque algumas não têm nem mercado para privatizar. E, segundo, porque algumas são de capital aberto. Já têm bastante capital privado lá dentro, suficiente para tocar seus projetos. Não é preciso privatizá-las", diz o senador. Há duas semanas, desconfortável com as declarações da campanha de Lula de que iria retomar as privatizações, Alckmin assinou um documento antiprivatista a pedido do PDT.
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Fiel à ironia com a qual dirigiu os seus mais duros ataques ao Palácio do Planalto, Arthur Virgílio acusa Lula de fazer privatizações de uma maneira bem peculiar. "Precisamos, pelo contrário, desprivatizar o Banco do Brasil, a Caixa, os Correios e a Petrobras para evitar Land Rover, Visanet, Expedito Veloso, Maurício Marinho e o coitado do Francenildo, que até hoje está zonzo", afirma, ao citar os principais escândalos que envolveram o atual governo.
"Se Lula ganhar, vou rezar muito"
Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, o tucano descarta qualquer possibilidade de aproximação entre o PSDB e o PT após as eleições, diz que Lula sobreviveu pela combinação de uma conjuntura internacional favorável e a conivência da oposição e diz que a oposição acertou ao não pedir o impeachment do presidente. "Nós teríamos tido sucesso se tivéssemos ido para a rua. Mas acabamos entendendo que não era o correto", diz.
"Ganhando um ou outro, esperam que a gente vá se unir, montar um gabinete juntos? Não tem o menor cabimento isso", afirma. A ironia do tucano não pára por aí. "Se o Geraldo ganhar, vai haver moralização. Se o Lula ganhar, só vai aumentar meu fervor religioso. Vou rezar muito".
Na atual legislatura, ninguém ocupou mais vezes a tribuna do Senado para criticar o governo Lula do que o líder do PSDB. Nascido em uma família com longa tradição política e funcionário de carreira do Itamaraty, o tucano abandona a diplomacia e troca a afabilidade com que costuma tratar os que dele se aproximam ao ouvir o nome de Lula, figura pela qual dizia ter respeito no início do governo. "Não agüento sequer ouvir a voz dele, aquela presunção, aquela vulgaridade, sempre com metáfora de futebol, é Corinthians e Palmeiras, não sei mais o quê. Atrás disso, fraude, corrupção…"
Recém-saído de uma derrota nas eleições do Amazonas, na qual conquistou apenas o terceiro lugar, com 5,5% dos votos, Arthur Virgílio diz que a oposição lutará até o último instante para dar a vitória a Alckmin, mas que também está pronta para aceitar o resultado que vier das urnas. "Temos de lutar e respeitar o resultado das urnas como ele vier e, a partir daí, começar uma análise. Se ganharmos a eleição, beleza. Se não, vamos tocar a luta. Só quem fica agoniado com resultado de eleição é ladrão, que vê eleição como meio de vida. Estamos prontos para o resultado da eleição."
Veja a íntegra da entrevista concedida na última terça-feira, antes da divulgação das últimas pesquisas de intenção de voto para a corrida presidencial.
Congresso em Foco – Em entrevista a este site, o líder do PT, Henrique Fontana, defendeu que governo e oposição baixem as armas a partir desta segunda-feira. O senhor aceita o pedido?
Arthur Virgílio – Esse pessoal está com uma conversa muito militar para o meu gosto. Arma baixada, arma levantada. O que isso significa? Vamos lá, digamos que o Alckmin vença. Eles vão aceitar isso pacificamente? É da índole do PT isso? Seria uma verdadeira surpresa se eles se demonstrassem assim, porque o passado deles todinho desmente isso. Digamos que o Lula vença, o que esperam de nós além do que já está feito? Na semana passada mesmo aprovamos aqui 11 medidas provisórias de uma vez para ajudar o governo a tocar projetos para frente. Agora o que eles esperam? Que nós esqueçamos o dinheiro sujo do dossiê? Que nós decretemos que daqui para frente não precisamos mais nos preocupar com corrupção?
Isso está fora de cogitação?
