Por Fátima Sousa, Chico Sant’Anna, Maria José Maninha e Rubens Bias*
A situação se arrasta há muito tempo, mas chegou a um auge inimaginável. Quem depende dos hospitais públicos de Brasília sabe que a rede está em péssima situação. No descaso com a saúde, nem as crianças estão a salvo. Famílias e mais famílias buscam cotidianamente atendimento para suas crianças doentes e são mandadas de volta pra casa, sem nem saber se o problema é grave ou não. Serviço pediátrico na rede pública virou raridade.
Nos últimos dez anos, 2009 a 2018, a redução do número de leitos pediátricos foi de 36%. O Distrito Federal, Unidade da Federação mais rica do país, não consegue garantir a dignidade nem de quem está com a vida em risco.
Embora no campo das leis, a saúde seja direito de todos e dever do Estado e a criança é prioridade absoluta, na realidade candanga, os hospitais públicos do DF estão sem pronto-socorro pediátrico. A situação crítica envolve outras áreas igualmente essenciais: UTIs, tratamento do câncer, são apenas alguns exemplos.
De 2014 a 2017, enquanto a população do DF crescia a taxas anuais de 2,6%, a oferta de leitos de UTIs foi reduzida em 30%. O resultado dessa escassez de atendimento representou, entre 2014 e 2017, a morte de mais de 1.200 pessoas na fila de espera das UTIs.
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Os avanços que a medicina proporcionou no tratamento do câncer não chegam aos pacientes simplesmente por que na assistência oncológica também existe uma espera que ultrapassa mais de um ano pelo inicio do tratamento. Mais de 300 pacientes estão à espera do inicio da radioterapia na rede pública. A regra básica de proceder a terapia o mais precoce possível, simplesmente não acontece. E olhem que existe uma lei federal que fixa em 60 dias o prazo máximo para que o tratamento seja iniciado.
O GDF apenas começou a se preocupar com a fila de quase mil pessoas que aguardavam esse tratamento depois que a Defensoria Pública e o PSOL entraram com ações na justiça.
Amparados pela famigerada Lei de Responsabilidade Fiscal, que define limites para os gastos do governo, o GDF condena centenas, ou milhares de pessoas à morte. Economiza-se matando as pessoas. Ao mesmo tempo que que áreas, como Publicidade e Propaganda, têm seus orçamentos reforçados. A prioridade de gastos do GDF desconsidera a necessidade de garantir o tratamento de saúde digno à população. O equilíbrio das contas públicas não deve representar risco à vida de uma criança sequer.
Os marcos jurídicos que regulam os gastos públicos, a chamada responsabilidade fiscal, não podem desconsiderar a responsabilidade social. Faz se necessário uma legislação que assegure que ninguém vai morrer para que o Estado pague dividas a bancos e financeiras para garantir isenções fiscais de grandes e poderosas empresas.
Urge definir os limites daquilo que o Estado não pode deixar de garantir aos seus cidadãos. E a Saúde, o tratamento digno, deve encabeçar os direitos da cidadania sobre os da especulação financeira.
É isso que esperamos.
Governar é realizar escolhas. E as escolhas que têm sido feitas por nossos governantes nos últimos tempos não tem sido nem pela Saúde, nem pelas crianças.
Por um DF justo e saudável.
* Fátima Sousa é professora e ex-diretora da Faculdade de Ciências da Saúde da UnB. (2014-2018);
Chico Sant’Anna é Jornalista, ex-coordenador de Comunicação do Ministério da Saúde (1986 – 1987) e ex-diretor de Comunicação em Saúde da Secretaria de Saúde do DF (1996-1998);
Maria José Maninha é médica e ex-secretária de Saúde do Distrito Federal (1996-1998); e
Rubens Bias é analista de Políticas Sociais do Ministério da Saúde.
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