Em 2006, ao se ver definhando após duas acachapantes derrotas eleitorais, a direita partidária se viu encurralada. O discurso da irresponsabilidade econômica, após os sucessivos superávits do início da era Lula não assustava mais o mercado e, menos ainda, o povo. Lula era um sucesso, se reelegeu mesmo após a frustrada tentativa de sangramento com o mensalão – quando o PT jogou Dirceu, Gushiken e Genoino às hienas. Ali está a gestação do submundo moral e político que vivemos hoje. Pela ação da direita em transição e pelo espírito castrati em gestação no PT.
Na falta de argumentos na seara econômica, com a criação de empregos, ampliação da educação pública e injeção de investimentos estatais na economia, o discurso oposicionista se esvaziou. A grita contra o “inchaço” da máquina naqueles tempos de crescimento só encontrou ressonância na grande imprensa e no “mercado”. Buscou-se uma outra opção, a trilha do conservadorismo cultural e moral. Em 2009, o DEM, antigo PFL, ex-Arena, junção do “tudo que não presta”, impetrou uma ADPF no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a instituição de cotas raciais pela UnB. Ali se desenhava uma transição de agenda da direita partidária, do neoliberalismo adotado durante os anos FHC, com ares de moderninho para a direita moralista e antiquada que temos hoje. Essa trajetória começou pelo DEM, mais rançoso e atrasado, ruralista, na época diferente do PSDB urbano e acadêmico de Montoro, Covas e FHC. Hoje, a diferença está no endereço.
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Nesse diapasão, após alimentar o debate contra as cotas no Judiciário e depois no Congresso, a direita partidária começou a perscrutar a permeabilidade dos brasileiros, em especial o Eixo São Paulo-Sul, com as políticas afirmativas e a ascensão social de camadas mais pobres, parte exponencial no eixo Norte-Centro-Oeste-Nordeste. A ascensão dessas camadas, mesmo lenta e gradual não se mostrou segura, pois sem base ideológica forte e consistente na sociedade. Logo, a adesão da classe média foi se tornando progressiva.
Na sequência, vieram os ataques cotidianos nas tribunas do Congresso repercutidos pela revista Veja e pelo Jornal Nacional. Além dos negros, roubando – chamem a PM paulista! – vagas dos jovens brancos de classe média que tanto se esforçavam por uma vaga na universidade pública, pobres e miseráveis, carregados de filhos, estavam recebendo benesses do Estado enquanto a classe média sofria com seus quase 30% de imposto de renda, além dos gastos acumulados com convênio médico, colégio particular…
Essa transformação no discurso e na trajetória da direita partidária, que tinha no PSDB uma promessa de direita moderna e “antenada”, mais Wall Street que Mississipi, não ocorreu isolada. Deputados e senadores conservadores e atrasados já faziam parte do embrião do chamado centrão de hoje. Contudo, esses partidos nunca tiveram um eleitorado orgânico, sendo mais um ajuntado de coronelismos regionais. O conservadorismo latente era mitigado pelo fisiologismo natural. Mais que ter uma opinião consolidada e pública sobre as questões nacionais, que desse uma conformação da ideia de partido, esses ajuntamentos priorizavam seu naco no governo de ocasião.
Fosse outro o cenário no Governo Federal, talvez essa agenda não tivesse ganhado tanto corpo. Porém, a estratégia de dependência dos partidos do “centro” somada à postura autoritária de Dilma Roussef e à composição conservadora do seu ministério só alimentaram o monstro. Gleisi Hoffmann, Aloisio Mercadante, Antônio Palocci… no governo só mudavam de sala e de nome. Ao que parece, o choque do impeachment trouxe Gleisi para a realidade existente além dos campos de milho e trigo do Paraná e do mármore gelado do Planalto.
É dessa época que se registra um dos grandes erros do governo Dilma. O veto ao programa Escola Sem Homofobia. Ao ceder a uma mentira criada pelos partidos conservadores da base, Dilma renunciou, como fizera outras vezes, à uma das mais belas possibilidades da política: o diálogo, a antítese, a produção de sínteses. Mais que fazer isso com o Congresso, Dilma poderia tê-lo feito com o povo. Não o fez e permitiu que se propagasse uma mentira. O impacto social dessa atitude vai muito além da restrição à circulação daquele material de apoio aos professores.
Passo contínuo foi a campanha de 2012 na cidade de São Paulo. Aquela eleição marcou a transição definitiva do PSDB, quando José Serra encabeçou uma campanha marcada pela importação de Silas Malafaia para coordenar sua agenda cultural e moral. Os temas morais foram trazidos ao centro do debate eleitoral, temas como aborto, legalização das drogas, direitos LGBT tomaram uma importância desproporcional em uma eleição municipal. Embora seja razoável que os eleitores queiram saber a opinião de seus candidatos sobre todos os temas, essas agendas estão fora das competências municipais. Diretamente, a opinião de um prefeito sobre esses assuntos deveria ter pouca relevância. Mas teve e o resultado àquela época pode ser condensado em uma frase de Fernando Haddad “não faremos política com o submundo”.
O problema é que, em que pesem as poucas vozes dissonantes, Haddad entre elas, o submundo tem ganhado espaço na política e na sociedade. O ocorrido recentemente com a exposição Queermuseu e o Santander não deveria nos surpreender. Quando a política cede espaço ao submundo, por que esperar algo diferente de um banco?
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