Eu tenho a psicologia do lutador. E o lutador se concentra na luta. Neste momento estou concentrado na luta e mais nada. Então não venham me dizer que minha conta de luz está atrasada em casa na hora em que estou subindo no ringue, não me digam que a prestação do meu carro também está em atraso ou que bateram no meu carro, não me digam nada. Deixem-me subir no ringue concentrado, pensando só no meu adversário. No dia seguinte, se eu estiver nocauteado, vou meditar sobre o ocorrido. Não sei se o dia seguinte é dia para agonias. E o ministro Tarso Genro diz agora que, na segunda-feira, vai me procurar. Primeiro, ele acha que nós queremos que ele nos procure? Segundo, ele quer fazer o quê? Quer dizer que o Lula vai vencer a eleição? Factóide. Usando o dinheiro público, usando carro oficial, telefone oficial para escrever, dizer e veicular essas bobagens? Então sugiro que eles deixem passar a eleição, aguardem o resultado, façam suas análises, que nós faremos as nossas. Quando é que deixamos de conversar? Vamos ver as coisas substantivas, pega a LDO, ela não passou por quê? Não passou porque tem um dispositivo do governo que visa a desvalorizar o Congresso, a tirar poder do Congresso, a fazer o orçamento entrar em vigor aprovado ou não por nós. Isso eu não aceito nem com Lula nem com Alckmin nem com a minha avó Luiza da Conceição, ninguém me faz aceitar essa emasculação do Congresso Nacional. Sobre a Lei das Micro e Pequenas Empresas, não há acordo entre as partes envolvidas. Quando tiver e se tiver, nós vamos cuidar disso e vamos aprovar. Orçamento? Temos tempo ainda para ver o que é possível fazer.
Mas por que o clima ficou tão exaltado?
Claro, é mentira o tempo todo. O Lula vive dizendo que o Geraldo vai privatizar a Petrobras, o Banco do Brasil… Quem privatizou a Petrobras foi o Lula com aquela história do Land Rover do Silvinho. Quem privatizou o Banco do Brasil foi o Lula com o escândalo do Visanet e esse Expedito Veloso envolvido no dossiê fraudulento. Quem privatizou os Correios foi o Lula com o escândalo que motivou a CPI. Quem privatizou a Caixa Econômica foi o Lula quando quebrou o sigilo do caseiro Francenildo Costa de maneira arbitrária e cruel. Ele chegou a dizer que o Geraldo ia acabar com a Zona Franca de Manaus. Se alguém me pegar numa contradição minha ou um defeito meu real e me derrotar numa eleição, é uma coisa. Outra é alguém colocar palavras na minha boca e fazer esse jogo baixo do qual Lula já foi vítima em alguns momentos da vida dele. Considero isso aí baixo nível e não deixa satisfeito quem está sendo vítima.
Independentemente do resultado de domingo, PSDB e PT continuarão em pólos opostos. O país agüenta mais quatro anos num clima tão belicoso?
Agüentou esses quatro anos, em grande parte, porque teve uma conjuntura internacional muito favorável, ao contrário das crises que assolaram, do exterior para cá, o governo Fernando Henrique. O Lula sobreviveu muito por isso. E sobreviveu por condescendência nossa. Qual foi a matéria que deixamos de votar? Quando negamos apoio a matérias que tinham interesse público? Qual é a outra alternativa? Ganhando um ou outro, esperam que a gente vá se unir, montar um gabinete juntos? Não tem o menor cabimento isso. Se Geraldo ganhar a eleição, eu vou ajudar o meu candidato a governar. Se eu perder a eleição, vou fazer oposição e fiscalizar o governo do presidente Lula. Não tenho que ficar agora expressando sentimento de governabilidade em cima de diretoria de Petrobras. Não quero nenhuma CPI contra mim, não. Não entendo que governabilidade seja se pendurar em cargos públicos e receber benesses. Minha matemática política é mais fácil que dois mais dois são quatro. Aprovamos tudo o que ele quis. Se ele não aprovou mais, foi por causa dos escândalos que o próprio governo Lula engendrou.
Numa autocrítica, que erros a oposição cometeu ao longo destes quatro anos?
Como a gente não comete erros? Se você me pergunta se o principal erro não foi ter jogado o povo na rua para pedir o impeachment de Lula, eu digo que não considero isso um erro. Considero que se houver condição política, jurídica e administrativa para pedir o impeachment de alguém, não hesitarei em pedir.
Mesmo que não haja apoio das ruas?
Se juntar tudo, acaba tendo apoio popular. Nós teríamos tido sucesso se tivéssemos ido para a rua. Mas acabamos entendendo que não era o correto. Mas erros cometemos muitas vezes.
Por exemplo?
A gente erra muito. Estou inseguro se votei certo com o governo no projeto das florestas. Votei de boa fé e fui o verdadeiro líder do governo naquele episódio. Tenho hoje minhas dúvidas.
Na condução das CPIs a oposição deveria ter sido ainda mais incisiva?
Acho que não. Se você for muito incisivo, começa a ficar insultuoso com o depoente e a só facilitar a vida do réu nos tribunais. Ele vai alegar que foi cerceado ou intimidado. Não tenho vocação para ser herói de CPI, para ser aquele que fica pregando uma integridade que dá até para desconfiar dela. Quero obter verdades, não quero obter pânico de ninguém.
O que o PSDB aprendeu com essa experiência na oposição?
Claro que o partido se livrou de muita gente indesejável. O partido viu quem eram os tucanos verdadeiros. Perdeu gordura e ganhou músculos. O partido saiu muito bem na eleição, elegeu bancada expressiva de deputados e senadores e governadores importantíssimos, como São Paulo e Minas, e pode eleger no Rio Grande do Sul. O partido não pode se queixar da compreensão do povo para com ele.
É possível ainda votar algo nos próximos dois meses no Congresso com todo esse clima de animosidade, qualquer que seja o resultado das eleições?
Vamos ver. A gente não pergunta para o lutador nada que não seja a luta. Não estou querendo saber qual será o próximo adversário. Estou no ringue, focado no meu adversário.
Então, que golpe Alckmin pode dar até domingo para reverter as pesquisas?
Lutar. Você luta para perder ou para ganhar. Você luta para engrandecer a democracia, respeitar o povo, que pagou o ingresso. Temos de lutar e respeitar o resultado das urnas como ele vier e, a partir daí, começar uma análise. Se ganharmos a eleição, beleza. Se não, vamos tocar a luta. Só quem fica agoniado com resultado de eleição é ladrão, que vê eleição como meio de vida.
O senhor não acredita no resultado das pesquisas que apontam larga vantagem de Lula sobre Alckmin?
A opinião do Marcos Coimbra, do Vox Populi, ou do Carlos Augusto Montenegro, do Ibope, não está me interessando agora. Está me interessando o que vai sair das urnas no dia 29. Nosso tracking (pesquisa telefônica diária) diz que a diferença de Lula para Geraldo é bem menor, ele mostra também a aceitação do horário eleitoral e o desempenho do nosso candidato nos debates. Estamos prontos para o resultado da eleição. Sou democrata, a eleição pode ser favorável ou não. Quando ela é favorável, não me envaidece. Quando é desfavorável, não me esmorece. Vou tocar minha vida.
O PSDB não consegue mais se livrar do rótulo de privatista?
Primeiro, que privatizar não é rótulo. Não fosse a privatização não estaríamos eu e você com celular. Um estaria esnobando o outro por não ter. Lula não é honesto intelectualmente. Ele é ignorante, mas não é burro. É inteligente, tem uma inteligência esperta até demais, ele sabe que, no tempo da Telebrás, as pessoas colocavam no imposto de renda que tinham linha telefônica. Hoje nós temos 100 milhões de celulares e 100 milhões de aparelhos fixos. Há muito mais empregos hoje do que nas telecomunicações do que na época da Telebrás. Ou a Vale do Rio Doce teria progredido do jeito que progrediu se não tivesse sido privatizada? Que sentido tinha o Brasil ser dono da Companhia Siderúrgica Nacional? Que sentido tinha nós termos uma Embraer falida em vez desta Embraer pujante que o Lula se vangloria de estar exportando aviões como se ele tivesse idealizado a Embraer? Com a Embraer, privatizada, é que foi possível chegar a esse resultado. Isso aí é combustão espontânea.
O que ainda pode ser privatizado num eventual governo Alckmin?
O Lula não privatizou o IRB e ele teria feito acertadamente a privatização do IRB, porque o Palocci caiu por corrupção e acusado de quebrar fraudulentamente o sigilo do caseiro Francenildo. Hoje ele não se lembra que o principal nome da política econômica dele, que é aquele enorme e excelentíssimo economista Marcos Lisboa, foi deslocado da secretaria de Política Econômica para moralizar e privatizar o IRB. Não foi o Lula que privatizou bancos federais, como o do Ceará? Não vejo nada demais. Tinha de ter feito isso mesmo. Tem sentido o banco ficar ali para o político sacar dinheiro para o seu apadrinhado ou para sua sobrinha montar um negócio graças a um dinheiro que ela não vai pagar nunca? Quatro empresas não devem ser privatizadas por várias razões: Petrobrás, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Correios. Primeiro, porque algumas não têm nem mercado para privatizar. E, segundo, porque algumas são de capital aberto. Já têm bastante capital privado lá dentro, suficiente para tocar seus projetos. Não é preciso privatizá-las. É preciso é reestatizá-las, tirá-las dos amigos de Lula tão sequiosos para auferir vantagens pessoais ou em favor do PT. Precisamos, pelo contrário, desprivatizar o Banco do Brasil, a Caixa, os Correios e a Petrobras para evitar Land Rover, Visanet, Expedito Veloso, Maurício Marinho e o coitado do Francenildo, que até hoje está zonzo. Se fosse no Itaú, quebravam o sigilo dele? Não quebravam. Esta é outra contribuição maléfica que o governo do PT e o Lula deram: quantas pessoas estão achando que a privatização foi ruim, que o bonito é estatizar? Por que ele não estatizou a Vale do Rio nestes quatro anos? Por que ele aceitou a privatização do IRB depois que o Palocci caiu? Por que privatizou bancos que tinham sido federalizados? Duas atitudes que são tão diversas desse discurso barraqueiro dele.
O senhor dizia no início do atual governo que tinha respeito pessoal por Lula. Esse respeito ainda existe?
Nenhum mais. Não agüento sequer ouvir a voz dele, aquela presunção, aquela vulgaridade, sempre com metáfora de futebol, é Corinthians e Palmeiras, não sei mais o quê. Atrás disso, fraude, corrupção… É normal um partido deste porte perder três ou quatro presidentes acusados de fraude e corrupção, malversação de dinheiro público, envolvimento com dinheiro fajuto? É duro demais.
E como se daria a relação entre Alckmin e o Congresso?
Alckmin tem uma base de governabilidade muito maior do que Lula. No Senado ele tem o PSDB e o PFL todo. Mesmo na Câmara ele tem apoio de segmentos importantes.
Mas na Câmara ele teria apoio de partidos como o PL, o PP, o PMDB e o PTB que costumam apoiar qualquer governo e que estiveram envolvidos com o mensalão também…
O importante é você dizer para os parlamentares que o projeto é este, como fez o Fernando Henrique. Lula não tinha projeto nenhum. Os caras votaram pelo dinheiro e aconteceu o que aconteceu. Foi uma coisa muito dolorosa. Toda a turma de opinião do PT perdeu muito voto ou a eleição este ano. A turma do vai que vai é que ganhou. O governo Lula foi danoso à história do país.
E o que vai acontecer nos próximos quatro anos?
Se o Geraldo ganhar, vai haver moralização. Se o Lula ganhar, só vai aumentar meu fervor religioso. Vou rezar muito.
E vai pedir o quê?
Que o Brasil saiba passar por mais essa provação. A história do povo brasileiro é de superar provações.
Eleito, no que depender da oposição, ele conclui o segundo mandato?
Desejo que o Brasil tenha vida institucional normal. Mas nunca se sabe.
O senhor não descarta o pedido de impeachment?
Não há projeto para isso. Na minha cabeça, não.
Por enquanto não há elementos para isso?
Não vamos entrar para pedir impeachment. A primeira coisa é tentar derrotá-lo nas urnas. Se não ganharmos, fiscalizar. Se por ventura ele merecer um pedido de impeachment, com o maior constrangimento, iremos fazê-lo.
A oposição, no eventual segundo governo Lula, será redobrada?
Não foi brincadeira a fiscalização que fizemos. Tomamos conta de tudo. Não precisamos nos exceder.